Reproduzo abaixo um artigo acerca da nova subjetividade decorrente da introdução de meios comunicação de massa interativos, extraído de www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/EdilsonCazeloto.pdf
GLOCAL: ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA DO MODO MEDIÁTICO DE REPRODUÇÃO DO CAPITALISMO TARDIO
EDILSON CAZELOTO *
* Doutorando, membro do CENCIB – centro interdisciplinar de pesquisas em comunicação e cibercultura – do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Este artigo visa articular as categorias de “Glocal” e “Império”, ressaltando a centralidade dos processos comunicacionais na reprodução ampliada do capitalismo contemporâneo. A análise, simultaneamente cultural e política, busca interpretar como a intersecção de forças globais e locais atua na construção de uma nova subjetividade, ligada às necessidades de um modo de produção calcado na circulação de valores simbólicos.
Palavras- chave: glocal; império; capitalismo; cibercultura; comunicação
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as ciências humanas vêm travando um debate intenso sobre a singularidade histórica das sociedades contemporâneas. A diversidade de conceitos-chave introduzidos nos mais diversos trabalhos desde, pelo menos, a segunda metade do século XX (tais como capitalismo tardio, capitalismo pós-industrial, pós-fordismo, capitalismo imaterial, economia-mundo etc) ilustra a pluralidade de visões sobre o tema1. Mesmo sem que haja consenso firmado em torno da natureza e extensão dessas mudanças, a noção predominante é a de que o capitalismo expandiu-se por toda a superfície do globo, ou, como diz Jameson, ultrapassou as derradeiras fronteiras e colonizou a natureza e o inconsciente (JAMESON, 2002). Tal expansão (e suas conseqüências) implicam mudança qualitativa na compreensão desta nova fase.
Se não é nenhuma novidade o fato de que os meios eletrônicos de informação e comunicação jogam um papel decisivo neste contexto (seja pelo fluxo de dados diuturno necessário ao mercado de capitais, seja por difundir em escala global as mercadorias e o desejo necessários ao mercado de consumo), parece faltar à área de Comunicação uma visão mais consistente sobre a centralidade de seu objeto de estudo na reprodução e sustentação do capitalismo em sua nova fase. Em outras palavras, é tarefa premente daqueles que tomam a comunicação por objeto de pesquisa responder à questão: em que medida e sob quais procedimentos, a comunicação, mediada pelos equipamentos eletrônicos e, mais recentemente, informáticos, relaciona-se com as atuais transformações no modo de produção capitalista? Uma vez que tais mutações são impensáveis fora dos parâmetros da circulação global de informações, a área de comunicação tornaria-se local de fala privilegiado na análise de todo o contexto.
A farta bibliografia que trata dos meios eletrônicos de massa (mais precisamente, o rádio e a televisão) produziu (e ainda produz) uma grande quantidade de textos críticos capazes de permitir uma visão de conjunto das relações entre estes meios e o modo de produção, talhando conceitos-chave como o de "indústria cultural".
No entanto, devido a uma debilidade dos estudos críticos realizados sobre o ciberespaço, resta pouco explorado o papel dos meios eletrônicos interativos (mais precisamente, os computadores e outras tecnologias capazes de rede) no contexto do capitalismo contemporâneo. Tudo se passa como se a fascinação pela linguagem e pelos aspectos estéticos dessas novas tecnologias obliterasse a reflexão mais aprofundada e menos triunfalista de suas relações com o meio social e político (TRIVINHO, 2001b, p.153 e 154). Maior é a gravidade desta constatação se for levado em conta o fato de que, apesar de recente e largamente concentrada, as formas de comunicação digital-interativas são o vetor de organização dos novos arranjos de produção e difusoras privilegiadas do imaginário contemporâneo, ao menos nos enclaves economicamente privilegiados das sociedades industrialmente desenvolvidas. Mesmo diante da insofismável baixa penetração dos media interativos no planeta como um todo, a alta concentração de acesso nas áreas economicamente mais desenvolvidas basta para levantar a hipóteses de que essas tecnologias atuem como "ponta de lança", força de vanguarda na reconfiguração do capitalismo transnacional.2 Os computadores não estão em toda parte e talvez nunca cheguem a ter a penetração obtida pelo rádio e pela televisão mas, mesmo assim, atuam como formas privilegiadas na organização das áreas mais avançadas do capitalismo, produzindo sobre as demais uma sobredeterminação simbólica e material e erigindo um horizonte-meta, para o qual convergem os esforços e os investimentos de estados e organizações da sociedade civil3.
No intuito de colaborar para a superação dessa lacuna, usaremos a noção de glocalização da experiência cotidiana talhada por Trivinho (2001a) como forma de ligar as características da comunicação em redes informáticas ao ambiente sócio-político das sociedades contemporâneas. Neste âmbito, articularemos as categorias de "Império" e "Glocal"4, pretendendo fazer avançar a compreensão das implicações mútuas entre o atual estágio do capitalismo e o ciberespaço, na medida em que o estudo das estruturas políticoinstitucional-econômico globais (“Império”) colabora para a concretização e historização do glocal, ao mesmo tempo em que a generalização do glocal colabora para a superação das lacunas do conceito de "Império". Trata-se, portanto, de uma leitura política do glocal, simultânea a uma leitura comunicacional do “Império”.
Para iniciar essa análise, será útil uma breve incursão à teoria do capitalismo contemporâneo como “pano de fundo” para o desenvolvimento das noções acima.
CAPITALISMO TARDIO E IMPÉRIO
Buscando apreender o que o momento atual possui como característica distinta, tanto no âmbito da economia quanto da sociedade, Jameson propõe a plena atividade de instituições e mecanismos nas sociedades contemporâneas que estariam modificando a própria forma do capitalismo. Não se trata de uma ruptura, mas de uma continuidade em aprofundamento e expansão. Sua face mais visível é, sem dúvida, o crescimento vertiginoso das empresas transnacionais, mas também
(...) a nova divisão internacional do trabalho, a nova dinâmica vertiginosa de transações bancárias internacionais e das bolsas de valores (incluindo as imensas dívidas do segundo e do terceiro mundo), novas formas de inter-relacionamentos das mídias (incluindo os sistemas de transportes como a conteineirização), computadores e automação, a fuga da produção para áreas desenvolvidas do terceiro mundo, ao lado das conseqüências sociais mais conhecidas, incluindo a crise do trabalho tradicional, a emergência dos yuppies e a aristocratização em escala agora global. (JAMESON, 2002, p. 22 e 23)
Aprofundando sua análise, Jameson conclui que uma das mais notáveis mutações
do chamado capitalismo tardio5 é que esse opera com uma lógica cultural. A cultura é a lógica do capitalismo tardio, uma vez que, nas sociedades contemporâneas, todos os eventos, da economia à política, passando pelo próprio psiquismo, podem ser considerados "culturais", no sentido de operarem a transformação do "real" em simulacros e imagens (JAMESON, 2002, p. 74). Questionando a proposição (tipicamente mecanicista ortodoxa) do marxismo tradicional de que a infraestrutura (a economia) determina a superestrutura (o universo cultural lato senso), Jameson propõe que, no cenário atual, são as formas culturais que organizam o modo de produção.
É radicalizando esta tendência que Baudrillard vai alertar para o "fim da era da produção" em que, desconectado de seus referenciais concretos “o capital já não é mais da ordem da economia política: ele usa a economia política como modelo de simulação” (BAUDRILLARD, 1996, p. 8). O capital é, antes de tudo, uma relação entre signos (código), desprovido de significado e finalidade, não referindo-se mais a um “real”.
No plano empírico, vemos esse movimento expresso, por exemplo, na explosão do valor das marcas (um logotipo pode valer mais que um parque industrial), na obsessão pela mais-potência informática (a velocidade como produto independente de qualquer uso ou necessidade concreta), na bilionária indústria do marketing e na publicidade, todas formas de valorização do capital que prescindem da exploração intensiva do trabalho ou do melhor aproveitamento de insumos.
As tendências captadas por Baudrillard e Jameson. apontam para um cenário em que a valorização do capital deriva de uma certa fluidez dos signos postos em circulação. No entanto, essa tendência à desmaterialização do capital não implica que, liberto dos constrangimentos da circulação concreta (máquinas e insumos) e do espaço físico (canais de distribuição e fábricas), o capital passe a fluir sem impedimentos de ordem política ou econômica. Relações hierárquicas, pólos de produção, zonas privilegiadas, regulamentações jurídicas e toda um conjunto articulado de mecanismos supraestatais exigem que a noção de que a lógica cultural e imaterial do capitalismo seja complementada pela constatação de que esse movimento obedece a um fluxo específico e, ainda que não possa ser circunscrito, possui um campo difusor indeterminável geograficamente a partir do qual lança-se pela civilização global mediática em busca das rentabilidades mais favoráveis6. Um primeiro momento para a análise desse campo produtor pode partir da idéia de Hardt e Negri (2000) de que vivemos sob a influência de um "Império", o qual determina (ou, pelo menos, condiciona) as "regras do jogo" em escala global. O “Império” não é um estado em particular, mas um conjunto de instituições com a capacidade (militar, política, econômica, mas também comunicacional) de influenciar legislações locais, normas de comércio, formas de produção, aplicações de recursos, empregabilidade de insumos, trânsito de mercadorias e serviços etc. O sucesso ou fracasso destas intervenções modula o fluxo do capital, as áreas economicamente privilegiadas e a relação de forças entre Estados.
