Copenhague: Uma convenção para além de ''boas intenções''?
Entrevista especial com Paulo Brack
A Convenção do Clima que acontece no início de dezembro em Copenhague, capital da Dinamarca, e as propostas de redução de metas de emissão de gases de efeito estufa representam muito mais uma “carta de ‘boas intenções’”.
A posição é defendida por Paulo Brack, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, à IHU On-Line. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, o setor ligado ao grande capital não aceita regras e por isso o encontro em Copenhague não deve promover avanços consideráveis.
Políticas de médio e longo prazo como as sugeridas para atingir metas de emissões não servem mais, assegura o pesquisador, que sugere prazos de reavaliação de acordos mais curtos: “Talvez convenções a cada cinco anos”.
Na entrevista que segue, Brack critica ainda a atuação dos movimentos ambientais e alerta que no debate climático, empresas podem ganhar destaque com propostas para solucionar as emissões de carbono. “Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague?”, questiona.
Para ele, os movimentos ambientais devem avançar nas discussões e considerar as questões climáticas também como um problema político. “Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento”, constata.
Paulo Brack é o convidado do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e nesta quinta-feira, das 17h30min às 19h, proferirá a palestra O futuro em Copenhague? – mudanças e mudanças.
Paulo Brack é mestre em Botânica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Entre 2006 e 2008, foi membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e atualmente representa o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – Ingá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS –Consema-RS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são suas expectativas em relação à Convenção do Clima que ocorre em Copenhague?
Paulo Brack - Creio que as expectativas ainda não são as melhores, em grande parte porque a questão está na mão dos governos. A sociedade deveria participar intensamente do processo de discussão. Mas, infelizmente está ainda muito afastada do tema. No que se refere aos principais países que coordenam estas negociações, pode-se verificar que as propostas reais, que deveriam ser ousadas ou mesmo minimamente consensuadas, não estão postas na mesa. Os governos estão distantes do real problema climático e da crise ecossistêmica que atinge a maior parte das nações e compromete nosso futuro. O quadro é muito grave, mas a doença econômica atingiu profundamente as mentes dos gerentes de nossas vidas. Ou o IPCC está mentindo, bem como os cientistas sérios da área ambiental, quando afirmam que a situação é muito grave, ou os governos estão loucos em, simplesmente, considerar somente soluções paliativas. A crise financeira, de setembro do ano passado, poderia ser uma das últimas chances para a mudança. Tudo indica que não adiantou muito. Os representantes dos governos responderam com falsas soluções, meramente econômicas de curto prazo, que acabaram incrementando o atual modelo industrial, altamente emissor de gases de efeito estufa (GEE). O governo brasileiro incrementou, por exemplo, a compra de automóveis individuais, fato que denota total insensibilidade e, ademais, vai na contramão da necessidade de se adotar as medidas mais básicas que diminuam esses gases. Então, o que esperar deles? Não dá para esperar. Vamos ter que pautar, se ainda há tempo, um processo verdadeiro e participativo para abarcar o problema.
IHU On-Line – Alguns países desenvolvidos como os EUA e emergentes como o Brasil ainda não manifestaram compromissos em assumir metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. O que justifica e explica tal relutância? Isso tende a dificultar as negociações e a estabelecer metas concretas em Copenhague?
Paulo Brack - O setor ligado ao grande capital, que dita os rumos econômicos dos países (desenvolvidos ou emergentes), não aceita, e nunca aceitou, regras. O Brasil, representado por seu governo, considera que as soluções para a redução dos GEE, como o CO2 e o metano, poderiam interferir no “desenvolvimento”. Assim, nossos representantes oficiais são agentes deste impasse. Ademais, perdura o tema da Amazônia, que nem de longe está bem encaminhado. E quando o governo levanta uma proposta é, justamente, para abrir caminho às “oportunidades”. Estas estão evidenciadas pelo incentivo aos agrocombustíveis, infelizmente, baseados em monoculturas, e às energias “renováveis”, ainda decorrentes da produção calcada em grandes hidrelétricas de alto impacto ambiental. O impasse brasileiro ficou manifesto quando no dia 16 de outubro, o negociador-chefe do Brasil para o assunto do acordo das emissões, Luiz Alberto Figueiredo Machado, representante do Itamaraty, afirmou que as negociações para a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas estão em "uma fase muito difícil" e é possível que se chegue a Copenhague sem consenso e sem vontade de, realmente, mudar o quadro. Na verdade, o governo brasileiro joga a responsabilidade do problema para as nações desenvolvidas, podendo talvez assumir algum comprometimento com algumas metas de redução de emissões se houver financiamento dos países desenvolvidos para os emergentes.
