quarta-feira, 10 de junho de 2009

O drama dos povos indígenas e a proteção ao meio-ambiente


Peru: os indígenas contra o Estado e petroleiras


Os recentes enfrentamentos no Peru “são o resultado de um conflito entre indígenas da selva e o governo de Alan García, por causa da exploração das riquezas petrolíferas”, escrevem Yvon Le Bot e Jean-Patrick Razon em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, 08-06-2009. A tradução é do Cepat.

Mas, alertam os autores, “o que acontece no Peru é uma ilustração dramática de um problema que se tornou crucial em toda a América Latina: a exploração do subsolo e a devastação do meio ambiente em detrimento dos povos autóctones e da biodiversidade”.

Yvon Le Bot é diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e autor de La grande révolte indienne (Éditions Robert Laffont, 2009) e Jean-Patrick Razon é diretor de Survival International (France), movimento mundial de apoio aos povos indígenas.

Eis o artigo:

Enfrentamentos entre indígenas amazônicos e a polícia deixaram dezenas de mortos entre indígenas e numerosos feridos na sexta-feira, dia 05 de junho, no norte do Peru. Os nativos, que bloquearam a estrada transamazônica, tomaram vários policiais como reféns. As forças da ordem dispararam contra os manifestantes, utilizando inclusive helicópteros, segundo algumas fontes.

Estes enfrentamentos são o resultado de um conflito entre indígenas da selva e o governo de Alan García, por causa da exploração das riquezas petrolíferas. Imensas reservas foram descobertas em anos recentes na região. Um milagre, segundo o presidente García, que multiplica as iniciativas favoráveis à sua exploração por empresas estrangeiras, entre elas a Perenco, um grupo franco-britânico. Isto tem consequências trágicas para as comunidades de caçadores-coletores que obtêm seus recursos da floresta e dos rios.

Os indígenas agrupados na Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana se mobilizaram contra a destruição e a poluição de seu espaço vital e, depois de várias semanas, a tensão não chega ao fim. Eles receberam o apoio de numerosos setores da população de todo o país. Antes dos acontecimentos dos últimos dias, uma mobilização geral havia sido programada para o dia 11 de junho.

O governo manifestou sua vontade de abrir o caminho às companhias a qualquer custo, debochando dos direitos reconhecidos às comunidades desde os anos 1970 (pelo governo militar progressista de Juan Velasco Alvarado), protegidos pelas convenções da ONU.

O que acontece no Peru é uma ilustração dramática de um problema que se tornou crucial em toda a América Latina: a exploração do subsolo e a devastação do meio ambiente em detrimento dos povos autóctones e da biodiversidade. No Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala... os grupos indígenas se opõem às empresas de exploração de recursos petrolíferos, minerais ou florestais. No Equador, as comunidades amazônicas abriram um processo histórico contra a empresa transnacional Texaco, que provocou um verdadeiro desastre ecológico em uma vasta região. Nunca se havia visto que as comunidades amazônicas abrissem um processo contra uma grande multinacional e ainda menos que os tribunais se mostrassem sensíveis aos seus argumentos (uma decisão final está sendo aguardada para as próximas semanas).

Vários governos latino-americanos enfrentam o mesmo problema e se esforçam para avançar nas soluções negociadas. Esse é o caso da Bolívia, onde o presidente indígena Evo Morales renacionalizou as reservas de hidrocarbonetos e renegociou com as empresas estrangeiras as condições de sua exploração, a fim de garantir uma redistribuição mais equitativa dos lucros, especialmente por meio de programas de desenvolvimento, de educação e de saúde para as populações que o requerem.

O presidente equatoriano, Rafael Correa, por sua vez, propôs congelar a exploração de uma região inteira da Amazônia por razões ecológicas e em troca de contrapartidas financeiras da parte da comunidade internacional. No Brasil, uma decisão recente da Suprema Corte da Justiça confirmou uma ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que reconhece um imenso território de povos indígenas no norte do país [Terra Indígena Raposa Serra do Sol] e freia assim a penetração de aventureiros atrás da exploração do ouro ou de traficantes de madeira (cerca de 13% da superfície do Brasil é hoje considerada reserva indígena).

