Entrevista: Ladislaw Dowbor
“Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB)”. A opinião é do professor Ladislaw Dowbor, do Programa de Pós Graduação em Administração da PUC-SP em entrevista à revista Desafios do Ipea, do mês de maio 2009.
O professor critica severamente a metodologia do PIB. Segundo ele, “na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno”.
Eis a entrevista.
A crise financeira internacional pode afetar a crença nas leis de mercado e no próprio sistema capitalista na mesma proporção em que a queda do muro de Berlim determinou os destinos do comunismo?
Há tantas refutações de que o mercado não funciona que é duvidoso. Ele simplesmente é necessário. Eu trabalhei na Polônia no âmbito da economia socialista. Havia mecanismos de mercado amplamente utilizados. Não estou falando do mercado no processo de concorrência entre uma série de produtores e pessoas que trocam valores com outros, permitindo a divisão de trabalho na sociedade. Isso é valioso e deve ser guardado. O que se confundiu foi o mecanismo de mercado com a regulação geral da sociedade.
Como assim?
O mecanismo de mercado protege para as trocas. Não protege o que produzimos, para quem e sobre quais custos tanto para a natureza quanto para a sociedade. Portanto, o que está acontecendo é que o mercado está perdendo sua capacidade reguladora na sociedade. O sistema de bancos no Brasil é essencialmente carteirizado. Na Inglaterra, o crédito pessoal no HSBC é de 6%, enquanto aqui passa de 60%. Se houvesse mecanismos de mercado, as pessoas iriam buscar capital lá ou aplicariam aqui. Ou seja, nas áreas carteirizadas, que pertencem às grandes corporações, deixou de funcionar o mercado.
O que fazer então?
É preciso ter sistemas de regulação equilibrados entre os intermediários financeiros, bancos centrais, governos e as organizações de usuários. O mercado não resolve tudo sozinho. Veja, por exemplo, o caso de grupos como as Casas Bahia, que trabalham frequentemente com taxas de juros de 100%. Uma pessoa de baixa renda paga o dobro do valor de um produto. Isso é extorsivo e se baseia na manutenção da desigualdade de renda, que força as pessoas sem dinheiro vivo a pagar em pequenas prestações o dobro do que pagaria uma pessoa com mais recursos. Existe um mecanismo financeiro de concentração de renda. São áreas comerciais que passaram, ainda que de forma não declarada, a ter uma atuação financeira. Assim, o acesso aos recursos e a distribuição equilibrada na sociedade está cada vez menos regulada com mecanismos de mercado. Além disso, o mercado é nocivo na exploração de bens naturais.
Como?
Basta observar o caso da pesca oceânica. Com o GPS e as novas tecnologias, se torna possível extrair o volume de peixes desejado. Virou um matadouro. E quanto mais avança a tecnologia, mais barato é capturar o peixe. No entanto, à medida que os peixes vão se esgotando, os preços sobem. O problema da água também está se tornando crítico para a humanidade. Com sistemas modernos se tornou viável bombear enormes quantidades de lençóis freáticos subterrâneos que se acumulam durante séculos. O processo funciona com extrema rapidez. Isso gera grandes fortunas para determinados grupos, que não arcaram com custos da sua produção. Por outro lado, liquida, a base de água e não gera emprego. Esse eixo é simplesmente destrutivo para as áreas de recursos limitados. Então, o mercado não tem capacidade para regular áreas que envolvem recursos naturais. Com a crise financeira internacional, há muitos especuladores à procura desesperada de onde aplicar seus recursos. Eles querem comprar imensas áreas de solo no Brasil de olho na pressão alimentar e na oportunidade de lucros com os bicombustíveis.
O governo brasileiro acertou então ao criar uma moratória de compra e venda de terras em áreas onde a água deveria ser canalizada?
Sim. Caso contrário você teria europeus, americanos e grupos de São Paulo comprando todas aquelas terras para revender ou aproveitar os seus eventuais benefícios. A capacidade reguladora do mercado se perdeu no momento em que cresce a pressão por recursos naturais, aumenta a população mundial, o nível de consumo e na medida em que se formam grandes conglomerados planetários. Isso já não é mercado. São sistemas de poder de grupos privados que exercem poder político sem serem eleitos. Por isso defendo que o mecanismo econômico tem de ser democratizado.
