sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O poder tem medo da Internet - entrevista com Manuel Castells

Manuel Castells

11/1/2008



Se alguém estudou o que é, por dentro, a sociedade da informação, é o sociólogo Manuel Castells. A sua trilogia A era da informação foi traduzida para 23 línguas. Ele voltou para a Espanha em 2001 e dirige a pesquisa na Universitat Oberta de Catalunya, , depois de ter lecionado, durante 24 anos, na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Uma das pesquisas mais recentes é o Projeto Internet Cataluña, em que durante seis anos analisou, com 15 mil entrevistas pessoais e 40 mil pela internet, as mudanças que a Internet introduz na cultura e na organização social. Ele acaba de publicar com Marina Subirats, Mujeres y hombres, ¿un amor imposible? (Alianza Editorial), onde aborda estas mudanças. A reportagem e a entrevista é de Milagros Pérez Oliva e publicada pelo jornal El País, 6-01-2008.


Eis a entrevista.


Esta pesquisa mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas que as pessoas que mais usam o chat são as mais sociais.


Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenho sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que dão esse mesmo resultado.
Por que acredita que a idéia contrária se estendeu com tanto sucesso?
Os meios de comunicação tem muito a ver. Todos sabermos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet e seus filhos, também. Mas é mais interessante acreditar que ela está cheia de terroristas, de pornografia... Pensar que é um fator de alienação é mais interessante do que dizer: A Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não é, a Internet lhe ajudará um pouquinho, mas não muito. Os meios são um certo modo de expressão do que pensa a sociedade: a questão é por que a sociedade pensa isso.


Porque tem medo do novo?


Exatamente. Mas medo de quem? A velha sociedade tem medo da nova, os pais dos seus filhos, as pessoas que têm o poder ancorado num mundo tecnológico, social e culturalmente antigo do poder que lhes abalroa, que não entendem nem controlam e que percebem como um perigo. E no fundo é mesmo um perigo. Porque a Internete é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre foi baseado no controle das pessoas por meio do controle da informação e da comunicação. Mas isto acaba. Porque a Internet não pode ser controlada.


Vivemos numa sociedade onde a gestão da visibilidade na esfera pública midiática, como a define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controle da imagem pública requer meios que sejam controláveis, e se a Internet não é ...


Nao é, e isso explica porque os poderes tem medo da Internet. Estive em várias comissões de assessoria de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos, e a primeira pergunta que os governos sempre fazem é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode se vigiar, mas não controlar.


Se a Internet é tão determinante da vida social e econômica, seu acesso pode ser o principal fator de exclusão?


Não. O mais importante segue sendo o acesso ao trabalho e à carreira profissional e, ainda anteriormente, ao nível educativo, porque sem educação, a tecnologia não serve para nada. Na Espanha, a chamada exclusão digital é por questão de idade. Os dados estão muito claros: entre os maiores de 55 anos, somente 9% são usuários da Internete, mas entre os menores de 25 anos, são 90%.


É, portanto, uma questão de tempo?


Quando minha geração desaparecer, não haverá mais esta exclusão digital no que diz respeito ao acesso. Mas na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas saber onde ir, onde buscar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. Isso requer educação. Na realidade, a Internet amplifica a velha exclusão social da história, que é o nível de educação. O fato de que 555 dos adultos não tenha completado, na Espanha, a educação secundária, essa é a verdadeira exclusão digital.


Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente e que é cada vez mais globalizada, aumenta a sensação de insegurança, de que o mundo se move debaixo dos nossos pés?


Há uma nova sociedade que eu busquei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede e que não está distante da que define Bauman. Eu creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde menos controle das instituições tradicionais.


Em que sentido?


Estende-se a idéia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então, o chão se move sob os nossos pés. Primeiro, as pessoas pensam que seus governos não as representam e que não são confiáveis. Começamos mal. Segundo, elas pensam que o mercado é bom para os que ganham e mau para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança para o que a lógica pura e dura do mercado pode proporcionar às pessoas. Terceiro, estamos globalizados; isso significa que nosso dinheiro está no fluxo global que não controlamos, que a população está submetida ás pressões migratórias muito fortes, de modo que cada vez mais é difícil encerrar as pessoas numa cultura ou nas fronteiras nacionais.


