Entrevista especial com Oswaldo Sevá
“Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente”. A afirmação é do professor Oswaldo Sevá, que faz, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, uma crítica à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Entre as consequências que a obra gerará, Sevá destaca que um lugar belíssimo conhecido como Volta Grande será completamente modificado. Ele indaga: “Porque pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do t amanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem?”. E, em seguida, responde, apontando que este projeto é absurdo, “foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro”.
Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, lhe concedeu o título de Livre-docência. Em seu site, o professor disponibiliza alguns arquivos sobre hidrelétricas em geral e sobre os projetos do rio Xingu. Sevá organizou três livros: TENOTÃ-MÕ. Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (São Paulo: International rivers Network, 2005); Riscos Técnicos coletivos ambientais na região de Campinas, SP (Campinas, SP: NEPAM - Unicamp, 1997); e Risco Ambiental - Roteiro para avaliação das condições de vida e de trabalho em três regiões : ABC/ SP, Belo Horizonte e Vale do Aço, MG, Recôncavo Baiano/BA (São Paulo: INSTY-Instituto Nacional de Saúde no Trabalho/CUT, 1992).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais falhas no projeto de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – O projeto é completamente absurdo. Um projeto de hidrelétrica, atualmente, deveria ter outros critérios. Esse é um projeto velho, que foi desenhado pela primeira vez no final dos anos 1970. Primeiro foi feito o inventário para calcular o potencial hidráulico do Xingu, que é baseado em uma concepção que já existe alguns lugares no Brasil, como sobre o rio Jacuí, no Rio Grande do Sul. Se pega o meandro do rio, corta-se esse meandro, desviando a água por uma das margens, para se colocar as turbinas em uma casa de força, depois do meandro. Começa por não se tratar de um projeto de uma hidrelétrica qualquer, não tem nada de parecido com Itaipu, nem com Tucu ruí, por exemplo. Não é uma usina que tem um único barramento, um prédio de concreto com as máquinas da casa de força e com vertedouros para o escoamento das cheias. É totalmente diferente disso.
Este projeto é muito mais parecido com o projeto da Usina Dona Francisca, no rio Jacuí, mas em uma dimensão cem vezes maior. Ele pega uma ideia da Volta Grande do Xingu. Esta pode ser enxergada a partir do satélite e aparece em qualquer mapa do Brasil, onde se vê o rio Xingu seguindo para o norte e descendo em direção ao rio Amazonas, de repente ele é obrigado a fazer uma volta de quase 200 quilômetros, chega a correr novamente para o sul, depois recomeça e aí retoma o rumo que ele tinha, fechando quase um anel completo, por isso chamado de Volta Grande. É um dos monumentos paisagísticos e fluviais do nosso planeta.
O projeto é absurdo porque pretende pegar um monumento fluvial, um lugar maravilhoso com cachoeiras de vários quilômetros de largura cada uma, com ilhas, arquipélagos florestados com morros dentro do rio, e pretende considerar que isso deve ser aproveitado para se fazer energia elétrica, simplesmente destruindo, fazendo uma coisa igual ou pior que Itaipu fez com as Cataratas das Sete Quedas do rio Paraná. Se fizermos isso com a Volta Grande, do Xingu, estaremos decretando a destruição de um dos lugares mais maravilhosos do mundo. Ninguém barrou as cataratas do Iguaçu, que eu saiba nem existe proposta para barrar, as cataratas do Niágara, nos Estados Unidos, as cataratas de Victória Falls no rio Zambezi, na África, portanto não tem que barrar e nem destruir a Volta Grande do Xingu. Isto é fácil de explicar desde que as pessoas estejam dispostas a considerar o planeta, os rios, a Amazônia, o que temos no mundo e o que as futuras gerações terão. Para discutir em term os de energia elétrica, custos e habilidade econômica, daria para fazer um rosário de argumentos.
IHU On-Line – Que critérios deve ter um projeto de hidrelétrica?
Oswaldo Sevá – Acho que não existem critérios. Quando se fizeram a maioria das hidrelétricas brasileiras, entre os anos 1940 e 1980, o único critério que vigorava era medir a velocidade do rio, o desnível que existia, e construir uma usina de tal maneira que aproveitasse o máximo possível esta vazão. Este critério é de uma determinada época, já passou, porque, na maioria dos lugares em que permitia fazer isso, já foi feito. Não é um problema de falta de critério, é de visão de mundo. As pessoa s chegam lá, os burocratas, engenheiros, calculistas, as empresas que ganham dinheiro fazendo obras e vendendo eletricidade, olham um lugar maravilhoso como aquele, e só fazem contas, acham que vão conseguir modificar a geografia e o relevo daquele lugar de tal forma que isso vire um empreendimento rentável. Mesmo que fosse decidido fazer alguma obra lá, jamais deveria ser deste tamanho e com esta concepção. Ainda tenho muita esperança que os bancos financiadores e as entidades seguradoras vão descobrir isso, que é um projeto totalmente inviável do ponto de vista econômico exatamente porque é absurdo como projeto de engenharia. É um projeto que nem o próprio governo é capaz de dizer, até hoje, quanto irá custar. Até um ano atrás diziam uma mentira, que custaria sete bilhões de reais, depois passaram a dizer que iria custar onze, atualmente dizem que vai custar dezesseis, mas todo mundo sabe que vai custar pelo menos trinta. Tudo isso é o resultado de um processo completamente descontrolado de mentiras, de argumentos falaciosos, de falsidades que foram sendo construídas nos últimos vinte anos. É como se fosse um castelo de areia que está começando a ruir. Ainda bem.
IHU On-Line – E que debates foram feitos na época em que Itaipu foi construída?
