9/11/2008
'A luta contra o conservadorismo continua'. Entrevista com Michael Hardt
“A política não acabou porque Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos”, diz Michael Hardt, autor, junto com Antonio Negri, de “Império”, que, durante alguns anos, foi uma espécie de bíblia antiimperialista para os movimentos sociais de esquerda. Otimista com a vitória do democrata, Hardt acha que os pacifistas e os grupos de defesa dos direitos humanos poderão, a partir de agora, ser mais ambiciosos em suas campanhas, porque não precisarão desperdiçar energia lutando por causas básicas como a proibição da tortura e o fechamento de Guantánamo, em Cuba. “A luta contra o conservadorismo tem que continuar”, conclama Hardt.
A entrevista é de Helena Celestino e publicada pelo jornal O Globo, 09-11-2008.
Houve uma grande mobilização para eleger Obama, especialmente entre os jovens. O senhor acha que uma nova geração foi conquistada pela política?
Esta é a pergunta que estou me fazendo: como vai ser a relação de Obama com os jovens, os movimentos sociais. Todas essas pessoas que se mobilizaram na eleição vão voltar para a casa ou vão ter representantes no governo ou mesmo continuarão ativas e, eventualmente, vão protestar contra Obama? Muito desse movimento internacional a favor de Obama foi criado pelos grupos pacifistas, pelos grupos contra a globalização capitalista. Penso que pode acontecer uma situação similar à dos governos de esquerda na América Latina, com uma relação questionável entre governo e movimentos sociais, como vem acontecendo no Brasil, na Bolívia, no Equador.
O discurso de Obama é de pragmatismo político, entendimento racial...
De um lado, é importante não acreditar neste discurso de que acabaram os conflitos raciais e as tensões por causa da luta contra a guerra. De outro lado, é importante ter uma nova plataforma com a qual os movimentos sociais podem se conectar. Ou, dito de outra maneira, os movimentos sociais vão poder ser muito mais inteligentes e produtivos do que no período Bush. Nos últimos anos, tivemos de nos concentrar em temas óbvios, em assuntos que não deveriam estar mais em questão, como tortura, fechamento de Guantánamo, guerra do Iraque. Claro que não se pode torturar e que Guantánamo tem de ser fechada.
Esses assuntos agora deixarão de ser motivo de polêmica e poderemos lutar por coisas mais importantes. Agora, os movimentos sociais poderão ser mais produtivos e terão novas oportunidades de pensar os desafios do mundo atual.
O maciço apoio a Obama foi visto como uma derrota dos conservadores, mas, ao mesmo tempo, o casamento gay e até uniões heterossexuais não formalizadas foram rechaçadas em alguns lugares. O que pensa disso?
A eleição de Obama não significa o fim da política. As forças conservadoras não deixaram de ser poderosas nos Estados Unidos. Essa população afro-americana e hispânica que apoiou Obama é contra o casamento gay, são grupos socialmente conservadores. A luta contra as forças conservadoras têm que continuar no país.
O senhor não acha que a crise econômica vai limitar as possibilidades políticas do governo Obama?
Acho, claro. O governo vai ser limitado pela crise econômica e pelas duas guerras em curso, a do Iraque e a do Afeganistão. Não vai ser possível tirar as tropas imediatamente. A crise econômica provavelmente vai piorar muito no próximo ano e, portanto, vai ser praticamente impossível colocar em prática todos os projetos econômicos de Obama.
De qualquer jeito, é muito melhor para os Estados Unidos e para o mundo ter a equipe de Obama administrando essa crise do que ter os técnicos de John McCain ou Bush. Não podemos esperar que Obama cumpra todas as expectativas criadas ou as promessas feitas.
O senhor acha que a crise econômica e financeira atual é a pior enfrentada pelo mundo capitalista recentemente?
É certamente uma crise importante, mas não significará o fim do capitalismo ou do controle financeiro, nem do FMI ou do Banco Mundial, e nem mesmo o fim da importância dos EUA no mundo. A crise financeira é importante, mas o sistema global está se reorganizando e não vai desmontar.
O senhor acha que a crise está provocando uma reorganização do poder global?
Acho que, com Obama no governo, voltamos à questão que eu e Toni (Antonio Negri) tentamos enfrentar no livro “Império”: se os EUA são capazes de governar o mundo unilateralmente ou se os EUA não são mais um país com poder imperialista. Bush tentou governar o mundo de forma unilateral e fracassou do ponto de vista econômico, político e militar.
Nós voltamos à questão, agora, para saber qual será a forma deste império global: eu acho que será com os Estados Unidos, junto com outras nações dominantes, trabalhando com as corporações capitalistas e com as instituições supranacionais — como FMI e Banco Mundial — para criar uma espécie de network da ordem global. Eu acho que os EUA, como poder imperialista, morreram e foram enterrados. Mas entender a organização global, a forma que o capitalismo global tomará, continua sendo um desafio.
