O silêncio é de ouro, admoesta o provérbio, mas então é melhor não se perguntar de que matéria é composto o alarido em que vivemos. Fazei uma experiência, chamai alguém do quarto ao lado: provavelmente não vos ouvirá, e não por sua culpa. A culpa é da grossa camada de rumor que recobre tudo o que fazemos, dizemos, pensamos. A reportagem é de Enrico Franceschini e publicada pelo jornal La Repubblica, 11-09-2007, comentando o "Manifesto" contra o ruído.
Eis a reportagem.
Os sons molestos arruínam a saúde. O Exército dos EUA adota projéteis sonoros. O livro publicado nestes dias: está em andamento uma guerra contra o indivíduo. O Financial Times relança o ato de acusação do estudioso inglês Stuart Sim. O grande mímico francês Marcel Marceau dizia: “Será que não é verdade que todos os momentos mais belos nos deixam sem palavras?” Na tradição religiosa de budistas, quackers e monges trapistas – o silêncio absoluto é a forma mais alta de consciência.
As sirenes de ambulâncias, polícia, bombeiros, o ruído de aviões, trens, automóveis, motocicletas, as furadeiras dos martelos pneumáticos, o ressoar dos compressores, o pistão de fábricas e canteiros de obras.
E depois, os rumores provocados pelos indivíduos: o televisor do vizinho, o estéreo dos filhos, o chiado irritante dos telefones, o choro desesperado de um recém-nascido em seu carrinho. A propósito: o exército americano pôs recentemente em funcionamento um arsenal de “projéteis sonoros”. São registros de crianças que choram, disparados a 140 decibéis. Um som de 45 decibéis, para se entender, impede o sono. O rumor do tráfego, ouvido por um transeunte a pé, chega aos 70 decibéis. Na quota de 85 decibéis, verifica-se um dano ao ouvido. Aos 120 decibéis, sente-se uma dor aguda nos ouvidos. Podemos imaginar-nos o que sucede aos 140!
A cacofonia dos sons que nos circunda, advertem estudos científicos em intervalos regulares, põe em perigo a nossa saúde: é causa de agressividade, hipertensão, estresse, distúrbios cardíacos. Mas, não parece ser esta a única conseqüência nefasta da “noise pollution”, da poluição sonora, como a chamam os experts internacionais: se o homem moderno não reencontrar o mais rapidamente possível um pouco de silenciosa quietude, correrá o risco de perder, junto com a audição, também o autoconhecimento. Em “Manifeste for silence” (Manifesto pelo silêncio), um livro publicado nestes dias na Grã Bretanha e antecipado pelo Financial Times, o professor Stuart Sim, docente de crítica teórica na Universidade de Stanford, de fato sustenta que o rumor é um elemento da guerra conduzida pelas forças do progresso econômico contra o indivíduo. Religião, filosofia, arte, literatura, música –segundo sua tese – demonstram que o silêncio não contradistingue a ausência de algo, porém representa um bem de importância crucial para nossa civilização: é o rio no qual navega o pensamento humano. Um rio que agora corre o risco de secar totalmente.
Canteiros de obras que trabalham 24 horas sobre 24, como em Shangai, em Moscou e em Nova York, sempre mais automóveis e aviões, sempre mais gente com sempre mais telefones ligados, criam um rumor de fundo – escreve o autor – que demule gradualmente a capacidade humana de raciocinar, expressar-se, existir. “Cogito, ergo sum”, não se pode pensar num estrépito pavoroso. E eis, então, este “manifesto pelo silêncio”, o convite a levantar-se em defesa da quietude, citando a tradição religiosa de budistas, quackers, monges trapistas, para os quais o silêncio representa a forma mais absoluta de consciência, mas, citando também a escritora americana Susan Sontag (“o silêncio é uma forma de discurso”) e o compositor John Cage (“não existe silêncio que não esteja carregado de sonoridade”). Naturalmente, não é preciso exagerar com o silêncio, porque pode ser equivocado: talvez não dizer nada signifique não ter nada a dizer. “Mas, será que não é verdade que todos os momentos mais belos nos deixam sem palavras?” perguntava alguém que de silêncio é bom entendedor, o grande mímico francês Marcel Marceau.
Procuremos, pois, ficar, pelo menos de vez em quando, com o celular desligado, longe do trâfego e com a boca fechada. Talvez consigamos sentir-nos a nós mesmos, como o austronauta de Odisséia no espaço, fechado numa cápsula perdida na noite cósmica, quase ensurdecido pela própria respiração: o único rumor perceptível no universo, o misterioso sopro da vida.
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