Os novos revolucionários: Cientistas do clima exigem mudança radical
"Para evitar uma mudança climática catastrófica,
os maiores especialistas da Grã-Bretanha pedem cortes de emissões que
exigem 'mudança revolucionária na hegemonia política e econômica'",
escreve Renfrey Clarke, jornalista e editor, em artigo publicado na revista online Climate and Capitalism e reproduzido peloEcoDebate, 29-01-2014. A tradução é de Alexandre Costa.
Eis o artigo.
“Hoje, após duas décadas de blefes e mentiras, o restante do balanço [de carbono] para 2°C restante exige mudança revolucionária na hegemonia política e econômica.” Isso foi publicado em uma postagem de blog no ano passado porKevin Anderson, professor de Energia e Mudanças Climáticas da Universidade de Manchester. Um dos cientistas do clima mais eminentes da Grã-Bretanha, Anderson também é vice-diretor do Centro Tyndall para Pesquisas sobre Mudanças Climáticas. Ou, podemos passar esta mensagem direta, a partir de uma entrevista em novembro:
“Hoje, após duas décadas de blefes e mentiras, o restante do balanço [de carbono] para 2°C restante exige mudança revolucionária na hegemonia política e econômica.” Isso foi publicado em uma postagem de blog no ano passado porKevin Anderson, professor de Energia e Mudanças Climáticas da Universidade de Manchester. Um dos cientistas do clima mais eminentes da Grã-Bretanha, Anderson também é vice-diretor do Centro Tyndall para Pesquisas sobre Mudanças Climáticas. Ou, podemos passar esta mensagem direta, a partir de uma entrevista em novembro:
Precisamos
de ação de baixo para cima e de cima para baixo. Precisamos de mudança
em todos os níveis.” Proferiu essas palavras a pesquisador sênior do
Centro Tyndall e professora da Universidade de Manchester Alice
Bows-Larkin. Anderson e Bows-Larkin são especialistas líderes mundiais sobre os desafios da mitigação das mudanças climáticas.
Em
dezembro, os dois foram atores centrais da “Conferência de Redução
Radical de Emissões”, promovida pelo Centro Tyndall e realizada nas
instalações de Londres da instituição científica de maior prestígio da
Grã-Bretanha, a Royal Society. O “radicalismo” do título da conferência
se refere a uma chamada pelos organizadores para cortes de emissões
anuais na Grã-Bretanha de pelo menos 8 por cento – o dobro da taxa
comumente citada como possível dentro das estruturas econômicas e
políticas de hoje.
A conferência chamou atenção e recebeu ampla cobertura. Em Sydney, o Daily Telegraph,
de propriedade dos Murdoch, descreveu os participantes como
“desequilibrados” e ” eco-idiotas”, passando a citar um “conselheiro de
mudanças climáticas sênior” para a Shell,
dizendo: “Essa era uma sala cheia de catastrofistas (referindo-se a
‘aquecimento global catastrófico’), com a visão predominante… de que o
problema só poderia ser resolvido pela completa transformação dos
sistemas de energia e político globais… uma conferência de ideologia
política.”
De
fato. A postura de “reticência”, tradicional dos cientistas, que, no
passado, visavam principalmente ater-se às suas especialidades e evitar
comentários sobre as implicações sociais e políticas de seu trabalho,
não é mais como era.
Irritados
Os
cientistas do clima têm ficado particularmente irritados com a recusa
dos governos de agir, mesmo com as repetidas advertências sobre os perigos da mudança climática.
Para aumentar a amargura dos pesquisadores, em mais do que em casos
isolados, foram colocadas demandas sobre eles para aliviar suas
conclusões, de modo a evitar mostrá-las a governantes e decisores
políticos. As pressões para que se evite levantar “questões fundamentais
e desconfortáveis” podem ser fortes, explicou Anderson em uma entrevista em junho passado.