'A luta contra o conservadorismo continua'. Entrevista com Michael Hardt
“A política não acabou porque Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos”, diz Michael Hardt, autor, junto com Antonio Negri, de “Império”, que, durante alguns anos, foi uma espécie de bíblia antiimperialista para os movimentos sociais de esquerda. Otimista com a vitória do democrata, Hardt acha que os pacifistas e os grupos de defesa dos direitos humanos poderão, a partir de agora, ser mais ambiciosos em suas campanhas, porque não precisarão desperdiçar energia lutando por causas básicas como a proibição da tortura e o fechamento de Guantánamo, em Cuba. “A luta contra o conservadorismo tem que continuar”, conclama Hardt.
A entrevista é de Helena Celestino e publicada pelo jornal O Globo, 09-11-2008.
Houve uma grande mobilização para eleger Obama, especialmente entre os jovens. O senhor acha que uma nova geração foi conquistada pela política?
Esta é a pergunta que estou me fazendo: como vai ser a relação de Obama com os jovens, os movimentos sociais. Todas essas pessoas que se mobilizaram na eleição vão voltar para a casa ou vão ter representantes no governo ou mesmo continuarão ativas e, eventualmente, vão protestar contra Obama? Muito desse movimento internacional a favor de Obama foi criado pelos grupos pacifistas, pelos grupos contra a globalização capitalista. Penso que pode acontecer uma situação similar à dos governos de esquerda na América Latina, com uma relação questionável entre governo e movimentos sociais, como vem acontecendo no Brasil, na Bolívia, no Equador.
O discurso de Obama é de pragmatismo político, entendimento racial...
De um lado, é importante não acreditar neste discurso de que acabaram os conflitos raciais e as tensões por causa da luta contra a guerra. De outro lado, é importante ter uma nova plataforma com a qual os movimentos sociais podem se conectar. Ou, dito de outra maneira, os movimentos sociais vão poder ser muito mais inteligentes e produtivos do que no período Bush. Nos últimos anos, tivemos de nos concentrar em temas óbvios, em assuntos que não deveriam estar mais em questão, como tortura, fechamento de Guantánamo, guerra do Iraque. Claro que não se pode torturar e que Guantánamo tem de ser fechada.
Esses assuntos agora deixarão de ser motivo de polêmica e poderemos lutar por coisas mais importantes. Agora, os movimentos sociais poderão ser mais produtivos e terão novas oportunidades de pensar os desafios do mundo atual.
O maciço apoio a Obama foi visto como uma derrota dos conservadores, mas, ao mesmo tempo, o casamento gay e até uniões heterossexuais não formalizadas foram rechaçadas em alguns lugares. O que pensa disso?
A eleição de Obama não significa o fim da política. As forças conservadoras não deixaram de ser poderosas nos Estados Unidos. Essa população afro-americana e hispânica que apoiou Obama é contra o casamento gay, são grupos socialmente conservadores. A luta contra as forças conservadoras têm que continuar no país.
O senhor não acha que a crise econômica vai limitar as possibilidades políticas do governo Obama?
Acho, claro. O governo vai ser limitado pela crise econômica e pelas duas guerras em curso, a do Iraque e a do Afeganistão. Não vai ser possível tirar as tropas imediatamente. A crise econômica provavelmente vai piorar muito no próximo ano e, portanto, vai ser praticamente impossível colocar em prática todos os projetos econômicos de Obama.
De qualquer jeito, é muito melhor para os Estados Unidos e para o mundo ter a equipe de Obama administrando essa crise do que ter os técnicos de John McCain ou Bush. Não podemos esperar que Obama cumpra todas as expectativas criadas ou as promessas feitas.
O senhor acha que a crise econômica e financeira atual é a pior enfrentada pelo mundo capitalista recentemente?
É certamente uma crise importante, mas não significará o fim do capitalismo ou do controle financeiro, nem do FMI ou do Banco Mundial, e nem mesmo o fim da importância dos EUA no mundo. A crise financeira é importante, mas o sistema global está se reorganizando e não vai desmontar.
O senhor acha que a crise está provocando uma reorganização do poder global?
Acho que, com Obama no governo, voltamos à questão que eu e Toni (Antonio Negri) tentamos enfrentar no livro “Império”: se os EUA são capazes de governar o mundo unilateralmente ou se os EUA não são mais um país com poder imperialista. Bush tentou governar o mundo de forma unilateral e fracassou do ponto de vista econômico, político e militar.
Nós voltamos à questão, agora, para saber qual será a forma deste império global: eu acho que será com os Estados Unidos, junto com outras nações dominantes, trabalhando com as corporações capitalistas e com as instituições supranacionais — como FMI e Banco Mundial — para criar uma espécie de network da ordem global. Eu acho que os EUA, como poder imperialista, morreram e foram enterrados. Mas entender a organização global, a forma que o capitalismo global tomará, continua sendo um desafio.