Não é o objetivo deste trabalho realizar uma crítica (de resto necessária) ao teor ideológico da noção de "Império" de Hardt e Negri. Deve-se reter, no entanto, a idéia que a "lógica cultural" do capitalismo global não pressupõe um livre fluxo de influências, mas obedece a difusão estabelecida por mecanismos nacionais e internacionais não-isoláveis que constituem o “Império” (empresas multinacionais, organizações e, eventualmente, estados economicamente dominantes), embora sempre sujeito a variações, acelerações e desacelerações. O caráter imaterial desse intercâmbio, a complexidade das redes de troca e a dinâmica do mercado são alguns dos fatores que impossibilitam a circunscrição inequívoca de um "emissor", da forma como o tratam os tradicionais modelos de comunicação (e na forma da geopolítica tradicional). No seu lugar, surge uma certa "região difusa", pressuposta logicamente, mas com contornos e dimensões indecidíveis.
Esse caráter movediço desautoriza o simplismo de “teorias conspiratórias” para uma manipulação em escala global, destinada a atender os interesses implícitos ou explícitos das corporações multinacionais ou de um estado específico – embora os autores sempre façam questão de ressaltar a notável a presença das empresas e instituições dos Estados Unidos. A própria indeterminação das fronteiras do “Império” e a instabilidade de seus atores faz com que ele seja permeável a fluxos antagônicos (tratados por Hardt e Negri como forças “contra-imperiais”). Portanto, as fronteiras do império não são determinadas geograficamente, à maneira cartográfica, mas como um "campo", mais afeito à metáfora de modelo atômico, no qual atuam forças contraditórias.
Os fluxos comunicacionais (ou seja, a própria essência “cultural” do capitalismo tardio) são propagados por todos os cantos do mundo a partir dos resultados dos embates neste campo de forças. Para esta propagação, são utilizados um conjunto de mecanismos em todos os níveis da sociedade. O "Império" se faz presente e influente desde a formação das grandes linhas macro-econômicas até o nível do indivíduo, atuando na formação de subjetividades. Seu poder está enraizado e disperso em toda a sociedade, cristalizado nas instituições, na práxis e no desejo de cada um de seus "cidadãos".
OS MEDIA E O GLOCAL
Que os meios de comunicação eletrônicos desempenharam (e continuam desempenhando) um papel fundamental na construção desse cenário, colaborando tanto para a desmaterialização do capital quanto para a formação do “Império” é fato conhecido. Televisão, rádio e cinema já foram exaustivamente criticados pelo seu caráter “imperialista” e pela destruição de formas culturais locais. Mas é com o advento dos media interativos que a questão se reescalona, escapando das análises tradicionais. Essa passagem, dos media de massa para os media interativos, representa um salto qualitativo, uma vez que coloca em jogo mudanças estruturais de monta nos efeitos sociais dos processos de comunicação. Não se pode ignorar que os media de massa ocuparam (e talvez ainda ocupem, principalmente nas regiões periféricas onde a expansão do ciberespaço é insuficiente) um papel central no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. No entanto, para consolidar algum avanço na questão das relações entre capitalismo e comunicação na atualidade, é necessário analisar os media interativos em sua especificidade, como ambiente fértil para a expansão da lógica cultural do capitalismo tardio. Para tanto, utilizaremos a noção de glocal.
A idéia de glocal é desenvolvida, no contexto mediático avançado7, por Trivinho 8.
O conceito de glocal oferece uma chave de leitura privilegiada para a análise o conjunto dos processos sócio-econômico-culturais contemporâneos porque “(...) o fenômeno glocal é, do ponto de vista social-histórico, o selo original, o sinete genuíno da civilização mediática, a sua face inconfundível e inelidível, capaz de diferi-la, no fundamental, das outras fases sociotecnológicas” (TRIVINHO, 2001a, p.76)
Como o próprio nome sugere, "glocal" é uma justaposição de uma esfera global a uma esfera local: a partir de um meio de comunicação operando em tempo real (prioritariamente o tempo real do ciberespaço ou o tempo real "live" da televisão9) cria-se um ambiente glocalizado, no qual o sujeito se vê imerso em um contexto simultaneamente local (o espaço físico do acesso, mas também o seu meio cultural) e global (o espaço mediático da tela e da rede, convertido em experiência subordinativa da realidade)10. Sem o fenômeno da glocalização, suporte comunicacional das trocas em escala global, a derrubada das fronteiras para a circulação de produtos, serviços, formas políticas e idéias estaria prejudicada ou impossibilitada. Mas como essa constatação relaciona-se com a idéia de “Império”?
Segundo Hardt e Negri, o “Império” exerce e auto-legitima o seu poder através de "intervenções" nos espaços econômico, militar e jurídico (acrescente-se, também político e cultural). Essas intervenções atuam de maneira supranacional e são expressas por políticas macro-econômicas, flutuações nos mercados financeiros, invasões armadas, financiamento de exércitos, normas de direito internacional, programas de ajuda "humanitária", leis de comércio exterior etc.
Dentre essas, destaca-se a chamada “intervenção moral”, considerada “a linha de
frente da intervenção imperial”. As forças dominantes num dado momento histórico possuem a capacidade de disseminar e naturalizar uma certa visão de mundo, com seus valores e moralidade intrínsecas (Gramsci referia-se a essa capacidade como o exercício da hegemonia que, grosso modo, pode ser compreendido com a capacidade de fazer valer o particular como se fosse universal). O exemplo mais claro disso é a expansão da idéia de democracia política e do “livre” mercado de trocas11. A intervenção moral relaciona-se claramente com a idéia de glocal, não apenas porque se dá de maneira mais direta nos e pelos meios de comunicação12 , mas porque essa modalidade vai repercutir na visão de mundo e na ação concreta dos indivíduos formando o “pano de fundo” ou as condições de racionalidade do agir local e cotidiano. Ao incidir diretamente na formação das subjetividades13, a glocalização da experiência consegue criar as condições para sua própria reprodução, tornando-se não apenas hegemônica, mas auto-legitimadora14.
Porém, a análise do glocal não deve reduzi-lo apenas à hibridização mecânica dos
contextos mediático e geográfico, nem a um meio de “subordinação”. É necessário
desenvolver uma certa “sociologia do ambiente glocalizado” uma vez que o glocal, no contexto do capitalismo tardio imaterial, torna-se um modo privilegiado de experiência da realidade e o modo como se organizam as sociedades contemporâneas tecnologicamente avançadas. (TRIVINHO, 2001a, p.64). O glocal reescalona a percepção do local e do global.
Percebe-se que essa compreensão do glocal sustenta a noção de "Império": este não pode realizar-se nem expandir-se sem uma lógica cultural subjacente que permita lhe permita a disseminação, mesmo que essa disseminação não ocorra sem resistências. O mais importante (e o diferencial da teoria do “Império”) é que o consenso é produzido sem violência física (fora casos-limite), sem a ocupação por tropas e sem a tomada dos estados “externos”. O “Império” se expande de forma biopolítica15 (agindo no corpo: moldando gestos e comportamentos, percepções e sentidos), sustentado pela glocalização da experiência. Como já foi frisado, essa lógica cultural tem como vetores de ação os meios de comunicação offline (como a media impressa e o cinema) e os veículos eletrônicos de massa (rádio e televisão, principalmente), mas ganha uma nova especificidade e eficácia com as tecnologias capazes de rede, acentuando com novas colorações o fenômeno da "glocalização da experiência".
A glocalização da experiência, iniciada pelos meios eletrônicos operando em tempo real, só vai atingir a plenitude no contexto dos media interativos. Não se trata mais de "alienação" ou "massificação", termos largamente utilizados na crítica dos modelos comunicacionais anteriores: trata-se agora da "subjetivação", a integração do sujeito aos fluxos, e portanto, à axiologia do mercado imaterial. Nos modelos anteriores (“alienação” e “massificação”) ainda persistia a idéia de um indivíduo externo, alvo de "manipulação", "indução", "influência". Mas a glocalização da experiência pelos meios interativos anula a distância entre o indivíduo e o meio (pelo fenômeno da “interatividade”), trazendo o indivíduo o para o interior do processo. Os pares dicotômicos emissor/receptor, produtor/consumidor, conteúdo/audiência perdem o sentido em proveito de um único mercado no qual os signos são transformados em capital16, em estrita obediência à lógica do "Império". Deste ponto de vista, o “usuário” da rede glocalizada põe-se, simultaneamente como produtor, consumidor e produto. É o usuário que dá sua subjetividade, na forma de signos, como produtos a serem consumidos por outros usuários, em benefício da lógica imperial.17
A FORMAÇÃO DAS SUBJETIVIDADES
Trata-se, neste momento, não mais de um "fazer-fazer", mas de um "fazer-ser".
