segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sobre sonhos...(6)


Em outra postagem sobre este assunto (vide Blog Metamorficus - "Sobre sonhos...(7)"), havia proposto que um firme propósito - mantido conscientemente durante o estado hipnagógico - poderia ser a chava para a entrada no estado onírico já lúcido.
Embora não tenha tido (ainda) progressos substanciais por essa técnica, noticio aqui um "insight" que pareceu digno de nota.
Ao adentrar no processo de relaxamento que acabará redundando no sonho, percebi que o processo pode ser dividido em fases distintas:
1) Primeira fase: ao deitarmos e começarmos a relaxar, comumente entramos em um processo de recordação de eventos ou de pensamentos acerca de problemas, pessoas ou desejos. O que importa aqui é que, ordinariamente, essa primeira fase é acentuadamente verbal. Podemos traduzir isso pela expressão "diálogo interno". Trata-se, repito, de um conjunto de frases, argumentos, afirmações, indagações etc. tal como se um diálogo verbal realmente estivesse se sucedendo. Note-se que, ainda que imagens e outras sensações se sucedam, nessa fase inicial parece que esse "diálogo" serve como condutor para as associações (que se tornarão cada vez mais livres).
2) Segunda fase: conforme as associações de idéias vão se tornando mais livres, aquilo que estava sendo verbalizado começa a se tornar mais "sólido", mais real e independente, começando a se converter em imagens (ainda abstratas) e sensações. Aqui, é importante frisar, começamos a perder nossos referenciais da realidade externa, especialmente do corpo.
3) Terceira fase: quando as associações se emancipam completamente da "razão" e dos referencias externos (do corpo etc), as associações se convertem em imagens completas e sólidas. Aqui, parece que há um "salto", pois se até então as associações pareciam "nos pertencer" - embora de modo difuso e cada vez mais livre e dissociado dos referenciais - agora há uma criação de cenários completos, dotados de grande realismo: somos transportados para um outro mundo "independente" (lembro que aqui o "Ego onírico" ainda não está formado).
O que importa dizer neste momento é que, entre a segunda fase e a terceira, parece haver um "gap" , um hiato ou, melhor ainda, um "salto" qualitativo de grande importância.
Pois, havendo uma perda efetiva de todos os referenciais que nos permitem ancorar nossa identidade, tudo se passa como se ficássemos, por apenas um brevíssimo instante, no NADA, um Não-Eu, tal como um "piscar de olhos" em que tudo desaparece, uma espécie de "morte" em vida.
Penso que esse momento é de grande importância, não apenas porque ele prepara o sonho em si, mas sobretudo porque, talvez, seja esse o momento em que podemos experimentar algumas daquelas experiências descritas por yogues e sábios budistas. Há uma expansão da lucidez, posto que a "conciência" não mais se identifica com nada, não há amarras, nem apegos.
Creio que esse momento possa talvez ser aquilo que se descreve como a consciência "entre pensamentos" ou mesmo o espaço "entre sonhos", descritos em alguns textos tibetanos.
A meditação realizada antes de dormir pode ser um excelente meio de atingirmos uma calma mental e uma lucidez que facilite a dilatação desse instante e, o que proponho, é que talvez possamos ficar parados nesse estágio de liminaridade, "suspendendo" o Eu antes que o sonho se forme.
Por fim, gostaria de observar que, cada vez mais, penso que os estágios de sono e sonho são semelhantes às descrições relacionadas ao Bardo da Morte. Neste, como se sabe, é dito que a audição é o último sentido que desaparece. Ora, sou tentado a reconhecer alguma semelhança com o que disse acima, acerca do "diálogo interno" que ocorre e parece se impor com grande influência sobre o sonho - ou seja, aquilo que subsiste antes de perdermos nossos referenciais e que exerce uma importante influência sobre a "nova realidade".
De fato, parece que esse diálogo interno diz respeito às imposições que os pensamentos exercem sobre a consciência, sendo essa a razão pela qual esses pensamentos verbalizados acabam dando origem às idéias e imagens que nos parecem mais reais do que nós mesmos durante os sonhos. Ou seja, enquanto os pensamentos nos parecerem dotados de "realidade externa", escravizando-nos, torna-se muito difícil exercermos a lucidez onírica. Há aqui uma correspondência entre pensamentos "externos" a nós e imagens "externas" a nós.
E, por outro lado, a situação de liminaridade descrita acima - o "Nada" em que nos encontramos antes da formação dos sonhos - pode ter alguma relação com o momento em que podemos atingir a iluminação após a morte: segundo os textos tibetanos, o ser que acaba de morrer, ao perder seus referenciais, tem, por um breve instante, contato com a liberação total. Porém, caso não reconheça esse momento, acabará por cair no processo que levará ao renascimento (e, no caso do sono, aos sonhos).
Vê-se assim que o Bardo dos Sonhos pode ser um importante instrumento para o reconhecimento das situações geradas no Bardo da Morte.