domingo, 6 de janeiro de 2008

O tempo

Às vezes acho que minha vida é movida a incríveis coincidências, mas talvez a gente só comece a notar as coisas de forma diferente quando está envolvida num assunto. De qualquer forma, durante meses meus interesses giraram em torno do tempo em Deleuze, tema espinhento... Nessa sanha me defrontei com textos, do próprio Deleuze e de comentadores seus, que falam de Borges. Ora, acabara de me cair às mãos as novas edições da obra de Borges e eu estava relendo os contos de Ficções. As grandes obras são sempre assim, por isso não consigo me desfazer de livros, sei que uma hora vou precisar relê-las: quando você lê Borges e tem 15 ou 16 anos é uma coisa, quando rele muito tempo depois é outra obra, outro autor. Bem, já estou me distanciando de novo do que queria comentar. Deleuze e seus comentadores citam dois textos específicos de Borges sobre o tempo, um deles está em Outras inquisições – livro de ensaios que não conhecia; li o tal texto, “Nova refutação do tempo”, achei fantástico e resolvi ler o livro. Os ensaios falam de literatura e filosofia, sendo que a grande maioria discute o tempo – e outra grande parte sonhos.
Há 10 dias atrás nos encontramos – não todos nós aqui do Blog, mas 3 de seus membros. Fomos ao cinema e depois num bar conversar um pouco. Não me lembro o motivo, mas lembro que acabamos falando... do tempo. Falamos da tese da coexistência, da contemporaneidade: essa é a tese que segue Deleuze, passado e futuro são resultados de sínteses, não são a natureza em si do tempo. Alguém falou de uma experiência incrível com médiuns que tinham fama de curar pacientes com vibrações ou orações: pegaram as fichas médicas de alguns pacientes e distribuíram – pelo que eu entendi aleatoriamente – para um grupo composto por esses médiuns e outro grupo controle. Na verdade essas fichas eram antigas (passadas), alguns pacientes já tinham se recuperado e outros tinham falecido. O interessante é que quando foram ver, as fichas que haviam sido distribuídas para os médiuns eram todas de pacientes que haviam se recuperado! Ora, pensamos, eles agiram sobre o passado! Como? Se pensarmos que só há o presente isso fica plausível.
Voltando a Borges, outro ensaio que fala do tempo é “A criação de P. H. Gosse” – Philip Henry Gosse foi um cientista natural inglês do século XIX. Ao que parece, Gosse tentava unir religião e ciência, mas de uma maneira bem inusitada: Borges fala que Gosse propôs – vejam bem, em pleno século cientificista – que os registro fósseis foram ali colocados por Deus. O que isso implica? Não há passado. Isso faz sentido, não? Ora, se o universo é eterno, existe apenas o hoje. Borges termina o ensaio lembrando uma incrível tese de Locke: “o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que ‘recorda’ um passado ilusório”.

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Comentário de JHolland:

ZB,

Aqui vai o texto que te falei, de Contardo Calligaris e que vc. mencionou na postagem acima...


São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006

CONTARDO CALLIGARIS

O poder da reza

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Mistério: estudo mostra que uma reza retroativa ajudou pacientes anos depois da internação
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UM AMIGO médico, Décio Mion, me fez conhecer um estranho debate que ocupou, de 2001 a 2003, as páginas do seríssimo "British Medical Journal".

Premissa: várias pesquisas, há tempos, mostram os efeitos positivos da reza numa variedade de condições patológicas. Documenta-se que o doente encontra benefícios (quanto ao andamento de sua enfermidade) no ato de rezar ou na consciência de que seus próximos rezam por ele. Até aqui, tudo bem: o paciente acharia assim uma paz de espírito que melhora sua evolução.

A coisa se complica: às vezes, as pesquisas mostram que a prece traz benefícios mesmo quando alguém reza por um doente sem que ele próprio saiba disso. Como explicar esses casos?

Talvez o benefício seja fruto de uma intervenção caridosa da divindade solicitada, mas essa explicação depende de um ato de fé que não cabe na interpretação de uma pesquisa científica. Além disso, é curioso que os benefícios apareçam seja qual for o deus ou o intercessor que receba a oração.

Resta, pois, imaginar que a intenção humana (o esforço cerebral de quem deseja que algo aconteça e reza por isso) tenha alguma realidade material (energia, partículas etc.) capaz de influir no andamento de um processo patológico. Estranho?

Nem tanto: afinal, até poucas décadas atrás, ignorávamos a existência de uma série de partículas que, segundo a física de hoje, povoam nosso universo. Por que as nossas intenções não movimentariam uma energia desconhecida, mas capaz de alterar o mundo físico? Nos EUA, nos anos 60-70, foram organizadas reuniões diante da Casa Branca com a idéia de que, se todos se concentrassem, a energia do dissenso faria levitar a residência do presidente norte-americano. Embora cético, participei, convencido por um amigo que dizia: "Tentar não dói". Claro, não funcionou.

Ora, no fim de 2001, o "British Medical Journal", depois de um editorial lembrando que a razão não explica tudo, publicou uma pesquisa, de L. Leibovici (BMJ, 2001, 323), que registra os efeitos benéficos (em pacientes com septicemia) de uma reza afastada não só no espaço, mas também no tempo. Explico.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes internados com septicemia, de 1990 a 1996, num hospital israelense; eram 3393. Em 2000 (de quatro a dez anos mais tarde), por um processo rigorosamente aleatório, os arquivos desses pacientes foram divididos em dois grupos: um grupo pelo qual haveria reza e um grupo de controle. Para cada nome do primeiro grupo, foi dita uma breve reza que pedia a recuperação do paciente e do grupo inteiro.

Resultado: no grupo que recebeu uma reza em 2000, a mortalidade foi (ou melhor, fora, de 90 a 96) inferior, embora de maneira pouco significativa; no mesmo grupo, a duração da febre e da hospitalização fora (ou melhor, havia sido, de 90 a 96) significativamente menor.

A publicação da pesquisa provocou uma enxurrada de cartas (BMJ, 2002, 324), algumas contestando as estatísticas, outras manifestando uma certa incompreensão do problema, que é o seguinte: como entender que uma reza possa agir não só sem que o paciente tenha consciência da intercessão pedida (com possível efeito psicológico positivo), mas à distância no tempo? Como entender, em suma, que uma reza dita em 2000 tenha um efeito retroativo em alguém que estava doente entre 90 e 96, quando a pesquisa e a reza nem sequer estavam sendo cogitadas?

Uma tentativa de resposta veio em 2003. O "BMJ" (2003, 327) publicou um interessante e enigmático artigo de Olshansky e Dossey, "History and Mystery" (história e mistério), em que os dois médicos dão prova de conhecimentos de física quântica muito acima de minha cabeça. O argumento de fundo é o seguinte: há modelos do espaço-tempo nos quais é possível que haja relações físicas entre o passado e o presente (ou seja, modelos em que o presente pode alterar o passado).

Que o leitor não me peça para explicar como isso aconteceria. As dimensões do "espaço de Calabi-Yan" e os "campos bosônicos", para mim, são tão obscuros quanto os ectoplasmas, os espíritos e os milagres.

Moral da história: embaixo do sol (ou da chuva), deve haver muito mais do que imaginamos, até porque nossa ciência está longe de ser acabada. Alguns colegas positivistas talvez durmam mal com esse barulho.

Eu não acredito nas paranormalidades, mas, em geral, durmo melhor ninado pelo mistério do que pelas certezas.