Oswaldo Sevá – Quando Itaipu foi construída, eu tinha acabado de me formar em Engenharia Mecânica, começava a dar aula em universidades e ainda não era um especialista na área de energia, embora prestasse muita atenção na natureza. Itaipu foi construída como resultado da união dos esforços de duas ditaduras militares, com meia dúzia de grandes empresas internacionais e mais a empresa brasileira Camargo Correa, que se tornou, a partir daí, uma multinacional. Foi resultado de duas ditaduras sangrentas, como foram a do ditador Stroessner, no Paraguai, e, no Brasil após o massivo período do Médici e do Geisel. Foram eles que decidiram fazer o que era melhor possível do ponto de vista do capitalismo da época e dos lucros das empresas que iam construir e vender os equipamentos, e simplesmente desprezaram qualquer critério de bom senso.
Itaipu nunca teve nenhuma cachoeira, na realidade era um trecho do rio em que as costas eram um pouco mais íngremes, formavam uma espécie de desfiladeiro natural com uma vazão muito grande. Foi necessário construir um prédio de 1 20 metros de altura, com mais de um quilômetro de largura, para fazer uma queda totalmente artificial que ali não existia. Lá no começo da represa de Itaipu, colocaram Sete Quedas embaixo d’água. Se tivessem feito ela trinta ou quarenta metros mais baixa, geraria 60 ou 70% da energia que gera e estariam ainda livres para visitação de milhões de turistas por ano, que iam deixar lá tanto dinheiro, praticamente o quanto se ganha com a venda de eletricidade, e estaria preservado aquele monumento fluvial para o resto da história do planeta. Faço questão de insistir nisso. As pessoas ficam querendo discutir, dialogar com o governo e as empresas no mesmo terreno. Eu faço questão de dizer que estou em outro terreno, em que eles não são capazes de dizer nada. Estou no terreno da ética e da civilização. Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente.
IHU On-Line – O que a obra de Belo Monte trará para o rio Xingu?
Oswaldo Sevá – É difícil saber o que uma obra feita em um ponto determinado do rio traz de consequência como um todo. O rio Xingu tem 2.300 quilômetros de comprimento, começa perto de Cuiabá, no planalto mato-grossense. O início dele está muito comprometido com o agronegócio, com a expansão do plantio de soja, de milho, e depois tem um pedaço grande, relativamente preservado, o nde fica o parque indígena do Xingu. Graças a Deus, foi criado um parque com uma área imensa, um conjunto de terras indígenas que já estão homologadas há quase 50 anos, e que é um pedaço que está muito mais preservado. Depois ele entra em um trecho encachoeirado, com quase 1.000 quilômetros ao longo do estado do Pará, e, lá no final deste trecho, um pouco antes dele desembocar no rio Amazonas, é que tem esta Volta Grande, onde a obra será construída.
Para o rio como um todo, se for feita, seria a primeira grande barragem, e iria interromper o fluxo natural do rio com consequências mais locais onde seria interrompido. Será a primeira barragem, mas não vai parar por aí porque se conseguirem fazer esta ninguém segura mais depois. Nos próximos vinte, trinta e quarenta anos vão ser feitas as outras quatro barragens que já foram calculadas e projetadas. Todo o rio brasileiro que tem uma barragem acaba tendo várias outras, não conheço históri a de um rio que tenha uma só. Nem o rio Jacuí, o rio Uruguai, o Iguaçu, o Paranapanema, o São Francisco e o Tocantins. Isto é uma empulhação que o governo federal resolveu fazer de um ano pra cá, de dizer que iriam fazer uma só. É tudo mentira, e ainda com a resolução que não tem menor valor de lei, de um conselho ministerial que praticamente não se reúne.
Então, se várias barragens forem feitas, o rio será destruído, passa a ser uma sucessão de lagos, de represas, como são vários rios brasileiros. Eles têm muita utilidade, podem gerar energia, criar peixes, podem ter hospedagem de classe média ou até de luxo na beira do rio para fazer turismo, mas deixa de ser um rio. Muitas vezes, a água apodrece, as espécies de peixe mudam, mas isso é um assunto para pessoas que são da área de ciências naturais, eles é que sabem dir eito qual é a consequência, mas só perder a Volta Grande já é uma algo enorme. O rio vai perder o seu principal trecho encachoeirado, uma parte dele vai ficar dentro d’água, e outra vai ficar sem água, completamente seca. As pessoas que moram lá não vão aguentar porque não vão ter nem água de poço para beber. Tem aspectos da vida local que também não estão sendo muito falados. Aquilo vai virar um inferno se, por acaso, a obra for feita, pois, as pessoas não vão mais ter condições de morar na região. Quem estiver na área alagada tem que sair, quem estiver na área seca vai sair também, pois será impossível de viver.
IHU On-Line – Um pesquisador afirmou que somente 39% da potência instalada de Belo Monte se transformará em energia firme. O que será feito com o resto?
Oswaldo Sevá – Sobre discussão de energia firme acho o seguinte: estudei isso durante muito tempo, sou engenheiro mecânico, dou aula de energia na UNICAMP há muitos anos, acompanho várias obras e já conversei com pessoas que operam usinas hidrelétricas. Pouquíssimas pessoas no Brasil têm um conhecimento sofisticado, profundo, do funcionamento dos rios ao longo do ano, para poder afirmar que uma coisa que não existe ainda, no futuro, só terá uma determinada potência que é “x” % da potência das máquinas. Essa é uma questão que serve para ficarmos dizendo como a usina é mal projetada, mas não é por aí, pois, qualquer hidrelétrica tem muito mais máquinas do que precisa, porque, às vezes, elas têm que parar para manutenção. É preciso ter reservas. Durante o verão amazônico, pode acontecer de o rio Xingu não ter água suficiente para virar qualquer uma das máquinas previstas.
