terça-feira, 30 de outubro de 2007

M.A.U.S.S.


O Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais - M.A.U.S.S. já conta com um excelente site em português (http://www.jornaldomauss.org/index.php?central=conteudo&id=85&perfil=1O). Abaixo, o texto de apresentação, que contém diversos artigos e teses.



O Jornal do Mauss on-line, versão ibero-latinoamericana, resulta da expansão da Associação MAUSS (Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais), fundada na França em 1981, com o objetivo de se constituir numa frente antiutilitarista contra o pensamento hegêmonico que coloca o interesse mercantil e instrumental como razão e fim da prática humana. Esta frente antiutilitarista apoia-se tradicionalmente em importantes escolas de pensamento como a de Marcel Mauss, de Karl Polanyi, de Georg Simmel e de outros intelectuais renomados, valorizando a crítica teórica a partir de categorias conceituais como aquelas do dom, da democracia associacionista e participativa, da economia plural, do reconhecimento e da solidariedade mútua.Até o momento, essas idéias antiutilitaristas vinham sendo divulgadas preferencialmente pela Revue du MAUSS, editada semestralmente na França (http://www.revuedumauss.com/). A divulgação on-line dessas teses reflete a urgência de se abrir novos espaços de divulgação de teorias e de autores, assegurando ao mesmo tempo uma maior participação numérica e uma difusão geográfica e cultural mais extensa. Neste ano de 2007 surgiram iniciativas concretas voltadas para a promoção do debate virtual, como são exemplos a versão francesa on-line do jornal (http://www.journaldumauss.net/) e esta versão para a comunidade lingüística luso-espanhola (http://www.jornaldomauss.org/). Estão em fase de elaboração experiências desse tipo na Itália e em outros países.A divulgação dessas idéias antiutilitaristas no plano virtual objetiva reforçar as atividades voltadas para a organização do novo movimento teórico mediante a divulgação e articulação de idéias, eventos e pesquisadores, estimulando a organização de novas redes de solidariedade e de intercâmbio intelectual e institucional. No momento, esta versão ibero-latinoamericana do Jornal do MAUSS deve facilitar não apenas a identificação de autores, pesquisas, artigos, teses, eventos e redes, como proporcionar a difusão da crítica antiutilitarista e anti-reducionista já existente na região e em outros países. Embora as críticas contra o neoliberalismo sejam bastante amplas na nossa comunidade ibero-latinoamericana, é de se reconhecer que ainda não geraram um pensamento alternativo poderoso. Mais uma razão do valor desta iniciativa que busca ampliar no plano virtual as diversas iniciativas já existentes no plano presencial. Este é o propósito do Jornal do MAUSS on-line que já envolve diferentes centros intelectuais dentro e fora da nossa comunidade lingüística.


Colaborações e sugestões podem ser enviadas para o endereço redação@jornaldomauss.org.


Em nome do Conselho Editorial,Paulo Henrique Martins


Professor Titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de PernambucoVice-presidente da Associação MAUSS


Diretor da Associación LatinoAmericana de Sociologia (ALAS)

Cavalcanti e Trigueirinho



Pesquisando a vida e a obra de Alberto Cavalcanti - artista de vanguarda, admirado, dentre outros, por Glauber Rocha e diretor de Death of Night - deparei-me com a associação deste com Trigueirinho Neto, cuja trajetória, de promissor cineasta a líder espiritual, encontra-se resumida abaixo.
(As fontes se encontram ao final dos textos.)


I- Primeira fase: O cineasta Trigueirinho

artigo de José Inacio de Melo Souza -
extraído de http://www.mnemocine.com.br/pesquisa/pesquisatextos/banespa.htm, com partes suprimidas)