Os movimentos indígenas que se desenvolveram na América Latina nas últimas décadas obtiveram avanços importantes em nome do país e incluíram o reconhecimento dos direitos territoriais. Contudo, o subsolo permanece como propriedade da nação e a maioria das vezes sua exploração é confiada a companhias nacionais ou multinacionais que pilham e saqueiam sem qualquer consideração aos ocupantes nem ao meio ambiente.

Funai identifica movimento de indígenas peruanos rumo ao Acre


A crise no Peru já provoca, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), movimentação de grupos de diversas etnias indígenas rumo ao Brasil, especificamente para o Acre.

A reportagem é de Lucas Ferraz e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-06-2009.

A Funai já identificou pelo menos dois grupos indígenas peruanos que, atipicamente, começaram a frequentar as matas brasileiras, nas cabeceiras de rios da fronteira.

Apesar da distância - Bagua fica a mais de 3.000 km de Assis Brasil (AC) -, o motivo para a fuga, segundo a Funai, é o mesmo que originou os conflitos que deixaram ao menos 34 mortos: a lei pró-investimentos na Amazônia peruana, editada pelo governo Alan García.

A ação de empresas petrolíferas, garimpeiros e madeireiras, além da constante presença de narcotraficantes, tem afugentado índios, principalmente isolados, afirma o sertanista brasileiro José Carlos Meirelles, coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira, no Acre. Inexiste também, conta ele, fiscalização por parte de autoridades peruanas nas reservas indígenas já demarcadas no país.
Meirelles, que é do Departamento de Índios Isolados da Funai, órgão onde trabalha desde 1971, frequentemente percorre as matas da Amazônia peruana e brasileira.

Foi o sertanista quem registrou a presença de grupos indígenas do Peru no Brasil. Eram índios isolados, que não têm contato com brancos ou índios aculturados. No ano passado, ele localizou num sobrevoo duas malocas na cabeceira do rio Envira, no Acre, de um grupo apelidado de Mascko-Piro. Na sua conta, eram cerca de cem integrantes.

Um segundo grupo, este maior, entre 300 e 400 indígenas, também foi avistado nas cabeceiras dos rios.
Embora sejam índios com características nômades, a constatação de que têm presença cada vez maior no Brasil decorre do fato de terem sido avistados no país no verão e inverno amazônicos. "Como a temporada de caça ao índio no Peru está aberta, é óbvio que vão buscar o lado mais seguro."


17/6/2009

Indígenas consolidam nova força política no Peru


A vitória dos indígenas peruanos - que há três dias fizeram o governo propor a anulação de duas leis de terras, depois de lançarem uma onda de protestos que durou mais de dois meses e deixou 34 mortos - consolidou a força política das comunidades nativas no Peru.

A reportagem é de João Paulo Charleaux e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 17-06-2009.

"Depois disso, os indígenas não serão mais vistos como uma excentricidade antropológica, mas como uma força real, com enorme poder de expressão", disse o analista peruano Jaime Antezana, especialista em questões indígenas.

O processo vivido pelo Peru nos últimos meses lembra a luta dos indígenas pelo gás na vizinha Bolívia, onde foi fundado, em 1997, o Movimento ao Socialismo (MAS), que teria papel fundamental nas manifestações de 2000 e na eleição do atual presidente, o líder indígena Evo Morales, em 2005.

Mas, apesar das semelhanças, a solução para as demandas indígenas será, em cada caso, diferente. "Não há condição para que surja no Peru uma figura como Evo", disse Antezana, que chama atenção para "o caráter descentralizado do movimento indígena peruano, em comparação com movimento coordenado que levou Evo ao poder na Bolívia".

