terça-feira, 4 de setembro de 2007

Travessia

Quatro pequenos excertos para se contraporem às últimas reflexões e instigar ainda mais aos colegas...

"Longa é a arte, breve a vida, difícil o juízo, fugaz ocasião. Agir é fácil, difícil é pensar; incômodo é agir de acordo com o pensamento. Todo começo é claro, os umbrais são o lugar da esperança. O jovem se assombra, a impressão o determina, ele aprende brincando, o sério o surpreende. A imitação nos é inata, mas o que se deve imitar não é fácil de reconhecer. Raras vezes em que se encontra o excelente, mais raro ainda apreciá-lo. Atraem-nos a altura, não os degraus; com os olhos fixos no pico caminhamos de bom grado pela planície. Só uma parte da arte pode ser ensinada, e o artista a necessita por inteiro. Quem a conhece pela metade, engana-se sempre e fala muito; quem a possui por inteiro, só pode agir, fala pouco ou tardiamente. Aqueles não têm segredos nem força; seu ensinamento é como pão cozido, que tem sabor e sacia por um dia apenas; mas não se pode semear a farinha, e as sementes não devem ser moídas. As palavras são boas, mas não são o melhor. O melhor não se manifesta pelas palavras. O espírito, pelo qual agimos, é o que há de mais elevado. Só o espírito compreende e representa a ação. Ninguém sabe o que ele faz quando age com justiça; mas do injusto temos sempre consciência. Quem só atua por símbolos é um pedante, um hipócrita ou um embusteiro. Estes são numerosos e se sentem bem justos. Sua verborragia afasta o discípulo, e sua pertinaz mediocridade inquieta os melhores. O ensinamento do verdadeiro artista abre o espírito, pois onde faltam as palavras, fala a ação. O verdadeiro discípulo aprende a desenvolver do conhecido o desconhecido e aproxima-se do mestre". (Goethe, "Carta de aprendizado", Anos de aprendizado de Wilhem Meister)

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam". (Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas)

"- Bumbum, bumbum - disse Pimko. - Vejo que meu Józio está em boas mãos, pois não existe nada pior do que um professor simpático, principalmente se ele tiver opiniões próprias. Somente um pedagogo realmente antipático tem condições de inocular nos alunos essa agradável imaturidade, essa simpática incapacidade e falta de jeito para lidar com qualquer coisa, esse desespero para a vida, atributos que devem ser glorificados por toda a juventude e que são a nossa razão de ser, nós, pedagogos por definição". (Witold Gombrowicz, Ferdidurke)

"No momento em que nasci, contemplando imperturbável minha imagem refletida nas águas maternas, adotei uma atitude extremamente crítica em relação às primeiras expressões que emanavam de meus pais debaixo da luz das lâmpadas. Meu ouvido era acuradamente alerta. E ainda que minhas orelhas fossem pequenas, meio amassadas e coladas, mas nem por isso menos graciosas, o fato é que conservaram todas e cada uma daquelas palavras, tão importantes hoje para mim, tempestade. (...) - É macho - disse aquele sr. Mazerath, que se presumia meu pai. - Quando crescer vai tomar conta do nosso negócio. Agora sabemos enfim para quem nos matamos de trabalhar. Mamãe pensava menos nos negócios que no enxoval do bebê: 'Já sabia que ia ser um menino, mesmo tendo dito alguma vez que podia ser uma menina'. Assim, em idade prematura, conhecei os meandros da lógica feminina; e ouvi atrás de mim: 'Quando o pequeno Oskar completar três anos, vai ganhar um tambor de brinquedo'. (...) Enquanto exteriormente gritava e dava a impressão de um recém-nascido cor de carne, tomei a decisão de rechaçar claramente a proposição de meu pai e tudo o que se relacinasse às transações da mercearia e, em contrapartida, examinar com simpatia e no devido momento, ou seja, na ocasião do meu terceiro aniversário, o desejo de mamãe". (Günter Grass, O tambor)