Agora, voltamos à questão: Por que pretendem instalar onze mil megawatts? Por que pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem? Porque é um projeto absurdo, foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro e está pensando em criar as coisas mais absurdas do mundo e que vai conseguir usar o dinheiro público para isso, e assim, ganhar dinheiro fazendo essas obras. É um problema de concepção. Vamos fazer as maiores obras de Engenharia Civil para ter a maior de todas, que é o jeito que encontraram para ganhar mais dinheiro. É uma coisa relativamente sim ples para qualquer cidadão entender. Estamos numa situação difícil de quase esquizofrenia para a sociedade, pois, Belo Monte foi proposto por megalômanos e trambiqueiros há mais de 20 anos, que continuaram a mentir para todo mundo do governo – que acreditam nas mentiras – e agora está chegando a hora da verdade, ou seja, o projeto começa a ser conhecido, mais detalhado e, ainda assim, não se tem a ideia do custo.
Esse é o indicador mais evidente dessa esquizofrenia. O governo diz que vai colocar a leilão a energia de Belo Monte daqui dois ou três meses e até hoje ninguém sabe quanto ele vai custar. Não existe isso em lugar nenhum no mundo. Esse é um sintoma de insanidade mental que foi mantida durante 20 anos. Podemos ficar horas falando dos impactos aqui e ali, inclusive sobre a energia firme que você levantou nessa questão. Ac ho, inclusive, que a maioria dos que estão falando da energia firme conhece muito pouco o problema. Aqui na Unicamp, onde eu trabalho, deve ter três ou quatro pessoas só que entendem direitinho do funcionamento dos rios e que seriam capazes de dizer alguma coisa a respeito disso. As simulações que fizemos aqui na Faculdade de Engenharia Elétrica são totalmente diferentes dos cálculos do governo.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre as audiências públicas que foram feitas sobre a construção de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – Eu estava analisando de longe, pois não pude participar porque há alguns meses fiz uma cirurgia muito pesada e estou em fase de tratamento. Fiquei na retaguarda, recebendo noticias e fotografias. Já participei de muitas audiências públicas em São Paulo, as audiências que são feitas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo são muito mais organizadas e democráticas nesse sentido. O tempo de apresentação dos empreendedores e das entidades ambientalistas é mais ou menos equiparado. Os políticos não falam no começo da audiência, porque ela é técnica. Além disso, as quais participei, tiveram um caráter informativo maior porque fazia-se uma série de observações, assim, o empreendedor tinha o direito de replicar, e as entidades ambientalistas tinham direito a treplicar. Eram muito interessantes, muitas delas foram tensas, tiveram a presença da polícia. Mas nas audiências de lá, estavam todos morrendo de medo, de novo, que os índios fossem lá fazer aquela covardia como fizeram em maio de 2008 e machucaram o engenheiro da Eletrobrás. Com isso, botaram cerca de 400 policiais, guardas nac ionais, agentes da ABIN e polícia federal para proteger os caras do IBAMA e empreendedores. Então, é difícil imaginar uma audiência verdadeira com um clima desses.
A audiência não pesa no licenciamento. Ela é uma espécie de mise-en-scène que o empreendedor faz questão que seja realizado, porque depois tem que demonstrar que houve participação pública, e que o IBAMA também faz questão de realizar para ter um álibi. Mas a decisão, no caso de Belo Monte, já está tomada lá em cima, lá na Casa Civil, que já mandou dizer ao Carlos Minc logo que entrou no Ministério, que Belo Monte vai ter a licença prévia ambiental concedida. No fundo, você pode dizer que é uma palhaçada, porque as pessoas que levam a sério vão lá, gastam dinheiro do próprio bolso, mas, para o IBAMA e para os empree ndedores, aquilo é um teatro, porque já está tudo resolvido. O IBAMA vai conceder a licença prévia, só não vai fazer isso se acontecer algum terremoto. Essa decisão é do governo. A audiência é um meio para desgastar e é, também, um álibi. É uma pena, porque poderia ser de fato um momento para haver um debate.
Usina de mudanças
O projeto hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, terá mais do que a missão de garantir a oferta de nova energia para a expansão da economia brasileira. A construção desse gigante, com impactos sobre 11 municípios e nove terras indígenas no norte do Pará, significará uma mudança completa da geografia econômica do Brasil, e sobretudo da Amazônia.
A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.
Está será a maior obra de infraestrutura já realizada no país desde Itaipu e um teste para o que o governo sugere ser um novo modelo de "ocupação e uso sustentável" de uma região com baixíssimos índices de desenvolvimento e, em parte, já corroída pela exploração desordenada.
Se liberado pelo Ibama dentro de algumas semanas - como espera o governo -, Belo Monte será o 3º maior empreendimento hidrelétrico do planeta, com 11,2 mil MW, só aquém do projeto chinês de Três Gargantas (18 mil MW) e de Itaipu (14 mil MW). A obra vai exigir uma das maiores engenharias financeiras já montadas no hemisfério Sul. Demandará, segundo estimativas do governo, R$ 20 bilhões ou mais. O valor final será divulgado nesta semana.
Na Volta Grande, zona de transição entre o médio e o baixo rio Xingu, o projeto inspira reações diversas, da apreensão à euforia. A obra afetará áreas indígenas, desmatará grandes áreas de floresta e secará parte do rio Xingu. Promete, de outra parte, levar empregos e infraestrutura a uma região miserável que parece abandonada pelo Estado brasileiro.
A usina só ficará pronta depois de uma década de obras. Os números são superlativos. A movimentação de terra (150 milhões de metros cúbicos) e de rocha (60 milhões de metros cúbicos) será superior à que foi necessária para a construção dos 82 quilômetros do Canal do Panamá, que rasga a América Central e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. O empreendedor terá de movimentar 310 milhões de toneladas, o equivalente a mais de duas safras de grãos do país.
