do blog do Marcio Valley
Tim
Jackson, em seu livro "Prosperidade sem crescimento: Vida boa em um
planeta finito", surpreende os leitores ao apontar estudos que
desvinculam o sentido de prosperidade individual à posse de riqueza.
Questionadas, as pessoas tendem a identificar o desejo de prosperidade,
precipuamente, ao bom relacionamento com familiares e amigos, à
segurança de si e das pessoas a quem quer bem, à possibilidade de
realizar coisas pelas quais se sinta gratificado, à manutenção de um
emprego decente com renda meramente suficiente para a manutenção de uma
vida digna e ao sentimento de pertencimento a uma comunidade da qual
possa participar de forma ativa. Jackson denomina de florescimento a
possibilidade do indivíduo alcançar esse conjunto de fatores. A
prosperidade, assim, está plenamente vinculada à capacidade do indivíduo
de florescer. Alcançar riqueza não é, em geral, incluída pelas pessoas
como um dos requisitos do florescimento. Uma renda digna, não riqueza, é
um elemento considerado, todavia apenas como um meio para o sucesso na
meta do florescimento.
Essa
espécie de prosperidade que advém do florescimento independe do
crescimento econômico. De fato, é possível imaginar uma economia
estável, com crescimento variando em função do número de habitantes do
planeta e, sendo assim, tanto podendo crescer, como decrescer, na qual
as pessoas consigam viver num ambiente de fraternidade, trabalhando com
renda digna, realizando o que gosta de fazer e com segurança, ou seja,
florescendo em sua condição de ser humano.
Dessa
forma, conclui-se que o crescimento econômico que gera uma imensa
desigualdade na distribuição da riqueza, mantendo bilhões de pessoas na
mais absoluta miséria, e que não possibilita o florescimento individual,
é de pouca serventia se considerado sob o prisma da produção de
prosperidade.
A
obsessão pelo crescimento do PIB, cuja relação com a prosperidade e a
felicidade do ser humana é, para dizer o mínimo, improvável, pode,
portanto, ser interpretada como uma doença que conduz o ser humano a
desprezar as necessidades do sistema ecológico e a materialização do
florescimento individual.
Por
outro lado, o economista francês Thomas Piketty, no livro "O capital no
século XXI", livro que o prêmio Nobel Paul Krugman não hesitou em
denominar de "verdadeiramente soberbo", informa que a inflação não foi
um acaso ou um infortúnio econômico, mas resultado de uma ação
planejada, em fins do século XIX e início do XX, que extinguiu o padrão
ouro das moedas fortes, o que foi feito para possibilitar a emissão de
moeda sem lastro. O objetivo? Reduzir, através da inflação, a dívida
pública das nações e pagar as despesas das guerras. Em outras palavras,
inventou-se a inflação para dar o calote na população. Piketti relata
que, até então, a economia crescia, com pouca variação, na proporção do
crescimento populacional, às vezes um pouco mais, outras um pouco menos.
A partir daí, a inflação tornou-se um problema que, até o momento, não
possui solução. Além disso, ele descreve academicamente os motivos pelos
quais a inflação, mesmo pequena, de 1% ao ano ou inferior, afeta de
maneira perniciosa a economia de qualquer país. Quanto maior a inflação,
mais rápidos são sentidos os efeitos daninhos.
Não
bastassem todos os problemas acarretados pela invenção da inflação, que
Piketti descreve em seu livro, há ainda um que talvez seja um de seus
mais perversos efeitos: ela é um dos responsáveis pelo surgimento do
consumismo desenfreado a partir de meados do século XX, porque, ao
corroer o valor da renda, tanto a proveniente do trabalho, como a do
capital, obriga a uma recomposição através do aumento real da economia.