Trigueirinho Neto (José Hipólito de Trigueirinho Neto, São Paulo, 1929) começou a sua carreira na Cia. Vera Cruz como assistente do produtor geral Alberto Cavalcanti. Nessa condição, B.J. Duarte o destacou como um dos freqüentadores da casa de Cavalcanti em São Bernardo do Campo, onde aos domingos o grupo composto dele, Caio Scheiby, Múcio Porfírio Ferreira, José Cañizares e o próprio B.J. promoviam animadas discussões sobre os rumos do cinema brasileiro.
Seu aprendizado teórico foi no Centro de Estudos Cinematográficos do Museu de Arte de São Paulo. Trabalhou com Adolfo Celi em Caiçara. Para o crítico de Anhembi, Trigueirinho Neto colaborou na roteirização de documentários, tendo escrito um de propaganda para o Jockey Clube de São Paulo, provavelmente nunca realizado.
Em 1953, foi um dos ganhadores da bolsa de estudos oferecida pelo Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro para o Centro Sperimentale de Cinematografia, em Roma, juntamente com César Mêmolo Júnior (na comissão de seleção, além dos "padrinhos" Cavalcanti e B.J. Duarte, estavam Vinicius de Moraes e Edoardo Bizarri, diretor do Instituto).
A permanência na Itália foi longa, de 1953 a 1958, dos quais apenas três eram necessários para a obtenção do diploma de diretor de cinema. Em 1956, ainda por intermédio de Alberto Cavalcanti, participou como argumentista, da parte brasileira da produção internacional coordenada por Joris Ivens, Die Windrose (A rosa dos ventos; o episódio brasileiro "Ana" foi dirigido por Alex Viany). Escreveu ainda um argumento para Mario Soldatti, Roma de notte, outro para Giorgio Bassani, Estate romana, e roteirizou Epoca bella, de Luigi Magni (nenhum desses projetos foi concretizado).
O roteiro de Bahia de Todos os Santos foi pensado e escrito neste momento, tendo concorrido ao Prêmio Fábio Prado, enquanto o diretor realizava na Itália o documentário Nasce um mercatto.
Os trabalhos italianos e a vitória no Prêmio Fábio Prado de 1958 de melhor roteiro, dividido com Walter Hugo Khouri (A Ilha), animaram Trigueirinho Neto a retornar ao país para a realização do filme.
No segundo semestre estava trabalhando para Desidério Gross na Rex Filme.
Bahia seria filmado com Jurandir Pimentel (anunciado como assistente de Nasce um mercatto) e Lola Brah.
O filme estava centrado na vida de um grupo de marginais da cidade de Salvador num passado recente (a maioria dos críticos tendeu a identificar o período com o Estado Novo, no início da década de 40). A figura central é Tonio (Jurandir Pimentel), um mulato em constante atrito com a família praticante do candomblé (sua avó é mãe de santo; numa das primeiras cenas o terreiro é invadido pela polícia) e a amante inglesa, Miss Collins (Lola Brah). Tonio e seus companheiros vivem de pequenos furtos e contrabando. Mas também está ligado aos portuários e, durante uma greve sufocada pela polícia, é o dinheiro subtraído da amante que mandará para fora de Salvador um sindicalista perseguido. O dilema do grupo está no devir, o que cada um fará de sua vida. Segundo a leitura de João Carlos Rodrigues, a cor da pele de cada um define os destinos: o branco (Geraldo del Rey) tentará a vida no Rio de Janeiro como desenhista; um negro será morto na repressão policial à greve; um cabra se casará com uma moça grávida de outro e o mulato Tonio ficará paralisado, sem forças para abandonar a amante ou sair de Salvador.
No elenco, poucos artistas profissionais: Lola Brah, Araçari de Oliveira e Sadi Cabral (logo depois acrescido de Eduardo Waddington, Antonio Vitor e Geraldo del Rey). A explicação foi dada pelo próprio diretor: a "atração de 'Bahia de Todos os Santos' não está na popularidade do elenco: o poder que a fita exercerá sobre o público estará nos elementos nativos da Bahia, nos verdadeiros tipos colhidos nas ruas, na própria cidade de Salvador e arredores. Esses tipos trarão ao cinema nacional uma nova contribuição. Meninos, negros, soldados, as gentes do porto, todos comporão o afresco descrito no 'roteiro técnico' anexo, que tem seu principal ponto de apoio no elemento 'autenticidade'. Seria um enorme prejuízo para a fita, a inserção de atores habituados com certo tipo de representação, distante do realismo, entre os típicos personagens daquele estado do norte."
Embora já tivéssemos tido as experiências de Rio 40 graus (1955), Rio zona norte (1957) e O grande momento estivesse em finalização, em nenhum momento Trigueirinho Neto vai se alinhar ao neo-realismo, pelo contrário, ou a qualquer um dos diretores dessa escola ("o filme neo-realista reconstitui acontecimentos sociais ou vivências individuais, com um caráter de cotidiano mesmo, como que sob o impulso natural da vida. 'Bahia' foi inteiramente planificado a priori como filme de ficção. Não há um plano que não tenha sido previsto", declarou a Ely Azeredo).
