Transcrevo abaixo um artigo publicado na revista Scientific American acerca da nocividade dos gens/hormônios masculinos para a espécie humana.
Minha sugestão é que a pesquisa e o artigo em questão sejam lidos dentro do contexto do "neo-matriarcado" mencionado por Fernando Hermann na entrevista postada em 26/10 neste Blog. Ou seja, um exemplo de como as configurações culturais e ideológicas - como visões de mundo - condicionam as pesquisas (e conclusões) científicas ditas "objetivas".
O problema está com os homens
por David Biello
Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/o_problema_esta_com_os_homens.html
Filhos homens não são fáceis para uma mãe. Seja o peso maior na hora do parto, o nível elevado de testosterona ou, simplesmente, as algazarras que as deixam de cabelo em pé – os meninos trazem um fardo extra à mulher que os deu à luz. Examinando registros de dois séculos de uma igreja finlandesa, Virpi Lummaa, da University of Sheffield, na Inglaterra, tem como provar: filhos homens reduzem a expectativa de vida da mãe, em média, em 34 semanas.Com o auxílio de genealogistas, a bióloga evolucionária finlandesa de 33 anos vasculhou livros com séculos de idade (e décadas em microfichas) em busca de certidões de nascimento, casamento e óbito – e pistas sobre a influência da evolução na reprodução humana. Historiadores, economistas e mesmo sociólogos há muito usam táticas parecidas para explorar seus campos de estudo, mas Lummaa está entre os primeiros biólogos a estudar o Homo sapiens como animal cuja população pode ser acompanhada ao longo do tempo.Afinal, os humanos são relativamente fáceis de rastrear e oferecem a notória vantagem de, em geral, manter registros detalhados. “Sempre quis trabalhar com primatas”, contou Lummaa. “Mas como coletar dados semelhantes sobre chimpanzés selvagens seria uma enorme dificuldade, decidi estudar uma outra espécie.” Mais recentemente, ela tem se dedicado às mães pré-modernas do povo Sami, da Finlândia, famoso pela criação de renas.
Ao estudar esse grupo, ela constatou que mães de meninos viveram menos que mães de meninas. Essa discrepância tem relação com o peso na hora do parto – bebês do sexo masculino em geral são maiores; isso sem contar a testosterona. “Esse hormônio pode afetar o sistema imunológico e comprometer nossa saúde”, afirma Lummaa. As mães que deram à luz meninos se revelaram particularmente suscetíveis a endemias infecciosas, como a tuberculose. “Criar meninos tem um custo um pouco maior” que criar meninas, pois eles consomem mais recursos físicos da mãe, acrescenta ela – isso já foi observado em outros mamíferos, como o cervo nobre. Filhos também são menos propensos que filhas a permanecer por perto e zelar pela mãe na velhice.Mais recentemente, Lummaa e seus colegas vêm concentrando a pesquisa no fato de os homens representarem um fardo maior não só para a mãe, mas também para os irmãos e irmãs. As crianças nascidas após um filho homem tiveram famílias menores, eram mais franzinas e, geralmente, mais sujeitas a doenças infecciosas fatais. Os efeitos se comprovaram mesmo com a morte do irmão mais velho na infância, sugerindo que o resultado negativo não é fruto de algum tipo de interação fraterna, como a competição por comida, os espancamentos constantes ou a prática da primogenitura, quando o irmão mais velho herda tudo. “Irmãos mais velhos são prejudiciais”, explica a bióloga. “Se o quinto filho for um menino, então o sexto estará em desvantagem.”Esse fenômeno é ainda mais evidente em casais de gêmeos. Dos 754 casos de gêmeos nascidos entre 1734 e 1888, em cinco cidades rurais da Finlândia, nos irmãos de sexo oposto, 15% a menos das mulheres se casaram e 25% tiveram um número menor de filhos – no mínimo dois a menos, se comparadas àquelas que tiveram uma irmã gêmea. Essa influência por parte do irmão se repetiu sem qualquer relação com a classe social ou outro fator cultural, e se confirmou mesmo quando o gêmeo morreu antes dos três meses de idade, permitindo à gêmea ser criada como filha única.