IHU On-Line – Países que participam da Convenção do Clima em Copenhague falam em metas de redução de 40% até 2050. Quais são, na sua opinião, metas corajosas e de impacto para combater as mudanças climáticas?
Paulo Brack - O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, fez um apelo recente em favor de ações imediatas em relação à redução das emissões. Na prática, 2050 pode ser tarde. Vamos esperar 40 anos? Isso é sério. É mais fácil, para governantes de visão imediatista, jogar o problema para o futuro. Melhor dizendo: esta proposta seria uma forma de “tocar com a barriga” para os governos que virão. E – convenhamos - as políticas de cada administração têm validade de quatro a cinco anos. Alguém conhece planos governamentais que perpassem os mandatos destes prazos curtos de seus mandatos? Deveriam ser adotadas metas onde os prazos fossem mais curtos, atingindo etapas de um processo que poderia ser reavaliado a cada cinco anos, por exemplo. Políticas de médio e longo prazo, não parecem ser algo muito verossímil nos dias atuais. É muito mais uma carta de “boas intenções”, o que não serve mais, diante do quadro grave do atual quadro climático mundial.
IHU On-Line – Em que medida as mudanças climáticas deixam de representar apenas um problema climático e transcendem para um dilema social e econômico?
Paulo Brack - A crise climática faz parte da crise ecossistêmica. A situação socioambiental está se tornando insuportável. Exagero? Os dados de assassinatos no Brasil falam por si só. Entre as dez cidades com maiores índices de homicídios, sete estão situadas justamente na região do Arco do Desmatamento, segundo dados da OIE (Organização dos Estados Ibero-Americanos). Coincidência? Estamos destruindo a floresta amazônica e o cerrado, emitimos GEE, derivados das queimadas e do desmatamento e esta realidade está longe da pauta dos governos. A situação das grandes cidades também é de uma violência extraordinária e uma exclusão galopante. Mas, a pauta agora é a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Temos que decifrar o que o Planeta está sinalizando. Entender isso é fundamental. Mas a circunferência da bola de futebol chama mais a atenção do que a outra, mais complexa, representada pelo planeta Terra.
IHU On-Line – Considerando a atual situação climática, econômica e social do planeta, que medidas precisam ser acordadas com urgência em Copenhague?
Paulo Brack - Se partirmos de uma boa e sincera disposição dos governos para enfrentar o problema - o que parece não ser o caso - o acordo deveria prever uma avaliação das responsabilidades, principalmente daqueles que controlam o modelo atual de “desenvolvimento”. O Brasil, por exemplo, tem uma economia de exportação para os países mais desenvolvidos que o coloca, em parte, como refém de um setor agrícola e industrial, altamente demandante de fontes de energia que estão neste círculo vicioso da emissão do GEE. Esse é um tema que deveria fazer parte da pauta de discussão. Outra questão é que o prazo de reavaliação das metas e dos acordos deveria ser muitíssimo mais curto que os 40 anos previstos. Talvez, convenções a cada cinco anos. Porém, os acordos necessitariam incorporar a participação da sociedade. Mas isso não cai do céu. A demanda por acordos verdadeiros já está sendo apresentada, por exemplo, pelos Amigos da Terra Internacional, especialmente um grupo desta ONG no Chile, quando levantam a bandeira pela Justiça Climática e Ambiental. Creio que se poderia agregar Justiça Climática e Socioambiental. Mas isso seria viável neste sistema capitalista da globalização do “vale-tudo-econômico”? O tal MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) já demonstrou que não é o caminho, pois, justamente, joga a questão para o Mercado Global, o grande vilão de tudo isso.
