No Twitter, reação em tempo real
São relatos curtos. Não passam de 140 toques. Espaço suficiente para contar que um homem havia sido morto nas manifestações em Teerã no Twitter antes mesmo de os sites darem a notícia. Foi nessa rede de relacionamentos também que, horas antes do protesto, os manifestantes souberam que Mir Houssein Moussavi iria reaparecer em público.
A reportagem é de Cristina Azevedo e publicada pelo jornal O Globo, 16-06-2009.
“Todos que tiram fotos ou filmam estão sendo presos”, informou “StopAhmadi”, no Twitter que faz referência ao nome do presidente. “Um médico no hospital Hazrate Rasool confirmou sete mortos na Praça Azadi”, disse, também.
Durante a manifestação, o ritmo era frenético. Em cinco minutos, a página avisava para atualizar a busca por eleições iranianas, pois 125 novos resultados haviam entrado.
“Policiais à paisana circulam de bicicleta”, alertava Persiankiwi.
“Moussavi convoca para nova marcha amanhã”. Reformist88 protestava: “BBC, não chame um protesto de 1 milhão de pessoas de milhares.” Outros pediam desesperadamente um endereço de servidor para uma operação triangulada, a fim de driblar os censores.
Pediam túneis SSH, para conversas criptografadas. E eram atendidos. “Um colega recebeu uma ligação das autoridades dizendo ‘estamos gravando você’”, alertava StopAhmadi.
Outros davam links para fotos de pessoas baleadas.
O Twitter, que pode ser acessado por celular ou computador, tornou-se o principal meio de mobilizar manifestantes.
Num país em que sites de notícias foram bloqueados e em que há relatos de jornalistas presos ou expulsos, os iranianos estão dando um jeito de contar sua história ao mundo e a eles próprios.
Um dia que entrou para a História
Foi o dia do destino e o dia da coragem no Irã. Um milhão de pessoas marcharam da Praça Engelob até a Praça Azadi, em Teerã, sob os olhos atentos de um forte aparato policial. Desde a Revolução de 1979 não ocorriam protestos de massa como este no país, com tamanha participação popular.
A reportagem é de Robert Fisk, publicada pelo jornal Independent e reproduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-06-2009.
Multidões se espremiam pelas ruas da capital e, ao chegarem nas principais avenidas, encontravam centenas de fileiras de policiais prontos para conter os distúrbios.
No entanto, não se sentiam intimidados, ignoraram a presença da polícia. Já alguns policiais, diante daquela massa de gente muito mais numerosa, chegavam a sorrir timidamente e, para nossa surpresa, acenar com a cabeça para aqueles homens e mulheres que exigiam liberdade. Uma mulher começou a sacudir um lenço verde (símbolo da campanha do opositor Mir Houssein Moussavi) e milhares acompanharam seu gesto.
Andando em meio a essa imensa aglomeração humana, um estranho sentimento de força toma conta de todos nós. Quem desafiaria atacar aquele povo agora? Que governo poderia ferir aquela gente com tamanha determinação? Perguntas perigosas.
Moin, um estudante da engenharia química da Universidade de Teerã, que andava junto a mim na multidão, cantava em farsi em plena chuva. Pedi que traduzisse (para o inglês) o que dizia. “É um poema de Sohrab Sepehri, um de nossos poetas modernos”, disse ele. Me perguntei se isso era realmente verdade. Estaria ele cantando um poema em meio a uma manifestação em Teerã que estava tentando mudar a História? Era isso sim. Eis o que dizia o poema: “Devemos seguir sob a chuva, devemos lavar nossos olhos, devemos ver o mundo de um jeito diferente.” Nossos pés doíam. Tropeçamos várias vezes em buracos e tampas de bueiros, escondidos pela multidão de pés e pelas túnicas das mulheres.
Não era uma manifestação exclusiva de jovens ocidentalizados do norte de Teerã. Os pobres estavam nela, os trabalhadores, a senhoras de meia-idade e suas roupas ainda mais conservadoras também.
Após caminhar por mais de seis quilômetros, o monumento de Azadi apareceu ao fundo como uma nave espacial. Moin e seus amigos andaram tão colados a mim por tanto tempo que meu peito parecia estar esmagado.
No fim do percurso, Moin e seus amigos se sentaram na grama da praça e se perguntaram: será que o líder supremo vai entender o que aconteceu hoje aqui? Um deles disse: “ele vai convocar novas eleições”. Imediatamente eles olharam para mim, e eu disse: não perguntem a um estrangeiro. Não estou convencido de que os pais da Revolução de 1979 parecerão amigáveis após essa reivindicação evidente de liberdade.
O governo não está preocupado com bons ou maus garotos. O governo se preocupa com o poder e com o Estado. As armas da República Islâmica continuarão em poder do governo Ahmadinejad e de seus líderes espirituais. Isso, não há dúvida, veremos comprovado em breve.