Lummaa especula que a exposição uterina à testosterona seja responsável pelo sofrimento da gêmea. A forte influência hormonal em outros animais, incluindo ratos de laboratório e vacas, já havia sido constatada por outros pesquisadores. Quando uma vaca dá cria a gêmeos de sexos diferentes, é comum a fêmea nascer estéril devido à influência da testosterona. Seja qual for a causa, o resultado é indiscutível: mães de gêmeos de sexo oposto acabam com 19% menos netos que aquelas que tiveram gêmeos do mesmo sexo. Ou seja, aparentemente, a evolução favorece o último caso. “Diferenças biológicas entre homem e mulher não são determinadas [apenas] pelo cromossomo herdado no nascimento”, afirma o antropólogo Christopher Kuzawa, da Northwestern University. O efeito da relação fraternal “causa impacto no sucesso reprodutivo e, portanto, tem relevância evolutiva”.“Os resultados são intrigantes”, comenta Kenneth Weiss, biólogo, antropólogo e geneticista da Pennsylvania State University. Ele observa que “se a propensão a ter gêmeos for genética, certamente há uma tendência seletiva, visando garantir a raridade dos casos. No entanto, alguns animais têm gêmeos rotineiramente”. Sobre essa contradição, ele acrescenta, “ainda que a observação esteja correta, é arriscado superestimar os efeitos dessa característica”.Esse risco é especialmente grave quando se pretende aplicar esses resultados à atualidade. O acesso ao controle de natalidade, a fartura de alimentos e a baixa taxa de mortalidade infantil podem ofuscar a influência evolucionária identificada nos dados de tempos pré-industriais. “É um choque constatar que 100 ou 150 anos atrás, 40% dos bebês morriam antes de se tornarem adultos; ainda mais com a vida adulta começando aos 15 anos”, observa Lummaa.
Porém, grande parte da população mundial ainda vive sob condições semelhantes àquelas enfrentadas pelos finlandeses pré-industriais. “Os que têm mais filhos, e os que transmitem mais genes continuam a determinar as gerações seguintes”, assegura Lummaa. “Não há motivo para o princípio da evolução não se efetivar.” Agora, sua intenção é colocar à prova as descobertas na Finlândia contra dados demográficos mais modernos, como uma coleção que está reunindo fichas médicas de famílias da Gâmbia, na costa oeste africana.Lummaa e seus colegas também passaram a examinar os registros finlandeses para entender melhor a figura dos avós e as incógnitas evolucionárias que a cercam. A pesquisa anterior da equipe havia mostrado que as avós têm papel crucial na garantia da sobrevivência e da reprodução dos netos; no entanto, os registros revelaram ainda que o mesmo benefício não se aplicava a pais e avôs. Embora a presença do pai possa ter contribuído para que os filhos se casassem mais cedo, ter um avô vivo não fez aumentar o número de netos. “Quando muito, o efeito é negativo”, conclui a bióloga. Isso talvez se deva à tradição cultural de servir refeições para os homens, principalmente os idosos. “Quando se tem um avô, é possível que ele venha a comer sua comida”, ela sugere.Ou, talvez, a longevidade masculina seja apenas um subproduto da seleção pela longevidade feminina. É provável que, como os homens podem se reproduzir ao longo de toda a vida, não se responsabilizem por outros que não seus próprios filhos; Lummaa está investigando se os homens continuam a procriar na velhice, muito embora uma cultura monogâmica como a finlandesa se oponha a isso. “Homens acima dos 50 têm boa chance de encontrar alguém que os queira”, diferentemente de uma mulher que ultrapassa a idade fértil, explica ela. “Quais benefícios, se de fato há algum, os homens obtêm com a velhice?”
Lummaa e seus colegas também usaram as informações coletadas para explorar a questão das classes, mostrando que, no passado, os ricos tinham mais filhos que os pobres. Populações das áreas mais ricas do mundo parecem ter revertido essa tendência tão antiga. “Talvez, sob as circunstâncias atuais, estejamos investindo em qualidade em vez de quantidade”, especula ela. “As respostas ainda não são satisfatórias.”Ainda assim, os efeitos perniciosos dos homens – e os benefícios das avós – sem dúvida se destacam. Isso não é muito encorajador para Lummaa, que deu à luz um menino, Eelis, em março. “Já pude constatar que ele está exigindo grande parte da minha energia, e, com certeza, está me deixando mais velha”, brinca. “É incrível como essas mulheres conseguiam ter um parto por ano.”Apesar do custo alto, com certeza não haverá menos filhos homens. “Se você gerar um menino muito, muito bom, ele dará origem a muitos filhos”, acrescenta a bióloga – um resultado excelente do ponto de vista evolutivo. “Se por um lado perdemos gerando um filho, por outro, ganhamos muito mais.”