“Os
cientistas estão sendo persuadidos a desenvolver conjuntos cada vez
mais bizarros de cenários … que ssejam capazes de entregar mensagens
politicamente palatáveis. Tais cenários subestimam a taxa de crescimento
das emissões atual, assumem picos ridiculamente precoces nas emissões e
trocam os compromissos para ficar abaixo [de um aquecimento] de 2°C por
uma porcentagem de chance de 60 a 70 de exceder esses 2°C”.
Anderson e Bows-Larkin têm
sido capazes de desafiar tais pressões ao ponto de terem sido coautores
de dois artigos notáveis e relacionados entre si, publicados pela Royal Society em 2008 e 2011.
No segundo delas, os autores fazem uma distinção entre países ricos e pobres (tecnicamente, nas categorias do “anexo 1″ e “não-Anexo 1″
da ONU), ao calcularem as taxas de redução de emissões em cada
conjunto, que seriam necessárias para manter a temperatura média global a
não mais que 2 graus dos níveis pré-industriais.
A
notícia embaraçosa para os governos é que os países ricos do Anexo 1
precisam começar imediatamente a cortar suas emissões com taxas de cerca
de 11 por cento ao ano. Isso permitiria que os países fora do Anexo 1
atrasem seu “pico de emissões” até 2020, permitindo o desenvolvimento de
suas economias e a elevação dos padrões de vida de seus habitantes.
Mas
os países pobres também teriam, então, de começar a cortar suas
próprias emissões a níveis sem precedentes – e as chances de aquecimento
superior a 2 graus de aquecimento ainda seriam em torno de 36 por
cento. Mesmo para uma chance de 50 por cento de aquecimento superior a 2
graus, os países ricos teriam de cortar suas emissões a cada ano a uma
taxa de 8-10 por cento.
Como Anderson aponta, é praticamente impossível encontrar um economista mainstream que veja reduções anuais de emissões de mais de 3-4 por cento como compatíveis com qualquer coisa, exceto recessão severa, com uma economia constituída nos atuais termos.
Como Anderson aponta, é praticamente impossível encontrar um economista mainstream que veja reduções anuais de emissões de mais de 3-4 por cento como compatíveis com qualquer coisa, exceto recessão severa, com uma economia constituída nos atuais termos.
Quatro graus?
E
se o mundo mantiver suas economias baseadas no mercado e, depois de um
pico em 2020, começar a reduzir suas emissões com base nestes 3-4 por
cento ”permitidos”? Em seu artigo de 2008, Anderson e Bows-Larkinapresentam
números que sugerem um possível nível de dióxido de carbono na
atmosfera equivalente de 600-650 partes por milhão como resultado. O
climatologista Malte Meinshausen estima que 650 ppm daria uma probabilidade de 40 por cento de exceder não apenas dois graus, mas quatro!
Anderson,
no passado, já se pronunciou sobre o que podemos esperar de um “mundo
de quatro graus”. Em uma palestra pública em outubro de 2011 ele
descreveu como “incompatível com uma comunidade global organizada”,
“provável que esteja além da adaptação” e”devastador para a maioria dos
ecossistemas”. Além disso, um clima quatro graus mais quente teria “uma
alta probabilidade de não ser estável”. Isto é, quatro graus seria uma
temperatura intermediária, rumo a um nível de equilíbrio muito mais
quente.
Conforme relatado no jornal The Scotsman,
em 2009, ele se concentrou no elemento humano: “Eu acho que é
extremamente improvável que nós não tenhamos morte em massa a 4°C [de
aquecimento global]. Se tivermos uma população de nove bilhões até 2050 e
chegarmos a 4°C, 5°C ou 6°C, pode-se ter meio bilhão de pessoas sobrevivendo”.
Não admira que essas pessoas bem informadas estejam se revoltando.
Métodos de mercado?
Anderson também
emergiu como um poderoso crítico da ortodoxia de que a redução das
emissões deve ser baseada em métodos de mercado, se se deseja que ela
funcione. Seus pontos de vista sobre este ponto foram trazidos para o
foco em outubro passado, em uma resposta afiada para o chefe das Nações
Unidas sobre mudanças climáticas – e entusiasta do mercado – Rajendra Pachauri:
“Eu discordo do otimismo do Dr. Pachauri que
mercados e preços possam garantir compromissos da comunidade
internacional em limitar o aquecimento a 2°C”, como publicado no jornal
britânico Independent, citando Anderson.