A morte de 24 policiais e pelo menos 10 manifestantes indígenas no dia 5, na Amazônia peruana, obrigará "os políticos locais a reconhecerem a natureza plurinacional do país, que inclui não uma, mas várias nações indígenas que não partilham da mesma ideia de desenvolvimento", disse o analista.

A tese de Antezana coincide com a posição assumida ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que "exortou o governo (do Peru) a fazer maiores esforços para garantir que não seja aplicada nem promulgada nenhuma legislação sobre exploração de recursos naturais sem consulta prévia aos povos indígenas".

Na Bolívia, as comunidades nativas fizeram com que a Constituição reconhecesse a legalidade da Justiça indígena e a autonomia das comunidades originárias sobre seu próprio território, além de estabelecer cotas para parlamentares indígenas no Congresso; situação ainda improvável no Peru.

Para Antezana, o candidato nacionalista Ollanta Humala que, em 2006, concorreu contra o atual presidente, Alan García, não representa os indígenas. "Ele tenta capitalizar o movimento, mas não dá para dizer que encarne todas essas demandas sozinho. Ele não será o Evo do Peru". Humala voltou à cena com os protestos dos últimos meses. Ao anunciar que renunciará, o chefe do Conselho de Ministros, Yehude Simon, negou que sua decisão responda a algum "capricho" de Humala ou de "alguns radicais" como ele.




Fontes:

http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22990


Filósofo apela a Lula: "Vete"





"Apelo ao presidente Lula para que vete o projeto de lei que facilita a devastação da Amazônia.
Muitos de nós receamos que a saída da senadora Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente fosse uma rendição aos ruralistas e àqueles que, míopes, não veem que a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável da Amazônia são um dos maiores trunfos para o Brasil ser, como diz o cientista Carlos Nobre, a primeira potência ambiental da Terra. Render-se à pressão dos lucros imediatistas será uma decepção."

O apelo é de Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP, em carta publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-06-2009.

Oficializada a grilagem da Amazônia. Nota da CPT


"Ironia do destino, Lula , que em 1998 afirmou que “se for eleito, resolverei o problema da reforma agrária, com uma canetada”, ao invés de executar a reforma agrária prometida, acabou com uma canetada propondo a legalização de 67 milhões de hectares de terras griladas na Amazônia, um bioma que no atual momento de crise climática mundial aguda grita por preservação para garantir a sobrevivência do planeta", afirma a Nota da Comissão Pastoral da Terra - CPT, divulgada ontem, sob o título supracitado. Segundo a nota, assinada pelo presidente da CPT, "hoje é um presidente republicano e ex-operário quem privatiza e entrega as terras da Amazônia às mesmas mãos que se tinham apoderado delas de forma ilegal e até criminosa".

Eis a íntegra da nota.

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, CPT, se junta ao clamor nacional diante de mais uma agressão ao patrimônio público, ao meio ambiente e à reforma agrária.

No último dia 4 de junho, o Senado Federal aprovou a MP 458/2009, já aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados, e que agora vai à sanção presidencial. É a promoção da “farra da grilagem”, como se tem falado com muita propriedade.

Com o subterfúgio de regularização de áreas de posseiros, prevista na Constituição Federal, o governo federal, em 11 de fevereiro baixou a MP 458/2009 propondo a “regularização fundiária” das ocupações de terras públicas da União, na Amazônia Legal, até o limite de 1.500 hectares. Esta regularização abrange 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União, ou seja, terras devolutas já arrecadadas pelo Estado e matriculadas nos registros públicos como terras públicas e que pela Constituição deveriam ser destinadas a programas de reforma agrária. Desta forma a Medida Provisória 458, agora às vésperas de ser transformada em lei, regulariza posses ilegais. Beneficia, sobretudo, pessoas que deveriam ser criminalmente processadas por usurparem áreas da reforma agrária, pois, de acordo com a Constituição, somente 7% da área ocupada por pequenas propriedades de até 100 hectares (55% do total das propriedades) seriam passiveis de regularização. Os movimentos sociais propuseram que a MP fosse retirada e em seu lugar se apresentasse um Projeto de Lei para que se pudesse ter tempo para um debate em profundidade do tema, levando em conta a função social da propriedade da terra. O Governo, entretanto, descartou qualquer discussão com os representantes dos trabalhadores do campo e da floresta.

