LANE MEDICAL LIBRARY, STANFORD UNIVERSITY
A partir do século XX, a história da mentalidade passa necessariamente a ser contada também por meio da publicidade. Para o bem e para o mal, as mais competentes peças de persuasão manejam realidades e ajudam a transformá-las, ao interpretar desejos coletivos latentes e devolvê-los ao público na forma de uma imagem e de uma mensagem a que uma maioria adere. Nada diferente, portanto, de qualquer outra modalidade de comunicação de massa, capaz de criar virtudes ou vícios, atrocidades históricas ou progresso social.
O Brasil foi um laboratório fértil para esse tipo de experiência. Eis um povo, o brasileiro, que almejou mudanças de status no século XX, encantado com as próprias potencialidades e também com propaganda de modernidade que vinha de fora, a apresentar uma classe média em processo de afirmação, com homens bem-sucedidos e uma nova mulher – a cada década mais independente e realizada.
Não demorou para a fantasia atingir o jovem, em especial no pós-maio de 68 na França, quando o mundo foi tomado por valores até então subversivos, que precisaram ser rapidamente incorporados ao sistema pelos meios de comunicação. O culto à liberdade foi então apresentado em várias versões, todas palatáveis, até culminar com o uso de imagens de esportes radicais nos anos 90.
O livro Campanhas inesquecíveis: propaganda que fez história no Brasil, organizado pela editora Meio & Mensagem, traz uma seleção de 84 campanhas inesquecíveis, veiculadas entre os anos de 1960 e 1995 – período em que a mídia passou por forte desenvolvimento. É interessante notar que, desse total de peças, quatro são de marcas de cigarros, hoje proibidas, e sete de bebidas alcoólicas, atualmente ainda autorizadas, mas repetidas vezes criticadas.
Foram escolhidas as campanhas que elevaram os produtos anunciados à condição de ícones do consumo de sua época, que estabeleceram relações emocionais com o público e permaneceram na sua memória afetiva. Seus ingredientes – criatividade, ousadia, ineditismo e pesados investimentos em mídia – revelam o quanto houve de esforço técnico e persuasivo para dar visibilidade à mensagem e provocar no público-alvo um sentimento de identificação e adesão.
Atribui-se algumas vezes à publicidade um papel pedagógico e até civilizador. Certas ações de comunicação do século passado vão nessa direção, em especial na área de limpeza e higiene e de eletrodomésticos. A indústria precisava não apenas apresentar seu produto, mas ensinar a usá-lo e mostrar seus benefícios nas questões de saúde e bem-estar.
Há que questionar, porém, as pedagogias persuasivas que foram utilizadas em outras categorias de bens. De fato, os investimentos maciços em publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas e carros velozes hoje afrontam uma melhor consciência da sociedade e o necessário compromisso de empresas e governos com o consumidor.
EXERCÍCIO SOCIOLÓGICO
Constatar isso não elimina a necessidade de dialogar com peças publicitárias flagrantemente nocivas, como um exercício sociológico. Isso porque esse diálogo evidencia a mentalidade dominante em diferentes épocas e os estágios da tecnologia, os padrões estéticos, os comportamentos e os hábitos de consumo em um lugar e um tempo que já vão longe.
Um dos primeiros registros da indústria tabagista no Brasil sur giu na revista Fon-Fon (RJ, 25/7/1914). Traz a ilustração de um homem fumando junto ao nome da marca e de um pequeno texto: “É costume que as moças e as senhoras não digam mais aos seus noivos e maridos para não fumar (...) esta marca evita o mau hálito, possui perfume agradável, capaz de deliciar as mulheres, é higiênica e chique”.
Nas décadas seguintes, a publicidade de cigarros no Brasil e no mundo dirigiu seus esforços ao estímulo para que as mulheres fumassem. O produto ajudaria a “acalmar os nervos, dar energia e perder peso”, com o testemunho de atores famosos de Hollywood e, por incrível que pareça, de médicos. Eram ainda utilizadas imagens de bebês robustos e atletas para ilustrar as mensagens, de forma a atingir a imaginário feminino.
