Abaixo, duas matérias sobre o aquecimento global que, analisadas em conjunto, permitem-nos compor o atual cenário sobre o aquecimento global...
Céticos do clima falam a ruralistas em SP
Na plateia, grandes agricultores do interior do país e estudantes universitários, vários de agronomia. No palco, dois dos principais céticos da mudança climática contando como o jogo virou -para o lado deles.
Esse cenário insólito foi armado ontem em São Paulo, no Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para Desenvolvimento Agropecuário e Respeito ao Clima, promovido pela CNA (Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil), maior organização em defesa dos interesses dos produtores rurais no país.
A reportagem é de Ricardo Mioto e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 30-03-2010.
O evento começou na noite de domingo, quando o vice-presidente da CNA, Assuero Veronez (representando sua presidente, a senadora Kátia Abreu, que está doente) alertou para que não se cometesse "o erro" de limitar a expansão da agropecuária no Brasil em nome do ambiente "sem as devidas convicções científicas".
Ontem a manhã foi do estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg e do climatologista americano Pat Michaels. A dupla esteve em São Paulo há exatos dois anos, num contexto diferente: após o relatório de 2007 do IPCC e antes do fiasco de Copenhague, quando o público apoiava a ciência do clima.
Michaels lembrou o crescente número de americanos que dizem achar que as preocupações com o aquecimento global são exageradas. "Você não pode assustar as pessoas para sempre", comentou Lomborg.
Inquirido sobre se os resultados recentes das pesquisas eram uma vitória, ele disse que se tratavam de "uma demonstração de abertura ao diálogo".
Lomborg disse à Folha que está com a agenda cheia para dar palestras mundo afora. "A receptividade mudou muito."
Os dois céticos não negam que o planeta possa estar esquentando. Mas falam que não é possível afirmar com convicção que os humanos são responsáveis por isso, e que, mesmo que sejam, a ideia de cortar imediatamente emissões de CO2 não passa de histeria.
Michaels reafirmou sua posição de que os governos não deveriam gastar dinheiro contra o aquecimento global. "O mercado fará pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias mais limpas."
"É, de certa forma, como se você estivesse no Titanic afundando, soubesse disso, e achasse que o melhor é não fazer muita coisa", disse à Folha o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ, que também participou do evento.
Michaels, na sua apresentação, mostrou aos agricultores emails roubados de climatologistas da Universidade de East Anglia. Um deles, do americano Ben Santer, dizendo que, se encontrasse Michaels, ficaria "tentado a bater" nele.
Em comum entre céticos e não-céticos, só o pessimismo sobre a cúpula do clima de Cancún, no fim do ano. "Não acontecerá muita coisa", diz Michaels. Até lá, um filme com Lomborg, baseado em seu livro "Cool It", resposta a "Uma Verdade Inconveniente" de Al Gore , já terá sido lançado. "O produtor é Ralph Winter, que ajudou a produzir "X-Men'", diz.
'Os humanos são muito estúpidos para evitar as mudanças climáticas'', afirma Lovelock
Os humanos são muito estúpidos para evitar que as mudanças climáticas impactem radicalmente sobre as nossas vidas ao longo das próximas décadas. Essa é a dura conclusão de James Lovelock, o ambientalista mundialmente respeitado e cientista independente que desenvolveu a teoria de Gaia.
A reportagem é do jornal The Guardian, 29-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ela surge depois de poucos meses tumultuados em que a opinião pública sobre os esforços para combater as mudanças climáticas foi minada por eventos como os e-mails dos cientistas do clima que vazaram da Universidade de East Anglia (UEA) e o fracasso da cúpula do clima de Copenhague.
"Eu não acho que já estejamos evoluídos ao ponto de sermos espertos o suficiente para lidar com uma situação tão complexa quanto as mudanças climáticas", disse Lovelock em sua primeira entrevista em profundidade desde o roubo dos e-mails da UEA em novembro passado. "A inércia dos humanos é tão grande que você realmente não pode fazer nada significativo".
Uma das principais obstruções a uma ação significativa é a "democracia moderna", acrescentou. "Mesmo as melhores democracias concordam que, quando uma grande guerra se aproxima, a democracia precisa ser colocada de lado. Eu tenho um sentimento de que as mudanças climáticas podem ser uma questão tão severa quanto uma guerra. Pode ser necessário colocar a democracia de molho por um tempo".
Lovelock, 90 anos, acredita que a melhor esperança do mundo é investir em medidas adaptativas, como a construção de defesas marinhas ao redor das cidades que são mais vulneráveis à elevação do nível dos oceanos. Ele acha que só um evento catastrófico pode persuadir a humanidade a levar a ameaça das mudanças climáticas a sério, como o colapso de uma geleira gigante na Antártida, como a geleira Pine Island, o que imediatamente iria elevar o nível dos mares.
"Esse seria o tipo de evento que mudaria a opinião pública", disse. "Ou o retorno das tempestades de areia [dust bowls] no meio oeste. Outro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não seria suficiente. Só iríamos discutir sobre ele como agora".
O relatório de 2007 do IPCC concluiu que existe 90% de chance de que a emissão de gases do efeito estufa estejam causando o aquecimento global, mas o painel foi criticado por uma afirmação errônea de que as geleiras do Himalaia poderiam derreter até 2030.
Lovelock afirma que os eventos dos últimos meses revelaram os esforços dos "bons" céticos do clima: "O que eu gosto nos céticos é que, na boa ciência, você precisa de críticos que lhe façam pensar: 'Droga, será que eu cometi um erro aqui?'. Se você não tiver isso continuamente, você realmente está em apuros. Os bons céticos fizeram um bom trabalho, mas eu acho que alguns dos ruins não fizeram nenhum favor a ninguém. Você precisa de céticos, especialmente quando a ciência se torna tão grande e monolítica".
Lovelock, que há 40 anos deu origem à ideia de que o planeta é um organismo gigante e autorregulável – a chamada teoria de Gaia –, acrescentou que tem pouca simpatia pelos cientistas do clima que foram pegos no escândalo dos e-mails da UEA. Ele disse que não leu os e-mails originais – "Eu me senti relutante em fuxicar" – mas que o conteúdo divulgado deixou-o "completamente indignado".
"Falsificar os dados é, de qualquer forma, quase literalmente um pecado contra o espírito santo da ciência", disse. "Eu não sou religioso, mas eu digo dessa forma porque eu considero isso muito forte. É o tipo de coisa que você nunca deve fazer. Você precisa manter o padrão".
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