Resenha de “Por Que as Nações Fracassam: as Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, de Daron Acemoglu e James Robinson, por Gustavo Resende Mendonça
A
busca pela origem do desenvolvimento econômico é um dos inquéritos
fundamentais das Ciências Sociais, particularmente da Economia. Em 1776,
Adam Smith se debruçou sobre o tema, em “A Riqueza das Nações”, e
concluiu que a prosperidade dos Estados deriva de sua capacidade
produtiva, não do acumulo de metais preciosos. A noção de que boas
políticas – como baixas tarifas aduaneiras – podem acelerar o
desenvolvimento permeia o tratado clássico de Smith. Já no século XX,
Max Weber, em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”,
enfatizou os aspectos culturais que favorecem a abundância material.
Recentemente, Why the West Rules,
de Ian Morris, argumentou que a geografia é o principal determinante
das diferenças econômicas entre as nações. As três explicações –
cultural, geográfica e política – possuem diversos defensores e
permanecem relevantes atualmente. “Por Que as Nações Fracassam”, obra de
Daron Acemoglu e James Robinson, no entanto, refuta as explicações
anteriores e argumenta que o desenvolvimento econômico é derivado da
qualidade das instituições políticas e econômicas das nações.
O
argumento central de “Por que as Nações Fracassam” reside na diferença
entre instituições econômicas inclusivas e extrativistas. Segundo os
autores, instituições econômicas inclusivas são aquelas que permitem que
a riqueza seja disseminada pela sociedade, enquanto instituições
econômicas extrativistas são aquelas que concentram a renda em uma elite
privilegiada. Embora breves surtos de crescimento econômico sejam
possíveis na vigência de instituições extrativistas, o desenvolvimento
só será sustentável na presença de instituições econômicas inclusivas.
Acemoglu e Robinson ilustram as diferenças entre os dois tipos de
instituição ao comparar o Norte e o Sul dos Estados Unidos durante a
Guerra de Secessão: o Sul era relativamente mais pobre porque era
organizado economicamente em latifúndios e empregava mão-de-obra escrava
– instituições altamente extrativistas -, a economia do Norte, por
outro lado, era caracterizada pela indústria e pelo trabalho
assalariado, instituições mais inclusivas.
O
desenvolvimento de instituições econômicas inclusivas, no entanto,
depende do surgimento de instituições políticas igualmente inclusivas.
Os autores definem instituições políticas inclusivas como aquelas que
promovem a pluralidade e a centralização política. Em síntese, as
instituições políticas serão inclusivas se atenderem a um conjunto amplo
de diferentes interesses e representarem uma grande diversidade de
atores políticos. Em contrates, instituições políticas extrativistas são
erigidas para proteger os interesses de um elite privilegiada e para
restringir a participação política a um grupo seleto de atores. A
Inglaterra do Século XIX é um exemplo de organização institucional
política relativamente inclusiva, uma vez que o Estado conferia direitos
a uma ampla gama de indivíduos e várias coalizões estavam envolvidas no
jogo político. A China de Mao Tsé-Tung, por outro lado, era
caracterizada por instituições políticas intensamente extrativistas, uma
vez que o poder era concentrado em um pequeno grupo (ou mesmo em apenas
um indivíduo) e a ação do Estado não era limitada por direitos
individuais de qualquer espécie.
Na
construção teórica de Acemoglu e Robinson, a política determina a
economia. Os autores rejeitam a “teoria da modernização”, que advoga que
o crescimento econômico eventualmente resulta em instituições políticas
democráticas. Apontam que, na primeira metade do século XX, países
ricos e com sistemas educacionais eficientes – como Japão, Alemanha e
Argentina – sucumbiram a ditaduras repressivas, fato que demonstra que
as instituições econômicas não determinam as instituições políticas.
Organizações inclusivas, por outro lado, promovem instituições
econômicas inclusivas porque estimulam a inovação, asseguram os direitos
de propriedade e protegem os trabalhadores da exploração e da miséria.
Instituições políticas extrativistas, por sua vez, temem a inovação
econômica e a “destruição criativa” provocada pelas instituições
econômicas inclusivas, uma vez que a riqueza disseminada pela sociedade
pode solapar as bases do poder político concentrado na mão de poucos. Os
autores argumentam que o crescimento econômico no contexto de
instituições políticas extrativistas é baseado na alocação forçada de
recursos em atividades rentáveis, não na inovação e na “destruição
criativa” (o colapso de alguns setores defasados para que outros mais
eficientes possam surgir). Nesse sentido, o crescimento sustentável e o
desenvolvimento econômico são possíveis apenas na presença de
instituições políticas inclusivas.
“Por
Que as Nações Fracassam” argumenta que as bases para o desenvolvimento
econômico são a tecnologia, a educação e a estabilidade política. A
inovação tecnológica só é viável na presença de instituições políticas
inclusivas, uma vez que as autocracias temem a inovação e o impacto
desestabilizador da “destruição criativa”. De forma análoga, um sistema
educacional de qualidade depende da liberdade de expressão e da livre
circulação de informações, ausentes em instituições políticas
extrativistas. Por fim, instituições políticas extrativista são, por
definição, instáveis, uma vez que o poder concentrado gera riquezas
extraordinárias e grandes incentivos para violentas disputas
oligárquicas. A natureza instável da política no contexto das
instituições políticas extrativista é expressa pela “lei de ferro da
oligarquia”, que articula que disputas de poder entre oligarquias quase
sempre resultam na manutenção de regimes extrativistas, mesmo que uma
nova elite tome o lugar dos antigos oligarcas.