São relatos curtos. Não passam de 140 toques. Espaço suficiente para contar que um homem havia sido morto nas manifestações em Teerã no Twitter antes mesmo de os sites darem a notícia. Foi nessa rede de relacionamentos também que, horas antes do protesto, os manifestantes souberam que Mir Houssein Moussavi iria reaparecer em público.
A reportagem é de Cristina Azevedo e publicada pelo jornal O Globo, 16-06-2009.
“Todos que tiram fotos ou filmam estão sendo presos”, informou “StopAhmadi”, no Twitter que faz referência ao nome do presidente. “Um médico no hospital Hazrate Rasool confirmou sete mortos na Praça Azadi”, disse, também.
Durante a manifestação, o ritmo era frenético. Em cinco minutos, a página avisava para atualizar a busca por eleições iranianas, pois 125 novos resultados haviam entrado.
“Policiais à paisana circulam de bicicleta”, alertava Persiankiwi.
“Moussavi convoca para nova marcha amanhã”. Reformist88 protestava: “BBC, não chame um protesto de 1 milhão de pessoas de milhares.” Outros pediam desesperadamente um endereço de servidor para uma operação triangulada, a fim de driblar os censores.
Pediam túneis SSH, para conversas criptografadas. E eram atendidos. “Um colega recebeu uma ligação das autoridades dizendo ‘estamos gravando você’”, alertava StopAhmadi.
Outros davam links para fotos de pessoas baleadas.
O Twitter, que pode ser acessado por celular ou computador, tornou-se o principal meio de mobilizar manifestantes.
Num país em que sites de notícias foram bloqueados e em que há relatos de jornalistas presos ou expulsos, os iranianos estão dando um jeito de contar sua história ao mundo e a eles próprios.
Um dia que entrou para a História
Foi o dia do destino e o dia da coragem no Irã. Um milhão de pessoas marcharam da Praça Engelob até a Praça Azadi, em Teerã, sob os olhos atentos de um forte aparato policial. Desde a Revolução de 1979 não ocorriam protestos de massa como este no país, com tamanha participação popular.
A reportagem é de Robert Fisk, publicada pelo jornal Independent e reproduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-06-2009.
Multidões se espremiam pelas ruas da capital e, ao chegarem nas principais avenidas, encontravam centenas de fileiras de policiais prontos para conter os distúrbios.
No entanto, não se sentiam intimidados, ignoraram a presença da polícia. Já alguns policiais, diante daquela massa de gente muito mais numerosa, chegavam a sorrir timidamente e, para nossa surpresa, acenar com a cabeça para aqueles homens e mulheres que exigiam liberdade. Uma mulher começou a sacudir um lenço verde (símbolo da campanha do opositor Mir Houssein Moussavi) e milhares acompanharam seu gesto.
Andando em meio a essa imensa aglomeração humana, um estranho sentimento de força toma conta de todos nós. Quem desafiaria atacar aquele povo agora? Que governo poderia ferir aquela gente com tamanha determinação? Perguntas perigosas.
Moin, um estudante da engenharia química da Universidade de Teerã, que andava junto a mim na multidão, cantava em farsi em plena chuva. Pedi que traduzisse (para o inglês) o que dizia. “É um poema de Sohrab Sepehri, um de nossos poetas modernos”, disse ele. Me perguntei se isso era realmente verdade. Estaria ele cantando um poema em meio a uma manifestação em Teerã que estava tentando mudar a História? Era isso sim. Eis o que dizia o poema: “Devemos seguir sob a chuva, devemos lavar nossos olhos, devemos ver o mundo de um jeito diferente.” Nossos pés doíam. Tropeçamos várias vezes em buracos e tampas de bueiros, escondidos pela multidão de pés e pelas túnicas das mulheres.
Não era uma manifestação exclusiva de jovens ocidentalizados do norte de Teerã. Os pobres estavam nela, os trabalhadores, a senhoras de meia-idade e suas roupas ainda mais conservadoras também.
Após caminhar por mais de seis quilômetros, o monumento de Azadi apareceu ao fundo como uma nave espacial. Moin e seus amigos andaram tão colados a mim por tanto tempo que meu peito parecia estar esmagado.
No fim do percurso, Moin e seus amigos se sentaram na grama da praça e se perguntaram: será que o líder supremo vai entender o que aconteceu hoje aqui? Um deles disse: “ele vai convocar novas eleições”. Imediatamente eles olharam para mim, e eu disse: não perguntem a um estrangeiro. Não estou convencido de que os pais da Revolução de 1979 parecerão amigáveis após essa reivindicação evidente de liberdade.
O governo não está preocupado com bons ou maus garotos. O governo se preocupa com o poder e com o Estado. As armas da República Islâmica continuarão em poder do governo Ahmadinejad e de seus líderes espirituais. Isso, não há dúvida, veremos comprovado em breve.