"A Internet é
um negócio, contudo não trata-se apenas de um negócio. É um serviço
fundamental como a água, visto que tudo irá passar por ela. Deve-se
garantir o acesso. Há que se investir dinheiro público, porque o mercado
não irá investir na Amazônia, por exemplo, por que não há mercado, mas
há pessoas”. Assim falou Pedro Ekman (foto), coordenador da Intervozes do Brasil, uma das organizações que impulsionou a sanção da Lei do Marco Civil da Internet, na jornada “Espionagem, Transparência e Soberania na Internet”, organizada pelo Programa Sul Global da
Universidade Nacional de San Martín, para analisar o impacto da
Internet em relação aos direitos civis e os alcances geopolíticos de sua
manipulação por parte dos países centrais. Nesta entrevista, Ekman fala
de maneira clara e direta para trazer a luz um tema que atravessa toda a
sociedade e que poucos entendem. A entrevista é de Sonia Santoro, publicada por Página/12, 16-06-2014. A tradução é do Cepat.
O Marco Civil da Internet,
aprovada em abril deste ano, é uma lei pioneira no mundo. Garante a
privacidade na web e estabelece a neutralidade, isto quer dizer que os
provedores não poderão mais manipular os conteúdos. É produto de um
longo debate promovido pela sociedade civil, que contou com a
resistência das corporações midiáticas. Aqui, o coordenador da
Intervozes, a organização que mobilizou a discussão, explica como foi o
processo, as pressões, as conquistas e o que ainda é necessário
conquistar.
Eis a entrevista.
De onde você é Pedro?
Sou
de São Paulo, Brasil. Sou arquiteto, mas trabalho na área da
comunicação. Comecei a trabalhar na televisão e passei a dirigir e
escrever algumas coisas na área audiovisual. Estive discutindo os temas
de comunicação com o grupo Intervozes, que é um grupo amplo de ativistas
pelo direito a comunicação, no qual há jornalistas, advogados, atores,
atrizes.
O que o levou a aproximar-se deste grupo?
O
que aconteceu é que não havia um espaço no Brasil para discutir a
comunicação como um direito, para formular políticas. Não era uma
prioridade. Assim criamos um espaço de participação política, há pessoas
de diferentes partidos e pessoas sem partidos. O que nos une é o tema, a
luta pelo direito a comunicação, e atuamos contra o governo, com o
governo, não importa, o que importa é que a questão se mova para a área
dos direitos.
Quais são os principais problemas do acesso à comunicação ou em relação à liberdade de expressão no Brasil?
Historicamente, o Brasil, como quase todos os países latino-americanos, tratou o tema da comunicação como
um simples negócio comercial. É o que vemos em todos os setores, a
radiodifusão ou a Internet sempre foram tratados na América do Sul, por
Estados ou governos, como simples negócios comerciais. No Brasil, são
poucas famílias que controlam a radiodifusão, que é o principal veículo
de comunicação hoje no Brasil. O mesmo ocorre na Internet. O tema
principal é a concentração dos meios de comunicação: a comunicação
comunitária e a comunicação pública como uma comunicação menor e a
comunicação comercial como a natural e a única que pode ser feita. Então
temos que mudar as regras para que a comunicação seja tratada como um
direito. As empresas comerciais são legítimas, têm que ter seu espaço,
mas não apenas elas.
Qual é o alcance que a Internet tem no Brasil?
Uma investigação do CGI,
um instituído de comunicação para a Internet, diz que mais de 40% dos
lares do Brasil estão conectados a uma Internet fixa, que é a Internet
que tem mais interatividade. A móvel ainda tem uma velocidade muito ruim
e esse dispositivo acaba não permitindo realize muitas coisas. No
norte, esses números chegam a 30% e a velocidade é muito baixa. Nas
classes D e E, as mais baixas, não passam dos 30% os que estão
conectados.
Então,
mesmo que seja um meio mais democrático, mais diverso, não fala para
todos e nem todos o podem usar. A televisão e o rádio ainda são os meios
que chegam a todo o país e estão manipulando a pauta política e
cultural do país.
Na legislação, há algum tipo de limite para a concentração?
O
que ocorre no Brasil é que estamos fazendo o contrário do que está
acontecendo na Argentina. Por uma conjuntura muito específica.
Não houve reforma na lei da imprensa, a lei vigente é de que ano?
É
anterior a ditadura brasileira. Há 50 anos temos a mesma lei. É uma lei
que não regulamentou os principais artigos constitucionais que temos
sobre a comunicação social. Então não há nenhum dispositivo que regule a
concentração de meios de comunicação. Dessa maneira há um ambiente
regulatório para a radiodifusão muito frágil.
Por que começaram pela Internet?
Por
uma conjuntura política internacional. Brigamos por uma lei dos meios
há muito tempo, mas como o poder dos radiodifusores é muito grande nunca
conseguimos que um governo trabalhasse o tema com prioridade.
