Por: Joseph E. Stiglitz,
prêmio Nobel de Economia,
em artigo publicado no jornal O Globo, 30-09-2009.
Eis o artigo.
A tentativa de reviver a economia internacional e ao mesmo tempo responder à crise climática global nos coloca diante de uma complicada questão: as estatísticas estão nos dando os sinais corretos sobre o que fazer? Em nosso mundo orientado para o desempenho, questões de mensuração assumem importância: o que aferimos afeta o que fazemos.
Se tivermos instrumentos de medição medíocres, o que tentarmos fazer (por exemplo, expandir o PIB) pode na verdade contribuir para piorar os padrões de vida. Podemos também ser confrontados com falsas escolhas, enxergando compromissos inexistentes entre a produção e a proteção ambiental.
Em contraste, uma melhor aferição do desempenho econômico pode mostrar que passos adotados para melhorar o meio ambiente são benéficos para a economia.
Há 18 meses, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, criou uma Comissão para Monitoramento do Desempenho Econômico e do Progresso Social, devido a sua insatisfação — e à de muitos outros — com o estado atual das informações estatísticas sobre economia e sociedade.
A grande questão é saber se o PIB fornece uma boa medida sobre padrões de vida. Em muitos casos, as estatísticas sobre o PIB parecem sugerir que a economia vai muito melhor do que a percepção dos cidadãos sobre ela. Além disso, o foco no PIB cria conflitos: líderes políticos são instados a maximizá-lo, mas os cidadãos também pedem que se dê atenção à melhoria da segurança, à redução da poluição do ar, da água e sonora e assim por diante — fatores que podem reduzir o crescimento do Produto.
O fato de que o PIB pode ser uma medida falha sobre bem-estar, ou mesmo sobre a atividade do mercado, foi há muito reconhecido. Mas mudanças na sociedade e na economia tornaram os problemas mais graves, ao mesmo tempo em que avanços nas técnicas econômicas e estatísticas fornecem oportunidades para melhorar nossa métrica.
Por exemplo, enquanto o PIB supostamente mede o valor da produção de bens e serviços, num setorchave — o governo — não temos como fazê-lo; frequentemente, medimos a produção simplesmente pelos investimentos. Se o governo gasta mais — mesmo que de forma ineficiente — a produção sobe. Nos últimos 60 anos, a participação estatal no PIB aumentou de 21,4% para 38,6% nos EUA, de 27,6% para 52,7% na França, de 34,2% para 47,6% na Grã-Bretanha e de 30,4% para 44% na Alemanha. O que era um problema relativamente pequeno se transformou hoje num grande.
Da mesma forma, melhorias na qualidade — por exemplo, carros melhores em vez de apenas mais caros — respondem por muito do aumento do PIB hoje em dia. Mas mensurar a melhoria de qualidade é difícil.
O mesmo problema em fazer comparações ao longo do tempo se aplica aos países. Os EUA gastam mais em assistência à saúde do que qualquer outro país, tanto per capita quanto percentualmente, mas recebem notas piores. Parte da diferença entre o PIB per capita nos EUA e em alguns países europeus pode, assim, resultar da forma como medimos as coisas.
Outra mudança marcante na maioria das sociedades é um aumento na desigualdade. Isto significa uma disparidade crescente entre a renda média e a renda de uma “pessoa típica”.
Se alguns banqueiros ficam muito mais ricos, a renda média pode subir, apesar de a maioria das rendas individuais diminuírem. Assim, as estatísticas do PIB per capita podem não refletir o que está acontecendo com a maioria dos cidadãos.
Usamos preços de mercado para dar valores a produtos e serviços.
Mas agora, mesmo aqueles com fé inabalável no mercado questionam a confiança nos preços de mercado. Os lucros pré-crise dos bancos — um terço dos lucros corporativos totais — parecem ter sido uma miragem. A constatação lança nova luz não só sobre a medição do desempenho mas também sobre as inferências que fazemos.
Antes da crise, quando o crescimento dos EUA (usando medidaspadrão para o PIB) parecia muito mais forte que o da Europa, muitos europeus argumentavam que seu continente deveria adotar o capitalismo à americana. Claro que qualquer um que quisesse poderia ter visto o endividamento crescente das famílias americanas, o que teria ajudado a corrigir a falsa impressão de sucesso dada pela estatística do PIB.
Avanços recentes na metodologia permitiram-nos saber mais sobre o que contribui para o sentimento de bem-estar do cidadão e para reunir os dados necessários para fazer essa avaliação regularmente. Esses estudos verificam e quantificam, por exemplo, o que deveria ser óbvio: a perda de um emprego tem um impacto maior do que pode ser percebido apenas pela perda do rendimento. Eles também demonstram a importância das conexões sociais.
Qualquer boa medida sobre quão bem estamos precisa levar em conta a sustentabilidade. Como uma empresa precisa medir a depreciação do seu capital, também as contas nacionais devem refletir a finitude dos recursos naturais e a degradação do ambiente.
Sistemas estatísticos devem resumir o que está acontecendo em nossa complexa sociedade em alguns poucos números facilmente interpretáveis. Deveria ser óbvio que nem tudo pode ser reduzido a um número, o do PIB. O relatório da Comissão para Monitoramento do Desempenho Econômico e do Progresso Social deverá, espera-se, levar a um maior entendimento sobre os usos e abusos dessa estatística.
Ele também deverá ser um guia para a criação de uma série mais ampla de indicadores que captem acuradamente tanto o bem-estar como a sustentabilidade.
Por outro lado, deve dar ímpeto à capacidade do PIB e de estatísticas correlatas para avaliar o desempenho da economia e da sociedade. Tais reformas nos ajudarão a direcionar esforços (e recursos) de uma forma que leve a melhorias em ambos.
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