por David Biello
Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/o_problema_esta_com_os_homens.html
Filhos homens não são fáceis para uma mãe. Seja o peso maior na hora do parto, o nível elevado de testosterona ou, simplesmente, as algazarras que as deixam de cabelo em pé – os meninos trazem um fardo extra à mulher que os deu à luz. Examinando registros de dois séculos de uma igreja finlandesa, Virpi Lummaa, da University of Sheffield, na Inglaterra, tem como provar: filhos homens reduzem a expectativa de vida da mãe, em média, em 34 semanas.Com o auxílio de genealogistas, a bióloga evolucionária finlandesa de 33 anos vasculhou livros com séculos de idade (e décadas em microfichas) em busca de certidões de nascimento, casamento e óbito – e pistas sobre a influência da evolução na reprodução humana. Historiadores, economistas e mesmo sociólogos há muito usam táticas parecidas para explorar seus campos de estudo, mas Lummaa está entre os primeiros biólogos a estudar o Homo sapiens como animal cuja população pode ser acompanhada ao longo do tempo.Afinal, os humanos são relativamente fáceis de rastrear e oferecem a notória vantagem de, em geral, manter registros detalhados. “Sempre quis trabalhar com primatas”, contou Lummaa. “Mas como coletar dados semelhantes sobre chimpanzés selvagens seria uma enorme dificuldade, decidi estudar uma outra espécie.” Mais recentemente, ela tem se dedicado às mães pré-modernas do povo Sami, da Finlândia, famoso pela criação de renas.
Ao estudar esse grupo, ela constatou que mães de meninos viveram menos que mães de meninas. Essa discrepância tem relação com o peso na hora do parto – bebês do sexo masculino em geral são maiores; isso sem contar a testosterona. “Esse hormônio pode afetar o sistema imunológico e comprometer nossa saúde”, afirma Lummaa. As mães que deram à luz meninos se revelaram particularmente suscetíveis a endemias infecciosas, como a tuberculose. “Criar meninos tem um custo um pouco maior” que criar meninas, pois eles consomem mais recursos físicos da mãe, acrescenta ela – isso já foi observado em outros mamíferos, como o cervo nobre. Filhos também são menos propensos que filhas a permanecer por perto e zelar pela mãe na velhice.Mais recentemente, Lummaa e seus colegas vêm concentrando a pesquisa no fato de os homens representarem um fardo maior não só para a mãe, mas também para os irmãos e irmãs. As crianças nascidas após um filho homem tiveram famílias menores, eram mais franzinas e, geralmente, mais sujeitas a doenças infecciosas fatais. Os efeitos se comprovaram mesmo com a morte do irmão mais velho na infância, sugerindo que o resultado negativo não é fruto de algum tipo de interação fraterna, como a competição por comida, os espancamentos constantes ou a prática da primogenitura, quando o irmão mais velho herda tudo. “Irmãos mais velhos são prejudiciais”, explica a bióloga. “Se o quinto filho for um menino, então o sexto estará em desvantagem.”Esse fenômeno é ainda mais evidente em casais de gêmeos. Dos 754 casos de gêmeos nascidos entre 1734 e 1888, em cinco cidades rurais da Finlândia, nos irmãos de sexo oposto, 15% a menos das mulheres se casaram e 25% tiveram um número menor de filhos – no mínimo dois a menos, se comparadas àquelas que tiveram uma irmã gêmea. Essa influência por parte do irmão se repetiu sem qualquer relação com a classe social ou outro fator cultural, e se confirmou mesmo quando o gêmeo morreu antes dos três meses de idade, permitindo à gêmea ser criada como filha única.