Após
estabelecer que a organização política é central para o desenvolvimento
econômico, Acemoglu e Robinson procuram demonstrar como as instituições
inclusivas surgem. Segundo os autores, o processo histórico, eventos
críticos e pequenas diferenças institucionais são fundamentais para
alimentar o ciclo virtuoso inclusivo. Por vezes, acontecimentos
fortuitos são fundamentais, como no papel desempenhado pela peste negra
no processo de extinção do feudalismo. O feudalismo – uma instituição
política substancialmente extrativista – era baseado na exploração de um
amplo contingente de trabalhadores pelos senhores feudais, cujo poder
derivava da posse de escassos suprimentos de terra. Com a peste negra, a
mão-de-obra se tornou o fator de produção escasso e a terra abundante,
fato que solapou o poder dos barões feudais. Regiões que não foram tão
atingidas pela peste negra, como a Europa Oriental e o Japão, seguiram
dominadas pelo feudalismo, enquanto a Europa Ocidental, bastante
acometida pela doença, se tornou mais livre. O processo histórico também
é fundamental, uma vez que pequenas diferenças institucionais geram uma
grande diferenciação organizacional ao longo do tempo. Na Inglaterra,
por exemplo, a presença de um parlamento e de parcos diretos de
propriedade da terra geraram as condições críticas para a disseminação
de poder político e para a criação da revolução industrial.
A
conclusão de “Por Que as Nações Fracassam” é que o desenvolvimento da
economia de uma nação é diretamente proporcional à qualidade de sua
democracia. As nações fracassam porque são autárquicas, porque não
superaram um modelo político que monopoliza o poder e porque quando a
política é um jogo de poucos participantes, a riqueza se concentra.
Acemoglu e Robinson avaliam que suas conclusões têm três implicações
fundamentais para o mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, a ajuda
humanitária internacional dificilmente tem o poder de mudar a realidade
econômica dos países em desenvolvimento, uma vez que não altera o
desenho institucional dessas nações. Em segundo lugar, a percepção de
que o autoritarismo pode ser eficiente na promoção do desenvolvimento é
ilusória. Embora regimes autoritários possam gerar surtos de
crescimento, são incapazes de promover o desenvolvimento econômico
sustentável. Por fim, os autores avaliam, de forma controversa, que o
crescimento econômico da China eventualmente será solapado pela natureza
extrativista das instituições políticas chinesas. Segundo Acemoglu e
Robinson, a China tem logrado uma expansão econômica acelerada devido a
um modelo que aloca compulsoriamente a mão-de-obra em setores rentáveis,
notadamente indústrias voltadas para a exportação. Eventualmente, o
déficit educacional e de inovação irá reduzir o crescimento econômico
chinês e frustar a jornada do país rumo ao desenvolvimento.
“Por
Que as Nações Fracassam” rapidamente alcançou grande relevância
internacional. A obra foi eleita como uma das mais importantes de 2012
pela revista The Economist e
aclamada por autores como Niall Ferguson, Thomas Friedman e Martin
Wolf. A construção teórica de Acemoglu e Robinson, elegante e robusta,
tem a grande vantagem de escapar do determinismo cultural e do
paternalismo das prescrições de políticas públicas. A obra também é
permeada por um grande eruditismo, uma vez que o espectro de exemplos
citados pelos autores abrange desde reinos pré-coloniais da África
sub-saariana até o Brasil contemporâneo. “Por Que as Nações Fracassam”
também ignora fórmulas eurocêntricas e reconhece que o desenvolvimento é
um fenômeno singular e marcado por particularidades específicas às
diferentes realidades nacionais.
A
obra de Acemoglu e Robinson, no entanto, é passível de diversas
críticas. Arvind Subramanian, em sua resenha do livro, aponta
corretamente que “Por Que As Nações Fracassam” não explica corretamente
as diferenças de renda entre China e Índia. A Índia é um país muito mais
democrático e inclusivo que a China, mas, no entanto, o PIB e a Rendaper capita indiana
são apenas uma fração dos respectivos indicadores chineses. Ademais,
embora seja uma obra de grande ambição e alcance, “Por Que as Nações
Fracassam” conta com poucos indicadores econômicos e estatísticas
comparativas, fato que enfraquece o argumento da obra. Por fim, as
explicações de Acemoglu e Robinson para as origens das instituições
políticas inclusivas precisam ser suplementadas. De fato, devido ao seu
intuito de romper com os paradigmas das explicações geográficas e
culturais, os autores podem ter perdido valiosos aportes complementares
que ambas as tradições poderiam fornecer.
ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por Que As Nações Fracassam: As Origens do Poder, Prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. ISBN: 976-0-307-71921-8Gustavo Resende Mendonça é Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB (gustavo.mendonca@itamaraty.gov.br).
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