A comissão do Prêmio Fábio Prado, para Hélio Furtado, tinha visto menos que o necessário. O roteiro anunciava três aspectos: era um "documento social de inestimável valor sociológico, pois capta o homem baiano em suas raízes ontológicas, indicando o problema da miscigenação"; inseria-se na questão do homem e do humanismo, não na sua vertente marxista, mas católica; trabalhava uma corrente do cinema moderno, o documentário social. Desenvolvendo suas idéias sobre o roteiro, ele declarou que a proposta se passava no período ditatorial com preocupações pelo universo dos personagens: o candomblé, o sindicalismo, a greve e a questão racial.
Em termos de religião, o diretor não se declarava católico (tinha interesse pelo budismo), nem era partidário dos cultos afro-brasileiros; na concepção estética da película, buscou um mergulho no barroco baiano. O próprio diretor "barroquizou-se", segundo Hélio, aliás, seguindo as mesmas preocupações de Roberto Rossellini e Federico Fellini pelo barroco, assim entendidas por Geneviève Agel.A aproximação com os diretores italianos demarcavam-no, como autor, dentro do mundo "rosselliniano".
Ao lado de Walter Hugo Khouri, Trigueirinho Neto compunha a "dupla de jovens mais talentosos do cinema nacional [...]. Mas ambos refletem tendências opostas: I) Walter Hugo Khouri, fortemente influenciado por Rubem Biáfora, segue uma linha formalista; profundo conhecedor do sueco Ingmar Bergman, um dos maiores cineastas da atualidade; II) Trigueirinho Neto tende a um realismo social; à captação do homem: vincula-se naturalmente, ao neo-realismo, principalmente ao 'rosselliniano' [...] principalmente por suas obras 'Francisco, arauto de Deus' e 'Romance na Itália' [...]".
Por essa via, o roteiro centrava-se no homem, "não o homem 'abiliano' [Abílio Pereira de Almeida de Moral e concordata] (pobre, deformado e sem adequação realística e brasílica) mas o homem em 'ses coordenades spatiales et temporalles...'", vinculada ao personagem Tonio.
Fazendo o diretor falar por meio de um diálogo imaginário, atitude dentro de um parecer técnico estranhíssima, Hélio Furtado do Amaral conclui que é "o sexo que vai servir de orientação para captação temática: revela a presença terrena dos personagens (como 'Zampanó' em 'Na estrada da vida' em oposição a Gelsomina; 'Tonio' menos preso à terra e mais espiritual [...] 'Tonio' é um ser plenamente humano; seus amigos também são concretos, vinculados a uma humanidade existencializada (o diretor não pretende dessencializar a realidade humana... tende a um existencialismo)".
A procura do homem "rosselliniano", de fundas raízes católicas, se resolveria no filme por meio de uma dramaturgia em que Tonio, sustentado pela amante inglesa, libertava-se da sujeição para encontrar a plenitude do ser em sua conversão. O conceito de conversão, tirado de Ignace Lepp em Itinerário de Marx a Cristo, definia não uma "ruptura com o passado, mas a realização plena desse passado, sua integração a uma síntese existencial nova e superior à precedente. A ruptura de 'Tonio' com 'Miss Collins' não se integra a uma tergiversação da questão: é mais um ato preparatório à conversão. E o que houve com 'Tonio' foi a plena realização de seu ser, embora tenha utilizado, como instrumento, a libertação." A purificação é o resultado final do processo de busca do homem como elemento temático.
A modernidade de Trigueirinho Neto, portanto, era maior que a de Khouri, reduzido à adaptação dos processo formais do protestante sueco Bergman. A forma com que expressava esta modernidade se encontrava também em outros aspectos como a improvisação, "pode favorecer a criação artística", com o uso de atores não-profissionais: "Tal concepção (fundada na escola neo-realista italiana) é fortemente criticada por teóricos, principalmente por aqueles que se prendem à escola expressionista alemã [...]. A escolha de atores não-profissionais é sábia, porque: a) há um sentido documentário no filme; b) há a necessidade de extrair o ator do contexto social; c) há conveniência de um afastamento do artificial."
O "realismo sincero" da proposta poderia chocar os católicos, entretanto estava distante da pornografia (o realismo "abiliano"). Ela era superior a Rio 40 graus - filme lamentado por certos "católicos" - pela sua visão de mundo, e pelo sentido antropológico da pesquisa (simpatia pelo mulato).
Postas estas observações vinha a discussão da moralidade ou imoralidade do filme, fato que interessava diretamente ao Banco. O realismo, como já tinha sido ressaltado, não conduzia à pornografia. No roteiro apareciam cenas de homossexualismo, "relações ilícitas", diálogos chulos (expressões como "Que merda!"), cenas realistas (Miss Collins em camisola), todas atenuadas, ou porque não desenvolvidas, ou porque integradas à realidade da narrativa (funcionais à trama). É claro que a película era inconveniente aos menores de 18 anos; para os adultos poderia trazer uma contribuição cultural; para os cultos, uma visão exata da Bahia e para os incultos, discutiria a problemática do mulato, da miscigenação.