IHU On-Line – Como o senhor percebe a movimentação de grandes empresas e movimentos sociais e ambientais, por exemplo, em relação ao encontro e as propostas possíveis na Convenção do Clima?
Paulo Brack - Bom, na minha avaliação, a situação ainda é de muita disputa. As empresas querem manter sua imagem, em parte maculada por sua responsabilização maior ou menor no assunto, e o modelo sem mudanças substanciais. Querem incrementar o MDL. E também jogam com as oportunidades de expandirem seus negócios, por exemplo, com a implantação de projetos com mega monoculturas arbóreas com fins industriais. Assim, não querem discutir a enorme contradição na implantação dos gigantescos desertos verdes de eucalipto e pinus, pois, de maneira cartesiana, mais uma vez, encontram uma “solução” para fixar carbono. Por sorte o Protocolo de Kyoto não considerou isso, mas a Bolsa do Clima de Chicago sim. Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague? Assim, as empresas estão longe de enfrentar o problema, principalmente as grandes, pois são geridas por uma lógica de acumulação ilimitada, que é inviável diante das premissas mais básicas da sustentabilidade ecossistêmica. Elas não aceitam limites, pois o capital nunca os aceitou. Por outro lado, o Greenpeace tem algumas propostas bem objetivas, muito mais técnicas. Essas, infelizmente, na minha opinião, tangenciam o real problema, que já é ecossistêmico. O problema central é político. De modelo. Não têm soluções meramente técnicas. Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento. Mas levantar esse problema incomoda ao sistema econômico que reina no mundo.
IHU On-Line – O REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação) é visto como uma alternativa importante no sentido de preservar as florestas e tem sido apontado com grande expectativa nas discussões pré-Copenhague. Essas medidas podem trazer resultados satisfatórios na redução de gases de efeito estufa?
Paulo Brack - Diferentemente do MDL, que não considera as florestas naturais remanescentes, o mecanismo REDD propõe compensações financeiras aos proprietários que se comprometem a proteger suas florestas nativas por pelo menos meio século. Creio que o modelo de dar valor econômico para a floresta em pé, ou para o desmatamento evitado, tem que ser melhor avaliado. A proposta parece boa, mas se for realizada sem um conjunto de outras medidas que incluam, por exemplo, a proteção e o resgate da biodiversidade e a inclusão social no campo, em modelos sustentáveis, onde o latifúndio das monoculturas quimicodependentes não tenha mais espaço. Não existe um ou outro caminho isolado, ainda mais neste quadro em que o Estado está se afastando dos direitos da sociedade e tornando-se cada vez mais servil às soluções mágicas de mercado. Não existem soluções isoladas para problemas sistêmicos.
IHU On-Line – Como o senhor vislumbra a participação brasileira no encontro?
Paulo Brack - O governo Lula já demonstrou, por inúmeras vezes, que somente atua nas demandas ambientais muito mais ambicionando uma visibilidade internacional, do que realmente representando um projeto de nação ecosoberana. Nosso diferencial, representado pela enorme biodiversidade e a sociodiversidade, inclui elementos que jazem nas pautas deste e dos governos que o antecederam. O alegado prejuízo econômico redunda de uma visão convencional e imediatista, em um “desenvolvimento”, onde o modelo é do gigantismo, ou dos EUA, ou da China. Creio que o núcleo duro do governo brasileiro, que comandará a posição do Brasil, representado pelos setores da área econômica e do desenvolvimento, está muito mais interessado nas “oportunidades” do tema, levando em conta nossa riqueza em potenciais ditos convecionalmente “renováveis” de energia (rios e biomassa), onde a biodiversidade não vale nada diante do paradigma da grande escala de produção.
IHU On-Line – Que novo modelo econômico de desenvolvimento é compatível com as mudanças climáticas?