Não mais uma relação de produção/acumulação (consumo) mas uma forma de circulação/integração (adesão). É essa via de integração extremamente capilarizada que permite ao “usuário” ser convertido em um nó da rede de influência do “Império”, como sugerem Negri e Hardt:
As grandes potências industriais e financeiras produzem, desse modo, não apenas mercadorias mas também subjetividades. Produzem subjetividades agenciais dentro do contexto biopolítico: produzem necessidades, relações sociais, corpos e mentes – ou seja, produzem produtores (HARDT e NEGRI, 2000, p.51)
A formação de subjetividades (ou de produtores biopolíticos, na terminologia que Hardt e Negri tomam de empréstimo à Foucault) é o modo como a glocalização da
experiência serve de sustentação e fator de expansão do “Império”. Este "fazer-ser", no âmbito das relações políticas, econômicas e culturais, é a resultante da ação (intencional ou não) de atores concretos, que convergem no próprio corpo do usuário pela imersão no ambiente glocalizado, tendo aí o seu caráter de biopolítica18. Uma vez que o fenômeno glocal engloba e amplia a noção de “Império”19 e aceitando a hipótese de que esse atua na forma de “intervenções”20 sugere-se que o modo de agir biopolítico da glocalização da experiência seja também uma forma de “intervenção”. Essa forma específica, que contém a intervenção moral, mas que não se reduz a ela, será denominada "intervenção volitivo-pragmática". Destaque-se que a predicação "volitivo-pragmático" refere-se não à intervenção em si, mas aos efeitos produzidos por sua ação na formação de subjetividades. Trata-se de propor que, se os mecanismos do "Império", em geral, são capazes de disseminar, naturalizar e legitimar valores pela intervenção moral, a especificidade da atuação do glocal é a modulação de outras dimensões fundamentais do indivíduo, mais relacionadas à biopolítica: o desejo e a práxis. Não se trata de manipulação ou indução, mas de delimitação do espaço de inserção e criação dos pressupostos sobre os quais o indíviduo tende a agir. A intervenção volitivo-pragmática é o modo como o “Império” dissemina sua visão tanto do que é “desejável” (em termos de valor), quanto do que é “possível” (em termos de ação). Essa disseminação se dá de maneira mais acentuada por meio dos dispositivos capazes de rede, uma vez que esses anulam a distância entre o meio e o sujeito. Portanto, a glocalização da experiência leva a termo o "assujeitamento", formando a subjetividade que será o paradigma do capitalismo tardio. Como não estamos mais na dimensão da produção/consumo, é importante ressaltar que a intervenção volitivo-pragmática molda um sujeito-padrão, que será o horizonte para todos os "cidadãos do império", independentemente de suas possibilidades econômicas reais. Essa subjetividade será a referência de identidade, mesmo para as parcelas "desconectadas" dos media interativos21.
O que esse enfoque permite é iluminar os mecanismo pelos quais é permitido ao capitalismo a "colonização do inconsciente e da natureza": a experiência glocalizada, dominante nos centros urbanizados do planeta, torna-se a referência para a construção de uma visão de mundo calcada na complexa síntese de geografia local e ciberespaço. Doravante a própria concepção da realidade e a percepção do desejo passam a sofrer a intermediação da lógica glocal 22. O processo, iniciado pelo rádio e pela televisão, toma seu contorno definitivo nos meios digitais, uma vez que eles permitem a incorporação desta subjetividade nos próprios fluxos, sob a forma da “interatividade”. Não é mais necessária a divisão esquizofrênica entre emissor e receptor. Tudo que circula nas redes é signo e, portanto, tudo é produto. Claro que essa dinâmica não está livre de contradições. A glocalização da experiência, ao mesmo tempo em que irradia a lógica capitalista do "Império" (seus desejos, práticas e valores), contém um contraponto possível a esta mesma lógica, na medida em que o glocal não é um fenômeno controlável. Como salientamos, ele é o modo de organização das sociedades capitalistas avançadas e, embora repercuta na sociedade mundial como um todo (mesmo nas zonas economicamente atrasadas e desconectadas do "Império"), está sujeito à mutações exatamente porque não encarna a racionalidade de um sujeito histórico específico. Assim, mesmo esse sujeito-padrão glocalizado não se confunde com a massa amorfa da indústria cultural. Ele é pluridimensional, fractalizado23, imprevisível. Porém, em todas as suas dimensões, relaciona-se de alguma forma com o capitalismo tardio imaterial: sua adesão é inelidível, ainda que parcial.
AUTO-LEGITIMAÇÃO NÃO-DISCURSIVA
Consideramos útil para o aprofundamento desta análise constatar que, uma vez que o “Império” não é uma instituição unitária e auto-consciente, mas um complexo de forças, algumas vezes contraditórias, a glocalização da experiência promovida pelos meios de comunicação digitais capazes de rede é gestada em um subcampo que atenderia a essa função específica de reprodução e expansão do capitalismo pela via da informatização das sociedades. É o locus prioritário da criação do aparato tecnológico e de sua utilização (softwares, hardwares, conteúdos para a web, interfaces etc). Esse subcampo, igualmente fluído e a desterritorializado é o que Trivinho intitula megatecnoburocracia ou megainfoburocracia 24 e que é, de fato, o agente direto do da expansão e renovação capitalista pela via tecnológica.
Além dos softwares, hardwares e provedores de conteúdo, esse subcampo abriga os órgãos de administração das políticas de informática (estatais ou não), as instituições de ensino e pesquisa, as ONGS voltadas à "inclusão digital", enfim, toda a elite diretamente responsável pela criação de produtos e serviços para e no ciberespaço. É valendo-se dessa megatecnoburocracia que o “Império” traduz suas necessidades e valores em “dispositivos glocalizantes”, a estrutura física e simbólica necessária ao estabelecimento do fenômeno glocal e sua difusão. Ampliando a análise de Jameson, a tecnologia produzida pela megatecnoburocracia é, no seio do “Império”, a fonte produtora de uma rede global descentrada de poder e controle (JAMESON, 2002, p. 64)
Isolar este aparato do conjunto do "Império" é importante para que se possa vislumbrar tendências de médio e longo prazo. Uma vez que, como dissemos, a glocalização da experiência não é um fenômeno controlável, mas a resultante de vetores em competição, a megatecnoburocracia situa-se em posição privilegiada em relação aos demais, por estar diretamente implicada na infraestrutura material e simbólica do "Império". Ela é o setor de vanguarda, capaz de reger os parâmetros nos quais as demais forças sociais, econômicas e culturais deverão se pautar. Em outro registro, mais próximo à dimensão do trabalho, a megatecnoburocracia prove a infraestrutura tecnológica para a elite profissional dos “analistas simbólicos” (REICH, 1994), os grandes responsáveis pelos processos de valorização do capital no mundo contemporâneo, além de fornecerlhes o ambiente propício para o exercício de suas funções. Assim, uma análise detalhada dos valores e critérios (em resumo, de alguns fragmentos da "visão de mundo") próprios a esse vetor pode fornecer subsídios vitais para a compreensão das mutações de todo o conjunto do capitalismo em sua fase atual. Tal procedimento requer, no entanto, uma dissecação aprofundada, atenta às grandes linhas de força construídas, mas também às suas contradições. Uma análise desta dimensão não será realizada neste texto, mas apontamos para alguns dos valores que estão emergindo neste contexto:
- Transformação da informação em mercadoria:
Fazem parte deste vetor, por exemplo, a lógica do copyright em detrimento da noção de "informação compartilhada como bem de interesse público" e os mecanismos de "assinatura de conteúdo", que prevê um pagamento mensal para uma certa quantidade de informações, medida em matérias de jornal, unidades de música, capacidade de armazenamento pessoal ou até simplesmente pelo trânsito de bytes (franquia de consumo).
- Nova lógica da divisão do trabalho:
Surgimento de novas divisões do trabalho, sendo que aos trabalhadores da "periferia" do "Império" cabe sujeitar-se à adaptação e utilização das ferramentas desenvolvidas pelos profissionais de alta qualificação do "centro" (as noções espaciais aqui são apenas metáforas: de maneira mais apropriada, devido ao caráter indeterminado das forças em competição, não como determinar “centros” e “periferias”). Dito de outra forma, a megatecnoburocracia cria as ferramentas-padrão (as "plataformas" informáticas) a partir de elites profissionais localizadas nas zonas de maior influência, deixando à maioria dos trabalhadores apenas a tarefa de criação de subprodutos sem a capacidade de influir ou intervir na concepção das ferramentas básicas.
- Inovação tecnológica pelo mercado:
O critério de "benefício social" é totalmente excluído da concepção de produtos informáticos, não cabendo a nenhuma instância da sociedade (nem mesmo ao Estado) intervir nessa operação. O ciberespaço e suas ferramentas são considerados "naturalmente" propriedades privadas e, pelo uso de códigos fechados, não se submetem às legislações locais25.
- Imperativo da mais-potência dos equipamentos26;
Os equipamentos e programas possuem uma obsolescência programada, ou seja, atuam em conjunto para promover a defasagem do parque instalado, independentemente das necessidades concretas dos usuários. Uma das técnicas para isso é a "incompatibilidade de versões", que força uma crescente e infinita cadeia de atualizações.
O "capital cognitivo" dos usuários também passa pelo mesmo processo, tendo que ser renovado ciclicamente. Isso alimenta todo o setor de "reciclagem profissional", com seus cursos de formação e certificações técnicas.
Esses são apenas alguns dos valores que poderiam ser aprofundados numa análise mais detalhada da megatecnoburocracia e que tornam-se "senso comum" no ambiente do capitalismo tardio imaterial.. Ainda é importante frisar que a glocalização da experiência, além de difundir esses valores, colabora decisivamente para torná-los auto-legitimados de maneira não discursiva, uma vez que são hipostasiados nos objetos tecnológicos. Eles (os valores) estão na máquina, na interface, na conexão. Utilizar a máquina é, implicitamente, concordar com o modo de utilizar a máquina. O ambiente glocalizado é, inerentemente, o local onde esses valores estão naturalizados, ou seja, estão além da adesão intencional de seus usuários. A auto-legitimação da cibercultura é funcional, dada não por uma “razão discursiva” ou eticidade, mas em função de uma performance: "se a coisa funciona assim, então é natural que ela deva ser assim". Ao proceder desta forma, a megatecnoburocracia oblitera a categoria da política, uma vez que a "legitimidade do político" calca-se na construção de um consenso ativo, dependente, portanto, das formas discursivas e da amplitude de diálogo entre interesses divergentes27.
