quinta-feira, 11 de julho de 2013

A caminho de outro planeta


"Considere o que significa quando a temperatura do seu corpo sobe de 36,7 graus para 37,5 e depois para 38,7. Essa alta, que é uma média – partes do mundo terão aumentos de até 4 graus –, bastará para provocar mudanças sérias nos regimes de chuvas e ventos e a piora dos furacões, secas e inundações em grandes porções do planeta, além do agravamento da acidificação dos oceanos, que já aumentou 30% desde o início da Era Industrial e cujos efeitos sobre organismos com esqueletos de carbonato de cálcio (principalmente os corais) são visíveis e graves", escreve Antonio Luiz M. C. Costa, colunista da revista Carta Capital, 03-06-2013.


Eis o artigo.


Ninguém ouviu sete anjos tocarem trombetas ou viu quatro cavaleiros galoparem sobre as nuvens. Mas algo de muito sério aconteceu em maio de 2013: pela primeira vez em 2,6 milhões de anos a concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre alcançou 400 partes por milhão. Não é a média anual (que deve ficar próxima de 397) e sim uma medição próxima do pico sazonal, mas justifica soar o sinal de alarme. Ao ritmo atual, a média anual deve superar as 400 ppm, o mais tardar, em dois anos.


Da última vez que isso aconteceu, mastodontes passeavam pelas Américas, nossos ancestrais ainda pouco diferentes de chimpanzés começavam a aprender a lascar pedras e o aspecto dos oceanos e continentes era visivelmente outro, pois o nível do mar era 25 metros mais alto e não havia gelo no Ártico. A humanidade presenciará mudanças ambientais igualmente impressionantes, mas comprimidas em um período muito mais curto.

Tão assustador quanto o índice em si é a rapidez com que sobe. Na era glacial, a atmosfera continha 180 ppm de dióxido de carbono. Do princípio da civilização ao início da Era Industrial, era 280 ppm. Em 1958, ao se iniciarem as medidas de precisão no alto do vulcão havaiano Mauna Loa (escolhido pela distância de fontes de poluição), era 316 ppm. Em 1992, durante a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, era 356. Cinco anos depois, ao se assinar o Protocolo de Kyoto, 364, e no ano 2000, 369. O aumento era de 1 ppm por ano em meados do século XX, 2 ppm por ano na primeira década deste século e foi de quase 3 ppm desde o ano passado. Não só não se consegue estabilizar a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, como o desequilíbrio se acelera e não dá sinais de frear.

Em um estudo de 2007, o climatologista James E. Hansen advertiu que “se a humanidade deseja preservar um planeta semelhante àquele em que a civilização se desenvolveu e ao qual a Terra se adaptou, as evidências paleoclimáticas e as mudanças climáticas em curso sugerem que o dióxido de carbono terá de ser reduzido das (então) atuais 385 ppm para no máximo 350 ppm, mas provavelmente menos do que isso”. Esse estudo motivou o jornalista e escritor Bill McKibben a criar em 2009 a 350.org, com o objetivo de conscientizar governos e sociedades da ameaça e tentar reverter o processo. Sem sucesso, como se vê.

É como se a humanidade estivesse para ser teletransportada para um planeta diferente, certamente bem menos hospitaleiro do que a Terra que o Homo sapiens conheceu durante todos os seus 150 mil a 200 mil anos de existência. O quanto menos depende de vários fatores, mas o principal é até que ponto a atmosfera será modificada.

As propostas debatidas na conferência internacional de Copenhague em 2009 (COP15) e na Rio+20 de 2012 tinham como meta estabilizar a proporção de dióxido de carbono em 450 ppm, limite dentro do qual os climatologistas julgavam haver 66% de probabilidade de limitar o aumento da temperatura média global a 2 graus Celsius, incluído o aumento de 0,8 grau verificado desde 1900, dois terços do qual desde 1980.

Parece pouco? Considere o que significa quando a temperatura do seu corpo sobe de 36,7 graus para 37,5 e depois para 38,7. Essa alta, que é uma média – partes do mundo terão aumentos de até 4 graus –, bastará para provocar mudanças sérias nos regimes de chuvas e ventos e a piora dos furacões, secas e inundações em grandes porções do planeta, além do agravamento da acidificação dos oceanos, que já aumentou 30% desde o início da Era Industrial e cujos efeitos sobre organismos com esqueletos de carbonato de cálcio (principalmente os corais) são visíveis e graves.

Mesmo isso se tornou utopia. Seria preciso, segundo estudo da OCDE em 2010, reduzir as emissões de gás carbônico em 12% até 2020 e 70% até 2050, mas os resultados da COP15e da Rio+20 foram notoriamente pífios e a crise do Norte arquivou os planos de ação eficaz no futuro próximo. Principalmente na União Europeia, antes líder em política ambiental, apesar da falta de contrapartida das outras potências. Substituir os combustíveis fósseis para conter as emissões de gás carbônico exige investimentos públicos e privados de retorno lento e as autoridades políticas e empresariais do mundo preferem cortar gastos e acumular lucros hoje a evitar um desastre ecológico capaz de lançar as próximas gerações na miséria.

Os 450 ppm serão, no ritmo atual, ultrapassados por volta de 2030. Se na década de 2020 o tema for levado a sério e as emissões por fim começarem a cair, a meta passa a ser conter o gás carbônico na atmosfera a 550 ppm até 2100. Neste cenário, há 50% de chances de conseguir limitar o aumento da temperatura média a 3 graus, mas sem nenhuma garantia. É possível que, nesse patamar, o derretimento do solo congelado (permafrost) do Ártico lance quantidades incontroláveis de metano na atmosfera, iniciando um processo de autoalimentação do efeito estufa q ue ninguém mais poderá conter. Só resta desejar boa sorte a nossos descendentes que terão de viver neste planeta hostil e desconhecido.