(...)
A urgência na obtenção do financiamento suplementar encontrava-se no convite para exibição de Bahia na XXI Mostra Internacional de Veneza, que começaria em agosto. A Divisão Cultural do Itamarati considerou ótima a película, tendo o diretor acelerado o processo de sonorização. Perdida a oportunidade em Veneza, Trigueirinho Neto tinha esperanças de enviar o filme para os festivais de São Francisco, Berlim e Karlovy-Vary (A Divisão Cultural, numa reviravolta, vetou a participação do filme no exterior).
(...)
Por ele, vemos como Trigueirinho Neto surgiu no cenário cinematográfico como uma revelação promissora para críticos cinematográficos, professores, produtores, que apostaram na sua carreira. Por uma década se criou esperanças num cineasta dentro de um grupo, que grosso modo podemos identificar com a "herança de Cavalcanti" (até onde vão as afinidades entre O Canto do mar e Bahia é uma questão em aberto).
Os estudos no Centro Sperimentale deram-lhe um cabedal cultural (não era um "aventureiro"), afinado com as mais modernas tendências cinematográficas (o mundo "rosselliniano"), sem que precisasse para isso desfraldar bandeiras de lutas (o nacional-popular em política ou o neo-realismo em cinema ou as duas juntas).
Segundo suas palavras, "esses homens [Cavalcanti e Rossellini] contribuíram para que eu me dedicasse de corpo e alma ao cinema. Mas, se sua linguagem fosse reconhecida em minha fita, isso significaria falta de perfeita assimilação de minha parte. Cultura é exatamente aprender o máximo, manifestando-se em seguida através de recursos próprios. Seria absurdo imitar Rossellini e Cavalcanti, já que, no que se propuseram exprimir, eles foram completos."
Esperava-se uma modernização conceitual de um cinema ainda ancorado no modelo hollywoodiano, expresso claramente pela oposição de Flávio Tambellini, sem que fosse necessário apego às fórmulas políticas (desencadeando uma "rebelião independente", denunciada por Glauber Rocha).
Durante a produção do filme, abriu-se uma nova perspectiva para alguns críticos, futuros cineastas, em Salvador, para quem Bahia seria uma fonte de inspiração e de esforço de correção de percurso (Barravento, de Glauber Rocha, caminha neste sentido).
Na avaliação que fez do papel do diretor na Revisão crítica do cinema brasileiro, Glauber considerou-o um autor, seguindo a opinião de Paulo Emilio no Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo, e mais do que isso, um sinal de ruptura com o cinema "tradicional".
Tratava-se agora de se expressar por meio de uma "mise-en-scène", dentro de uma política cinematográfica que Trigueirinho Neto tinha mostrado como factível.
Por fim, aparece um depois, com a decepção advinda de uma profissionalização abortada. Trigueirinho Neto promete a filmagem do romance de Mário de Andrade, Amar verbo intransitivo, mas parou num único longa.
Com o abandono da carreira, várias interrogações ficaram sem resposta. Qual teria sido o seu papel dentro do Cinema Novo? Qual o papel que o homossexualismo (o suicídio de Jurandir Pimentel pode ser parte de um contexto maior) jogou na construção de um personagem como Tonio, por exemplo? Esse sentimento de uma sexualidade dilacerada pode ser ampliada para um sentimento de fissura na identidade nacional do cineasta, dividido entre dois países, o Brasil e a Itália (novamente podemos pensar qual o peso que o modelo de carreira internacional de Alberto Cavalcanti teve na decisão de permanecer no exterior).
Haviam ainda dúvidas de fundo religioso que o levaram a um misticismo cada vez mais atuante até o internamento numa comunidade da qual é o líder.