Esta oficialização da grilagem da Amazônia está chamando a atenção de muitos pela semelhança com o momento histórico da nefasta Lei de Terras de 1850, elaborada pela elite latifundiária do Congresso do Império, sancionada por D. Pedro, privatizando as terras ocupadas. Hoje é um presidente republicano e ex-operário quem privatiza e entrega as terras da Amazônia às mesmas mãos que se tinham apoderado delas de forma ilegal e até criminosa.

Esta proposta de lei, que vai para a sanção do Presidente Lula, pavimenta o espaço para a expansão do latifúndio e do agronegócio na Amazônia, bem ao gosto dos ruralistas. Por isto não foi sem sentido a redução aprovada pela Câmara dos Deputados de dez para três anos no tempo em que as terras regularizadas não poderiam ser vendidas e a regularização de áreas para quem já possui outras propriedades e para pessoas jurídicas. Daqui a três anos nada impede que uma mesma pessoa ou empresa adquira novas propriedades, acumulando áreas sem qualquer limite de tamanho. Foi assim que aconteceu com as imensas propriedades que se formaram na Amazônia, algumas com mais de um milhão de hectares, beneficiadas com os projetos da Sudam.

Ironia do destino, Lula , que em 1998 afirmou que “se for eleito, resolverei o problema da reforma agrária, com uma canetada”, ao invés de executar a reforma agrária prometida, acabou com uma canetada propondo a legalização de 67 milhões de hectares de terras griladas na Amazônia, um bioma que no atual momento de crise climática mundial aguda grita por preservação para garantir a sobrevivência do planeta.

O mesmo presidente que, em entrevista à Revista Caros Amigos, em novembro de 2002 dizia: “Não se justifica num país, por maior que seja, ter alguém com 30 mil alqueires de terra! Dois milhões de hectares de terra! Isso não tem justificativa em lugar nenhum do mundo! Só no Brasil. Porque temos um presidente covarde, que fica na dependência de contemplar uma bancada ruralista a troco de alguns votos” acabou sendo o refém desta bancada, pior ainda, recorreu à senadora Kátia Abreu, baluarte da bancada ruralista, inimiga número um da reforma agrária, para a aprovação da medida no Senado. Já cedera à pressão dos ruralistas aprovando a Lei dos Transgênicos. Não atualizou os índices de produtividade estabelecidos há mais de 30 anos atrás, o que poderia possibilitar o acesso a novas áreas para reforma agrária. Não se empenhou na aprovação da proposta de emenda constitucional PEC 438/01 que expropria as áreas onde se flagre a exploração de trabalho escravo. Além disso, promoveu à condição de “heróis nacionais” os usineiros e definiu como empecilhos ao progresso as comunidades tradicionais, os ambientalistas e seus defensores.

Lula que, com o Programa Fome Zero, teve a oportunidade de realizar um amplo processo de reforma agrária, transformou-o, porém, em um cartão do Bolsa Família que a cada mês dá umas migalhas a quem poderia estar produzindo seu próprio alimento e contribuindo para alimentar a nação.

Os movimentos sociais do campo, inclusive a CPT, vem defendendo há anos, por uma questão de sabedoria e bom senso, um limite para a propriedade da terra em nosso País. Mas o que vemos é exatamente o contrário. Cresce a concentração de terras, enquanto que milhares de famílias continuam acampadas às margens das rodovias à espera de um assentamento que lhes dê dignidade e cidadania, pois, como bem afirmaram os bispos e pastores sinodais que subscreveram o documento Os pobres possuirão a terra “A política oficial do país subordina-se aos ditames implacáveis do sistema capitalista e apoia e estimula abertamente o agronegócio”.

Goiânia, 09 de junho de 2009.


Dom Ladislau Biernaski
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)