Qual é o papel da Inernet neste processo?


Por um lado, ao nos permitir aceder à toda informação, aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isto é algo que demonstramos pela primeira vez na nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mas ela utiliza a Internet. Em nosso trabalho definimos seis dimensões da autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte projeto de autonomia, em qualquer uma dessas dimensões, ela utiliza Internet com muito mais freqüência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos ela se fia das instituições.


E maior pode ser sua frustração pela distância que há entre as possibilidades teóricas de participação e as que exerce na prática, que se limitam a votar a cada quatro anos?


Sim, há um descompasso entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram Wi-Fi de acesso, mas se ao mesmo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar na vida política. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia e, portanto, estas tecnologias contribuem para distanciar ainda mais a política da cidadania.

Brasil: uma farsa em Bali? Entrevista especial com Claudio Ângelo



11/1/2008









A Conferência de Bali trouxe algum resultado? O mapa do caminho será uma solução para as emissões de carbono no planeta ou terá o mesmo fim que o Protocolo de Kyoto? Para o jornalista Claudio Ângelo, que participou da cobertura do evento como correspondente da Folha de S. Paulo, o encontro pode ser considerado um sucesso e um fracasso. De positivo, Bali aprovou o mapa do caminho. Entretanto, faltou uma “resposta adequada à dimensão do problema do aquecimento global”, considerou.

Os integrantes do G-77 foram o grande destaque da Conferência, e estavam dispostos a contribuir para o novo texto, que substituirá Kyoto em 1012. O Brasil apresentou um plano de compensação voluntária. Entre tantas promessas e propostas, lembra o jornalista, o país ainda não fez efetivamente nada. Para ele, a falta de uma política nacional de mudanças climática revela o que país não “está nem um pouco preocupado com as emissões de gases das indústrias e do setor de combustíveis fósseis”.

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o jornalista chama a atenção para a disputa interna existente dentro do governo. E dispara: “Tem uma esquizofrenia no setor ambiental brasileiro que é, de um lado, o Ministério do Meio Ambiente tentando fazer alguma coisa, e, de outro, o Ministério da Casa Civil tentando minar tudo que o Ministério do Meio Ambiente está fazendo”.

Claudio Ângelo é jornalista e editor de Ciência da Folha de S. Paulo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para você, que esteve em Bali, acompanhou as discussões e decisões, o que, de fato, a conferência deixa para o mundo?


Claudio Ângelo – Essa pergunta tem sido feita desde que a Conferência terminou. Bali foi um fracasso ou foi um sucesso? Considero mais justo dizer que foram as duas coisas. Primeiro, não é possível negar que a Conferência apresentou um resultado concreto. Até o último segundo, poucas pessoas esperavam que o mapa do caminho fosse aprovado. Os Estados Unidos tentaram armar um retrocesso gravíssimo na Conferência e, no final das contas, o mapa do caminho foi aprovado e até mesmo foi além do que muitos esperavam. Nesse ponto, a Conferência foi um sucesso. Agora, a ONU e a humanidade em geral não deram uma resposta adequada à dimensão do problema do aquecimento global, tal qual ela foi delineada pela ciência. O processo político continua muito aquém do que deveria ser feito para combater o problema. O nível de estabilização que os cientistas consideram que deve ser alcançado é de 450 watts por 1 milhão de dióxido de carbono na atmosfera. Entretanto, penso que esse percentual nunca será alcançado.

IHU On-Line – A partir de acontecimentos como o da pressão que os Estados Unidos fizeram sobre as decisões a serem tomadas em Bali, com apoio do Japão e Canadá inclusive, e o do importante assentimento que a União Européia deu ao mapa do caminho, junto aos países em desenvolvimento, como o senhor analisa a Conferência de Bali, em relação às discussões feitas há dez anos em Kyoto?