CONCLUSÃO
Como afirmava Poulantzas, uma formação social, para se reproduzir, deve constantemente criar “lugares” (posições relacionais) e “agentes” prontos a assumirem os seus “lugares” (POULANTZAS, 1978). Uma vez que o atual estágio do modo de produção capitalista é baseado em uma “lógica cultural”, no qual a dinâmica de produção de valor vigente é atravessada por aspectos simbólicos e imateriais, os meios de comunicação atuam de forma determinante na construção desses “lugares” e “agentes”. A geopolítica deve se articular com uma análise de fluxos, movente e instável, como na noção de “Império”.
Nas últimas décadas, os objetos já consolidados pela área de comunicação (como
os mass-media) se tornaram problemáticos à luz dos meios interativos, uma vez que o modo como atuam no social deva ser considerado em sua especificidade, mesmo levando em conta que tais meios talvez nunca atinjam o grau de penetração de seus antecessores.
O momento aponta para a necessidade de uma renovação epistemológica, abrindo-se para as conexões entre as mutações no campo comunicacional e aquelas mais amplas, que se referem à organização das sociedades pós-industriais como um todo. No mundo contemporâneo, a comunicação adquire centralidade em todos os processos sociais e é na dinâmica destes processos que a comunicação adquire significado. A noção de glocal torna-se, neste contexto, uma chave privilegiada de análise. Nela se fundem as características diferenciais do aparato comunicacional atual, mas de maneira inteligível apenas pela rearticulação de categorias tradicionais (como a "mais-valia", o "Estado-Nação" e os "mass-media"). Ponto de convergência entre o político, o social, o econômico e a comunicação, o fenômeno glocal é atravessado por múltiplas leituras, sendo que nenhuma delas pode se completar sem o auxílio das demais.
Não se trata mais apenas de comunicação, apenas de política, apenas de economia, mas de um local onde essas abordagens se cruzam e se interpenetram.
A partir deste ponto é possível uma contribuição original da comunicação para uma leitura de fenômenos que há anos ocupam o centro das discussões nas ciências sociais e políticas, como a noção de "globalização"28 e "pós-industrialismo" (KUMAR, 1995). A glocalização da experiência guarda com esses conceitos uma relação de tensão: ao mesmo tempo em que as mutações no capitalismo deram margem à generalização do fenômeno glocal, essas mutações não poderiam ter sido levadas a cabo sem a base de difusão dos dispositivos que permitiram uma expansão sem precedentes da lógica e dos valores predominantes nos "centros" capitalistas desenvolvidos. Assim, a crescente influência do glocal interativo em detrimento da configuração rádio-televisiva anterior, aponta os caminhos que estão sendo abertos pelo novo ciclo do capitalismo tardio imaterial, ao mesmo tempo em que os desdobramentos no modo de produção indicam as características que prevalecerão na nossa relação cotidiana com os equipamentos da cibercultura.
O glocal interativo é a força que cria as condições de possibilidade para a construção dos “lugares” e dos “agentes” do capitalismo imaterial, trazendo para o seu âmbito o “usuário” vertido em produtor, consumidor e produto e semeando o terreno no qual a elitem imperial da cibercultura almeja colher seus frutos.
1 Para detalhes destas polêmicas, remeto à tentativa de totalização das tendências contemporâneas realizadas por Kumar (1995), destacando, porém, que o autor reflete sobre o pressuposto de que mudanças profundas efetivamente ocorreram, superando o industrialismo. Tal visão, embora preponderante, ainda não se configura como consensual.
2 Este aparente paradoxo entre a baixa penetração real e a predominância na organização social será discutido mais adiante.
3 Daí a proliferação global dos chamados programas de inclusão digital e disseminação de tecnologias informáticas, justificados sob o slogan de “democracia eletrônica” ou diretamente focados nas vantagens de competição econômica. (CAZELOTO, 2003).
4 A idéia de "Império" é desenvolvida em HARDT e NEGRI, 2000. Já o conceito de "Glocal" será utilizado como encontrado em TRIVINHO, 2001a e TRIVINHO, 2001b.
5 A noção de “capitalismo tardio” tem sua origem no pensamento do economista marxista belga Ernest Mandel que escreveu, entre outros, O Capitalismo tardio, referência explícita de Jameson (2002, p. 396).
6 Parte deste movimento pode ser captada por uma nova visão geopolítica dos fluxos comunicacionais. Veja-se RAMONET, 1988 e MATTELART, 1994.
7 A idéia de “Glocal” consta em trabalhos de ordem econômica e administrativa, sendo nesse contexto, um conceito operacional, desprovido de viés crítico.
8 Cf. TRIVINHO, 2001a.
9 Embora o glocal não surja apenas no contexto da cibercultura, é nele que ganha visibilidade, como afirma Trivinho: "O fato de o fenômeno glocal aparecer com mais veemência no âmbito ciberespacial deve-se, com efeito, tanto a motivos empíricos peculiares a esse âmbito, quanto à tendência internacional do espírito intelectual da época (...)" (TRIVINHO, 2001a, p.67).
10 Como este trabalho tem como objeto apenas o papel do ciberespaço na reprodução e expansão do capitalismo, deixaremos de lado o “glocal televisivo” para colocar em relevo apenas o “glocal interativo”.Na economia deste texto, as referências ao “Glocal” serão, portanto, extensivas apenas a essa últimamodalidade.
11 Essa expansão é um dos pontos centrais da obra de Norberto Bobbio. Veja-se BOBBIO, 1992.
12 “O que chamamos de intervenção moral é praticado hoje por uma variedade de entidades, incluindo os meios de comunicação e organizações religiosas, mas as mais importantes talvez sejam as chamadas organizações não-governamentais, as quais, justamente por não serem administradas diretamente por governos, entende-se que agem a partir de imperativos éticos ou morais”. (HARDT e NEGRI, 2000, p. 54).
13 Há aqui todo um processo que pode ser identificado com o conceito de “Habitus” de Bordieu (2004). Na verdade, trata-se de um “Habitus glocalizado”, no qual os pressupostos e o “não-pensado” da ação cotidiana são constituídos a partir desta fusão entre vivência local e global.
14 Considera-se, no âmbito deste trabalho, o conceito de "legitimidade específica" de Bobbio, Matteuci e Pasquino, ou seja” (...) um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos”. (BOBBIO, MATEUCCI E PASQUINO, 2000, p. 675 – 679).
15 Sobre as relações entre corpo e poder veja-se FOUCAULT, 1979, principalmente cap. IX.
16 Daí a abundância de idéias sobre o "Capital Social" e "Capital Cognitivo" associadas às redes. Trata-se de submeter sociabilização e cognição à lógica da mercadoria, reificação balizada pela troca mercantil.
17 Um exemplo claro deste processo é o funcionamento dos “blogs”, nos quais um “usuário” é o responsável pela produção de signos que serão consumidos por outro. A empresa que mantém a estrutura técnica é apenas uma intermediária entre esses dois pólos, capitalizando a atenção e valorizando o próprio capital simbólico. O número de “usuários” cadastrados é o produto, muitas vezes vendido ao mercado publicitário.
18 A própria idéia de “imersão” tende a arrefecer diante das tecnologias de glocalização portáteis, como o celular. Neste panorama, o glocal já não é “ambiente”, mas prótese, situado a distância zero (ou tendencialmente zero) do corpo (TRIVINHO, 2001b).
19 Pode-se inferir que o “Império” é um momento do glocal, a saber, a sua face político-econômica. O “Império” não poderia existir sem a infraestrutura simbólica e física do glocal.
20 Ver acima.
21 Daí todos os esforços que se vê para a “inclusão digital”, ou seja, para aproximar, valendo-se de uma noção imprecisa de democracia, todos os cidadãos de um modelo pré-concebido de usuário. Ver CAZELOTO, 2003.
22 Hardt e Negri também alertam para nova modalidade de produção de subjetividades no contexto do "Império", mostrando como essa produção se alterou nas sociedades contemporâneas. A análise, inspirada em Foucault, mostra que os centro de subjetivação migraram das instituições fechadas para a totalidade do terreno social (HARDT e NEGRI, 2000, p. 215 – 217).
23 A idéia de sujeito fractalizado deriva de RÜDIGER, 2002.
24 O conceito de megatecnoburocracia pode ser encontrado em TRIVINHO, 2001b, p. 213 e 214 . Em outra passagem, o autor a denomina como megainfoburocracia e a conceitua como “a instância sociotécnica descentrada e rizomática responsável pela informatização, virtualização e ciberespacialização das sociedades contemporâneas” (TRIVINHO, 2001a, p. 79).
25 Como notou Lessig, o código é lei. A megatecnoburocracia prevê as condições de uso de seus produtos no momento em que são desenhados, de maneira que as possibilidades de apropriação já estão inscritas nas próprias máquinas e softwares. Quando ocorre algum "uso desviado", no entanto, entram em cena os lobbies para imputar como crime ou contravenção as "brechas" deixadas pela codificação. Ver LESSIG, 2000.
26 Sobre a construção de novas necessidades imperativas e valores sociais no âmbito da cibercultura, ver TRIVINHO, 2003.
27 Para uma visão do glocal como obliteração do político ver TRIVINHO, 2001a, p. 84-89.
28 Mesmo os autores franceses, que preferem o termo "mundialização", estão atentos à centralidade dos processos comunicacionais nos fluxos de capital. Veja-se CHESNAIS, 1996.