Paulo Brack - A pergunta é profunda demais para ser respondida por uma só pessoa e por poucas palavras. O novo modelo talvez deva ser o da compatibilidade do processo econômico da desacumulação, o que verdadeiramente é mais ecológico. O desapego a esta sociedade de consumo e acumulação é a postura mais justa e verdadeira para nos salvar desta situação. Isso faz bem à saúde mental e à saúde do planeta. Ocorre que o sistema econômico de acumulação está profundamente doente e nos arrasta para o abismo climático e socioambiental, ou ecossistêmico. Temos tempo para refletir sobre isso, pelo menos para vivermos um pouco mais felizes.
IHU On-Line – Qual é o risco para o planeta se ocorrer um atraso do acordo climático mundial em Copenhague?
Paulo Brack - Se a questão for colocada da maneira com que é apresentada, realmente, as chances são grandes de não dar em nada, resultando em um pseudo-acordo, o que é mais provável. Talvez, as catástrofes que se avizinham, lamentavelmente, serão a oportuna mexida para acordos climáticos e sócio-ambientais mais verdadeiros.
IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo que considera importante?
Paulo Brack - Ocorreu uma situação inusitada que me foi relatada há umas poucas semanas. A população de Araranguá, SC – uma das cidades brasileiras que mais sofre de eventos climáticos - participou ativamente de um debate nacional sobre o tema das mudanças climáticas, neste mês de outubro, em um evento que ocorreu no próprio município. De acordo com ambientalistas que participaram do evento, o assunto foi encarado com enorme interesse por quase mil pessoas, inaugurando, talvez, uma das demandas locais que estão tocando de perto os brasileiros de todas as cidades. Se outras cidades brasileiras trouxerem o tema das mudanças climáticas e também fizerem a ligação com o problema profundo do abuso do modelo de vida, que cria tudo isso, talvez estejamos abrindo mais um espaço, genuíno, para a busca de um outro modo de vida, mais sustentável, justo e feliz, que não se confronte com a vida.
Entrevista especial com Paulo Brack
A Convenção do Clima que acontece no início de dezembro em Copenhague, capital da Dinamarca, e as propostas de redução de metas de emissão de gases de efeito estufa representam muito mais uma “carta de ‘boas intenções’”.
A posição é defendida por Paulo Brack, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, à IHU On-Line. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, o setor ligado ao grande capital não aceita regras e por isso o encontro em Copenhague não deve promover avanços consideráveis.
Políticas de médio e longo prazo como as sugeridas para atingir metas de emissões não servem mais, assegura o pesquisador, que sugere prazos de reavaliação de acordos mais curtos: “Talvez convenções a cada cinco anos”.
Na entrevista que segue, Brack critica ainda a atuação dos movimentos ambientais e alerta que no debate climático, empresas podem ganhar destaque com propostas para solucionar as emissões de carbono. “Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague?”, questiona.
Para ele, os movimentos ambientais devem avançar nas discussões e considerar as questões climáticas também como um problema político. “Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento”, constata.
Paulo Brack é o convidado do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e nesta quinta-feira, das 17h30min às 19h, proferirá a palestra O futuro em Copenhague? – mudanças e mudanças.
Paulo Brack é mestre em Botânica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Entre 2006 e 2008, foi membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e atualmente representa o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – Ingá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS –Consema-RS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são suas expectativas em relação à Convenção do Clima que ocorre em Copenhague?