A previsão é que Belo Monte mobilize 100 mil pessoas, incluídos os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do "novo Eldorado".
Projeto militar
Para os críticos, essa parece ser uma conta subestimada. Avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas.
Rabiscado pela primeira vez em 1975, quando o governo militar lançou grandes planos de ocupação da Amazônia, o projeto deve finalmente sair do papel em dezembro, após um dos maiores leilões públicos a ser realizado no país, em ato que concretiza um sonho do governo Lula. Grupos nacionais e internacionais de infraestrutura estudam participar do projeto.
Maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte promete retomar e consolidar -despertando preocupação em ambientalistas- o plano nacional de ocupação amazônica.
Os principais objetivos do projeto, segundo o governo, são nutrir o sistema elétrico brasileiro com farto potencial de hidroeletricidade e possibilitar a industrialização da Amazônia.
Aliado do projeto, o governo do Pará impõe como condição o fornecimento de energia barata para grandes mineradores. No governo, a tendência é que o pedido seja aceito.
"O Brasil pode retomar um caminho que tínhamos abandonado. Um potencial hidrelétrico como o que temos na região Norte precisa ser explorado. Não é razoável que fiquemos comprando energia térmica quando temos uma opção renovável", diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).
Para os opositores, o problema é o modelo. "O que está em discussão não é só a usina de Belo Monte mas o modelo de desenvolvimento que está por trás do projeto. O impressionante é que de alguma maneira o plano repete o modelo de ocupação visto no período militar", diz Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, procurador do Ministério Público Federal em Altamira (PA). A região teme a repetição de desastres ambientais como os ocorridos em Tucuruí (PA) e Balbina (AM).
A esperança do governo federal é a de que da Amazônia - 4% do território da Terra - venham os 4.000 MW anuais de que o país precisa para expandir o parque gerador nacional e assim manter distante qualquer ameaça de apagão.
Com 12% da água doce do planeta, o país já concluiu que 70% da disponibilidade de hidrelétricas ainda não foi aproveitada e que 66% dessa riqueza fica no Norte. Por isso, após os projetos do Madeira (6.400 MW) e de Belo Monte, deve vir o próximo: o complexo hidrelétrico Tapajós. E este não com uma, mas com cinco usinas.
Produção de energia em usina sofrerá fortes oscilações
A grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina "vaga-lume". A vazão do rio pode alcançar 20 mil metros cúbicos por segundo no período de cheia, e em outros momentos, como agora, pode baixar a menos de mil metros cúbicos por segundo entre os períodos de setembro a outubro.
A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.
A Grande São Paulo, maior núcleo urbano do país, consome cerca de 60 metros cúbicos de água por segundo. O Xingu, mesmo na baixa, pode abastecer 16 cidades como São Paulo. Mas com essa imensa variação do nível d'água, Belo Monte terá, no período seco, pouca água para movimentar as turbinas.
Para extrair a energia dos 11,2 mil MW, são necessários 14 mil metros cúbicos por segundo de água, condição só possível entre os meses de março e abril, auge do período chuvoso. A previsão é que em outubro a situação seja inversa, de baixíssimo volume d'água, com geração ínfima.
"Como é possível uma usina com tantos problemas ambientais ter uma ociosidade dessa magnitude? Se a vazão do rio baixar mais de 700 metros cúbicos por segundo, o que já ocorreu, Belo Monte produzirá quase como uma pequena central hidrelétrica", critica Francisco Hernanes, pesquisador do IEE/USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo) e um dos coordenadores do grupo de 38 especialistas de várias regiões do país que apresentará ao Ibama suas impressões sobre o projeto até o fim deste mês.
Só a partir dessa particularidade é possível relativizar o tamanho de Belo Monte. Embora a capacidade seja imensa, a energia firme extraída da usina será de 4.428,1 MW, 39,4% da capacidade total, algo próximo às usinas do Madeira (Jirau e Santo Antônio). Essa potência com que o país poderá de fato contar é 7,5% menor do que havia desejado a Eletrobrás.
A área ambiental exigiu a liberação de pelo menos 700 m3/s para o trecho de vazão reduzida do Xingu, para a Volta Grande. A barragem vai desviar o rio e vai secar parte dos 100 quilômetros da Volta Grande. No período chuvoso, o volume d'água abaixo da barragem principal será, no máximo, de 4.000 m3/s no primeiro ano e de 8.000 m3/s no ano seguinte. Foi a forma encontrada para se evitar uma catástrofe ambiental, com morte de peixes e da floresta ribeirinha, além de assegurar condições de navegação aos povos da região.
Walter Cardeal, diretor de engenharia da Eletrobrás, não considera esse um problema para a operação da usina. A justificativa: apesar disso, Belo Monte vai revezar com as usinas do Sul e do Sudeste no abastecimento do Sistema Interligado Nacional. "As chuvas na região Norte ocorrem antes das chuvas do Sudeste. Com isso, Belo Monte pode gerar energia enquanto as usinas do Sul e do Sudeste reservam água, e vice-versa", explica.
Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, reconhece o problema, mas justifica que isso ocorre em razão da impossibilidade hoje de construir usinas como Itaipu, com grandes "estoques" de água. Foi isso que reduziu de 1.225 para 516 quilômetros quadrados a área alagada pelo projeto. "O país perde potencial energético, é inevitável. Ou fazemos isso, ou não temos mais hidrelétricas."
Para especialistas, reside aí um dilema. Uma resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determinou a construção apenas de Belo Monte na bacia do rio Xingu. "Quem pode assegurar que, numa eventual crise energética, o CNPE não mude sua posição e aprove outras barragens no Xingu para aproveitar mais a capacidade que ficará ociosa?", disse Hermes Fonseca de Medeiros, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará. Para especialistas, a resolução não é uma garantia.
