quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O Círculo Max Weber de Heidelberg (1)

Parte I : O "Círculo" como principal núcleo anticapitalista da Alemanha


Max Weber: um proeminente círculo
de pensadores neo-românticos
e anti-capitalistas


O principal centro de pensamento sociológico na Alemanha do início do século XX era Heidelberg, onde se reunia em torno de Max Weber uma plêiade brilhante de intelectuais e universitários.
Entre os participantes regulares ou episódicos deste famoso “Círculo Weber de Heidelberg” encontram-se, de 1906 a 1918: os sociólogos Ferdinand Tönnies, Werner Sombart, Georg Simmel, Alfred Weber (o sociólogo da cultura, irmão de Max), Arthur Salz (membro do Verein für Sozialpolitik dos “socialistas de cátedra”), Robert Michels (nesta época, “sindicalista revolucionário”), Ernst Troeltsch (sociólogo das religiões, de orientação “social-cristã”), Paul Honigsheim (então jovem estudante); os filósofos neokantianos Wilhelm Windelband, Hugo Münsterberg e Emil Lask, os neo-hegelianos Ehrenberg (judeu tornado místico-cristão) e Rosenzweig; o jurista George Jellinek; o esteta Friedrich Gundolf (amigo do poeta Stephan George); o poeta pacifista Ernst Toller; o psiquiatra e futuro filósofo kierkegaardiano Jaspers; o especialista em Dostoievsky Nikolai von Bubnov; e dois dostoievskyanos escatológicos: Ernst Bloch e György von Lukács...

George Simmel, um dos integrantes do Círculo de Heidelberg...

...juntamente com Jaspers, dentre outros.


Evidentemente, não se pode falar de uma ideologia comum a este conjunto heterogêneo e disparatado, mas nele se encontra indiscutivelmente uma potente corrente anticapitalista romântica; segundo o testemunho muito esclarecedor de Paul Honisgsheim,

“mesmo antes da guerra, havia em vários meios uma tendência a se distanciar do modo burguês de vida, da cultura da cidade, a racionalidade instrumental, a quantificação, a especialização científica, e todos os outros elementos considerados então como repugnantes...Lukács e Bloch, Ehrenberg e Rosenzweig eram partidários desta tendência. Este neo-romantismo, se assim se pode chamá-lo, estava ligado ao velho romantismo por múltiplas, ainda que ocultas, pequenas correntes de influência; podemos dar alguns exemplos: Schopenhauer, Nietzsche, o velho Schelling, Constantin Franz...o movimento de Juventude...O neo-romantismo sob suas diversas formas estava representado em Heidelberg...e seus adeptos sabiam a qual porta bater: a porta de Max Weber.”

Uma das manifestações deste estado de espírito era um estranho renascimento da religiosidade, como forma de rejeição radical do racionalismo burguês; segundo Paul Honisgsheim “era uma época em que a religião começava a estar na moda – nos salões e nos cafés – em que se liam naturalmente os místicos e se simpatizava espontaneamente com o catolicismo, uma época em que era de bom-tom lançar um olhar de desprezo sobre o século XVIII...para poder em seguida invectivar de coração aberto contra o liberalismo”. Esta tendência também se manifestava no círculo de Max Weber, entre outros, em Bloch e Lukács, que gostavam de fazer, então, “louvações extasiadas ao catolicismo”.

Entretanto, mais que a Igreja Católica, era a música e a literatura russa que faziam a unanimidade do círculo de Heidelberg; era ainda um modo de recusar a civilização ocidental capitalista. Graças a esta eslavofilia – estimulada pela participação nas reuniões de domingo (com Weber) de Nikolai von Bubnov, professos de História do Misticismo em Heidelberg, autor de publicações diversas sobre filosofia religiosa russa, em geral, e sobre Dostoievsky, em particular, e pela presença do escritor Feodor Stepum, que introduz no público alemão a obra do teórico do misticismo russo Vladimir Soloviev. A obra de Tolstoi e Dostoievsky encontrava-se no centro dos debates do círculo de Max Weber, particularmente no contexto da contradição entre a ética absoluta colocada pelos escritores russos (radical e sem concessões) e a ética da responsabilidade, implicando que se tomasse sobre si o fardo do pecado, como em “O Grande Inquisidor” de Dostoievsky...Esta problemática obcecava ainda Max Weber em 1919: no seu célebre discurso aos estudantes sobre a vocação política, ele menciona explicitamente o “Grande Inquisidor” de Dostoievsky como a apresentação mais notável desta contradição.

Veremos que os dilemas ético-políticos de Lukács em 1918-1919 apresentam uma similitude espantosa com a perspectiva de Weber, partindo das mesmas fontes: Dostoievsky e Tolstoi.

Lukács em 1919

O círculo de Max Weber tinha certas relações com outro grupo de Heidelberg, muito mais esotérico e fechado: o círculo de Stephan George, que reunia os amigos e admiradores quase religiosos em torno do célebre poeta.