Claudio Ângelo – Por mais que pareça absurdo isso que eu vou dizer, considero necessário separar as posições dos países desenvolvidos. Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos sempre, tradicionalmente, decidiram essas questões em bloco durante todo o processo de construção de Kyoto e da Convenção do Clima. Ocorre que esse grupo se rompeu. A Nova Zelândia se tornou um país totalmente favorável a medidas duras para combater o aquecimento global, sendo o primeiro país a sair do bloco. Hoje, eles estão dizendo que se transformarão num país neutro em carbono. Quer dizer, eles perceberam que essa nova posição é estratégica, até porque o país é pequeno, e com recursos escassos. O Japão tem um problema que é diferente dos Estados Unidos. Apesar de aderir à idéia de não aceitar nenhum tipo de mecanismo de punição para os países que não cumprirem suas metas, ele tem o problema da eficiência de energia. Os japoneses já cortaram muita coisa depois da crise do petróleo, e, hoje, dificilmente eles vão conseguir amenizar seus problemas com medidas domésticas de redução de emissões. Por isso, eles insistem em comprar créditos de carbono. Na semana passada, o Japão anunciou que vai fechar um acordo com a China, para comprar créditos de carbono dos chineses. Para os japoneses, soluções de mercado serão fundamentais.

Canadá e Estados Unidos têm posições diferentes. Na administração Bush, os estadunidenses não querem fazer nada. Eu conversei com um especialista dos Estados Unidos por conta da Conferência, e ele falou uma coisa engraçada e até meio óbvia. Ele disse que o governo estadunidense não nega mais que o problema do aquecimento global exista. O que ele nega agora é a solução do problema. Assim, o país continua insistindo na alternativa de medidas voluntárias. O Canadá, de certa forma, em Bali, tentou aderir à mesma posição dos estadunidenses, mas, no final, os Estados Unidos ficaram totalmente isolados.

IHU On-Line – Qual é a importância para o mapa do caminho, que está sendo traçado ainda, a participação do G-77 na conferência de Bali?


Claudio Ângelo – É fundamental, porque todo o impasse criado pelos estadunidenses estava justamente em torno do fato de que os países em desenvolvimento são desobrigados por Kyoto a aceitar metas de redução. Então, o argumento dos Estados Unidos e Canadá era: nós não vamos fazer exatamente nada enquanto grandes emissores do mundo em desenvolvimento, como China e Índia não adotarem a medidas.

Em 2007, a China sentiu a pressão e antes da reunião do G8 anunciou um grande plano de aumentar a eficiência energética no setor industrial, de economia, combustível, de fósseis. Quer dizer, a China já chegou a Bali preparada para discutir compromisso. O mesmo ocorreu com o Brasil e a África do Sul. O México já tem um plano pronto e detalhado de quanto eles podem cortar em cada setor da economia. Então, os grandes países do G-77 chegaram em Bali dispostos a discutir e firmes na decisão de não aceitar metas obrigatórias. As potências do G-77, excluindo a Índia, se uniram dispostas a fazer uma contribuição. Isso foi fundamental. A grande liderança nessa Conferência, e isso foi uma coisa que as ONGs disseram desde o início de Bali, estava, por incrível que pareça, no G-77.

IHU On-Line – O Protocolo de Kyoto levou quase dez anos sendo negociado. Enquanto os acordos eram realizados, o mundo emitia 24% a mais de gases de efeito estufa. Agora, temos até o próximo ano para escrever um novo texto para substituí-lo. Você, como jornalista que tem acompanhado todo esse processo, acredita que este mapa do caminho poderá ser mais ambicioso do que o protocolo de Kyoto? Por quê?


Claudio Ângelo – O novo texto não tem nenhuma opção que não seja ser mais ambicioso que o Protocolo de Kyoto. Isso está claro para todos. Nem a Arábia Saudita duvida que tenha que ser assim. Kyoto, na prática não serve para nada. Ele abriu caminho para uma solução multilateral, mas que se tornou muito distante da solução do problema.

Então, esse novo acordo promete ser mais ambicioso que Kyoto, mas se ele vai ser fechado em 2009, como serão os acordos, compromissos, ninguém sabe.

IHU On-Line – Os resultados apresentados pelo IPCC, no início do ano passado, alertaram não apenas os governos, mas a população mundial sobre o problema do aquecimento global. Que influência esse alerta terá sobre as políticas públicas relacionadas ao clima a partir de agora?


Claudio Ângelo – O Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, disse que o século XXI começou no dia 2 de fevereiro de 2007, na divulgação da primeira parte do Quarto Relatório do IPCC. Eu concordo com tudo que ele disse, porque nesse dia, aparentemente “caiu a ficha” globalmente do tamanho do problema e do que significa para a humanidade falhar em resolver essas questões. Não é a toa que o aquecimento global virou prioridade número um das Nações Unidas, e até está decidindo eleição.