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“Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente”. A afirmação é do professor Oswaldo Sevá, que faz, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, uma crítica à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Entre as consequências que a obra gerará, Sevá destaca que um lugar belíssimo conhecido como Volta Grande será completamente modificado. Ele indaga: “Porque pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do t amanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem?”. E, em seguida, responde, apontando que este projeto é absurdo, “foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro”.
Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, lhe concedeu o título de Livre-docência. Em seu site, o professor disponibiliza alguns arquivos sobre hidrelétricas em geral e sobre os projetos do rio Xingu. Sevá organizou três livros: TENOTÃ-MÕ. Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (São Paulo: International rivers Network, 2005); Riscos Técnicos coletivos ambientais na região de Campinas, SP (Campinas, SP: NEPAM - Unicamp, 1997); e Risco Ambiental - Roteiro para avaliação das condições de vida e de trabalho em três regiões : ABC/ SP, Belo Horizonte e Vale do Aço, MG, Recôncavo Baiano/BA (São Paulo: INSTY-Instituto Nacional de Saúde no Trabalho/CUT, 1992).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais falhas no projeto de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – O projeto é completamente absurdo. Um projeto de hidrelétrica, atualmente, deveria ter outros critérios. Esse é um projeto velho, que foi desenhado pela primeira vez no final dos anos 1970. Primeiro foi feito o inventário para calcular o potencial hidráulico do Xingu, que é baseado em uma concepção que já existe alguns lugares no Brasil, como sobre o rio Jacuí, no Rio Grande do Sul. Se pega o meandro do rio, corta-se esse meandro, desviando a água por uma das margens, para se colocar as turbinas em uma casa de força, depois do meandro. Começa por não se tratar de um projeto de uma hidrelétrica qualquer, não tem nada de parecido com Itaipu, nem com Tucu ruí, por exemplo. Não é uma usina que tem um único barramento, um prédio de concreto com as máquinas da casa de força e com vertedouros para o escoamento das cheias. É totalmente diferente disso.
Este projeto é muito mais parecido com o projeto da Usina Dona Francisca, no rio Jacuí, mas em uma dimensão cem vezes maior. Ele pega uma ideia da Volta Grande do Xingu. Esta pode ser enxergada a partir do satélite e aparece em qualquer mapa do Brasil, onde se vê o rio Xingu seguindo para o norte e descendo em direção ao rio Amazonas, de repente ele é obrigado a fazer uma volta de quase 200 quilômetros, chega a correr novamente para o sul, depois recomeça e aí retoma o rumo que ele tinha, fechando quase um anel completo, por isso chamado de Volta Grande. É um dos monumentos paisagísticos e fluviais do nosso planeta.
O projeto é absurdo porque pretende pegar um monumento fluvial, um lugar maravilhoso com cachoeiras de vários quilômetros de largura cada uma, com ilhas, arquipélagos florestados com morros dentro do rio, e pretende considerar que isso deve ser aproveitado para se fazer energia elétrica, simplesmente destruindo, fazendo uma coisa igual ou pior que Itaipu fez com as Cataratas das Sete Quedas do rio Paraná. Se fizermos isso com a Volta Grande, do Xingu, estaremos decretando a destruição de um dos lugares mais maravilhosos do mundo. Ninguém barrou as cataratas do Iguaçu, que eu saiba nem existe proposta para barrar, as cataratas do Niágara, nos Estados Unidos, as cataratas de Victória Falls no rio Zambezi, na África, portanto não tem que barrar e nem destruir a Volta Grande do Xingu. Isto é fácil de explicar desde que as pessoas estejam dispostas a considerar o planeta, os rios, a Amazônia, o que temos no mundo e o que as futuras gerações terão. Para discutir em term os de energia elétrica, custos e habilidade econômica, daria para fazer um rosário de argumentos.
IHU On-Line – Que critérios deve ter um projeto de hidrelétrica?
Oswaldo Sevá – Acho que não existem critérios. Quando se fizeram a maioria das hidrelétricas brasileiras, entre os anos 1940 e 1980, o único critério que vigorava era medir a velocidade do rio, o desnível que existia, e construir uma usina de tal maneira que aproveitasse o máximo possível esta vazão. Este critério é de uma determinada época, já passou, porque, na maioria dos lugares em que permitia fazer isso, já foi feito. Não é um problema de falta de critério, é de visão de mundo. As pessoa s chegam lá, os burocratas, engenheiros, calculistas, as empresas que ganham dinheiro fazendo obras e vendendo eletricidade, olham um lugar maravilhoso como aquele, e só fazem contas, acham que vão conseguir modificar a geografia e o relevo daquele lugar de tal forma que isso vire um empreendimento rentável. Mesmo que fosse decidido fazer alguma obra lá, jamais deveria ser deste tamanho e com esta concepção. Ainda tenho muita esperança que os bancos financiadores e as entidades seguradoras vão descobrir isso, que é um projeto totalmente inviável do ponto de vista econômico exatamente porque é absurdo como projeto de engenharia. É um projeto que nem o próprio governo é capaz de dizer, até hoje, quanto irá custar. Até um ano atrás diziam uma mentira, que custaria sete bilhões de reais, depois passaram a dizer que iria custar onze, atualmente dizem que vai custar dezesseis, mas todo mundo sabe que vai custar pelo menos trinta. Tudo isso é o resultado de um processo completamente descontrolado de mentiras, de argumentos falaciosos, de falsidades que foram sendo construídas nos últimos vinte anos. É como se fosse um castelo de areia que está começando a ruir. Ainda bem.
IHU On-Line – E que debates foram feitos na época em que Itaipu foi construída?