O poeta místico Stephan George



Ao menos um membro deste grupo, o crítico de arte Friedrich Gundolf, participava dos dois círculos,e o próprio Weber lia com interesse os poemas de George. Lukács dedica em 1918 um ensaio a Stephan George (publicado em seguida A Alma e as Formas) em que sublinha o caráter “profundamente aristocrático” de seu lirismo que “mantém longe de si toda escandalosa banalidade, todos os suspiros fáceis e as moções baratas do coração”. Entretanto, o ensaio não agradou aos iniciados do círculo místico dos adoradores do poeta, porque não reconhecia os pretensos dons proféticos sobrenaturais de George. Alguns anos mais tarde (1946), Lukács retorna sobre a significação da obra de Stephan George; sublinha a “não-fraternidade aristocrático-estética de sua visão de mundo” e acrescenta:


“George recusa apaixonadamente a vida social de sua época. Não vê nela senão a prosa mortífera para a alma, a perdição encarnada...São claras as conseqüências do matiz alemão do anticapitalismo romântico. É do ódio contra este mundo, o mundo do capitalismo e da democracia, que nasceu o ‘profetismo’ de George...”.

Lukacs insistirá, em seu livro Brève histoire de la littérature allemande, nas implicações políticas desse "profetismo", por meio do qual George

"converte-se no chefe espiritual da reação que avança. Mão se contenta em formular apaixonadas acusações contra o mundo contemporâneo; anuncia também, com virulência crescente, sua queda necessária e o advento de um mundo novo, de um novo "Reich", que salvará da maldade e da fealdade... Fundando-se em tais poemas o fascismo o reclama para si. [Mas] não estava inteiramente justificado no que concerne ao poeta. George não quis saber nada do hitlerismo: morreu em exílio voluntário...Não existem laços essenciais ao menos objetivamente." (Lukacs, Brève histoire de la littérature allemande, 1949)

São visíveis as afinidades possíveis com a corrente neo-romântica do círculo de Max Weber.

Na realidade o próprio Max Weber não pode ser classificado como um neo-romântico. Aliás, é muito difícil definir sua posição político-ideológica: é um “liberal”, como pretende Merlau-Ponty, um “representante ativo da política do capital monopolista”, como pensava a Academia de Ciências da URSS, ou um aristocrata nietzscheano como sugere Jean-Marie Vincent ? Ele era contrário ou favorável à democracia parlamentar, ao militarismo, à social-democracia ? Sem querer, de forma alguma, truncar o debate, desejamos somente chamar a atenção sobre certa “afinidade eletiva”, malgrado diferenças significativas, entre a sociologia de Weber e o anticapitalismo romântico. Jean-Marie Vincent caracteriza com razão a ideologia weberiana como “uma espécie de humanismo precário, estranho às tendências fundamentais do desenvolvimento social (burocratização, desencantamento)”, um pessimismo que recusa com obstinação alguns aspectos da evolução do mundo moderno. Desse ponto de vista, ele foi, sem dúvida, profundamente influenciado por Tönnies, do qual retoma freqüentemente as categorias de análise, tentando superá-las em direção a uma visão mais objetiva da realidade sócio-econômica moderna.

(...)

“...é horrível pensar que um dia o mundo será ocupado somente por estas pequenas peças, por pequenos homens que se agarram a pequenos empregos e procuram obter outros maiores – uma situação que...tem um papel crescente no espírito de nosso sistema administrativo presente...Esta paixão pela burocracia é suficiente para pôr-nos em desespero...A grande questão não é saber como promover e estimular esta evolução, mas como se opor a esta máquina para manter uma parte da humanidade livre desse desmembramento da alma, desta suprema dominação do modo burocrático de vida.”
(Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik)

(...)

Sem esta dimensão anticapitalista – que seguramente não é senão um aspecto de um sistema teórico complexo, matizado e às vezes contraditório – é difícil de compreender alguns fenômenos como a simpatia de Weber pelos sindicatos operários:

Eles são os únicos no interior do Partido Social-Democrata que...não se rebaixaram, e que mantiveram o idealismo em face da mediocridade do Partido...O único refúgio do trabalho idealista no seio do Partido Social-Democrata são e serão, em nossas condições alemãs, os sindicatos.

(...)

Segundo Eduard Baumgarten, para Weber, os sindicatos constituem precisamente um contrapeso ao aburguesamento e à burocratização do Partido, ponto de vista que aproxima o eminente sociólogo de Heidelberg de seu discípulo “sindicalista revolucionário” Robert Michels. O próprio Michels sublinha em outro lugar o interesse de Weber por suas idéias e a abertura das páginas do Archi für Sozialwissenschaft para a corrente sindicalista, com a publicação de artigos de Hubert Lagardelle, Arturo Labriola, Enrico Leone etc. Enfim, segundo o testemunho sempre revelador e penetrante de Paul Honisgsheim, a Weltanschauung de Weber transporta-o para a “vizinhança dos anarquistas e, sobretudo, dos sindicalistas bergsonianos”.

Lukács na maturidade

É somente dentro deste contexto que se pode compreender o comentário surpreendente que fez Lukács a seus amigos de Heidelberg:

“Max Weber é o homem que poderá arrancar o socialismo do miserável relativismo produzido pela ação de Frank (um dirigente social-democrata revisionista e direitista) e seus asseclas” (...).




(Texto extraído de: "Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários", Michel Löwy, pags.28 e segs)