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EDILSON CAZELOTO *
* Doutorando, membro do CENCIB – centro interdisciplinar de pesquisas em comunicação e cibercultura – do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Este artigo visa articular as categorias de “Glocal” e “Império”, ressaltando a centralidade dos processos comunicacionais na reprodução ampliada do capitalismo contemporâneo. A análise, simultaneamente cultural e política, busca interpretar como a intersecção de forças globais e locais atua na construção de uma nova subjetividade, ligada às necessidades de um modo de produção calcado na circulação de valores simbólicos.
Palavras- chave: glocal; império; capitalismo; cibercultura; comunicação
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as ciências humanas vêm travando um debate intenso sobre a singularidade histórica das sociedades contemporâneas. A diversidade de conceitos-chave introduzidos nos mais diversos trabalhos desde, pelo menos, a segunda metade do século XX (tais como capitalismo tardio, capitalismo pós-industrial, pós-fordismo, capitalismo imaterial, economia-mundo etc) ilustra a pluralidade de visões sobre o tema1. Mesmo sem que haja consenso firmado em torno da natureza e extensão dessas mudanças, a noção predominante é a de que o capitalismo expandiu-se por toda a superfície do globo, ou, como diz Jameson, ultrapassou as derradeiras fronteiras e colonizou a natureza e o inconsciente (JAMESON, 2002). Tal expansão (e suas conseqüências) implicam mudança qualitativa na compreensão desta nova fase.
Se não é nenhuma novidade o fato de que os meios eletrônicos de informação e comunicação jogam um papel decisivo neste contexto (seja pelo fluxo de dados diuturno necessário ao mercado de capitais, seja por difundir em escala global as mercadorias e o desejo necessários ao mercado de consumo), parece faltar à área de Comunicação uma visão mais consistente sobre a centralidade de seu objeto de estudo na reprodução e sustentação do capitalismo em sua nova fase. Em outras palavras, é tarefa premente daqueles que tomam a comunicação por objeto de pesquisa responder à questão: em que medida e sob quais procedimentos, a comunicação, mediada pelos equipamentos eletrônicos e, mais recentemente, informáticos, relaciona-se com as atuais transformações no modo de produção capitalista? Uma vez que tais mutações são impensáveis fora dos parâmetros da circulação global de informações, a área de comunicação tornaria-se local de fala privilegiado na análise de todo o contexto.
A farta bibliografia que trata dos meios eletrônicos de massa (mais precisamente, o rádio e a televisão) produziu (e ainda produz) uma grande quantidade de textos críticos capazes de permitir uma visão de conjunto das relações entre estes meios e o modo de produção, talhando conceitos-chave como o de "indústria cultural".
No entanto, devido a uma debilidade dos estudos críticos realizados sobre o ciberespaço, resta pouco explorado o papel dos meios eletrônicos interativos (mais precisamente, os computadores e outras tecnologias capazes de rede) no contexto do capitalismo contemporâneo. Tudo se passa como se a fascinação pela linguagem e pelos aspectos estéticos dessas novas tecnologias obliterasse a reflexão mais aprofundada e menos triunfalista de suas relações com o meio social e político (TRIVINHO, 2001b, p.153 e 154). Maior é a gravidade desta constatação se for levado em conta o fato de que, apesar de recente e largamente concentrada, as formas de comunicação digital-interativas são o vetor de organização dos novos arranjos de produção e difusoras privilegiadas do imaginário contemporâneo, ao menos nos enclaves economicamente privilegiados das sociedades industrialmente desenvolvidas. Mesmo diante da insofismável baixa penetração dos media interativos no planeta como um todo, a alta concentração de acesso nas áreas economicamente mais desenvolvidas basta para levantar a hipóteses de que essas tecnologias atuem como "ponta de lança", força de vanguarda na reconfiguração do capitalismo transnacional.2 Os computadores não estão em toda parte e talvez nunca cheguem a ter a penetração obtida pelo rádio e pela televisão mas, mesmo assim, atuam como formas privilegiadas na organização das áreas mais avançadas do capitalismo, produzindo sobre as demais uma sobredeterminação simbólica e material e erigindo um horizonte-meta, para o qual convergem os esforços e os investimentos de estados e organizações da sociedade civil3.
No intuito de colaborar para a superação dessa lacuna, usaremos a noção de glocalização da experiência cotidiana talhada por Trivinho (2001a) como forma de ligar as características da comunicação em redes informáticas ao ambiente sócio-político das sociedades contemporâneas. Neste âmbito, articularemos as categorias de "Império" e "Glocal"4, pretendendo fazer avançar a compreensão das implicações mútuas entre o atual estágio do capitalismo e o ciberespaço, na medida em que o estudo das estruturas políticoinstitucional-econômico globais (“Império”) colabora para a concretização e historização do glocal, ao mesmo tempo em que a generalização do glocal colabora para a superação das lacunas do conceito de "Império". Trata-se, portanto, de uma leitura política do glocal, simultânea a uma leitura comunicacional do “Império”.
Para iniciar essa análise, será útil uma breve incursão à teoria do capitalismo contemporâneo como “pano de fundo” para o desenvolvimento das noções acima.
CAPITALISMO TARDIO E IMPÉRIO
Buscando apreender o que o momento atual possui como característica distinta, tanto no âmbito da economia quanto da sociedade, Jameson propõe a plena atividade de instituições e mecanismos nas sociedades contemporâneas que estariam modificando a própria forma do capitalismo. Não se trata de uma ruptura, mas de uma continuidade em aprofundamento e expansão. Sua face mais visível é, sem dúvida, o crescimento vertiginoso das empresas transnacionais, mas também
(...) a nova divisão internacional do trabalho, a nova dinâmica vertiginosa de transações bancárias internacionais e das bolsas de valores (incluindo as imensas dívidas do segundo e do terceiro mundo), novas formas de inter-relacionamentos das mídias (incluindo os sistemas de transportes como a conteineirização), computadores e automação, a fuga da produção para áreas desenvolvidas do terceiro mundo, ao lado das conseqüências sociais mais conhecidas, incluindo a crise do trabalho tradicional, a emergência dos yuppies e a aristocratização em escala agora global. (JAMESON, 2002, p. 22 e 23)
Aprofundando sua análise, Jameson conclui que uma das mais notáveis mutações
do chamado capitalismo tardio5 é que esse opera com uma lógica cultural. A cultura é a lógica do capitalismo tardio, uma vez que, nas sociedades contemporâneas, todos os eventos, da economia à política, passando pelo próprio psiquismo, podem ser considerados "culturais", no sentido de operarem a transformação do "real" em simulacros e imagens (JAMESON, 2002, p. 74). Questionando a proposição (tipicamente mecanicista ortodoxa) do marxismo tradicional de que a infraestrutura (a economia) determina a superestrutura (o universo cultural lato senso), Jameson propõe que, no cenário atual, são as formas culturais que organizam o modo de produção.
É radicalizando esta tendência que Baudrillard vai alertar para o "fim da era da produção" em que, desconectado de seus referenciais concretos “o capital já não é mais da ordem da economia política: ele usa a economia política como modelo de simulação” (BAUDRILLARD, 1996, p. 8). O capital é, antes de tudo, uma relação entre signos (código), desprovido de significado e finalidade, não referindo-se mais a um “real”.
No plano empírico, vemos esse movimento expresso, por exemplo, na explosão do valor das marcas (um logotipo pode valer mais que um parque industrial), na obsessão pela mais-potência informática (a velocidade como produto independente de qualquer uso ou necessidade concreta), na bilionária indústria do marketing e na publicidade, todas formas de valorização do capital que prescindem da exploração intensiva do trabalho ou do melhor aproveitamento de insumos.
As tendências captadas por Baudrillard e Jameson. apontam para um cenário em que a valorização do capital deriva de uma certa fluidez dos signos postos em circulação. No entanto, essa tendência à desmaterialização do capital não implica que, liberto dos constrangimentos da circulação concreta (máquinas e insumos) e do espaço físico (canais de distribuição e fábricas), o capital passe a fluir sem impedimentos de ordem política ou econômica. Relações hierárquicas, pólos de produção, zonas privilegiadas, regulamentações jurídicas e toda um conjunto articulado de mecanismos supraestatais exigem que a noção de que a lógica cultural e imaterial do capitalismo seja complementada pela constatação de que esse movimento obedece a um fluxo específico e, ainda que não possa ser circunscrito, possui um campo difusor indeterminável geograficamente a partir do qual lança-se pela civilização global mediática em busca das rentabilidades mais favoráveis6. Um primeiro momento para a análise desse campo produtor pode partir da idéia de Hardt e Negri (2000) de que vivemos sob a influência de um "Império", o qual determina (ou, pelo menos, condiciona) as "regras do jogo" em escala global. O “Império” não é um estado em particular, mas um conjunto de instituições com a capacidade (militar, política, econômica, mas também comunicacional) de influenciar legislações locais, normas de comércio, formas de produção, aplicações de recursos, empregabilidade de insumos, trânsito de mercadorias e serviços etc. O sucesso ou fracasso destas intervenções modula o fluxo do capital, as áreas economicamente privilegiadas e a relação de forças entre Estados.