Qual sua avaliação sobre a declaração final do encontro do G-20 realizado em Londres no mês passado?
Tivemos um encontro do G-20 em novembro e, outro mais recente, em Londres. Não há uma diferença substantiva entre os dois. São declarações de intenções que se destinam basicamente a apaziguar a tensão, uma vez que centenas ou milhões de aposentados perderam sua aposentadoria e há um número crescente de desempregados. A tensão em torno destes problemas se tornou imensa. A declaração do G-20 de Londres é positiva em algum sentido. Primeiro porque se expandiu o número de países que participam do processo político. Tem um lado um pouco sem vergonha nisso porque quando as potências prosperavam era G-7. Quando estourou a crise, eles foram buscar sócios. De qualquer maneira, os 29 pontos da declaração são grandes princípios, além de positivos, sobretudo no que se refere ao meio ambiente, maior controle sobre o sistema financeiro, fim do protecionismo, mais poder ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um aumento na participação de diversos países nas várias instituições internacionais.
O que poderia ter sido aprimorado?
Quase ninguém reparou que há um anexo de medidas financeiras na declaração de Londres, que foi feito rigorosamente por gente do chamado mercado financeiro. Por exemplo, as compensações para diretores e acionistas será responsabilidade deles próprios. Ou seja, não haverá nenhuma instituição para fiscalizá-los.
O senhor acredita que as propostas serão implementadas?
As propostas de arquitetura financeira mundial contidas nos acordos de Bretton Woods foram trabalhadas durante dois anos até a sua implementação. Eu, particularmente, estou cético e realista neste aspecto. Estamos começando um processo. Você não faz isso em três ou seis meses. Além disso, tudo vai depender da profundidade da crise, que ainda é completamente incerta. Ninguém sabe, nem mesmo o pessoal que criou esta crise. Mudanças mais profundas no sistema dependem da intensidade da crise. Se amanhã tudo voltar à normalidade, os especuladores, que criaram o problema, vão tentar manter as coisas como estão, esperando pela próxima crise. Isso já ocorreu antes com as crises na década de 1990. Estamos num limbo de regulação que é extremamente perigoso.
A dívida pública dos Estados Unidos ultrapassou o teto dos US$ 10 trilhões. As injeções de recursos no sistema financeiro pelo governo do presidente Barack Obama surtiram efeito?
Injetar dinheiro nos intermediários financeiros foi a primeira reação. Os bancos estão quebrando. Portanto, você coloca dinheiro para não quebrar. Contudo, a economia real começa a quebrar por falta de crédito. O que eles fizeram então? Injetaram mais dinheiro nos bancos, pensando que com mais liquidez eles passariam a oferecer crédito. Isso não aconteceu. No caso dos Estados Unidos, os bancos maiores estão comprando os pequenos para reforçar oligopólios. Há uma dimensão profundamente golpista neste sentido. Afinal, eles não querem mercado. No caso brasileiro, os cerca de R$ 100 bilhões que foram transferidos para os bancos via redução do compulsório e outros mecanismos, em vez de se transformarem em crédito para dinamizar a economia, estão sendo utilizados na compra de títulos do governo para depois serem remunerados pela taxa Selic. Ou seja, o sistema financeiro não está fazendo o seu papel de financiar a economia. Um papel, aliás, que está na Constituição.
O papel do Estado na economia deve ser rediscutido?
Estamos constatando a necessidade de fazer funcionar a economia com o interesse de uma sociedade socialmente equilibrada e com políticas ambientais que não destruam o planeta. Uma mudança de paradigma energético produtivo. Acho que o eixo é este. Em função destes objetivos, você tem que ter outro tipo de orientação da economia, com mudanças no papel do Estado. Não significa maior tamanho do Estado na economia. Significa que a regulação política dos processos econômicos tem que avançar. É importante resgatar a capacidade reguladora do Estado sobre o sistema empresarial e articular políticas públicas com organizações da sociedade civil. É um processo mais horizontal, democrático, e descentralizado, onde os interesses da população estejam em primeiro lugar.