“Eu sustento que tal abordagem baseada no mercado está condenada ao
fracasso e é uma distração perigosa de um quadro regulatório padronizado
e abrangente”.
Crítico dos esquemas de redução baseados
no mercado, Anderson centra sua conclusão em que o limite de dois graus
“não é mais possível por meio de mitigação gradual, mas apenas através
de cortes profundos nas emissões, ou seja, reduções não-marginais no
nível de mudança qualitativa.
“Uma premissa fundamental da economia neo-clássica contemporânea é que os mercados (incluindo os mercados de carbono) só são eficientes na alocação de recursos escassos, quando as mudanças que estão sendo considerados são muito pequenas – ou seja, marginais.
“Uma premissa fundamental da economia neo-clássica contemporânea é que os mercados (incluindo os mercados de carbono) só são eficientes na alocação de recursos escassos, quando as mudanças que estão sendo considerados são muito pequenas – ou seja, marginais.
“Para termos uma boa chance de ficar abaixo de dois graus Celsius”, Anderson observa,
“as emissões futuras do sistema energético da União Européia …
necessitam de redução a taxas de cerca de 10 por cento ao ano – uma
mitigação para colocá-las muito abaixo do que a redução marginal que os
mercados são capazes de nos oferecer.”
Se
forem feitas tentativas de assegurar essas reduções por meio de métodos
de cap-and-trade, argumenta, “o preço do carbono será quase certamente
muito além de tudo do que possa ser descrito como marginal
(provavelmente muitas centenas de euros por tonelada) – daí os
argumentos de ‘eficiência’ e os ‘benefícios de menor custo’alegados pelos que defendem o mercado já não se aplicam.”
Ao mesmo tempo, as implicações do ponto de vista da equidade e justiça social seriam devastadoras. Andersonressalta:
“O
preço do carbono poderá ser sempre pago pelos ricos. Podemos comprar um
4WD/SUV ligeiramente mais eficiente , reduzir um pouco nossos voos
frequentes, considerar ter uma casa de veraneio menor, mas no geral nós
continuar com nossas vidas como de costume. Enquanto isso, as camadas
mais pobres da nossa sociedade … teriam que fazer ainda mais cortes no
aquecimento e na energia em suas moradias alugadas, inadequadamente
isoladas termicamente e mal projetadas”.
A agenda da energia
No curto prazo, Anderson argumenta,
uma “agenda de energia para dois graus” requer “reduções rápidas e
profundas na demanda de energia, com início imediato e continuação por
pelo menos duas décadas”. Isto permite ganhar tempo enquanto um sistema
de abastecimento de energia de baixo carbono é construído. Um “plano
radical” para redução de emissões, ele indica, está entre os projetos em
curso no âmbito do Centro Tyndall.
O
custo dos cortes de emissões, insiste, precisa recair “naquelas pessoas
principais responsáveis pelas emissões”. Como citado pela escritora Naomi Klein, Anderson estima que 1-5 por cento da população é responsável por 40-60 por cento das emissões de carbono.
Embora não rejeitando mecanismos de preços num papel de apoio, Anderson argumenta
que o volume necessário de cortes de emissões só pode ser alcançado
através de regulamentos rigorosos e cada vez mais exigentes. Sua “lista
provisória e parcial” inclui o seguinte:
•
Padrões de energia/emissões estritos para os eletrodomésticos,
automóveis, etc., com uma sinalização clara para o mercado de que tais
normas irão apertar anualmente, por exemplo começando com restrição de
100gCO2/km para todos os carros novos a partir de 2015, reduzindo em 10
por cento a cada ano até 2030.
•
Normas de fornecimento de energia estritas, por exemplo, para
350gCO2/kWh na geração de eletricidade como o nível de emissões médio da
carteira de um fornecedor de centrais elétricas; com redução em torno
de 10 por cento ao ano.