II - Segunda Fase: Trigueirinho, líder espiritual

artigo extraído do site oficial de Trigueirinho
(http://www.trigueirinho.org.br/autor.html)

A história de Trigueirinho inclui a experiência que é chamada de "transmutação" ou troca de alma, experiência acenada também nas obras de H. P. Blavatsky, Rudolf Steiner e Alice A. Bailey. Por meio da transmutação, o Ser Interno de uma pessoa pode deixar seu corpo para que outro Ser Interno venha assumi-lo. Mas a história de Trigueirinho difere das da maioria das trocas de alma conhecidas, uma vez que ele, depois de já ser um instrutor espiritual, contatou um membro encarnado da Hierarquia que o convidou a servir do modo como agora faz. Acompanhou Trigueirinho até o Vale de ERKS, na Argentina, onde permaneceram enquanto ocorriam as mudanças necessárias. Nível após nível a natureza de Trigueirinho foi purificada e realinhada energeticamente para que a nova consciência que estava transmutando em seus corpos pudesse levar adiante não só trabalhos públicos, através de palestras e encontros, mas também a manifestação de novos livros, bem diferentes dos que Trigueirinho havia escrito até então.

Desde 1987, ano da fundação do centro espiritual no qual trabalha em regime de tempo integral, Trigueirinho caminha sobre uma linha tênue entre as realidades internas e as externas, e sua mente registra interações com o invisível, com seres que vivem na harmonia dos planos internos, e ele procura transmitir essa vivência em palestras que hoje se concentram em Figueira, centro espiritual no interior do estado de Minas Gerais, Brasil.

Alberto Cavalcanti

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/personalidades/alberto-cavalcanti/alberto-cavalcanti.asp