Se médicos não se importaram em emprestar seu nome à publicidade, menos ainda as corporações. Em meio à Segunda Guerra Mundial, o Mappin Stores, tradicional magazine instalado em de São Paulo, associou a sua marca a pedido de doações de “quase cinco milhões de cigarros para os soldados inglezes (sic)”.
A publicidade continuou sugerindo à mulher fumar. Nos anos 50, anúncio no Anuário das Senhoras relacionava à “classe”. Na mesma época, a revista Manchete estampou um anúncio que atribuía ao cigarro certa “tradição de bom gosto”. A imagem de uma bela modelo internacional fumando, ao lado da embalagem do produto, completava a cena.
Cigarros e tabacos lideram o ranking de investimentos em publicidade no Brasil nos anos 70 e 80. E seguem com foco no público feminino, com o uso de cenas semelhantes: rosto de mulher com cigarro na mão, acompanhado do slogan “o importante é ter charme”.
Mais que o hábito de fumar, a publicidade das marcas de cigarro procurou vender um estilo de vida, ignorando completamente os problemas que o tabaco poderia provocar à saúde. Os anúncios criaram situações de identificação e projeção, inicialmente para promover o “prazer de fumar” associando o hábito a valores subjetivos, explicitados no uso de palavras como “chique”, “luxo”, “charme” e “classe”. Também eram atribuídos ao fumo poderes de “acalmar”, “dar energia” e “emagrecer”.
Na etapa seguinte, mais próxima do quarto final do século, a saudável juventude brasileira passou a ser o foco das campanhas. Tornaram-se comuns as promessas de vantagem, satisfação e principalmente liberdade em tudo e para todos. Bastava que os jovens comprassem a ideia – e o produto!
Durante a década de 90, o debate sobre os malefícios do fumo se acirrou no mundo, e a indústria tabagista substituiu no Brasil seus personagens por arte abstrata. Em janeiro de 2001 foram proibidos anúncios de cigarros nos veículos de comunicação de massa.
Como estratégias de comunicação, todas essas foram campanhas memoráveis e permanecem nos anais da história social – ainda que, hoje, tais mensagens soem inconcebíveis.
São escassos os registros da atividade publicitária no Brasil no período que antecede a chegada da corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, em 1808. Restritos a cartazes rudimentares escritos à mão e aos pregões dos comerciantes nas ruas, os anúncios nada mais eram que uma apropriação criativa da tradição oral, como o exemplo que segue: “Atenção, muita atenção, aviso/ Sorvetinho, sorvetão/ Sorvetinho de limão/ Quem não tem duzentos réis/ Não toma sorvete não”.
A instalação da família real impulsionou o desenvolvimento do país e incrementou a formação de um mercado de bens, de serviços e de comunicação. E, com as prensas tipográficas trazidas na bagagem portuguesa, deu-se a instalação da Imprensa Régia, que editava e fazia circular informações no primeiro jornal do Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro.
Além das notícias, o jornal passou a veicular “annuncios” para propagar e tornar público que havia “huma morada de cazas de sobrado” para vender ou gratificar quem pegasse e entregasse “escravo fugido”. Os reclames usavam linguagem simples e adjetivada para chamar a atenção para a venda ou a compra de escravos, animais, imóveis, remédios e outras mercadorias.
A receita publicitária contribuiu para financiar as empresas produtoras de notícias, fruto das inovações tecnológicas da metade do século XIX, ocasião em que o jornalismo deixou a fase romântica, marcada por debates político-literários aquecidos, emocionais e relativamente anárquicos.
Acelerou-se a venda de espaços, tarefa para os “corretores de anúncios”, assegurando assim a sustentação econômica dos jornais e gerando o embrião do que mais adiante seriam as agências de publicidade. Entre 1891 e 1915 funcionou em São Paulo a Empresa de Publicidade e Comércio, a primeira oficialmente constituída para agenciar anúncios.