Oswaldo Sevá – Quando Itaipu foi construída, eu tinha acabado de me formar em Engenharia Mecânica, começava a dar aula em universidades e ainda não era um especialista na área de energia, embora prestasse muita atenção na natureza. Itaipu foi construída como resultado da união dos esforços de duas ditaduras militares, com meia dúzia de grandes empresas internacionais e mais a empresa brasileira Camargo Correa, que se tornou, a partir daí, uma multinacional. Foi resultado de duas ditaduras sangrentas, como foram a do ditador Stroessner, no Paraguai, e, no Brasil após o massivo período do Médici e do Geisel. Foram eles que decidiram fazer o que era melhor possível do ponto de vista do capitalismo da época e dos lucros das empresas que iam construir e vender os equipamentos, e simplesmente desprezaram qualquer critério de bom senso.
Itaipu nunca teve nenhuma cachoeira, na realidade era um trecho do rio em que as costas eram um pouco mais íngremes, formavam uma espécie de desfiladeiro natural com uma vazão muito grande. Foi necessário construir um prédio de 1 20 metros de altura, com mais de um quilômetro de largura, para fazer uma queda totalmente artificial que ali não existia. Lá no começo da represa de Itaipu, colocaram Sete Quedas embaixo d’água. Se tivessem feito ela trinta ou quarenta metros mais baixa, geraria 60 ou 70% da energia que gera e estariam ainda livres para visitação de milhões de turistas por ano, que iam deixar lá tanto dinheiro, praticamente o quanto se ganha com a venda de eletricidade, e estaria preservado aquele monumento fluvial para o resto da história do planeta. Faço questão de insistir nisso. As pessoas ficam querendo discutir, dialogar com o governo e as empresas no mesmo terreno. Eu faço questão de dizer que estou em outro terreno, em que eles não são capazes de dizer nada. Estou no terreno da ética e da civilização. Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente.
IHU On-Line – O que a obra de Belo Monte trará para o rio Xingu?
Oswaldo Sevá – É difícil saber o que uma obra feita em um ponto determinado do rio traz de consequência como um todo. O rio Xingu tem 2.300 quilômetros de comprimento, começa perto de Cuiabá, no planalto mato-grossense. O início dele está muito comprometido com o agronegócio, com a expansão do plantio de soja, de milho, e depois tem um pedaço grande, relativamente preservado, o nde fica o parque indígena do Xingu. Graças a Deus, foi criado um parque com uma área imensa, um conjunto de terras indígenas que já estão homologadas há quase 50 anos, e que é um pedaço que está muito mais preservado. Depois ele entra em um trecho encachoeirado, com quase 1.000 quilômetros ao longo do estado do Pará, e, lá no final deste trecho, um pouco antes dele desembocar no rio Amazonas, é que tem esta Volta Grande, onde a obra será construída.
Para o rio como um todo, se for feita, seria a primeira grande barragem, e iria interromper o fluxo natural do rio com consequências mais locais onde seria interrompido. Será a primeira barragem, mas não vai parar por aí porque se conseguirem fazer esta ninguém segura mais depois. Nos próximos vinte, trinta e quarenta anos vão ser feitas as outras quatro barragens que já foram calculadas e projetadas. Todo o rio brasileiro que tem uma barragem acaba tendo várias outras, não conheço históri a de um rio que tenha uma só. Nem o rio Jacuí, o rio Uruguai, o Iguaçu, o Paranapanema, o São Francisco e o Tocantins. Isto é uma empulhação que o governo federal resolveu fazer de um ano pra cá, de dizer que iriam fazer uma só. É tudo mentira, e ainda com a resolução que não tem menor valor de lei, de um conselho ministerial que praticamente não se reúne.
Então, se várias barragens forem feitas, o rio será destruído, passa a ser uma sucessão de lagos, de represas, como são vários rios brasileiros. Eles têm muita utilidade, podem gerar energia, criar peixes, podem ter hospedagem de classe média ou até de luxo na beira do rio para fazer turismo, mas deixa de ser um rio. Muitas vezes, a água apodrece, as espécies de peixe mudam, mas isso é um assunto para pessoas que são da área de ciências naturais, eles é que sabem dir eito qual é a consequência, mas só perder a Volta Grande já é uma algo enorme. O rio vai perder o seu principal trecho encachoeirado, uma parte dele vai ficar dentro d’água, e outra vai ficar sem água, completamente seca. As pessoas que moram lá não vão aguentar porque não vão ter nem água de poço para beber. Tem aspectos da vida local que também não estão sendo muito falados. Aquilo vai virar um inferno se, por acaso, a obra for feita, pois, as pessoas não vão mais ter condições de morar na região. Quem estiver na área alagada tem que sair, quem estiver na área seca vai sair também, pois será impossível de viver.
IHU On-Line – Um pesquisador afirmou que somente 39% da potência instalada de Belo Monte se transformará em energia firme. O que será feito com o resto?
Oswaldo Sevá – Sobre discussão de energia firme acho o seguinte: estudei isso durante muito tempo, sou engenheiro mecânico, dou aula de energia na UNICAMP há muitos anos, acompanho várias obras e já conversei com pessoas que operam usinas hidrelétricas. Pouquíssimas pessoas no Brasil têm um conhecimento sofisticado, profundo, do funcionamento dos rios ao longo do ano, para poder afirmar que uma coisa que não existe ainda, no futuro, só terá uma determinada potência que é “x” % da potência das máquinas. Essa é uma questão que serve para ficarmos dizendo como a usina é mal projetada, mas não é por aí, pois, qualquer hidrelétrica tem muito mais máquinas do que precisa, porque, às vezes, elas têm que parar para manutenção. É preciso ter reservas. Durante o verão amazônico, pode acontecer de o rio Xingu não ter água suficiente para virar qualquer uma das máquinas previstas.