Não é o objetivo deste trabalho realizar uma crítica (de resto necessária) ao teor ideológico da noção de "Império" de Hardt e Negri. Deve-se reter, no entanto, a idéia que a "lógica cultural" do capitalismo global não pressupõe um livre fluxo de influências, mas obedece a difusão estabelecida por mecanismos nacionais e internacionais não-isoláveis que constituem o “Império” (empresas multinacionais, organizações e, eventualmente, estados economicamente dominantes), embora sempre sujeito a variações, acelerações e desacelerações. O caráter imaterial desse intercâmbio, a complexidade das redes de troca e a dinâmica do mercado são alguns dos fatores que impossibilitam a circunscrição inequívoca de um "emissor", da forma como o tratam os tradicionais modelos de comunicação (e na forma da geopolítica tradicional). No seu lugar, surge uma certa "região difusa", pressuposta logicamente, mas com contornos e dimensões indecidíveis.
Esse caráter movediço desautoriza o simplismo de “teorias conspiratórias” para uma manipulação em escala global, destinada a atender os interesses implícitos ou explícitos das corporações multinacionais ou de um estado específico – embora os autores sempre façam questão de ressaltar a notável a presença das empresas e instituições dos Estados Unidos. A própria indeterminação das fronteiras do “Império” e a instabilidade de seus atores faz com que ele seja permeável a fluxos antagônicos (tratados por Hardt e Negri como forças “contra-imperiais”). Portanto, as fronteiras do império não são determinadas geograficamente, à maneira cartográfica, mas como um "campo", mais afeito à metáfora de modelo atômico, no qual atuam forças contraditórias.
Os fluxos comunicacionais (ou seja, a própria essência “cultural” do capitalismo tardio) são propagados por todos os cantos do mundo a partir dos resultados dos embates neste campo de forças. Para esta propagação, são utilizados um conjunto de mecanismos em todos os níveis da sociedade. O "Império" se faz presente e influente desde a formação das grandes linhas macro-econômicas até o nível do indivíduo, atuando na formação de subjetividades. Seu poder está enraizado e disperso em toda a sociedade, cristalizado nas instituições, na práxis e no desejo de cada um de seus "cidadãos".
OS MEDIA E O GLOCAL
Que os meios de comunicação eletrônicos desempenharam (e continuam desempenhando) um papel fundamental na construção desse cenário, colaborando tanto para a desmaterialização do capital quanto para a formação do “Império” é fato conhecido. Televisão, rádio e cinema já foram exaustivamente criticados pelo seu caráter “imperialista” e pela destruição de formas culturais locais. Mas é com o advento dos media interativos que a questão se reescalona, escapando das análises tradicionais. Essa passagem, dos media de massa para os media interativos, representa um salto qualitativo, uma vez que coloca em jogo mudanças estruturais de monta nos efeitos sociais dos processos de comunicação. Não se pode ignorar que os media de massa ocuparam (e talvez ainda ocupem, principalmente nas regiões periféricas onde a expansão do ciberespaço é insuficiente) um papel central no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. No entanto, para consolidar algum avanço na questão das relações entre capitalismo e comunicação na atualidade, é necessário analisar os media interativos em sua especificidade, como ambiente fértil para a expansão da lógica cultural do capitalismo tardio. Para tanto, utilizaremos a noção de glocal.
A idéia de glocal é desenvolvida, no contexto mediático avançado7, por Trivinho 8.
O conceito de glocal oferece uma chave de leitura privilegiada para a análise o conjunto dos processos sócio-econômico-culturais contemporâneos porque “(...) o fenômeno glocal é, do ponto de vista social-histórico, o selo original, o sinete genuíno da civilização mediática, a sua face inconfundível e inelidível, capaz de diferi-la, no fundamental, das outras fases sociotecnológicas” (TRIVINHO, 2001a, p.76)
Como o próprio nome sugere, "glocal" é uma justaposição de uma esfera global a uma esfera local: a partir de um meio de comunicação operando em tempo real (prioritariamente o tempo real do ciberespaço ou o tempo real "live" da televisão9) cria-se um ambiente glocalizado, no qual o sujeito se vê imerso em um contexto simultaneamente local (o espaço físico do acesso, mas também o seu meio cultural) e global (o espaço mediático da tela e da rede, convertido em experiência subordinativa da realidade)10. Sem o fenômeno da glocalização, suporte comunicacional das trocas em escala global, a derrubada das fronteiras para a circulação de produtos, serviços, formas políticas e idéias estaria prejudicada ou impossibilitada. Mas como essa constatação relaciona-se com a idéia de “Império”?
Segundo Hardt e Negri, o “Império” exerce e auto-legitima o seu poder através de "intervenções" nos espaços econômico, militar e jurídico (acrescente-se, também político e cultural). Essas intervenções atuam de maneira supranacional e são expressas por políticas macro-econômicas, flutuações nos mercados financeiros, invasões armadas, financiamento de exércitos, normas de direito internacional, programas de ajuda "humanitária", leis de comércio exterior etc.
Dentre essas, destaca-se a chamada “intervenção moral”, considerada “a linha de
frente da intervenção imperial”. As forças dominantes num dado momento histórico possuem a capacidade de disseminar e naturalizar uma certa visão de mundo, com seus valores e moralidade intrínsecas (Gramsci referia-se a essa capacidade como o exercício da hegemonia que, grosso modo, pode ser compreendido com a capacidade de fazer valer o particular como se fosse universal). O exemplo mais claro disso é a expansão da idéia de democracia política e do “livre” mercado de trocas11. A intervenção moral relaciona-se claramente com a idéia de glocal, não apenas porque se dá de maneira mais direta nos e pelos meios de comunicação12 , mas porque essa modalidade vai repercutir na visão de mundo e na ação concreta dos indivíduos formando o “pano de fundo” ou as condições de racionalidade do agir local e cotidiano. Ao incidir diretamente na formação das subjetividades13, a glocalização da experiência consegue criar as condições para sua própria reprodução, tornando-se não apenas hegemônica, mas auto-legitimadora14.
Porém, a análise do glocal não deve reduzi-lo apenas à hibridização mecânica dos
contextos mediático e geográfico, nem a um meio de “subordinação”. É necessário
desenvolver uma certa “sociologia do ambiente glocalizado” uma vez que o glocal, no contexto do capitalismo tardio imaterial, torna-se um modo privilegiado de experiência da realidade e o modo como se organizam as sociedades contemporâneas tecnologicamente avançadas. (TRIVINHO, 2001a, p.64). O glocal reescalona a percepção do local e do global.
Percebe-se que essa compreensão do glocal sustenta a noção de "Império": este não pode realizar-se nem expandir-se sem uma lógica cultural subjacente que permita lhe permita a disseminação, mesmo que essa disseminação não ocorra sem resistências. O mais importante (e o diferencial da teoria do “Império”) é que o consenso é produzido sem violência física (fora casos-limite), sem a ocupação por tropas e sem a tomada dos estados “externos”. O “Império” se expande de forma biopolítica15 (agindo no corpo: moldando gestos e comportamentos, percepções e sentidos), sustentado pela glocalização da experiência. Como já foi frisado, essa lógica cultural tem como vetores de ação os meios de comunicação offline (como a media impressa e o cinema) e os veículos eletrônicos de massa (rádio e televisão, principalmente), mas ganha uma nova especificidade e eficácia com as tecnologias capazes de rede, acentuando com novas colorações o fenômeno da "glocalização da experiência".
A glocalização da experiência, iniciada pelos meios eletrônicos operando em tempo real, só vai atingir a plenitude no contexto dos media interativos. Não se trata mais de "alienação" ou "massificação", termos largamente utilizados na crítica dos modelos comunicacionais anteriores: trata-se agora da "subjetivação", a integração do sujeito aos fluxos, e portanto, à axiologia do mercado imaterial. Nos modelos anteriores (“alienação” e “massificação”) ainda persistia a idéia de um indivíduo externo, alvo de "manipulação", "indução", "influência". Mas a glocalização da experiência pelos meios interativos anula a distância entre o indivíduo e o meio (pelo fenômeno da “interatividade”), trazendo o indivíduo o para o interior do processo. Os pares dicotômicos emissor/receptor, produtor/consumidor, conteúdo/audiência perdem o sentido em proveito de um único mercado no qual os signos são transformados em capital16, em estrita obediência à lógica do "Império". Deste ponto de vista, o “usuário” da rede glocalizada põe-se, simultaneamente como produtor, consumidor e produto. É o usuário que dá sua subjetividade, na forma de signos, como produtos a serem consumidos por outros usuários, em benefício da lógica imperial.17
A FORMAÇÃO DAS SUBJETIVIDADES
Trata-se, neste momento, não mais de um "fazer-fazer", mas de um "fazer-ser".
