quinta-feira, 19 de junho de 2008

Mar esquentou 50% mais que o previsto, diz estudo




CLAUDIO ANGELO
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Os oceanos do planeta estão esquentando 50% mais do que se imaginava até agora, e isso pode fazer com que as previsões sobre o aumento do nível do mar no fim deste século fiquem mais próximas do pior cenário. A estimativa é de um estudo australiano, liderado por uma oceanógrafa paulista.

A pesquisa, publicada na edição de hoje da revista científica "Nature", afirma que os cientistas estavam subestimando a chamada expansão térmica, o aumento do volume do mar em razão do aquecimento da água.
Ela faz, pela primeira vez, um cálculo preciso do quanto da elevação observada no nível global dos oceanos de 1961 a 2003 pode ser atribuído a essa expansão e o quanto é culpa do derretimento das geleiras causado pelo aquecimento global.

Esse balanço mundial do nível do mar vinha tirando o sono dos oceanógrafos. No famoso relatório publicado no ano passado pelo IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, a soma da contribuição do degelo e do aumento de volume eram menores do que a elevação média de fato observada no período.

Isso levou muita gente a desconfiar que os modelos climáticos estivessem errados. Afinal, o que faz a qualidade de um modelo é a precisão com a qual ele consegue reproduzir o clima medido no passado.

Entra em cena Cátia Domingues, da Csiro, organização nacional de pesquisas da Austrália. A cientista e seus colegas John Church e Susan Wijffels descobriram que os modelos estavam certos: erradas estavam as observações.

Os dados de observação usados pelo IPCC se baseavam em estudos do americano Sydney Levitus e do japonês Masayoshi Ishii, que fiaram-se em medições feitas com um aparelho chamado XBT (batitermógrafo descartável, na sigla em inglês).

"O XBT parece um torpedinho que a gente lança ao mar para medir temperatura. O problema é que ele não mede profundidade", diz Carlos Eiras Garcia, da Furg (Fundação Universidade de Rio Grande), ex-orientador de mestrado de Domingues. A relação entre temperatura e profundidade, fundamental para saber o quanto cada camada do oceano aquece, era dada por uma equação matemática. "Essa equação estava errada." diz Garcia. Os XBTs "esconderam" a real taxa de expansão térmica do mar.

E não era só isso: o método usado por Levitus e Ishii para inferir a temperatura da camada mais superficial do oceano (até 700 metros de profundidade) em regiões onde não havia medições feitas, como o hemisfério Sul, também tinha falhas. O grupo australiano descobriu a origem desses dois erros e refez todas as contas.

"Nós já esperávamos alcançar resultados mais precisos, porque fomos os primeiros a corrigir os vieses nas observações de temperatura do oceano", disse à Folha Domingues, 36. "Agora, exatamente qual seria a diferença nós não sabíamos. Quando terminamos os cálculos e comparamos com os resultados de Levitus e Ishii, quase caímos para trás!"

A nova estimativa coloca finalmente os modelos em concordância com as observações, embora a elevação anual do nível do mar estimada por Domingues e colegas (1,6 mm) seja um pouco menor que o estimado pelo IPCC (1,8 mm).

O problema é que, como o mar está esquentando mais rápido do que se pensava, a elevação final em 2100 tende também a ser maior. Os cenários do IPCC indicam uma subida de 18 cm a 59 cm no fim do século. "Este e outros resultados indicam que ela tende ao limite superior", diz a brasileira.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ambiente/ult10007u413932.shtml

A casa caiu




Jornalista conta em livro como o aquecimento global já afeta o planeta. A resenha do livro "Planeta Terra em Perigo -O Que Está, de Fato, Acontecendo no Mundo", de Elizabeth Kolbert e pela Editora Globo, é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-06-2008.

Eis a resenha.

São muito poucas as pessoas que podem dizer que assistiram ao fim do mundo e voltaram para contar a história. A jornalista americana Elizabeth Kolbert é uma delas. E que história ela conta: quem ainda tem uma pontinha de dúvida sobre a dimensão do estrago que o aquecimento global já está causando deveria imediatamente ler "Planeta Terra em Perigo", livro de Kolbert recém-lançado no Brasil.