Paulo Brack - Creio que as expectativas ainda não são as melhores, em grande parte porque a questão está na mão dos governos. A sociedade deveria participar intensamente do processo de discussão. Mas, infelizmente está ainda muito afastada do tema. No que se refere aos principais países que coordenam estas negociações, pode-se verificar que as propostas reais, que deveriam ser ousadas ou mesmo minimamente consensuadas, não estão postas na mesa. Os governos estão distantes do real problema climático e da crise ecossistêmica que atinge a maior parte das nações e compromete nosso futuro. O quadro é muito grave, mas a doença econômica atingiu profundamente as mentes dos gerentes de nossas vidas. Ou o IPCC está mentindo, bem como os cientistas sérios da área ambiental, quando afirmam que a situação é muito grave, ou os governos estão loucos em, simplesmente, considerar somente soluções paliativas. A crise financeira, de setembro do ano passado, poderia ser uma das últimas chances para a mudança. Tudo indica que não adiantou muito. Os representantes dos governos responderam com falsas soluções, meramente econômicas de curto prazo, que acabaram incrementando o atual modelo industrial, altamente emissor de gases de efeito estufa (GEE). O governo brasileiro incrementou, por exemplo, a compra de automóveis individuais, fato que denota total insensibilidade e, ademais, vai na contramão da necessidade de se adotar as medidas mais básicas que diminuam esses gases. Então, o que esperar deles? Não dá para esperar. Vamos ter que pautar, se ainda há tempo, um processo verdadeiro e participativo para abarcar o problema.
IHU On-Line – Alguns países desenvolvidos como os EUA e emergentes como o Brasil ainda não manifestaram compromissos em assumir metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. O que justifica e explica tal relutância? Isso tende a dificultar as negociações e a estabelecer metas concretas em Copenhague?
Paulo Brack - O setor ligado ao grande capital, que dita os rumos econômicos dos países (desenvolvidos ou emergentes), não aceita, e nunca aceitou, regras. O Brasil, representado por seu governo, considera que as soluções para a redução dos GEE, como o CO2 e o metano, poderiam interferir no “desenvolvimento”. Assim, nossos representantes oficiais são agentes deste impasse. Ademais, perdura o tema da Amazônia, que nem de longe está bem encaminhado. E quando o governo levanta uma proposta é, justamente, para abrir caminho às “oportunidades”. Estas estão evidenciadas pelo incentivo aos agrocombustíveis, infelizmente, baseados em monoculturas, e às energias “renováveis”, ainda decorrentes da produção calcada em grandes hidrelétricas de alto impacto ambiental. O impasse brasileiro ficou manifesto quando no dia 16 de outubro, o negociador-chefe do Brasil para o assunto do acordo das emissões, Luiz Alberto Figueiredo Machado, representante do Itamaraty, afirmou que as negociações para a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas estão em "uma fase muito difícil" e é possível que se chegue a Copenhague sem consenso e sem vontade de, realmente, mudar o quadro. Na verdade, o governo brasileiro joga a responsabilidade do problema para as nações desenvolvidas, podendo talvez assumir algum comprometimento com algumas metas de redução de emissões se houver financiamento dos países desenvolvidos para os emergentes.
IHU On-Line – Países que participam da Convenção do Clima em Copenhague falam em metas de redução de 40% até 2050. Quais são, na sua opinião, metas corajosas e de impacto para combater as mudanças climáticas?
Paulo Brack - O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, fez um apelo recente em favor de ações imediatas em relação à redução das emissões. Na prática, 2050 pode ser tarde. Vamos esperar 40 anos? Isso é sério. É mais fácil, para governantes de visão imediatista, jogar o problema para o futuro. Melhor dizendo: esta proposta seria uma forma de “tocar com a barriga” para os governos que virão. E – convenhamos - as políticas de cada administração têm validade de quatro a cinco anos. Alguém conhece planos governamentais que perpassem os mandatos destes prazos curtos de seus mandatos? Deveriam ser adotadas metas onde os prazos fossem mais curtos, atingindo etapas de um processo que poderia ser reavaliado a cada cinco anos, por exemplo. Políticas de médio e longo prazo, não parecem ser algo muito verossímil nos dias atuais. É muito mais uma carta de “boas intenções”, o que não serve mais, diante do quadro grave do atual quadro climático mundial.
IHU On-Line – Em que medida as mudanças climáticas deixam de representar apenas um problema climático e transcendem para um dilema social e econômico?