E como fazer isso?
Eu sempre uso o exemplo do programa de expansão da Coreia do Sul. São investimentos de US$ 36 bilhões em energia limpa. A expectativa é de que, com o programa, serão criados 960 mil empregos. O emprego tira as pessoas do desespero e gera mais recursos na base da sociedade. Ocorre um impacto social de igualdade. Por outro lado, com esse dinheiro, a população consome e não aplica na bolsa. Isso é um processo anticíclico. O dinheiro que vem por parte do governo, em vez de ir para a especulação, como fazem os bancos privados, está aplicado em investimentos necessários para o país. Ao mesmo tempo em que melhora a situação do meio ambiente e oferece um equilíbrio social, o programa protege a Coreia do Sul da crise ao gerar emprego, demanda de consumo e de equipamentos para esses investimentos.
Como o senhor vê a questão da redução dos juros e do spread bancário no Brasil?
Repare que nos jornais só aparece a discussão sobre a taxa Selic. Agora, e as taxas de juros cobradas pelo sistema ao tomador final? A média para pessoa jurídica é de 68%, para pessoa física 110%, cheque especial 166%, no cartão 220%. Estamos falando de um assalto. Eu acho que o papel dos bancos oficiais é introduzir mecanismos de mercado neste processo para oferecer crédito a custos decentes. Temos que lembrar que o banco tem uma função social, de acordo com a Constituição. Mesmo o banco privado é uma carta patente que o autoriza a trabalhar com o dinheiro do público. Não é dinheiro do banco. Então, ele tem que responder a certas exigências. Como ele tem forte controle sobre o próprio Banco Central, então, aqui o sistema financeiro ficou sem regulação efetiva. Instituições como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, BNDES, que já fazem isso há bastante tempo, devem buscar novas formas de democratização de acesso ao crédito. O Brasil tem um volume de crédito da ordem de 37% do PIB. Isso é muito baixo. O crédito é bom, o sujeito quer abrir uma marcenaria, então precisa do crédito, mas não pode ser com essa taxa de juros. O papel do banco é isso. Estimular o empreendedorismo.
Muitos analistas apostam que o mercado interno será o motor da economia nacional neste ano. O senhor concorda?
É como se o governo Lula estivesse se protegendo de antemão. Houve uma convergência do aumento da capacidade de compra do salário mínimo na faixa de 51% a 53%. Isso é gigantesco. Atinge 26 milhões de assalariados e 18 milhões de aposentados. Você teve também nos últimos anos uma expansão no emprego na ordem de 11 milhões de pessoas. Isso gerou demanda na base da sociedade. Vale ressaltar ainda o crescimento do crédito rural. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões para R$ 12,5 bilhões. Injeção de recursos no pequeno produtor rural, que representa 70% dos alimentos produzidos pelo País. Isso sem mencionar o Bolsa Família, responsável por tirar da miséria negra 50 milhões de pessoas. Este governo trabalha com cerca de 150 programas interministeriais. Isso gerou uma ampliação da demanda interna que casa com a crise da demanda externa. Veja o exemplo da carne. Com a crise no mercado externo, o setor está sendo obrigado a vender no mercado interno. Percebemos que tem muito mais carne nos açougues e os preços estão cada vez mais baixos. Houve uma reconversão. Parte do que era exportado, agora, está se voltando para o mercado interno.
O senhor disse em artigo recente que a crise é uma oportunidade para o Brasil. Por quê?
O grande problema do Brasil é a desigualdade social. Somos o segundo ou o terceiro pior país do mundo em termos de distribuição de renda. Quando o mercado externo está em crise, você é obrigado a se voltar para o mercado interno. Então, de repente, todas aquelas pessoas que falavam mal do Bolsa Família, agora acham o programa bom, pois ele gera mercado interno para os produtos que não estão sendo vendidos lá fora por causa da recessão. Ocorre uma convergência política de interesses na necessidade de fortalecer o mercado interno. Isso não é novo no Brasil. Nos anos 1930, com a crise de 1929, não dava para exportar café. E como não se exportava café, não havia divisas para importar todos os produtos. No mercado interno, ninguém sabia produzir esses bens. Então, os capitais, que estavam no café, vendo que o produto só dava perdas, fecharam as fazendas e saíram à procura de outras coisas para produzir. Esses capitais perceberam que já havia uma demanda preexistente de produtos que não estavam mais sendo importados. Por essa razão que os anos 1930 foram uma época de imensos avanços do aparelho produtivo brasileiro. O mecanismo é muito interessante e se for bem aproveitado, matamos três coelhos de uma vez.