Agora, voltamos à questão: Por que pretendem instalar onze mil megawatts? Por que pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem? Porque é um projeto absurdo, foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro e está pensando em criar as coisas mais absurdas do mundo e que vai conseguir usar o dinheiro público para isso, e assim, ganhar dinheiro fazendo essas obras. É um problema de concepção. Vamos fazer as maiores obras de Engenharia Civil para ter a maior de todas, que é o jeito que encontraram para ganhar mais dinheiro. É uma coisa relativamente sim ples para qualquer cidadão entender. Estamos numa situação difícil de quase esquizofrenia para a sociedade, pois, Belo Monte foi proposto por megalômanos e trambiqueiros há mais de 20 anos, que continuaram a mentir para todo mundo do governo – que acreditam nas mentiras – e agora está chegando a hora da verdade, ou seja, o projeto começa a ser conhecido, mais detalhado e, ainda assim, não se tem a ideia do custo.
Esse é o indicador mais evidente dessa esquizofrenia. O governo diz que vai colocar a leilão a energia de Belo Monte daqui dois ou três meses e até hoje ninguém sabe quanto ele vai custar. Não existe isso em lugar nenhum no mundo. Esse é um sintoma de insanidade mental que foi mantida durante 20 anos. Podemos ficar horas falando dos impactos aqui e ali, inclusive sobre a energia firme que você levantou nessa questão. Ac ho, inclusive, que a maioria dos que estão falando da energia firme conhece muito pouco o problema. Aqui na Unicamp, onde eu trabalho, deve ter três ou quatro pessoas só que entendem direitinho do funcionamento dos rios e que seriam capazes de dizer alguma coisa a respeito disso. As simulações que fizemos aqui na Faculdade de Engenharia Elétrica são totalmente diferentes dos cálculos do governo.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre as audiências públicas que foram feitas sobre a construção de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – Eu estava analisando de longe, pois não pude participar porque há alguns meses fiz uma cirurgia muito pesada e estou em fase de tratamento. Fiquei na retaguarda, recebendo noticias e fotografias. Já participei de muitas audiências públicas em São Paulo, as audiências que são feitas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo são muito mais organizadas e democráticas nesse sentido. O tempo de apresentação dos empreendedores e das entidades ambientalistas é mais ou menos equiparado. Os políticos não falam no começo da audiência, porque ela é técnica. Além disso, as quais participei, tiveram um caráter informativo maior porque fazia-se uma série de observações, assim, o empreendedor tinha o direito de replicar, e as entidades ambientalistas tinham direito a treplicar. Eram muito interessantes, muitas delas foram tensas, tiveram a presença da polícia. Mas nas audiências de lá, estavam todos morrendo de medo, de novo, que os índios fossem lá fazer aquela covardia como fizeram em maio de 2008 e machucaram o engenheiro da Eletrobrás. Com isso, botaram cerca de 400 policiais, guardas nac ionais, agentes da ABIN e polícia federal para proteger os caras do IBAMA e empreendedores. Então, é difícil imaginar uma audiência verdadeira com um clima desses.
A audiência não pesa no licenciamento. Ela é uma espécie de mise-en-scène que o empreendedor faz questão que seja realizado, porque depois tem que demonstrar que houve participação pública, e que o IBAMA também faz questão de realizar para ter um álibi. Mas a decisão, no caso de Belo Monte, já está tomada lá em cima, lá na Casa Civil, que já mandou dizer ao Carlos Minc logo que entrou no Ministério, que Belo Monte vai ter a licença prévia ambiental concedida. No fundo, você pode dizer que é uma palhaçada, porque as pessoas que levam a sério vão lá, gastam dinheiro do próprio bolso, mas, para o IBAMA e para os empree ndedores, aquilo é um teatro, porque já está tudo resolvido. O IBAMA vai conceder a licença prévia, só não vai fazer isso se acontecer algum terremoto. Essa decisão é do governo. A audiência é um meio para desgastar e é, também, um álibi. É uma pena, porque poderia ser de fato um momento para haver um debate.
Usina de mudanças
O projeto hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, terá mais do que a missão de garantir a oferta de nova energia para a expansão da economia brasileira. A construção desse gigante, com impactos sobre 11 municípios e nove terras indígenas no norte do Pará, significará uma mudança completa da geografia econômica do Brasil, e sobretudo da Amazônia.
A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.
Está será a maior obra de infraestrutura já realizada no país desde Itaipu e um teste para o que o governo sugere ser um novo modelo de "ocupação e uso sustentável" de uma região com baixíssimos índices de desenvolvimento e, em parte, já corroída pela exploração desordenada.
Se liberado pelo Ibama dentro de algumas semanas - como espera o governo -, Belo Monte será o 3º maior empreendimento hidrelétrico do planeta, com 11,2 mil MW, só aquém do projeto chinês de Três Gargantas (18 mil MW) e de Itaipu (14 mil MW). A obra vai exigir uma das maiores engenharias financeiras já montadas no hemisfério Sul. Demandará, segundo estimativas do governo, R$ 20 bilhões ou mais. O valor final será divulgado nesta semana.
Na Volta Grande, zona de transição entre o médio e o baixo rio Xingu, o projeto inspira reações diversas, da apreensão à euforia. A obra afetará áreas indígenas, desmatará grandes áreas de floresta e secará parte do rio Xingu. Promete, de outra parte, levar empregos e infraestrutura a uma região miserável que parece abandonada pelo Estado brasileiro.
A usina só ficará pronta depois de uma década de obras. Os números são superlativos. A movimentação de terra (150 milhões de metros cúbicos) e de rocha (60 milhões de metros cúbicos) será superior à que foi necessária para a construção dos 82 quilômetros do Canal do Panamá, que rasga a América Central e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. O empreendedor terá de movimentar 310 milhões de toneladas, o equivalente a mais de duas safras de grãos do país.
