A postagem anterior (Situacionismo...mais questões – de 04-06-2007) terminava com a crítica de Dobord acerca da proposta surrealista para um rompimento com a ideologia: para Debord, o surrealismo superestimou as potencialidades do inconsciente individual e desconsiderou seu caráter “regressivo” e “arcaizante”, características já enfatizadas por Freud.
Debord verifica uma “afinidade” entre esse caráter arcaizante e regressivo do inconsciente e a própria regressividade que também marca as relações sociais no capitalismo (e eu acrescentaria: essa regressividade também se revela por uma “infantilização” - das personalidades, dos projetos de vida e da comunicação - que pode ser constatada na vida cotidiana, assim como na mídia e nos próprios hábitos de consumo). E aqui residiria a causa do fracasso das vanguardas, pois seu projeto de ação fundamentava-se em um ponto “cooptável” pelo sistema, quando não resvalava para o “ocultismo tradicional”. Com efeito, para Debord, tratar-se-ia não de construir uma “rota de fuga” da linguagem reificada por meio do acesso a um inconsciente arcaico, mas de construir novos desejos, a partir das novas possibilidades abertas pela modernidade (lembrando, como já dito antes, que Debord se insere na tradição marxista, para quem há uma contradição entre as amplas possibilidades abertas pelas relações de produção – que libertaram o homem das amarras cíclicas - e as relações sociais ainda arcaicas).
Para Debord, os surrealistas encontravam-se presos às “riquezas factícias da memória” e da “conservação das emoções nas expressões artísticas” (AQUINO,2006:113), em razão da “recusa de encarar o uso libertador dos meios técnicos superiores do nosso tempo”. Nessa concepção, a individualidade permanece abstrata e incapaz de considerar a “exterioridade” e a necessidade de ir além do desacordo entre a interioridade e o mundo exterior (incapaz de considerar com radicalidade a necessidade de sua apropriação e transformação prática). Em relação a isso, AQUINO utiliza a afirmação de Kaufmann acerca dos surrealistas, transpondo-a para os próprios situacionistas: “Com os situacionistas, ‘todas as portas estão resolutamente abertas, tudo se passa fora, não há lugar de modo algum nem para o interior nem para a interioridade: doravante a subjetividade vive ou se expressa fora, ela é coletiva ou não será, ela é desatada de toda a representação individual e, por conseguinte, também de toda prática literária’” (AQUINO, 2006:111).
Entretanto, deve-se alertar que isso não significa que Debord encontra-se de acordo com as concepções de homem-massa (construtivismo russo) e com o futurismo italiano (fascismo), pois há também uma recusa à dissolução do indíviduo na sociedade capitalista que deu origem ao “indivíduo fragmentário, absolutamente separado das forças produtivas que operam como um conjunto” (SdS, §44). Diante das condições atuais em que a individualidade permanece uma tarefa a ser ainda historicamente realizada, os diversos recursos à individualidade, à interioridade subjetiva, ao humanismo, como fundamentos da crítica social, tal como aparece no surrealismo, aparecem, para Debord, como destituídos de senso prático. Debord não assume positivamente a categoria da “massa” ou da “multidão”, na qual vê apenas a contraface constitutiva dos indivíduos isolados, solitários (SdS, § 221); na interpretação de AQUINO: sob a reificação, não há ainda indivíduos.
Debord verifica uma “afinidade” entre esse caráter arcaizante e regressivo do inconsciente e a própria regressividade que também marca as relações sociais no capitalismo (e eu acrescentaria: essa regressividade também se revela por uma “infantilização” - das personalidades, dos projetos de vida e da comunicação - que pode ser constatada na vida cotidiana, assim como na mídia e nos próprios hábitos de consumo). E aqui residiria a causa do fracasso das vanguardas, pois seu projeto de ação fundamentava-se em um ponto “cooptável” pelo sistema, quando não resvalava para o “ocultismo tradicional”. Com efeito, para Debord, tratar-se-ia não de construir uma “rota de fuga” da linguagem reificada por meio do acesso a um inconsciente arcaico, mas de construir novos desejos, a partir das novas possibilidades abertas pela modernidade (lembrando, como já dito antes, que Debord se insere na tradição marxista, para quem há uma contradição entre as amplas possibilidades abertas pelas relações de produção – que libertaram o homem das amarras cíclicas - e as relações sociais ainda arcaicas).
Para Debord, os surrealistas encontravam-se presos às “riquezas factícias da memória” e da “conservação das emoções nas expressões artísticas” (AQUINO,2006:113), em razão da “recusa de encarar o uso libertador dos meios técnicos superiores do nosso tempo”. Nessa concepção, a individualidade permanece abstrata e incapaz de considerar a “exterioridade” e a necessidade de ir além do desacordo entre a interioridade e o mundo exterior (incapaz de considerar com radicalidade a necessidade de sua apropriação e transformação prática). Em relação a isso, AQUINO utiliza a afirmação de Kaufmann acerca dos surrealistas, transpondo-a para os próprios situacionistas: “Com os situacionistas, ‘todas as portas estão resolutamente abertas, tudo se passa fora, não há lugar de modo algum nem para o interior nem para a interioridade: doravante a subjetividade vive ou se expressa fora, ela é coletiva ou não será, ela é desatada de toda a representação individual e, por conseguinte, também de toda prática literária’” (AQUINO, 2006:111).
Entretanto, deve-se alertar que isso não significa que Debord encontra-se de acordo com as concepções de homem-massa (construtivismo russo) e com o futurismo italiano (fascismo), pois há também uma recusa à dissolução do indíviduo na sociedade capitalista que deu origem ao “indivíduo fragmentário, absolutamente separado das forças produtivas que operam como um conjunto” (SdS, §44). Diante das condições atuais em que a individualidade permanece uma tarefa a ser ainda historicamente realizada, os diversos recursos à individualidade, à interioridade subjetiva, ao humanismo, como fundamentos da crítica social, tal como aparece no surrealismo, aparecem, para Debord, como destituídos de senso prático. Debord não assume positivamente a categoria da “massa” ou da “multidão”, na qual vê apenas a contraface constitutiva dos indivíduos isolados, solitários (SdS, § 221); na interpretação de AQUINO: sob a reificação, não há ainda indivíduos.
Confesso que me deparo aqui com elementos por vezes imprecisos e por vezes contraditórios, que comportam múltiplas interpretações: Debord antecipou a afirmação de Jameson de que, na sociedade pós-industrial, o próprio inconsciente foi "colonizado". Estaríamos então diante de um proposta de"conquista", pelo Eu, desse inconsciente, a partir de novos desejos forjados nessa instância consciente e coletiva ? E, assim, tratar-se-ia de superar a cisão entre inconsciente x consciente, quando então superaríamos a "pré-história" da humanidade (como em Marx) ?