Não mais uma relação de produção/acumulação (consumo) mas uma forma de circulação/integração (adesão). É essa via de integração extremamente capilarizada que permite ao “usuário” ser convertido em um nó da rede de influência do “Império”, como sugerem Negri e Hardt:
As grandes potências industriais e financeiras produzem, desse modo, não apenas mercadorias mas também subjetividades. Produzem subjetividades agenciais dentro do contexto biopolítico: produzem necessidades, relações sociais, corpos e mentes – ou seja, produzem produtores (HARDT e NEGRI, 2000, p.51)
A formação de subjetividades (ou de produtores biopolíticos, na terminologia que Hardt e Negri tomam de empréstimo à Foucault) é o modo como a glocalização da
experiência serve de sustentação e fator de expansão do “Império”. Este "fazer-ser", no âmbito das relações políticas, econômicas e culturais, é a resultante da ação (intencional ou não) de atores concretos, que convergem no próprio corpo do usuário pela imersão no ambiente glocalizado, tendo aí o seu caráter de biopolítica18. Uma vez que o fenômeno glocal engloba e amplia a noção de “Império”19 e aceitando a hipótese de que esse atua na forma de “intervenções”20 sugere-se que o modo de agir biopolítico da glocalização da experiência seja também uma forma de “intervenção”. Essa forma específica, que contém a intervenção moral, mas que não se reduz a ela, será denominada "intervenção volitivo-pragmática". Destaque-se que a predicação "volitivo-pragmático" refere-se não à intervenção em si, mas aos efeitos produzidos por sua ação na formação de subjetividades. Trata-se de propor que, se os mecanismos do "Império", em geral, são capazes de disseminar, naturalizar e legitimar valores pela intervenção moral, a especificidade da atuação do glocal é a modulação de outras dimensões fundamentais do indivíduo, mais relacionadas à biopolítica: o desejo e a práxis. Não se trata de manipulação ou indução, mas de delimitação do espaço de inserção e criação dos pressupostos sobre os quais o indíviduo tende a agir. A intervenção volitivo-pragmática é o modo como o “Império” dissemina sua visão tanto do que é “desejável” (em termos de valor), quanto do que é “possível” (em termos de ação). Essa disseminação se dá de maneira mais acentuada por meio dos dispositivos capazes de rede, uma vez que esses anulam a distância entre o meio e o sujeito. Portanto, a glocalização da experiência leva a termo o "assujeitamento", formando a subjetividade que será o paradigma do capitalismo tardio. Como não estamos mais na dimensão da produção/consumo, é importante ressaltar que a intervenção volitivo-pragmática molda um sujeito-padrão, que será o horizonte para todos os "cidadãos do império", independentemente de suas possibilidades econômicas reais. Essa subjetividade será a referência de identidade, mesmo para as parcelas "desconectadas" dos media interativos21.
O que esse enfoque permite é iluminar os mecanismo pelos quais é permitido ao capitalismo a "colonização do inconsciente e da natureza": a experiência glocalizada, dominante nos centros urbanizados do planeta, torna-se a referência para a construção de uma visão de mundo calcada na complexa síntese de geografia local e ciberespaço. Doravante a própria concepção da realidade e a percepção do desejo passam a sofrer a intermediação da lógica glocal 22. O processo, iniciado pelo rádio e pela televisão, toma seu contorno definitivo nos meios digitais, uma vez que eles permitem a incorporação desta subjetividade nos próprios fluxos, sob a forma da “interatividade”. Não é mais necessária a divisão esquizofrênica entre emissor e receptor. Tudo que circula nas redes é signo e, portanto, tudo é produto. Claro que essa dinâmica não está livre de contradições. A glocalização da experiência, ao mesmo tempo em que irradia a lógica capitalista do "Império" (seus desejos, práticas e valores), contém um contraponto possível a esta mesma lógica, na medida em que o glocal não é um fenômeno controlável. Como salientamos, ele é o modo de organização das sociedades capitalistas avançadas e, embora repercuta na sociedade mundial como um todo (mesmo nas zonas economicamente atrasadas e desconectadas do "Império"), está sujeito à mutações exatamente porque não encarna a racionalidade de um sujeito histórico específico. Assim, mesmo esse sujeito-padrão glocalizado não se confunde com a massa amorfa da indústria cultural. Ele é pluridimensional, fractalizado23, imprevisível. Porém, em todas as suas dimensões, relaciona-se de alguma forma com o capitalismo tardio imaterial: sua adesão é inelidível, ainda que parcial.
AUTO-LEGITIMAÇÃO NÃO-DISCURSIVA
Consideramos útil para o aprofundamento desta análise constatar que, uma vez que o “Império” não é uma instituição unitária e auto-consciente, mas um complexo de forças, algumas vezes contraditórias, a glocalização da experiência promovida pelos meios de comunicação digitais capazes de rede é gestada em um subcampo que atenderia a essa função específica de reprodução e expansão do capitalismo pela via da informatização das sociedades. É o locus prioritário da criação do aparato tecnológico e de sua utilização (softwares, hardwares, conteúdos para a web, interfaces etc). Esse subcampo, igualmente fluído e a desterritorializado é o que Trivinho intitula megatecnoburocracia ou megainfoburocracia 24 e que é, de fato, o agente direto do da expansão e renovação capitalista pela via tecnológica.
Além dos softwares, hardwares e provedores de conteúdo, esse subcampo abriga os órgãos de administração das políticas de informática (estatais ou não), as instituições de ensino e pesquisa, as ONGS voltadas à "inclusão digital", enfim, toda a elite diretamente responsável pela criação de produtos e serviços para e no ciberespaço. É valendo-se dessa megatecnoburocracia que o “Império” traduz suas necessidades e valores em “dispositivos glocalizantes”, a estrutura física e simbólica necessária ao estabelecimento do fenômeno glocal e sua difusão. Ampliando a análise de Jameson, a tecnologia produzida pela megatecnoburocracia é, no seio do “Império”, a fonte produtora de uma rede global descentrada de poder e controle (JAMESON, 2002, p. 64)
Isolar este aparato do conjunto do "Império" é importante para que se possa vislumbrar tendências de médio e longo prazo. Uma vez que, como dissemos, a glocalização da experiência não é um fenômeno controlável, mas a resultante de vetores em competição, a megatecnoburocracia situa-se em posição privilegiada em relação aos demais, por estar diretamente implicada na infraestrutura material e simbólica do "Império". Ela é o setor de vanguarda, capaz de reger os parâmetros nos quais as demais forças sociais, econômicas e culturais deverão se pautar. Em outro registro, mais próximo à dimensão do trabalho, a megatecnoburocracia prove a infraestrutura tecnológica para a elite profissional dos “analistas simbólicos” (REICH, 1994), os grandes responsáveis pelos processos de valorização do capital no mundo contemporâneo, além de fornecerlhes o ambiente propício para o exercício de suas funções. Assim, uma análise detalhada dos valores e critérios (em resumo, de alguns fragmentos da "visão de mundo") próprios a esse vetor pode fornecer subsídios vitais para a compreensão das mutações de todo o conjunto do capitalismo em sua fase atual. Tal procedimento requer, no entanto, uma dissecação aprofundada, atenta às grandes linhas de força construídas, mas também às suas contradições. Uma análise desta dimensão não será realizada neste texto, mas apontamos para alguns dos valores que estão emergindo neste contexto:
- Transformação da informação em mercadoria:
Fazem parte deste vetor, por exemplo, a lógica do copyright em detrimento da noção de "informação compartilhada como bem de interesse público" e os mecanismos de "assinatura de conteúdo", que prevê um pagamento mensal para uma certa quantidade de informações, medida em matérias de jornal, unidades de música, capacidade de armazenamento pessoal ou até simplesmente pelo trânsito de bytes (franquia de consumo).
- Nova lógica da divisão do trabalho:
Surgimento de novas divisões do trabalho, sendo que aos trabalhadores da "periferia" do "Império" cabe sujeitar-se à adaptação e utilização das ferramentas desenvolvidas pelos profissionais de alta qualificação do "centro" (as noções espaciais aqui são apenas metáforas: de maneira mais apropriada, devido ao caráter indeterminado das forças em competição, não como determinar “centros” e “periferias”). Dito de outra forma, a megatecnoburocracia cria as ferramentas-padrão (as "plataformas" informáticas) a partir de elites profissionais localizadas nas zonas de maior influência, deixando à maioria dos trabalhadores apenas a tarefa de criação de subprodutos sem a capacidade de influir ou intervir na concepção das ferramentas básicas.
- Inovação tecnológica pelo mercado:
O critério de "benefício social" é totalmente excluído da concepção de produtos informáticos, não cabendo a nenhuma instância da sociedade (nem mesmo ao Estado) intervir nessa operação. O ciberespaço e suas ferramentas são considerados "naturalmente" propriedades privadas e, pelo uso de códigos fechados, não se submetem às legislações locais25.
- Imperativo da mais-potência dos equipamentos26;
Os equipamentos e programas possuem uma obsolescência programada, ou seja, atuam em conjunto para promover a defasagem do parque instalado, independentemente das necessidades concretas dos usuários. Uma das técnicas para isso é a "incompatibilidade de versões", que força uma crescente e infinita cadeia de atualizações.
O "capital cognitivo" dos usuários também passa pelo mesmo processo, tendo que ser renovado ciclicamente. Isso alimenta todo o setor de "reciclagem profissional", com seus cursos de formação e certificações técnicas.
Esses são apenas alguns dos valores que poderiam ser aprofundados numa análise mais detalhada da megatecnoburocracia e que tornam-se "senso comum" no ambiente do capitalismo tardio imaterial.. Ainda é importante frisar que a glocalização da experiência, além de difundir esses valores, colabora decisivamente para torná-los auto-legitimados de maneira não discursiva, uma vez que são hipostasiados nos objetos tecnológicos. Eles (os valores) estão na máquina, na interface, na conexão. Utilizar a máquina é, implicitamente, concordar com o modo de utilizar a máquina. O ambiente glocalizado é, inerentemente, o local onde esses valores estão naturalizados, ou seja, estão além da adesão intencional de seus usuários. A auto-legitimação da cibercultura é funcional, dada não por uma “razão discursiva” ou eticidade, mas em função de uma performance: "se a coisa funciona assim, então é natural que ela deva ser assim". Ao proceder desta forma, a megatecnoburocracia oblitera a categoria da política, uma vez que a "legitimidade do político" calca-se na construção de um consenso ativo, dependente, portanto, das formas discursivas e da amplitude de diálogo entre interesses divergentes27.