A previsão é que Belo Monte mobilize 100 mil pessoas, incluídos os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do "novo Eldorado".
Projeto militar
Para os críticos, essa parece ser uma conta subestimada. Avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas.
Rabiscado pela primeira vez em 1975, quando o governo militar lançou grandes planos de ocupação da Amazônia, o projeto deve finalmente sair do papel em dezembro, após um dos maiores leilões públicos a ser realizado no país, em ato que concretiza um sonho do governo Lula. Grupos nacionais e internacionais de infraestrutura estudam participar do projeto.
Maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte promete retomar e consolidar -despertando preocupação em ambientalistas- o plano nacional de ocupação amazônica.
Os principais objetivos do projeto, segundo o governo, são nutrir o sistema elétrico brasileiro com farto potencial de hidroeletricidade e possibilitar a industrialização da Amazônia.
Aliado do projeto, o governo do Pará impõe como condição o fornecimento de energia barata para grandes mineradores. No governo, a tendência é que o pedido seja aceito.
"O Brasil pode retomar um caminho que tínhamos abandonado. Um potencial hidrelétrico como o que temos na região Norte precisa ser explorado. Não é razoável que fiquemos comprando energia térmica quando temos uma opção renovável", diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).
Para os opositores, o problema é o modelo. "O que está em discussão não é só a usina de Belo Monte mas o modelo de desenvolvimento que está por trás do projeto. O impressionante é que de alguma maneira o plano repete o modelo de ocupação visto no período militar", diz Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, procurador do Ministério Público Federal em Altamira (PA). A região teme a repetição de desastres ambientais como os ocorridos em Tucuruí (PA) e Balbina (AM).
A esperança do governo federal é a de que da Amazônia - 4% do território da Terra - venham os 4.000 MW anuais de que o país precisa para expandir o parque gerador nacional e assim manter distante qualquer ameaça de apagão.
Com 12% da água doce do planeta, o país já concluiu que 70% da disponibilidade de hidrelétricas ainda não foi aproveitada e que 66% dessa riqueza fica no Norte. Por isso, após os projetos do Madeira (6.400 MW) e de Belo Monte, deve vir o próximo: o complexo hidrelétrico Tapajós. E este não com uma, mas com cinco usinas.
Produção de energia em usina sofrerá fortes oscilações
A grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina "vaga-lume". A vazão do rio pode alcançar 20 mil metros cúbicos por segundo no período de cheia, e em outros momentos, como agora, pode baixar a menos de mil metros cúbicos por segundo entre os períodos de setembro a outubro.
A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.
A Grande São Paulo, maior núcleo urbano do país, consome cerca de 60 metros cúbicos de água por segundo. O Xingu, mesmo na baixa, pode abastecer 16 cidades como São Paulo. Mas com essa imensa variação do nível d'água, Belo Monte terá, no período seco, pouca água para movimentar as turbinas.
Para extrair a energia dos 11,2 mil MW, são necessários 14 mil metros cúbicos por segundo de água, condição só possível entre os meses de março e abril, auge do período chuvoso. A previsão é que em outubro a situação seja inversa, de baixíssimo volume d'água, com geração ínfima.
"Como é possível uma usina com tantos problemas ambientais ter uma ociosidade dessa magnitude? Se a vazão do rio baixar mais de 700 metros cúbicos por segundo, o que já ocorreu, Belo Monte produzirá quase como uma pequena central hidrelétrica", critica Francisco Hernanes, pesquisador do IEE/USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo) e um dos coordenadores do grupo de 38 especialistas de várias regiões do país que apresentará ao Ibama suas impressões sobre o projeto até o fim deste mês.
Só a partir dessa particularidade é possível relativizar o tamanho de Belo Monte. Embora a capacidade seja imensa, a energia firme extraída da usina será de 4.428,1 MW, 39,4% da capacidade total, algo próximo às usinas do Madeira (Jirau e Santo Antônio). Essa potência com que o país poderá de fato contar é 7,5% menor do que havia desejado a Eletrobrás.
A área ambiental exigiu a liberação de pelo menos 700 m3/s para o trecho de vazão reduzida do Xingu, para a Volta Grande. A barragem vai desviar o rio e vai secar parte dos 100 quilômetros da Volta Grande. No período chuvoso, o volume d'água abaixo da barragem principal será, no máximo, de 4.000 m3/s no primeiro ano e de 8.000 m3/s no ano seguinte. Foi a forma encontrada para se evitar uma catástrofe ambiental, com morte de peixes e da floresta ribeirinha, além de assegurar condições de navegação aos povos da região.
Walter Cardeal, diretor de engenharia da Eletrobrás, não considera esse um problema para a operação da usina. A justificativa: apesar disso, Belo Monte vai revezar com as usinas do Sul e do Sudeste no abastecimento do Sistema Interligado Nacional. "As chuvas na região Norte ocorrem antes das chuvas do Sudeste. Com isso, Belo Monte pode gerar energia enquanto as usinas do Sul e do Sudeste reservam água, e vice-versa", explica.
Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, reconhece o problema, mas justifica que isso ocorre em razão da impossibilidade hoje de construir usinas como Itaipu, com grandes "estoques" de água. Foi isso que reduziu de 1.225 para 516 quilômetros quadrados a área alagada pelo projeto. "O país perde potencial energético, é inevitável. Ou fazemos isso, ou não temos mais hidrelétricas."
Para especialistas, reside aí um dilema. Uma resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determinou a construção apenas de Belo Monte na bacia do rio Xingu. "Quem pode assegurar que, numa eventual crise energética, o CNPE não mude sua posição e aprove outras barragens no Xingu para aproveitar mais a capacidade que ficará ociosa?", disse Hermes Fonseca de Medeiros, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará. Para especialistas, a resolução não é uma garantia.
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