Paulo Brack - A crise climática faz parte da crise ecossistêmica. A situação socioambiental está se tornando insuportável. Exagero? Os dados de assassinatos no Brasil falam por si só. Entre as dez cidades com maiores índices de homicídios, sete estão situadas justamente na região do Arco do Desmatamento, segundo dados da OIE (Organização dos Estados Ibero-Americanos). Coincidência? Estamos destruindo a floresta amazônica e o cerrado, emitimos GEE, derivados das queimadas e do desmatamento e esta realidade está longe da pauta dos governos. A situação das grandes cidades também é de uma violência extraordinária e uma exclusão galopante. Mas, a pauta agora é a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Temos que decifrar o que o Planeta está sinalizando. Entender isso é fundamental. Mas a circunferência da bola de futebol chama mais a atenção do que a outra, mais complexa, representada pelo planeta Terra.
IHU On-Line – Considerando a atual situação climática, econômica e social do planeta, que medidas precisam ser acordadas com urgência em Copenhague?
Paulo Brack - Se partirmos de uma boa e sincera disposição dos governos para enfrentar o problema - o que parece não ser o caso - o acordo deveria prever uma avaliação das responsabilidades, principalmente daqueles que controlam o modelo atual de “desenvolvimento”. O Brasil, por exemplo, tem uma economia de exportação para os países mais desenvolvidos que o coloca, em parte, como refém de um setor agrícola e industrial, altamente demandante de fontes de energia que estão neste círculo vicioso da emissão do GEE. Esse é um tema que deveria fazer parte da pauta de discussão. Outra questão é que o prazo de reavaliação das metas e dos acordos deveria ser muitíssimo mais curto que os 40 anos previstos. Talvez, convenções a cada cinco anos. Porém, os acordos necessitariam incorporar a participação da sociedade. Mas isso não cai do céu. A demanda por acordos verdadeiros já está sendo apresentada, por exemplo, pelos Amigos da Terra Internacional, especialmente um grupo desta ONG no Chile, quando levantam a bandeira pela Justiça Climática e Ambiental. Creio que se poderia agregar Justiça Climática e Socioambiental. Mas isso seria viável neste sistema capitalista da globalização do “vale-tudo-econômico”? O tal MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) já demonstrou que não é o caminho, pois, justamente, joga a questão para o Mercado Global, o grande vilão de tudo isso.
IHU On-Line – Como o senhor percebe a movimentação de grandes empresas e movimentos sociais e ambientais, por exemplo, em relação ao encontro e as propostas possíveis na Convenção do Clima?
Paulo Brack - Bom, na minha avaliação, a situação ainda é de muita disputa. As empresas querem manter sua imagem, em parte maculada por sua responsabilização maior ou menor no assunto, e o modelo sem mudanças substanciais. Querem incrementar o MDL. E também jogam com as oportunidades de expandirem seus negócios, por exemplo, com a implantação de projetos com mega monoculturas arbóreas com fins industriais. Assim, não querem discutir a enorme contradição na implantação dos gigantescos desertos verdes de eucalipto e pinus, pois, de maneira cartesiana, mais uma vez, encontram uma “solução” para fixar carbono. Por sorte o Protocolo de Kyoto não considerou isso, mas a Bolsa do Clima de Chicago sim. Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague? Assim, as empresas estão longe de enfrentar o problema, principalmente as grandes, pois são geridas por uma lógica de acumulação ilimitada, que é inviável diante das premissas mais básicas da sustentabilidade ecossistêmica. Elas não aceitam limites, pois o capital nunca os aceitou. Por outro lado, o Greenpeace tem algumas propostas bem objetivas, muito mais técnicas. Essas, infelizmente, na minha opinião, tangenciam o real problema, que já é ecossistêmico. O problema central é político. De modelo. Não têm soluções meramente técnicas. Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento. Mas levantar esse problema incomoda ao sistema econômico que reina no mundo.
IHU On-Line – O REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação) é visto como uma alternativa importante no sentido de preservar as florestas e tem sido apontado com grande expectativa nas discussões pré-Copenhague. Essas medidas podem trazer resultados satisfatórios na redução de gases de efeito estufa?