• Um programa de implantação de normas de energia/emissão rigorosas para equipamentos da indústria.
• Padrões de eficiência mínima rigorosos para todas as propriedades para venda ou aluguel.
• Um padrão mundiais de baixa energia para todas as casas novas construções, escritórios, etc.
Fazer valer esses padrões radicais, argumenta ele, “pode ser alcançado, pelo menos inicialmente, com as tecnologias existentes e com pouco ou nenhum custo adicional”.
• Um padrão mundiais de baixa energia para todas as casas novas construções, escritórios, etc.
Fazer valer esses padrões radicais, argumenta ele, “pode ser alcançado, pelo menos inicialmente, com as tecnologias existentes e com pouco ou nenhum custo adicional”.
Crescimento econômico
Para se ter uma chance razoável de manter o aquecimento abaixo de 2 graus, Anderson defende, os países ricos teriam de abrir mão de crescimento econômico por
pelo menos dez a vinte anos. Aqui, ele se baseia na sabedoria
convencional de “modeladores de avaliação integrada” – e pode estar
bastante errado. O americano Joseph Romm, blogueiro líder em clima, no ano passado, chegou a conclusões bastante diferentes:
“A última revisão do IPCC da
literatura econômica dominante mostra que mesmo para a estabilização em
níveis de CO2 tão baixos quanto 350 ppm, os custos médios
macroeconômicos globais em 2050 correspondem a uma desaceleração do
crescimento médio anual do PIB mundial
em menos de 0,12 ponto percentual. Deveria ser óbvio que o custo
líquido é baixo. O consumo de energia é responsável pela esmagadora
maioria das emissões e os custos de energia são tipicamente cerca de 10
por cento do PIB”.
Numa
conjuntura em que não faltam trabalhadores desempregados e grande parte
da capacidade industrial mantém-se não utilizada, mobilizar recursos e
mão de obra para substituir equipamentos poluentes poderia aumentar
drasticamente o Produto Interno Bruto. Além disso, essas contas precisam considerar os absurdos do próprio PIBcomo
uma ferramenta de medição, já que conta a construção de presídios e o
desenvolvimento de sistemas de armas como atividades produtivas. Anderson destaca algumas dessas contradições, quando afirma:
“As
taxas de mitigação bem acima dos 3 a 4 por cento ao ano dos economistas
ainda podem revelar-se compatíveis com alguma forma de prosperidade
econômica.”
Na verdade, reconstruir nosso sistema industrial ineficiente e poluente poderia permitir que a grande maioria de nós pudesse levar uma vida mais rica e mais gratificante.
Represálias
Onde Anderson não
está errado é em antecipar, em vários momentos, no seu blog e em
entrevistas, que qualquer movimento sério para reduzir as emissões com
as taxas exigidas irá encontrar resistência feroz. Ativos industriais
principalmente gigantescas usinas movidas a combustível fóssil, ficariam
“encalhados”. Reservas já comprovadas de carvão, petróleo e gás terão
de ser deixadas no chão.
Como
os cientistas acusados em 2009 no caso espúrio do “Climategate”, as
pessoas que falaram na Conferência de Redução de Emissões Radical agora
esperam sentir as queimaduras do maçarico das represálias conservadoras.
Junto com Anderson e Bows-Larkin, é provável que um alvo em particular seja o diretor do Centro Tyndall, ProfessorCorinne Le Quéré,
que apresentou o caso científico para a redução de emissões rápidas.
Quatro acadêmicos australianos que contribuíram via rede, inclusive o
cientista do clima Mark Diesendorf, já estão sob ataque pessoal venenoso por parte do Daily Telegraph.
O
“crime” cometido pelos pesquisadores do Centro Tyndall é muito maior do
que os e-mails vagamente formuladas que foram apreendidos em como
pretexto para “Climategate”. Com outros membros da comunidade científica
do clima, essas pessoas corajosas têm desafiado a ideia de que
corporações poluidoras e os governos que as apoiam dão a mínima para a
preservação da natureza, da civilização e da vida humana.