Quando o enfatizo como um efeito perverso da inflação, faço-o porque
tornou-se o consumismo um fetiche social que antropomorfiza o objeto de
consumo e coisifica o ser humano. Hoje em dia, raramente alguém é
admirado por sua cultura se não materializa esse valor interno em
objetos icônicos externos. "Essa pessoa não pode ser considerada culta e
erudita se não mora num bairro chique e não dirige um carro caríssimo",
é o que pensam ao excluírem de suas relações a pessoa que optou por uma
vida frugal.
Há
algo mais ridículo do que uma pessoa, em reunião social, puxar conversa
jactando-se de possuir uma determinada marca de relógio ou de automóvel
e, ainda por cima, perguntar pelas marcas que o interlocutor costuma
adquirir? Como qualificar a auto-exibição de frivolidade de alguém que
posta na rede social a fotografia do prato que pediu em determinado
restaurante? Essa é a perversidade do consumismo: transforma o ser
humano, até onde se sabe o único ser vivo possuidor de inteligência
racional do universo, em um pateta superficial que desonra a cultura e é
obsedado pela inanidade do exibicionismo.
Esse
mesmo consumismo fútil e sem sentido é que, em Bauman, é considerado um
dos fatos geradores da liquidez da modernidade, onde tudo é fugaz e
difícil de conter por muito tempo, qualificando-se o indivíduo pelo que
possui e não pelo valor intrínseco de si mesmo. E preocupa Jackson pela
vacuidade do ataque feroz aos recursos naturais e pela expansão da
ocupação humana em todos os habitats.
Não
há dúvida de que o interesse demasiado pelo crescimento econômico
decorre inicialmente do aumento populacional. Para gerar emprego e
renda, a economia necessita acompanhar o ritmo da variação no número de
pessoas que buscam o mercado de trabalho. Como o século XX gerou um
incremento populacional até então inimaginável, essa explosão
demográfica exigiu um crescimento da economia à altura. O incentivo ao
consumismo nasce, em princípio, dessa urgência econômica. Assim, o
primeiro elemento culpado pela necessidade do consumismo é a explosão
demográfica.
Entretanto,
a inflação, por desvalorizar a economia ainda que mantidas as mesmas
condições, obriga à recuperação desse prejuízo no mínimo em idêntico
percentual. Passa-se, dessa forma, a existir um segundo elemento que
deve ser pelo menos igual ao crescimento econômico para que tudo se
mantenha como está, que é a inflação. Muito simplificadamente, num
ambiente de crescimento populacional anual de 2% e inflação igual a 2%,
um crescimento econômico inferior a 4% será, em tese, um desastre.
O
consumismo surge como salvador da economia. Para incrementá-lo, nasce
uma publicidade engenhosa e um artifício demoníaco: a obsolescência
programada, mecanismo através do qual as coisas são produzidas para
durar um curto tempo, obrigando à sua reposição reiterada e ampliando o
consumismo.
Remédio,
contudo, que está matando o doente ao impôr o pesado ônus de uma
agressão sem paralelos ao ambiente em que vivemos. O extrativismo é
feroz, a necessidade de ocupação da terra aumenta a cada segundo. Muitas
espécies já foram extintas, outras estão em perigo. Diversos
ecossistemas são hoje mera lembrança.
Nesse
ponto retornamos a Tim Jackson o problema que ele nos apresenta da
impossibilidade de crescimento infinito de qualquer subsistema que
integre um sistema finito. A finitude do sistema obviamente determina
idêntica finitude de todos os subsistemas nele contidos. O sistema
denominado planeta Terra é finito, donde decorre que o subsistema
ecológico terráqueo é igualmente finito, assim como finitos são todos os
subsistemas desse subsistema, inclusive o sub-subsistema econômico.
Portanto, a obsessão pelo crescimento econômico infinito e pela riqueza
individual infinita são, tanto uma impossibilidade física, como uma
patologia social capaz de conduzir ao aniquilamento da civilização.
Por
conta disso, Jackson nos coloca a seguinte questão: o crescimento
contínuo da riqueza dos indivíduos que já são muito ricos é uma meta
saudável a ser perseguida pela economia política num mundo cujos limites
ecológicos já foram alcançados e estão perigosamente sendo
ultrapassados?
