José Reinoso
Em Xangai (China)
O aumento do nível do mar ameaça inundar a cidade, motor econômico do país. Centenas de quilômetros de diques tentam proteger a grande urbe.
A água cor de chocolate se agita sem direção aparente sob a luz do entardecer. As barcaças navegam corrente acima no Huangpu, o afluente do Yangtsé que corta Xangai. As bandeiras nacionais vermelhas ondulam sobre os edifícios neoclássicos do quebra-mar do Bund. As obras matraqueiam, o tráfego zumbe. A capital econômica e financeira da China se prepara em ritmo acelerado para realizar a Exposição Universal no ano que vem e ocupar seu turno nos televisores de todo o planeta, como fez Pequim no ano passado com os Jogos Olímpicos. O lema do grande evento: "Melhor cidade, melhor vida".
Mas sobre essa megalópole de 20 milhões de almas pesa uma grave ameaça: ser engolida pelas águas. Não vai acontecer amanhã, mas poderia ocorrer no futuro se não tomarem medidas e não se frear a mudança climática.
Inundações, secas, ondas de calor e graves tempestades de neve aumentaram de frequência no último meio século e serão cada vez mais comuns no Yangtsé, segundo o maior estudo realizado até hoje sobre as consequências do aumento das temperaturas na bacia desse rio, onde vivem 400 milhões de pessoas e onde se originam 40% do PIB chinês.
"A mudança climática tornará cidades costeiras como Xangai mais vulneráveis às elevações do nível do mar, a fenômenos climáticos extremos e desastres naturais ou induzidos pelo homem. Terá um grande impacto sobre sua segurança", afirma Ma Chaode, especialista da organização não-governamental WWF (Fundo Mundial para a Proteção da Natureza) e um dos dois principais coa utores do relatório, que foi redigido por cerca de 20 pesquisadores, entre outros da Academia de Ciências chinesa e da Administração Meteorológica.
O estudo, divulgado em meados de novembro, afirma que as temperaturas médias na bacia, que ocupa uma superfície mais de três vezes maior que a Espanha, foram 0,33 grau mais altas na década de 1990, e a tendência está se acelerando. Entre 2001 e 2005 subiram 0,71 grau e nos próximos 50 anos poderão subir entre 1,5 e 2 graus, o que duplica o aquecimento previsto para todo o país.
"O nível do rio Suzhou [um dos que corta Xangai] subiu muito desde que eu era menino", diz Yuan Yulong, um morador de 77 anos, fazendo um gesto com a palma da mão a meio metro do solo. Yuan olha para o tributário do Huangpu e continua: "Cada vez faz mais calor. As geleiras estão derretendo".
Segundo um recente relatório da Universidade do Colorado (EUA), 24 grandes deltas, dos 33 estudados em todo o mund o, estão afundando devido ao aumento do nível do mar pelo aquecimento global e a ação humana, como a construção de represas, que retêm os sedimentos pluviais, e a excessiva extração dos aquíferos. Os cientistas afirmam que 85% sofreram graves inundações nos últimos anos e calculam que nas próximas quatro décadas a superfície de terra suscetível de alagamentos aumentará 50%.
A maioria desses deltas se situa na Ásia, entre eles o do Yangtsé. Segundo a Administração Oceânica Estatal chinesa, o nível do mar subiu 11,5 cm na região de Xangai nos últimos 30 anos, e calcula que aumentará 20 cm entre 1999 e 2050.
O problema se agrava pelo fato de que a superfície de Xangai está cedendo, devido à extração de água do subsolo e à alta densidade dos edifícios. Segundo o Unescap (organismo das Nações Unidas de cooperação econômica e social para a Ásia-Pacífico), o nível relativo da água na cidade chinesa subirá 43 cm até meados deste século.
As margens do rio Suzhou, situado a poucos quarteirões da central rua Nanjing, a mais famosa de Xangai, são uma das áreas de maior risco de inundações da cidade. Há anos foi instalada em sua confluência com o Huangpu uma barreira móvel de aço com uma centena de metros de comprimento e 5,86 metros de altura para regular as marés que sobem pelo estuário do Yangtsé. Durante um tufão em 1997 a maré subiu em Xangai 5,72 metros, quando a altitude média da cidade é de 3 metros.
"O aumento do nível do mar, somado ao afundamento do solo, pode obrigar a tomar medidas técnicas extremamente caras para cercar cidades inteiras de muralhas", explica Michael Kuhn, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Geofísica da Universidade de Innsbruck, Áustria.
Já está acontecendo. Antes das graves inundações sofridas em 1949, Xangai quase não tinha proteção. Desde então foram instaladas comportas nos afluentes do Huangpu e ergueram-se centenas de quilômetros de diques e muros de contenção, tanto na cidade quanto na costa.
Nas últimas décadas, o quebra-mar que protege o Bund foi elevado em várias ocasiões até alcançar 6,9 metros, e atualmente estão sendo reforçadas as paredes do leito do Suzhou, antes uma importante via comercial, ladeado por velhas fábricas e armazéns hoje transformados em bares e galerias de arte. "No ano passado eu tinha diante da loja árvores e flores, agora há essa parede de concreto p elo que pode acontecer", diz Dong, 31 anos, vendedor em uma loja de tubos metálicos. A poucos metros dali, uma dúzia de operários com macacões laranja trabalham em um muro de concreto de 30 cm de espessura e até 2 metros de altura sobre a linha da rua. Na margem em frente, por trás da parede do rio, sobressaem os telhados de algumas casas, cujo andar térreo está em um nível inferior ao do rio.
O Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático, na Alemanha, calcula que o mar poderá crescer 1 metro neste século e 5 metros até 2300. Os habitantes da antiga Pérola do Oriente rejeitam essas previsões apocalípticas. "Isto é Xangai. Aqui não pode acontecer nada", diz orgulhoso o ancião Yuan. "Se a água subir, aumentaremos os muros."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/12/08/ult581u3686.jhtm