Quem acha, por outro lado, que a crise climática pode ou vai ser solucionada antes que seja tarde demais talvez não devesse nem abrir o livro: em vez de se render a uma visão otimista do futuro da humanidade, como faz Al Gore, Kolbert prefere se ater aos fatos.

E os fatos são feios.

A americana, que passou anos cobrindo política antes de se debruçar sobre a questão ambiental, foi destacada pela revista "The New Yorker" para correr o mundo atrás de evidências do aquecimento global. Isso aconteceu em 2004, antes de Gore lançar seu filme, quando a sigla IPCC ainda precisava de explicação.

Kolbert viajou da Groenlândia à Antártida, visitou vilas esquimós que precisaram mudar de lugar devido ao degelo marinho no Ártico, viu casas rachadas pela desintegração do permafrost no Alasca. E falou com cientistas, dezenas de cientistas. O resultado foi a série de três reportagens "The Climate of Man", expandida e editada em 2005 nos EUA na forma do livro "Fieldnotes From a Catastrophe" ("Diário de uma Catástrofe" - título inexplicavelmente alterado, para pior, na edição brasileira).

O que a repórter viu foi o começo do fim do mundo como o conhecemos. Talvez a elevação sem precedentes nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera não seja o momento final da civilização ou a extinção da espécie humana. Mas certamente o aquecimento global do Antropoceno (Período geológico marcado pela transformação da Terra pelo homem) mudará a face do planeta com uma velocidade jamais observada.

Mudanças climáticas bruscas, explica a autora, sempre fizeram parte da história da Terra. Mas a civilização humana, iniciada com a invenção da agricultura, há 10 mil anos, coincidiu com um período de estabilidade ímpar do clima, após a última era glacial.

Lições dos acádios

Do clima benigno dependeram os assentamentos humanos permanentes que deram origem às cidades e, com o tempo, à sociedade moderna. Ao lançar gás carbônico no ar para gerar energia e mover carros e fábricas, os seres humanos já estão rompendo essa estabilidade. E clima instável significa fome, guerra e morte.

Que o diga o império acádio, criado há 4.300 anos na Mesopotâmia. Kolbert conta sobre as pesquisas científicas que concluíram que os acádios foram extintos devido a uma mudança climática brusca - natural - por volta de 2.200 a.C.

"Pegos de surpresa, os acádios atribuíram sua sorte à vingança divina", escreve. "Por outro lado, as alterações climáticas previstas para o próximo século podem ser atribuídas a forças cujas causas são conhecidas e cuja magnitude pode ser determinada por nós."

Determinar o tamanho do impacto tem sido muito mais fácil do que convencer os governos a agir a tempo de evitá-lo. Em um dos pontos altos do livro, Kolbert descreve em tom de tragicomédia seu encontro com Paula Dobriansky, funcionária da diplomacia de George W. Bush encarregada durante oito anos de bloquear toda e qualquer tentativa de acordo internacional contra emissões.

Dobriansky responde a todas as questões da repórter com a mesma frase: "Nós agimos, aprendemos e depois agimos novamente". Kolbert não precisa de muitas palavras e não usa sequer um adjetivo para qualificar a posição do governo de seu país sobre o tema.

As críticas, no entanto, não se voltam apenas aos Estados Unidos. A expansão das termelétricas a carvão na China, relata a autora, anula "em menos de duas horas e meia" a economia de energia feita em uma década pela cidade americana de Burlington, no ecologicamente correto Estado de Vermont.

Por sua sobriedade, "Planeta Terra em Perigo" aparentemente funciona como uma espécie de antídoto ao alarmismo escatológico das ONGs. Trata-se, no entanto, de mera aparência. Kolbert expressa suas opiniões pela boca de seus entrevistados. Um deles, Robert Socolow, da Universidade de Princeton, dá o recado: "Já trabalhei em vários setores nos quais havia as opiniões dos leigos e opiniões dos cientistas. Quase sempre os leigos são mais ansiosos (...) No caso do clima, os especialistas são justamente os mais preocupados".