Alberto Cavalcanti nasceu numa família de militares positivistas do Nordeste, então instalados na capital da República.
- Neste meio tradicional, a personalidade extrovertida de Cavalcanti, vo1tada desde cedo para as artes, chega às raias da incompatibilidade devido à sua homossexualidade.
- Arquiteto formado em Genebra, estuda belas-artes em Paris e não se adapta mais à vida no Rio de Janeiro. - Sua primeira experiência no cinema ocorre em Paris, a partir de 1922, como assistente e cenógrafo de Marcel L'Herbier.
- Cavalcanti se integra perfeitamente ao ambiente intelectual, dominado então pelo surrealismo.
- O jovem brasileiro participa da efervescência conhecida como a primeira vanguarda francesa, uma corrente impressionista empenhada em afirmar a especificidade do cinema em relação ao teatro e ao folhetim.
- Rien Que Les Heures (1926) demonstra o talento de Cavalcanti e sua sensibilidade, ao transformar a cidade na verdadeira personagem de um filme em parte documental, em parte ficcional. Filmado pouco depois de Le Train Sansyeux, sua estréia como diretor numa linha mais convencional, Rien Que Les Heures anuncia as sinfonias urbanas de Walter Ruttmann e Dziga Vertov, Adalberto Kemeny e Rodolfo Rex Lustig. Um drama portuário pessimista.
- En Rade, inicia sua colaboração com a atriz Catherine Hessling e certa rivalidade com Jean Renoir, intérprete do proxeneta no curta-metragem La P'tite Lili (1927).
- No contexto artesanal e instável do cinema francês, Cavalcanti alterna experiências poéticas como En Rade ou Le Petit Chaperon Rouge, com adaptações mais prosaicas como Yvette (baseada em Maupassant) ou Le capitaine fracasse (baseada em Théophile Gautier).
- O aparecimento do cinema sonoro encerra essa primeira fase de afirmação criativa e profissional.
- A segunda fase da sua carreira, também na França, assinala a integração numa verdadeira indústria, a produção em série organizada pela Paramount nos estúdios de Joinville.
- Nos primeiros anos do cinema falado, as companhias norte-americanas procuram consolidar seus mercados com uma produção barata filmada em várias línguas: profissionais de diversas origens conhecem por dentro o sistema dos estúdios, o modelo hegemônico de Hollywood.
- Cavalcanti dirige em Joinville versões francesas e um filme em português (A Canção Do Berço), antes de assumir outros projetos comerciais de produtores locais.
- A terceira e a quarta fase da carreira de Cavalcanti transcorrem na Grã-Bretanha, repetindo a anterior alternância entre o experimentalismo e o sistema dos estúdios.
- Procurando aproveitar as novas possibilidades expressivas abertas pelo som, Cavalcanti aceita o convite de John Grierson e entra para a equipe do General Post Office Film Unit. Apesar do seu caráter institucional, a produção do GPO revoluciona o documentário de cunho social.
- Na escola documentária britânica, a dupla com maior vivência formada por Grierson e Cavalcanti possui uma boa dose de rivalidade, polarizada pelas prioridades políticas do escocês e a exigência formal do brasileiro.
- Pela primeira vez, Cavalcantt pode dar vazão à sua vocação pedagógica, estimulando a formação de um grupo de jovens cineastas capazes de conciliar a serisibilidade social e a renovação da linguagem (Hany Watt, Humphrey Jennings. Len Lye).
- A fusão criativa da imagem e do som, o comentário e a música, a pesquisa em torno do ritmo (esboçada desde Rien Que Les Heures), encontram um novo campo de expressão.
- Além da sua contribuição muitas vezes anônima à maioria dos filmes do GPO, o cineasta brasileiro realiza em 1934, Pett And Pott e em 1936 o clássico Coalface.
- Ao mesmo tempo, empreende uma reflexão sobre o documentário (e o realismo cinematográfico) em forma de antologia de longa-metragem, Film and Reality.
- Durante a Segunda Guerra Mundial, recusa a nacionalidade britânica. Passa a trabalhar para os estúdios Ealing, de Michael Balcon, um dos pilares da indústria inglesa.
- Nessa quarta fase da carreira, suas condições de atuação mudam completamente, mas Cavalcanti mantém o papel de formador de uma nova geração de diretores: Charles Frend, Charles Crichton, Basil Dearden e Robert Hamer. Com os três últimos compartilha a direção de um dos seus maiores sucessos, o episódio 'The Ventriloquist's Dummy' de Dead of Night.

Dead of Night ("Na Solidão da Noite")

