"Em breve, ricos e
pobres terão acesso à internet – o que é um belo slogan de campanha – resta
saber a qual internet. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de
democratização, é o começo do fim". O comentário é de Pedro
Ekman, coordenador do Intervozes em artigo publicado por CartaCapital,
24-03-2014.
Eis
o artigo.
Na semana passada,
um pequeno fato foi noticiado pela imprensa especializada em tecnologia. Pela
primeira vez no Brasil, uma empresa vai pagar para que um usuário acesse
determinado conteúdo. O Bradesco fechou um acordo com as operadoras de
telecomunicações para que seus clientes possam usar o internet banking (no browser ou aplicativos) sem que o volume de dados
consumido nas operações seja descontados dos pacotes de dados. Parece lindo, né?
Mas o preço que se paga é o fim da internet como conhecemos hoje, aberta e
plural.
Em janeiro, a AT&T já havia anunciado que passaria a trabalhar
com esse modelo de negócio, o chamado acesso patrocinado. A partir daí, começou
uma grande discussão sobre a possibilidade de a liberação de um conteúdo ser
entendida como quebra de neutralidade da rede. A discussão se deu publicamente,
mas apenas em sites especializados. A TheVerve,
por exemplo, foi assertiva: disse que agora começa a era do controle das
operadoras sobre a internet. O argumento faz algum sentido.
Vamos voltar no
tempo, quando, em 2005, o YouTube foi criado por três pioneiros do PayPal.
Nessa mesma época, aGoogle havia criado seu próprio serviço de vídeo.
Na competição pelos usuários, venceu o YouTube,
a invenção do ano, vendida para o Google em 2006. Agora, vamos imaginar que o acesso
patrocinado já existisse. Daí então, oGoogle,
com maior poder econômico, poderia pagar para que os usuários acessassem seu
serviço e ganharia apenas com os anúncios.
Neste cenário, a
competição não se daria nos parâmetros “o que fizer maior sucesso com o
consumidor”, mas sim de acordo com o maior poder econômico: Pay
to play, como os americanos
estão chamando. O mesmo pode ocorrer agora se e quando surgir uma nova rede
social para concorrer com o Facebook.
Ela terá que desbancar uma aplicação que permite o acesso sem desconto no
pacote, já que, no Brasil, a Claro,
a Oi e o Facebook mantêm um acordo de 'acesso
patrocinado'.
O acesso
patrocinado basicamente cria uma nova barreira ao acesso à internet como meio de
veiculação. O capitalismo informacional derrubou um conjunto de barreiras à
replicação dos produtos, mas, para proteger os investimentos, esse processo pode
estar sendo revertido e as barreiras de entrada reerguidas, conforme tem
apontado análises do professor da Escola de Comunicação da UFRJ Dr.
Marcos Dantas. Isso significa que o nível de inovação tende a
cair, pois os empreendedores não precisarão apenas criar um aplicativo que valha
a pena e que possa se tornar popular, precisarão garantir que uma concorrente de
peso e que possa patrocinar o acesso não o faça.
Obviamente, dizer
que a nova forma que as teles arrumaram de ganhar dinheiro, sugando um pouco as
empresas que estão bem da vida como o Facebook,
o Google e outras, não é algo que vai lhe trazer a
simpatia das poderosas corporações. Mas esse debate pode ser ainda mais
importante de ser travado por aqui. Este é um país onde ainda apenas 40% da
população tem internet em casa. 20% desses acessos é feito via modem, conforme
pesquisa do IPEA Sistema de Indicadores de Percepção Social dos Serviços de
Telecomunicações 2014, um serviço tradicionalmente vendido com limitação de
franquia de dados. Ainda, 38% dos domicílios brasileiros têm, ao menos, uma
pessoa que acessa a internet pelo celular, serviço que também conta com limite
de franquia. Ou seja, há muito mais apelo ao modelo de acesso patrocinado e
muita gente pode passar a acessar apenas a internet sob o controle das
corporações.
Por hora, apenas
o Bradesco avançou neste sentido. Para as instituições
financeiras, esse tipo de contrato com as teles faz sentido porque reduz custos
com call
center, agências e etc, uma
vez que mais gente pode fazer as transações online sem apoio de um funcionário.
Ou seja, compensa financeiramente. Mas as próprias operadoras já veem o modelo
sendo replicado em outras áreas: lojas de e-commerce já se interessaram, por
exemplo. Há rumores de que o Netflix negociaria um acordo com as operadoras para
que ofereçam os streamings de vídeo com melhor qualidade.
A prática pode
chegar até a imprensa. Um dos profissionais de uma grande operadora, que
negociou o acordo com oBradesco,
afirma que vê muito potencial em um modelo de venda de assinatura de conteúdo já
atrelado ao acesso. Na prática, seria a Folha
de S. Paulo ou as
Organizações Globo pagarem às teles para que os assinantes não
precisem ter pacotes de dados. Há aí o potencial para a nova verticalização do
modelo de negócio do jornalismo, que desde o surgimento da internet viu a
concorrência com blogs e conteúdos independentes crescer rapidamente. O que a
internet fez foi diminuir a barreira de entrada (não precisava mais de prensa,
ou de sistema de complexos e caros sistemas de distribuição para divulgar um
texto). Agora, isso pode mudar.
Para as teles, é o
sonho realizado. Há anos elas reclamam que todo o lucro da internet ficava com
as empresas que trabalham na camada de aplicações e que estava cada vez mais
difícil continuar investindo na infraestrutura. Na verdade, muitas avançaram
para a camada de conteúdo e tentam a sorte com o lançamento de redes sociais,
serviços de mensagem instantânea Over-The-Top e até sistemas de segurança. Agora, os
ânimos apaziguaram e empresas que atuam na camada de conteúdo e operadoras
começam a se olhar com menos desconfiança. Todo mundo vai poder ficar com uma
parte desse bolo de dinheiro criado com a internet.
Resta saber o que
acontece com a diversidade de informação, com a inovação e o empreendedorismo.
Alguns dizem que a porta está se fechando. Os Estados Unidos criaram as suas
megacorporações da internet. A Europa conta com as remessas de lucros das teles,
que dependem muito dos negócios na América Latina. Mas o governo brasileiro,
assim como boa parte dos países da região, engatinha em uma política de estímulo
ao desenvolvimento de aplicativos e de empresas de tecnologia. Em breve, ricos e
pobres terão acesso à internet – o que é um belo slogan de campanha – resta
saber a qual internet. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de
democratização, é o começo do fim.
e não deixe ser
enganado ou ludibriado por falsas promessas e discursos vazios que não refletem
a pratica de quem fala.