De que maneira?
De um lado puxamos para cima nosso quarto mundo, que é a miséria do andar de baixo da economia. Depois reconvertemos os agroexportadores, que desmatam a Amazônia e contaminam os lençóis freáticos com agrotóxicos, com uma agricultura alimentar diversificada em um sistema de equilíbrio de longo prazo. Ao gerar esta dinâmica, estamos nos protegendo da crise. São políticas anticíclicas. Essa convergência que é o nó da oportunidade. Nas exposições que assisti do presidente Lula, dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), e até do Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), a compreensão deste processo está clara. Este é um governo que tem uma linha de enfrentamento da crise.
Mesmo assim o setor exportador continuará em crise. Isso não é prejudicial?
O Brasil está numa situação particular. Temos, hoje, 13% da economia para a exportação. Isto é, o País não depende tanto assim da exportação. Além disso, diversificamos nossa pauta para diversos lugares do planeta. Atualmente, os Estados Unidos representam apenas 25% do nosso comércio exterior. Outro ponto extremamente importante é o crescimento das reservas internacionais do Brasil, que passaram de US$ 30 bilhões, em 2002, para cerca de US$ 200 bilhões. Isso equilibrou as relações externas. Agora, o setor exportador, é claro que está em crise. Primeiro, porque houve uma redução de demanda no nível internacional por conta da recessão. Segundo, porque com a crise financeira há muito menos acesso à credito de exportação. Exportação exige crédito. Essa dificuldade de comércio exterior vai se manter durante algum tempo, o que deve reforçar a idéia de reconversão em função do mercado interno.
Os emergentes não estão imunes à crise. Para o senhor, estes países podem ser transformar na locomotiva para a retomada do crescimento?
Eles podem constituir uma estratégia. Numa situação crítica de uns 30 anos atrás, o primeiro ministro da Alemanha Willy Brandt elaborou, na ocasião, um relatório chamado Norte-Sul. O documento dizia que a prosperidade no grupo dos países ricos da América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia não se sustenta sem a abertura de uma nova fronteira de atividade de mercado. Ou seja, o conjunto de terceiro mundo, essas 4 bilhões de pessoas que não têm acesso ao consumo diversificado representam uma imensa fronteira anticíclica de dinamização da atividade. Por este motivo que um dos últimos documentos do Banco Mundial se chama os próximos 4 bilhões. Eles estão estudando como atingir os quatro bilhões, dois terços do planeta, que estão fora do sistema. Isso, na verdade, já era proposto pelo Willy Brandt há uns 30 anos.O caminho é o mesmo trilhado pelos países desenvolvidos. No pós-guerra, eles entraram em fortes processos de redistribuição de renda. O amplo mercado interno viabilizou um conjunto de atividades que gerou a prosperidade. A idéia é reproduzir isso em nível mundial. Neste sentido, acho coerente que o conjunto do terceiro mundo se forme como um elemento dinamizador da economia mundial.
Qual sua opinião sobre a proposta da China de trocar o dólar por uma nova moeda de circulação mundial?