- Cavalcanti começa na Ealing fazendo um filme de montagem de propaganda contra Mussolini (Yellow Caesar, 1941) e atuando como produtor associado de The Foreman Went to France (Querer é poder, Charles Frend, 1942).
- Depois dirige o longa-metragem Quarenta E Oito Horas, o único filmado na Grã-Bretanha durante a guerra a considerar a hipótese de uma invasão. Trata-se de um filme "incômodo", sem personagem principal nem sentimentalismo, afastado dos parâmetros do cinema bélico, cuja incongruência é valorizada "a posteriori" e atribuída à influência surrealista.
- Cavalcanti dirige com a mesma competência duas fitas ambientadas no século XIX: ChampagneCharlie e The Life and Adventures of Nicholas Nickleby, baseada em romance de Charles Dickens.
- Depois de afastar-se da companhia de Michael Balcon, dirige mais três filmes na Inglaterra: Nas Garras Da Fatalidade, O Príncipe Regente e O Transgressor.
- Uma nova frustração, o projeto abortado de adaptar Sparkenbroke, de Charles Morgan para a Rank, provoca outra mudança de rumo, a quinta fase da sua carreira: aceita a proposta de Assis Chateaubriand para dar uma série de palestras sobre cinema no Museu de Arte de São Paulo em 1949.
- Cavalcanti volta ao Brasil pela primeira vez em 30 anos e descobre um ambiente cultural desconhecido.
- Assume a orientação artística da nova Companhia Cinematográfica Vera Cruz*, como produtor geral (1950), um autêntico desafio. Contrata e leva para os estúdios de São Bernardo do Campo técnicos de diversas origens. Supervisiona a primeira produção da Vera Cruz, Caiçara, de Adolfo Celi, e os documentários Painel e Santuário (ambos de Lima Barreto), tropeça em Terra É Sempre Terra, de Tom Payne e fracassa ao tentar encaminhar Ângela (primeiro longa-metragem cuja direção tinha sido confiada a um brasileiro, Martim Gonçalves).
- Os desentendimentos e a ruptura com os donos da companhia são muito rápidos e provocam uma campanha de desprestígio proporcional às expectativas criadas em torno do único cineasta brasileiro com trajetória internacional. De fato, ninguém no Brasil possuía experiência tão rica, na direção e produção, na vanguarda experimental e no sistema dos estúdios, na formação de equipes e novos cineastas. Até então, o cinema nacional acumulava fracassos e veleidades. No entanto, sobre Cavalcanti confluem os preconceitos de conservadores e comunistas, grã-finos e intelectuais, que rejeitam sua personalidade e autoridade.
- Dirige Simão, O Caolho, ainda em São Paulo, para a Maristela, além de dois filmes para a nova produtora carioca Kino Filmes, O Canto Do Mar e Mulher De Verdade.
- Durante essa fase, Cavalcanti elabora o primeiro projeto do Instituto Nacional do Cinema (INC) e publica o livro "Filme e realidade", uma reflexão pioneira sobre o panorama do cinema brasileiro.
- Desgostoso, empreende a volta à Europa.- A sexta e última fase da vida de Cavalcanti, a mais prolongada e melancólica, é a de um homem sucessivamente deslocado de três países (a França, a Grã-Bretanha e o Brasil), e que oscila entre o seu refúgio de Anacapri (Itália) e uma atividade nômade por força das circunstâncias.
- Uma das novidades é sua condição de companheiro de viagem do comunismo, iniciada com a filmagem de O senhor Puntila e seu criado Matti, Áustria, e o encontro com o próprio autor, Bertolt Brecht.
- Com Joris Ivens, supervisiona o filme de episódios A Rosa-Dos-Ventos (1955), produção internacional patrocinada pela antiga Alemanha Oriental, cuja parte brasileira foi escrita por Jorge Amado, Cavalcanti e Trigueirinho Neto, dirigida por Alex Viany e interpretada por Vanja Orico e Miguel Torres.
- Além de trabalhos para televisão e teatro, Cavalcanti empreende um balanço da sua obra, sob a forma de antologia temática, Um Homem E O Cinema, co-produzida pela Embrafilme.
- Inconformado com a frustração da sua quinta fase (a Vera Cruz nunca chegou a filmar a biografia de Noel Rosa que ele planejara), mantém durante os últimos anos um projeto brasileiro que não consegue levar adiante, "O Dr. Judeu", baseado na vida de Antonio José da Silva, vítima da Inquisição (filmada finalmente por Jom Tob Azulay, produtor de Um Homem E O Cinema).
- Antônio Carlos Fontoura dirige o média-metragem Brasília (1982), a partir de um roteiro de Cavalcanti.
- Simão, O Caolho, interpretado por Mesquitinha, é uma comédia ambientada nos bairros populares de São Paulo. Sua inspiração está mais próxima do neo-realismo do que da chanchada carioca, misturando toques sociais, políticos e religiosos com uma fantasia ingênua.
- Mulher De Verdade, menos pretensiosa ainda, é uma comédia de situações que se presta a certas ironias sobre as relações entre homens e mulheres.
- Ambos os filmes contribuem à diversificação da comédia, único gênero que se constitui com continuidade no cinema brasileiro. - Mais importantes, O Canto Do Mar e o episódio brasileiro de A Rosa-Dos-Ventos, 'Ana', representam uma guinada na temática nordestina do cinema nacional contemporâneo, depois do desaparecimento dos Ciclos Regionais do período mudo. Enquanto O Cangaceiro procura aclimatar as convenções do gênero épico e o lirismo musical do cinema mexicano à produção industrial paulista, Cavalcanti prefere explorar os caminhos inéditos no Brasil de um realismo humanista. O Canto Do Mar e A Rosa-Dos-Ventos foram filmados no Nordeste, região que voltaria a atrair Trigueirinho Neto e Miguel Torres, ligados à renovação dos anos 60.
- Reduzir O Canto Do Mar a um simples remake de En Rade ou criticar seus aspectos folclóricos é parte da miopia da época. O hibridismo entre a antiga vanguarda e a crescente sensibilidade social mostram que tanto o filme quanto o cineasta são figuras da transição entre o velho e o novo. O próprio tom desesperado, afastado dos padrões então vigentes no "realismo socialista" parece sintonizado com o sentimento moderno perceptível nos filmes do Cinema Novo, menos impregnados de messianismo militante. O Canto Do Mar seria suficiente para garantir a Cavalcanti um lugar de destaque na história do cinema brasileiro, sem falar na sua participação em vários momentos decisivos da história do cinema mundial (a vanguarda francesa, o documentário social, a Ealing).
- Ele morre em Paris, no dia 23 de agosto de 1982.
- No Festival internacional de São Paulo de 2002 teve uma retospectiva em sua homenagem.
- No ano de 2005 o Ministério da Cultura e o SESC-Rio se uniram para homenageá-lo, as homenagens, que se estendem na ponte Brasil-França neste ano, começaram com o lançamento do livro "Alberto Cavalcanti - o cineasta do mundo", de Sergio Caldieri, no dia 21 de fevereiro de 2005, no Art SESC Flamengo, no Rio de Janeiro. A celebração prossegue, em março, com a abertura de uma exposição multimídia no Espaço SESC, em Copacabana, e de uma mostra de 18 filmes na Cinemateca do MAM. Nesta ocasião também será lançado um catálogo completo de sua obra, com filmografia detalhada de cerca de 126 filmes e bibliografia de referência.