CONCLUSÃO
Como afirmava Poulantzas, uma formação social, para se reproduzir, deve constantemente criar “lugares” (posições relacionais) e “agentes” prontos a assumirem os seus “lugares” (POULANTZAS, 1978). Uma vez que o atual estágio do modo de produção capitalista é baseado em uma “lógica cultural”, no qual a dinâmica de produção de valor vigente é atravessada por aspectos simbólicos e imateriais, os meios de comunicação atuam de forma determinante na construção desses “lugares” e “agentes”. A geopolítica deve se articular com uma análise de fluxos, movente e instável, como na noção de “Império”.
Nas últimas décadas, os objetos já consolidados pela área de comunicação (como
os mass-media) se tornaram problemáticos à luz dos meios interativos, uma vez que o modo como atuam no social deva ser considerado em sua especificidade, mesmo levando em conta que tais meios talvez nunca atinjam o grau de penetração de seus antecessores.
O momento aponta para a necessidade de uma renovação epistemológica, abrindo-se para as conexões entre as mutações no campo comunicacional e aquelas mais amplas, que se referem à organização das sociedades pós-industriais como um todo. No mundo contemporâneo, a comunicação adquire centralidade em todos os processos sociais e é na dinâmica destes processos que a comunicação adquire significado. A noção de glocal torna-se, neste contexto, uma chave privilegiada de análise. Nela se fundem as características diferenciais do aparato comunicacional atual, mas de maneira inteligível apenas pela rearticulação de categorias tradicionais (como a "mais-valia", o "Estado-Nação" e os "mass-media"). Ponto de convergência entre o político, o social, o econômico e a comunicação, o fenômeno glocal é atravessado por múltiplas leituras, sendo que nenhuma delas pode se completar sem o auxílio das demais.
Não se trata mais apenas de comunicação, apenas de política, apenas de economia, mas de um local onde essas abordagens se cruzam e se interpenetram.
A partir deste ponto é possível uma contribuição original da comunicação para uma leitura de fenômenos que há anos ocupam o centro das discussões nas ciências sociais e políticas, como a noção de "globalização"28 e "pós-industrialismo" (KUMAR, 1995). A glocalização da experiência guarda com esses conceitos uma relação de tensão: ao mesmo tempo em que as mutações no capitalismo deram margem à generalização do fenômeno glocal, essas mutações não poderiam ter sido levadas a cabo sem a base de difusão dos dispositivos que permitiram uma expansão sem precedentes da lógica e dos valores predominantes nos "centros" capitalistas desenvolvidos. Assim, a crescente influência do glocal interativo em detrimento da configuração rádio-televisiva anterior, aponta os caminhos que estão sendo abertos pelo novo ciclo do capitalismo tardio imaterial, ao mesmo tempo em que os desdobramentos no modo de produção indicam as características que prevalecerão na nossa relação cotidiana com os equipamentos da cibercultura.
O glocal interativo é a força que cria as condições de possibilidade para a construção dos “lugares” e dos “agentes” do capitalismo imaterial, trazendo para o seu âmbito o “usuário” vertido em produtor, consumidor e produto e semeando o terreno no qual a elitem imperial da cibercultura almeja colher seus frutos.
1 Para detalhes destas polêmicas, remeto à tentativa de totalização das tendências contemporâneas realizadas por Kumar (1995), destacando, porém, que o autor reflete sobre o pressuposto de que mudanças profundas efetivamente ocorreram, superando o industrialismo. Tal visão, embora preponderante, ainda não se configura como consensual.
2 Este aparente paradoxo entre a baixa penetração real e a predominância na organização social será discutido mais adiante.
3 Daí a proliferação global dos chamados programas de inclusão digital e disseminação de tecnologias informáticas, justificados sob o slogan de “democracia eletrônica” ou diretamente focados nas vantagens de competição econômica. (CAZELOTO, 2003).
4 A idéia de "Império" é desenvolvida em HARDT e NEGRI, 2000. Já o conceito de "Glocal" será utilizado como encontrado em TRIVINHO, 2001a e TRIVINHO, 2001b.
5 A noção de “capitalismo tardio” tem sua origem no pensamento do economista marxista belga Ernest Mandel que escreveu, entre outros, O Capitalismo tardio, referência explícita de Jameson (2002, p. 396).
6 Parte deste movimento pode ser captada por uma nova visão geopolítica dos fluxos comunicacionais. Veja-se RAMONET, 1988 e MATTELART, 1994.
7 A idéia de “Glocal” consta em trabalhos de ordem econômica e administrativa, sendo nesse contexto, um conceito operacional, desprovido de viés crítico.
8 Cf. TRIVINHO, 2001a.
9 Embora o glocal não surja apenas no contexto da cibercultura, é nele que ganha visibilidade, como afirma Trivinho: "O fato de o fenômeno glocal aparecer com mais veemência no âmbito ciberespacial deve-se, com efeito, tanto a motivos empíricos peculiares a esse âmbito, quanto à tendência internacional do espírito intelectual da época (...)" (TRIVINHO, 2001a, p.67).
10 Como este trabalho tem como objeto apenas o papel do ciberespaço na reprodução e expansão do capitalismo, deixaremos de lado o “glocal televisivo” para colocar em relevo apenas o “glocal interativo”.Na economia deste texto, as referências ao “Glocal” serão, portanto, extensivas apenas a essa últimamodalidade.
11 Essa expansão é um dos pontos centrais da obra de Norberto Bobbio. Veja-se BOBBIO, 1992.
12 “O que chamamos de intervenção moral é praticado hoje por uma variedade de entidades, incluindo os meios de comunicação e organizações religiosas, mas as mais importantes talvez sejam as chamadas organizações não-governamentais, as quais, justamente por não serem administradas diretamente por governos, entende-se que agem a partir de imperativos éticos ou morais”. (HARDT e NEGRI, 2000, p. 54).
13 Há aqui todo um processo que pode ser identificado com o conceito de “Habitus” de Bordieu (2004). Na verdade, trata-se de um “Habitus glocalizado”, no qual os pressupostos e o “não-pensado” da ação cotidiana são constituídos a partir desta fusão entre vivência local e global.
14 Considera-se, no âmbito deste trabalho, o conceito de "legitimidade específica" de Bobbio, Matteuci e Pasquino, ou seja” (...) um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos”. (BOBBIO, MATEUCCI E PASQUINO, 2000, p. 675 – 679).
15 Sobre as relações entre corpo e poder veja-se FOUCAULT, 1979, principalmente cap. IX.
16 Daí a abundância de idéias sobre o "Capital Social" e "Capital Cognitivo" associadas às redes. Trata-se de submeter sociabilização e cognição à lógica da mercadoria, reificação balizada pela troca mercantil.
17 Um exemplo claro deste processo é o funcionamento dos “blogs”, nos quais um “usuário” é o responsável pela produção de signos que serão consumidos por outro. A empresa que mantém a estrutura técnica é apenas uma intermediária entre esses dois pólos, capitalizando a atenção e valorizando o próprio capital simbólico. O número de “usuários” cadastrados é o produto, muitas vezes vendido ao mercado publicitário.
18 A própria idéia de “imersão” tende a arrefecer diante das tecnologias de glocalização portáteis, como o celular. Neste panorama, o glocal já não é “ambiente”, mas prótese, situado a distância zero (ou tendencialmente zero) do corpo (TRIVINHO, 2001b).
19 Pode-se inferir que o “Império” é um momento do glocal, a saber, a sua face político-econômica. O “Império” não poderia existir sem a infraestrutura simbólica e física do glocal.
20 Ver acima.
21 Daí todos os esforços que se vê para a “inclusão digital”, ou seja, para aproximar, valendo-se de uma noção imprecisa de democracia, todos os cidadãos de um modelo pré-concebido de usuário. Ver CAZELOTO, 2003.
22 Hardt e Negri também alertam para nova modalidade de produção de subjetividades no contexto do "Império", mostrando como essa produção se alterou nas sociedades contemporâneas. A análise, inspirada em Foucault, mostra que os centro de subjetivação migraram das instituições fechadas para a totalidade do terreno social (HARDT e NEGRI, 2000, p. 215 – 217).
23 A idéia de sujeito fractalizado deriva de RÜDIGER, 2002.
24 O conceito de megatecnoburocracia pode ser encontrado em TRIVINHO, 2001b, p. 213 e 214 . Em outra passagem, o autor a denomina como megainfoburocracia e a conceitua como “a instância sociotécnica descentrada e rizomática responsável pela informatização, virtualização e ciberespacialização das sociedades contemporâneas” (TRIVINHO, 2001a, p. 79).
25 Como notou Lessig, o código é lei. A megatecnoburocracia prevê as condições de uso de seus produtos no momento em que são desenhados, de maneira que as possibilidades de apropriação já estão inscritas nas próprias máquinas e softwares. Quando ocorre algum "uso desviado", no entanto, entram em cena os lobbies para imputar como crime ou contravenção as "brechas" deixadas pela codificação. Ver LESSIG, 2000.
26 Sobre a construção de novas necessidades imperativas e valores sociais no âmbito da cibercultura, ver TRIVINHO, 2003.
27 Para uma visão do glocal como obliteração do político ver TRIVINHO, 2001a, p. 84-89.
28 Mesmo os autores franceses, que preferem o termo "mundialização", estão atentos à centralidade dos processos comunicacionais nos fluxos de capital. Veja-se CHESNAIS, 1996.
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