Lummaa especula que a exposição uterina à testosterona seja responsável pelo sofrimento da gêmea. A forte influência hormonal em outros animais, incluindo ratos de laboratório e vacas, já havia sido constatada por outros pesquisadores. Quando uma vaca dá cria a gêmeos de sexos diferentes, é comum a fêmea nascer estéril devido à influência da testosterona. Seja qual for a causa, o resultado é indiscutível: mães de gêmeos de sexo oposto acabam com 19% menos netos que aquelas que tiveram gêmeos do mesmo sexo. Ou seja, aparentemente, a evolução favorece o último caso. “Diferenças biológicas entre homem e mulher não são determinadas [apenas] pelo cromossomo herdado no nascimento”, afirma o antropólogo Christopher Kuzawa, da Northwestern University. O efeito da relação fraternal “causa impacto no sucesso reprodutivo e, portanto, tem relevância evolutiva”.“Os resultados são intrigantes”, comenta Kenneth Weiss, biólogo, antropólogo e geneticista da Pennsylvania State University. Ele observa que “se a propensão a ter gêmeos for genética, certamente há uma tendência seletiva, visando garantir a raridade dos casos. No entanto, alguns animais têm gêmeos rotineiramente”. Sobre essa contradição, ele acrescenta, “ainda que a observação esteja correta, é arriscado superestimar os efeitos dessa característica”.Esse risco é especialmente grave quando se pretende aplicar esses resultados à atualidade. O acesso ao controle de natalidade, a fartura de alimentos e a baixa taxa de mortalidade infantil podem ofuscar a influência evolucionária identificada nos dados de tempos pré-industriais. “É um choque constatar que 100 ou 150 anos atrás, 40% dos bebês morriam antes de se tornarem adultos; ainda mais com a vida adulta começando aos 15 anos”, observa Lummaa.
Porém, grande parte da população mundial ainda vive sob condições semelhantes àquelas enfrentadas pelos finlandeses pré-industriais. “Os que têm mais filhos, e os que transmitem mais genes continuam a determinar as gerações seguintes”, assegura Lummaa. “Não há motivo para o princípio da evolução não se efetivar.” Agora, sua intenção é colocar à prova as descobertas na Finlândia contra dados demográficos mais modernos, como uma coleção que está reunindo fichas médicas de famílias da Gâmbia, na costa oeste africana.Lummaa e seus colegas também passaram a examinar os registros finlandeses para entender melhor a figura dos avós e as incógnitas evolucionárias que a cercam. A pesquisa anterior da equipe havia mostrado que as avós têm papel crucial na garantia da sobrevivência e da reprodução dos netos; no entanto, os registros revelaram ainda que o mesmo benefício não se aplicava a pais e avôs. Embora a presença do pai possa ter contribuído para que os filhos se casassem mais cedo, ter um avô vivo não fez aumentar o número de netos. “Quando muito, o efeito é negativo”, conclui a bióloga. Isso talvez se deva à tradição cultural de servir refeições para os homens, principalmente os idosos. “Quando se tem um avô, é possível que ele venha a comer sua comida”, ela sugere.Ou, talvez, a longevidade masculina seja apenas um subproduto da seleção pela longevidade feminina. É provável que, como os homens podem se reproduzir ao longo de toda a vida, não se responsabilizem por outros que não seus próprios filhos; Lummaa está investigando se os homens continuam a procriar na velhice, muito embora uma cultura monogâmica como a finlandesa se oponha a isso. “Homens acima dos 50 têm boa chance de encontrar alguém que os queira”, diferentemente de uma mulher que ultrapassa a idade fértil, explica ela. “Quais benefícios, se de fato há algum, os homens obtêm com a velhice?”
Lummaa e seus colegas também usaram as informações coletadas para explorar a questão das classes, mostrando que, no passado, os ricos tinham mais filhos que os pobres. Populações das áreas mais ricas do mundo parecem ter revertido essa tendência tão antiga. “Talvez, sob as circunstâncias atuais, estejamos investindo em qualidade em vez de quantidade”, especula ela. “As respostas ainda não são satisfatórias.”Ainda assim, os efeitos perniciosos dos homens – e os benefícios das avós – sem dúvida se destacam. Isso não é muito encorajador para Lummaa, que deu à luz um menino, Eelis, em março. “Já pude constatar que ele está exigindo grande parte da minha energia, e, com certeza, está me deixando mais velha”, brinca. “É incrível como essas mulheres conseguiam ter um parto por ano.”Apesar do custo alto, com certeza não haverá menos filhos homens. “Se você gerar um menino muito, muito bom, ele dará origem a muitos filhos”, acrescenta a bióloga – um resultado excelente do ponto de vista evolutivo. “Se por um lado perdemos gerando um filho, por outro, ganhamos muito mais.”