Diretor
1977 - Um Homem E O Cinema
1967 - Story of Israel
1962 - Yerma
1961 - The Monster of Highgate Ponds
1958 - A Primeira Noite
1955 - O Senhor Puntila E Seu Criado Matti1954 - Mulher De Verdade
1953 - O Canto Do Mar
1948 - O Transgressor
1947 - Nas Garras Da Fatalidade
1947 - O Príncipe Regente
1946 - The Life And Adventures Of Nicholas Nickleby
1945 - Deadofnight (2º Episódio: 'The Christmas Story' E 4º Episódio: 'The Ventriloquists Dummy')
1944 - Champagne Charlie
1942 - Film And Reality
1942 - Quarenta E Oito Horas
1933 - Le Mari Garçon
1933 - Coralie Et Cie
1932 - O Tio Da América
1931 - Dans Une Ïle Perdue
1930 - Toute Sa Vie
1930 - A Canção Do Berço
1930 - A Michemin Du Ciel
1930 - Les Vacances Du Diable
1927- Yvette
1927 - En Rade
1926 - Rien Que Les Heures
1926 - Le Train Sans Yeux
1928 - Le Capitaine Fracasse

Premiações
- Melhor diretor, prêmio "Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos", Rio de Janeiro, em 1952
- Melhor diretor no prêmio "Sací", São Paulo, em 1952.

(fonte básica: "Enciclopédia do Cinema Brasileiro")