Faz parte de um conjunto de medidas que estavam em discussão na reunião do G-20 de Londres. Você não pode continuar a dar a uma única nação, os Estados Unidos, a possibilidade de ser a moeda mundial, que eles emitem quando querem. Isso explica porque os norteamericanos se endividaram de maneira tão prodigiosa nos níveis público, privado e externo. Eles estão à vontade, emitindo dólares. Este tipo de irresponsabilidade financeira da direita norteamericana em definir o poder não pode continuar. A crise expôs os riscos de fazer o uso de apenas uma moeda. No encontro G-20, os chefes de Estado decidiram triplicar o caixa do Fundo Monetário Internacional ao repassar US$ 750 bilhões para a instituição. Isso não entra somente como dólar. Entra como direitos especiais de saque que são baseados numa cesta de moedas. O momento delicado é o seguinte: a China maneja cerca de US$ 2 trilhões em reservas. Os americanos estão emitindo dinheiro adoidado para alimentar bancos. Quando você emite muito dinheiro, a tendência é o papel perder valor. A China não vai querer perder dinheiro. Houve uma saída de papéis podres para o dólar, que é melhor. Mas na medida em que os Estados Unidos aprofundam seu déficit, sustentando a General Motors e os bancos, você tem cada vez mais papéis, e quando você emite muito mais papéis do que a riqueza que você tem, esse papel apodrece.
Por que não se tentou essa substituição antes?
Porque a China estava preocupada em não perder suas reservas com a desvalorização do dólar se de fato ocorresse uma troca da moeda norteamericana. A proposta é estrutural de que o dólar entre como uma das moedas da cesta. Ninguém está interessado em quebrar o dólar, os Estados Unidos ou qualquer coisa do gênero. O que não se pode é deixar só com os Estados Unidos o uso irresponsável da capacidade de emitir dinheiro para o seu uso. A economia se globalizou, virou planetária, mas não temos um governo planetário. O resultado é essas reuniões de chefe de Estado a toda hora para procurar um caminho.
É possível imaginar como será o póscrise em termos de regulamentação de mercado?
As pessoas pensam que a economia é como o mar, que sobe e desce. Não é o mar. Nossa cabeça trabalha naturalmente por analogia. Ninguém disse que quando se desce vai subir. A saída da crise de 1929 foi uma guerra catastrófica para todo o planeta. Por isso que eu digo desde o começo: como ninguém sabe a profundidade da crise, quanto mais se aprofunda, mais os impactos são estruturais. Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB).
Essa seria a principal lição desta crise?
Acho que sim. Estamos como que acordando de uma farra tecnológica financeira. Temos 4 bilhões pessoas que estão fora do sistema e sabem disso. Não é à toa que em toda América Latina estão se elegendo governos vinculados às propostas sociais e de distribuição de renda. Mas, ao mesmo tempo, esse novo sistema tem que ser economicamente viável. Não acho que é uma estatização que vai ajudar, mas articulações entre empresas, sociedade civil e Estado, de maneira muito equilibrada. Os últimos 30 anos foram dominados por grandes corporações. Além disso, o PIB não constitui um instrumento adequado de contabilidade.
Por quê?
O PIB é um cálculo incorreto e não constitui uma bússola adequada. Você tem que colocar como objetivo não o aumento do PIB ou o lucro dos bancos, mas a qualidade de vida da população. O comportamento econômico não pode ser levado em conta sem interesses da população e a sustentabilidade ambiental. Como dizer que a economia vai bem se o povo vai mal? Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Justamente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se elas são nocivas para o meio ambiente. As limitações do PIB aparecem através de vários exemplos. Tanto assim que, quando você exporta petróleo, você diz que aumentou o PIB. Na verdade, o país está reduzindo seu capital. A expressão "produtores de petróleo" é interessante, já que nunca ninguém conseguiu produzir petróleo. Este é um estoque de bens naturais. Sua extração é positiva, mas temos que lembrar que estamos reduzindo cada vez mais o estoque de bens naturais que iremos entregar aos nossos filhos. Atualmente, São Paulo anda em primeira e segunda. Isso provoca gastos com o carro, gasolina, seguro, doenças respiratórias e o tempo perdido. Se você observar atentamente, os quatro primeiros itens aumentam o PIB. O último, contudo, não é contabilizado. Ou seja, aumenta o PIB, mas reduz-se a mobilidade. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno. Desta forma, quem joga lixo nos rios contribui para a produtividade do País, pois o Estado é obrigado a contratar empresas para fazer o desassoreamento da calha.
Há alternativas?
Sem dúvida. O PIB merece ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A economia é apenas um meio. O nosso avanço para uma vida melhor é que deve ser medido.