As novas tecnologias da comunicação, entre elas a fotografia e a cor para a impressão de revistas, aproximaram o país, no início do século XX, do que já vinha ocorrendo na Europa e Estados Unidos. As inovações exigiram profissionais com mais preparo técnico para a criação e a produção dos impressos publicitários. Teve início a chamada fase artística: os anúncios com textos mais elaborados, escritos por intelectuais, acompanhados por ilustrações coloridas, obra de desenhistas e pintores.
A nova estética facilitou a identificação dos produtos anunciados, uma vez que a maioria das pessoas não sabia ler. Na segunda década do século, foi fundada A Eclética, pioneira entre as agências de publicidade, que conquistou contas das multinacionais recém- instaladas no Brasil.
A publicidade brasileira, hoje tão bem conceituada no mundo, profissionalizou-se, definitivamente, na segunda metade do século XX, acompanhando o ritmo das comunicações de massa, que passaram a contar com as tecnologias do cinema, do rádio, da televisão, do computador e das redes de telefonia e de telecomunicações.
(M. B. C. M.)
***
A matéria abaxo, por sua vez, foi publicada originalmente no Blog HypeScience:
Cocaína, morfina e até heroína eram vistos como remédios miraculosos quando foram descobertos. As substâncias que hoje são proibidas estavam legalmente disponíveis no passado.
Os fabricantes de medicamentos, muitos dos quais existem até hoje, proclamavam, até o final do século 19, que seus produtos continham estas drogas.
Veja dez impressionantes propagandas do gênero.
Heroína da Bayer
Um frasco de heroína da Bayer. Entre 1890 a 1910 a heroína era divulgada como um substituto não viciante da morfina e remédio contra tosse para crianças.
O vinho de cocaína da Metcalf era apenas um de uma grande quantidade de vinhos que continham cocaína e estavam à venda sem nehum controle. Todos afirmavam que tinham efeitos medicinais, mas eram consumidos também pela sua outra qualidade.
O Vinho Mariani (1865) era o principal vinho de cocaína do seu tempo. O Papa Leão 13 carregava um frasco de Vinho Mariani consigo e premiou seu criador, Angelo Mariani, com uma medalha de ouro.
Esse vinho de cocaína foi feito pela Maltine Manufacturing Company de Nova York. A dosagem indicada diz: “Uma taça cheia junto com, ou imediatamente após, as refeições. Para crianças, doses menores.
Acima, um peso de papel promocional da C.F. Boehringer & Soehne (Mannheim, Alemanha), “os maiores fabricantes do mundo de quinino e cocaína”. Este fabricante tinha orgulho em sua posição de líder no mercado de cocaína.
Propaganda de heroína da Martin H. Smith Company, de Nova York. A heroína era amplamente usada não
apenas como analgésico, mas também como remédio contra asma, tosse e pneumonia. Misturar heroína com glicerina (e comumente açúcar e temperos) tornava o opiáceo amargo mais palatável para a ingestão oral.
Esse National Vaporizer Vapor-OL era indicado “Para asma e outras afecções espasmódicas”. O líquido volátil era colocado em uma panela e aquecido por um lampião de querosene.
Tablete de cocaína
Estes tabletes de cocaína eram “indispensáveis para cantores, professores e oradores”. Eles também amenizavam dor de garganta e davam um efeito “animador” para que estes profissionais atingissem o máximo de sua performance.
Drops de Cocaína para Dor de Dente
Dropes de cocaína para dor de dente (1885) eram populares para crianças. Não apenas acabava com a dor, mas também melhorava o “humor” dos usuários.
Ópio para bebês recém-nascidos
Você acha que a nossa vida moderna é confortável? Antigamente para aquietar bebês recém-nascidos não era necessário um grande esforço dos pais, mas sim, ópio.
O frasco acima de paregórico (sedativo) da Stickney and Poor era uma mistura de ópio de álcool que era distribuída do mesmo modo que os temperos pelos quais a empresa era conhecida.
Doses: para crianças com cinco dias, 3 gotas. Duas semanas, 8 gotas. Cinco anos, 25 gotas. Adultos, uma colher cheia. O produto era muito potente, e continha 46% de álcool.