Paulo Brack - Diferentemente do MDL, que não considera as florestas naturais remanescentes, o mecanismo REDD propõe compensações financeiras aos proprietários que se comprometem a proteger suas florestas nativas por pelo menos meio século. Creio que o modelo de dar valor econômico para a floresta em pé, ou para o desmatamento evitado, tem que ser melhor avaliado. A proposta parece boa, mas se for realizada sem um conjunto de outras medidas que incluam, por exemplo, a proteção e o resgate da biodiversidade e a inclusão social no campo, em modelos sustentáveis, onde o latifúndio das monoculturas quimicodependentes não tenha mais espaço. Não existe um ou outro caminho isolado, ainda mais neste quadro em que o Estado está se afastando dos direitos da sociedade e tornando-se cada vez mais servil às soluções mágicas de mercado. Não existem soluções isoladas para problemas sistêmicos.
IHU On-Line – Como o senhor vislumbra a participação brasileira no encontro?
Paulo Brack - O governo Lula já demonstrou, por inúmeras vezes, que somente atua nas demandas ambientais muito mais ambicionando uma visibilidade internacional, do que realmente representando um projeto de nação ecosoberana. Nosso diferencial, representado pela enorme biodiversidade e a sociodiversidade, inclui elementos que jazem nas pautas deste e dos governos que o antecederam. O alegado prejuízo econômico redunda de uma visão convencional e imediatista, em um “desenvolvimento”, onde o modelo é do gigantismo, ou dos EUA, ou da China. Creio que o núcleo duro do governo brasileiro, que comandará a posição do Brasil, representado pelos setores da área econômica e do desenvolvimento, está muito mais interessado nas “oportunidades” do tema, levando em conta nossa riqueza em potenciais ditos convecionalmente “renováveis” de energia (rios e biomassa), onde a biodiversidade não vale nada diante do paradigma da grande escala de produção.
IHU On-Line – Que novo modelo econômico de desenvolvimento é compatível com as mudanças climáticas?
Paulo Brack - A pergunta é profunda demais para ser respondida por uma só pessoa e por poucas palavras. O novo modelo talvez deva ser o da compatibilidade do processo econômico da desacumulação, o que verdadeiramente é mais ecológico. O desapego a esta sociedade de consumo e acumulação é a postura mais justa e verdadeira para nos salvar desta situação. Isso faz bem à saúde mental e à saúde do planeta. Ocorre que o sistema econômico de acumulação está profundamente doente e nos arrasta para o abismo climático e socioambiental, ou ecossistêmico. Temos tempo para refletir sobre isso, pelo menos para vivermos um pouco mais felizes.
IHU On-Line – Qual é o risco para o planeta se ocorrer um atraso do acordo climático mundial em Copenhague?
Paulo Brack - Se a questão for colocada da maneira com que é apresentada, realmente, as chances são grandes de não dar em nada, resultando em um pseudo-acordo, o que é mais provável. Talvez, as catástrofes que se avizinham, lamentavelmente, serão a oportuna mexida para acordos climáticos e sócio-ambientais mais verdadeiros.
IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo que considera importante?
Paulo Brack - Ocorreu uma situação inusitada que me foi relatada há umas poucas semanas. A população de Araranguá, SC – uma das cidades brasileiras que mais sofre de eventos climáticos - participou ativamente de um debate nacional sobre o tema das mudanças climáticas, neste mês de outubro, em um evento que ocorreu no próprio município. De acordo com ambientalistas que participaram do evento, o assunto foi encarado com enorme interesse por quase mil pessoas, inaugurando, talvez, uma das demandas locais que estão tocando de perto os brasileiros de todas as cidades. Se outras cidades brasileiras trouxerem o tema das mudanças climáticas e também fizerem a ligação com o problema profundo do abuso do modelo de vida, que cria tudo isso, talvez estejamos abrindo mais um espaço, genuíno, para a busca de um outro modo de vida, mais sustentável, justo e feliz, que não se confronte com a vida.