Como
ninguém, nem os ricos, desejam a destruição da civilização, é muito
possível que, em médio prazo, se inicie um processo de ausência de
crescimento ou mesmo de redução da economia. Se isso ocorrer, entra
outra questão: como ficará a renda do trabalho? Segundo Piketti, em
situações de ausência de crescimento econômico, a tendência de
concentração da riqueza em poucas mãos se acentua. Além disso, a
tecnologia e o aumento da produtividade torna cada vez mais
desnecessária a mão-de-obra humana. De que forma será possível a criação
de emprego num ambiente de economia estagnada, de trabalho desenvolvido
por artefatos tecnológicos, com alta produtividade e com concentração
de riqueza cada vez maior? É possível que o setor de serviços preencha
esses espaços?
Para
que o setor de serviços crie a maior quantidade possível de empregos, é
imprescindível que se pense em redução drástica do número de horas e de
dias trabalhados. O ócio criativo surge desse tempo vago e possibilita o
florescimento, com cada um procurando fazer aquilo que o realize
individualmente. A busca pela cultura, pela saúde, pelo aperfeiçoamento
físico e esportivo, pelo lazer, pelo conhecimento de lugares, pelo
aprendizado e produção de arte, enfim de toda atividade que sirva ao
propósito de construção da individualidade, naturalmente faz surgir o
outro lado da moeda: os prestadores de serviços que serão os auxiliares
dessa busca. Professores, médicos, artistas, agentes de turismo,
profissionais liberais de toda espécie, produzirão grande parte das
atividades e da renda necessária, destacando-se que são atividades de
baixa produtividade que, por isso, possibilita o surgimento de empregos
em quantidade proporcional à demanda. Basicamente, um cabeleireiro do
século XIX estava limitado fisicamente a cortar a mesma quantidade
diária de cabelos que hoje em dia um cabeleireiro pode cortar.
Entretanto,
o setor de serviços não dará conta de gerar a renda necessária para
todos os habitantes do planeta. O que fazer? Duas coisas parecem
inevitáveis: a redução da população mundial a patamares administráveis e
a diminuição forçada da concentração da riqueza.
A
redução da população não é difícil e pode ocorrer de forma bastante
acentuada em duas ou três gerações, desde que obstáculos morais e
religiosos sejam postos de lado. Numa hipótese drástica, e praticamente
impossível, se cada mulher tiver apenas um filho, o número de
nascimentos será igual à metade da população em uma geração e à metade
disso em duas. Nessa hipótese, em pouco tempo, alcançando-se, talvez,
uma população de dois bilhões de pessoas, seria possível adotar a taxa
de reposição, que é de 2,1 filho por mulher. Em uma suposição menos
radical, se cada uma tiver 1,5 filho, a população se manteria estável
durante algumas décadas e depois passaria a decrescer.
A
redução da concentração da riqueza é necessária para a produção de
renda para uma parcela considerável da população que, ao menos no início
do processo de reforma da economia política, não encontraria emprego
para auferimento de renda. Caberia ao Estado alocar recursos para essas
pessoas. Os métodos para alcançar essa finalidade são variados e vão
desde a vedação da formação de grandes conglomerados econômicos, com
pulverização da produção, até a cassação de parte considerável do
direito de herança, passando pela tributação pesada das grandes
fortunas. O controle rigoroso sobre os títulos negociados no mercado,
com proibição daqueles não vinculados diretamente ao setor produtivo, é
uma imposição.
Paralelamente, o retorno de uma ancoragem real para a moeda aparenta ser salutar.
O fato aparentemente indiscutível é que o capitalismo precisará se reinventar.
Pode
ser que Marx estivesse certo quando sugeriu que a superação do
capitalismo surgiria de suas próprias crises e contradições intrínsecas.
Se essa superação resultará em comunismo ou outra coisa, teremos que
aguardar para ver.