'Capital no Século XXI' abre um bom debate sobre a desigualdade de renda em determinados países, mas para o Brasil, citado apenas três vezes no livro, a questão ainda fica limitada
O
estudo de Piketty analisou séries históricas nos E.U.A. e principais
países da Europa Ocidental, assim como o Japão, mas o Brasil é citado
apenas três vezes nas quase 700 páginas do livro em menções pouco
significativas que não exploram o tema. Também não foram analisados
dados dos países escandinavos e tampouco dos países do outrora bloco
comunista, que dariam outra perspectiva interessante.
O
estudo abre um bom debate sobre a desigualdade de renda nestes países,
mas para o Brasil a questão ainda fica limitada. A forte carga
tributária brasileira, que atinge proporcionalmente mais a baixa renda,
dada a presença de impostos indiretos no consumo de todos, é,
entretanto, absorvida no custeio da máquina burocrática que se
autofinancia. Desta forma, a principal distribuição de renda aqui nestes
tristes trópicos deveria ocorrer pelos serviços do estado aos menos
favorecidos, como educação, saúde, saneamento, habitação e transporte. E
sobre isso não há dúvida que grande parte da sociedade já se levantou
nas chamadas revoltas de junho de 2013.
É
claro que há no Brasil uma diferença marcante da remuneração do capital
e do trabalho, objeto principal do ensaio de Piketty. Mesmo dentro da categoria trabalho,
em si mesma, na escala hierárquica das empresas brasileiras, de capital
estatal, privado brasileiro ou multinacional, o fator de desigualdade
entre o maior e o menor salário possivelmente é mais acentuado do que
nos países estudados.
A expressão distribuição de renda poderia
levar um apressado a pensar que na economia existiria um planejamento
central que fosse encarregado de uma ordenação justa e igualitária e que
esta entidade estaria fazendo um mal trabalho, dado o que se observa
por aqui.
Não
é novidade que a livre iniciativa, muito antes do alerta de Piketty,
sempre foi incapaz de, por si só, garantir o bem estar coletivo, como
imaginava Adam Smith no século XVIII, contestado por Karl Marx no século
XIX e previsto por Simon Kuznets para o século XX. Uma das sugestões de
Piketty para sanear o problema, o imposto mundial sobre grandes
fortunas, infelizmente se caracteriza por uma colocação meramente
acadêmica, inexequível e inadministrável.
Uma
tentativa de correção da iniquidade seria através da intervenção do
estado pelas leis trabalhistas, pela defesa da concorrência, com as
autoridades de regulação e proteção ao consumidor intercedendo para
tornar o capitalismo menos selvagem. No Brasil vemos, entretanto, que
estas formas de controle foram negligenciadas no atual governo, que
prefere intrometer-se atabalhoadamente e de forma casuísta, causando os
notórios desastres em diversas áreas, citando-se como piores exemplos o
setor de energia, nos rumorosos paradigmas da Eletrobras e Petrobras.
Constatar
que 1% da população detém a maior parte da riqueza, como conclui
Piketty e que esta situação não se corrige sozinha e, ao contrário, se
acentua, fortalece com fundamentos de análise estatística o movimento de
2012, Ocuppy Wall Street – Retribution Against the Financial Elite, e
das nossas demandas de junho de 2013. Trata-se de um bom e necessário
debate, mas pode ser mal usado no momento brasileiro onde há prioridade
em desfazer as improbidades correntes, com o doloroso padrão que vem dos
nossos governantes.
*Paulo Gurgel Valente é diretor da Profit Projetos e parceiro do Opinião e Notícia