Ninguém poderia prever, ainda em 2005, que a missão na Austrália seria decidida pelo aquecimento global. Então, apesar do Relatório do IPCC não ter trazido a rigor nenhuma novidade, ele teve um impacto imenso na opinião pública. Se não fosse o IPCC, Bali teria sido um fracasso retumbante. E eu não tenho a menor dúvida disso. Depois do Relatório do IPCC, até o governo Bush perdeu a desculpa e sua linha de argumentação.

IHU On-Line – Como o senhor vê a posição do Brasil, que se prontificou a lançar metas nacionais para diminuir os efeitos do aquecimento global, mas que, ao mesmo tempo, dá andamentos, a partir de seu Plano de Aceleração do Crescimento, a projetos como a transposição do Rio São Francisco e as usinas do Rio Madeira?


Claudio Ângelo – Em primeiro lugar, o Brasil não se prontificou a adotar metas nacionais. O que o país fez foi apresentar um plano de compensação voluntária, com criação de um fundo, no qual seria posto dinheiro por quem quisesse.

Para captar esse dinheiro, é necessário estabelecer uma linha de base do quanto cada país vai reduzir seu desmatamento. O que o Brasil fez, foi tirar uma média dos últimos dez anos, uma média alta de aproximadamente 10 mil Km², e propô-la como linha de base. Essa seria a meta brasileira de reduções. Mas, concretamente, o país ainda não tem uma política nacional de mudança climática, não tem um plano de ação nacional de mudança climática e não está nem um pouco preocupado com as emissões das indústrias, com as emissões no setor de combustíveis fósseis e continua leiloando usina termoelétrica a carvão. Quer dizer, a rigor, o Brasil não fez muita coisa.

Para responder à sua pergunta, tem uma esquizofrenia no setor ambiental brasileiro que é, de um lado, o Ministério do Meio Ambiente tentando fazer alguma coisa, e, de outro, o Ministério da Casa Civil tentando minar tudo que o Ministério do Meio Ambiente está fazendo.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o jornalismo focado na área do meio ambiente e saúde no país?


Claudio Ângelo – O jornalismo é muito melhor do que era há 10 anos. Não posso falar muito de saúde, mas existe uma demanda fortíssima dos leitores por reportagens nessa área. Saúde é um dos temas que mais interessa ao leitor. Uma pesquisa do Ministério de Ciências e Tecnologias, em 2006, revelou que os brasileiros apreciam mais as matérias de saúde do que de política, por exemplo. Isso bate com dados do perfil do leitor da Folha, em pesquisa realizada pelo Datafolha, no ano passado. Então, os jornais já estão dando um espaço e uma atenção maior para esse assunto, mas ainda existe uma demanda reprimida muito grande.

Em relação às matérias sobre meio ambiente ocorre a mesma coisa. Segundo essas pesquisas, questões ambientais também interessam mais ao leitor do que política. Embora exista demanda reprimida nessa área, os jornais ainda não estão atendendo esse novo nicho.

IHU On-Line – A cobertura sobre meio ambiente na imprensa brasileira tem crescido, pautada principalmente por temas polêmicos, como transgênicos, mudanças climáticas, biodiversidade e biopirataria. A imprensa brasileira cumpre seu devido papel ao tratar de tais temas?

Claudio Ângelo –
Eu não sei. Para isso, é preciso definir qual o papel da cobertura da imprensa. Se o papel da imprensa é ajudar no debate público, eu penso que ela cumpre e não cumpre seu papel.
Sobre o aquecimento global, por exemplo, vejo que as pessoas estão bem informadas quando lêem o jornal. Nessa questão dos transgênicos, ainda não foi realizado um bom trabalho. As ONGs, as indústrias e o governo fizeram um papelão. Por sua vez, a imprensa ficou refém das agendas de todos esses atores e acabou fazendo um papelão também. Assim, eu penso que o jornalista que cobrem transgênicos se dividiram num certo momento entre os militantes pró-transgênicos e os militantes anti-transgênicos, e isso obviamente prejudicou a cobertura.