Juntamente com a lei dos meios, trabalhamos o “marco civil”. O “marco
civil” começa numa reação a um deputado da direita brasileira que fez um
projeto de lei para criminalizar tudo o que os internautas faziam na
rede e que naturalizava tudo o que as corporações queriam fazer com a
rede. Houve então um movimento muito forte contrário a este projeto de
lei e conseguimos retirá-lo da agenda. O chamamos de o AI5 digital, o
AI5 é o Ato Institucional Nº5 da ditadura brasileira, que retirou todos
os direitos. Ele foi chamado assim porque o que estava sendo feito com a
Internet nesse projeto era quase o mesmo que a ditadura fez com os
direitos humanos. Logo que conseguimos tirá-lo da agenda política
pensamos: necessitamos urgentemente de uma lei que garanta os direitos
na rede, porque se não, irá haver outros projetos para criminalizar a
população. Assim começamos. O Ministério da Justiça construiu uma
plataforma digital colocando os projetos. Esta plataforma era
colaborativa e milhares de colaborações de organizações da sociedade
civil fizeram um projeto em conjunto com o governo, mas principalmente
da sociedade civil.
Desde quando trabalham nesse projeto?
Desde
2009. É um projeto de consenso entre a sociedade civil, os empresários
de conteúdos da Internet e, em alguns pontos, com os empresários de
conexão. Então, este projeto não era o programa máximo que nós queríamos
para a Internet, trata-se de um programa consensuado, mas era muito
bom. Contudo, como ocorreu com a lei da imprensa, não havia conjuntura
política para aprová-lo. As empresas de telefonia estavam muito fortes
para que nada ocorresse em relação a esse tema. Também os interessava um
ambiente sem regulação para a Internet, porque assim eles mesmos a
regulariam como queriam, de acordo com suas regras de mercado e seus
interesses particulares.
Até que a Dilma deu o OK.
O que ocorreu é que (Edward) Snowden disse
que os Estados Unidos estavam vigiando todo o mundo, inclusive a
presidenta Dilma. Isto obrigou que o governo desse uma resposta. Ela foi
às Nações Unidas, disse que tínhamos que mudar a forma de governar a
Internet, tinha o marco civil nas mãos e respondeu ao Brasil e ao mundo
como teríamos que mudar.
Não há nada parecido em outros países?
Não
há uma lei com tantos pontos. Na Europa há uma lei de neutralidade da
rede, no Chile também. Mas privacidade, liberdade de expressão e com
tantas outras questões, apenas esta. Este é para mim um projeto que
seria impossível de ser aprovado no Brasil sem uma conjuntura como esta.
Nunca havíamos conseguido que o Congresso brasileiro o aprovasse.
Como foi o dia da aprovação?
Não
foi um dia, foram meses. Foi uma briga muito forte. Entrava-se e
saia-se, entrava-se e saia-se porque a pressão era muito forte. O que
fez o governo: colocou-a como urgência constitucional. Um dispositivo
que faz com que, quando entra um projeto em caráter de urgência,
exija-se um prazo máximo para que seja aprovado ou não, assim é
necessário que se vote, pois, se não o fizerem até esta data, trava-se a
pauta do Congresso e não se poderá votar nada mais até que isso seja
votado. E, inclusive, através desse dispositivo ele esteve travado por
sete meses. Não se votava nada no Brasil porque não caminhava o projeto
do Marco Civil. E não caminhava porque não havia consenso, uns queriam
uma coisa, outros outra; todos jogos políticos. As companhias
telefônicas pressionavam muito. Houve uma quebra na bancada do governo. A
metade disse que não iria aprovar e então houve a reorganização da
força do governo. Fez-se uma pressão social na Internet, nas ruas, para
que o povo entendesse que esse não era um projeto do governo brasileiro
contrário as corporações ou de um partido para controlar a Internet, mas
que era um projeto da sociedade para que nos defendamos do governo e
das corporações. Porque existem dispositivos que inclusive protegem
nossos direitos de um autoritarismo do governo. Assim conseguimos um
consenso, foi aprovado quase por unanimidade, apenas um partido teve um
voto contrário.
Então nesse dia não houve uma longa sessão.
Não, mas houve meses de sessões porque não caminhava. E aprovou-se no Senado no dia que iniciou a Cúpula Mundial no Brasil (NetMundial). Foi um acontecimento tremendo.
Quais são as principais conquistas trazidas por este marco de lei?
A
neutralidade da rede é o que chamamos de alma, para que a Internet seja
como é hoje, para que não haja uma “separação social”, e para que a
concentração dos meios que há hoje na radiodifusão não ocorra com a
Internet. É disso que trata a neutralidade, que faz com que quem faça o
controle sobre a infraestrutura da rede tenha de ser neutro em relação
aos conteúdos que são disponibilizados.
Por exemplo, as telefonias.
Sim.
As telefonias que proveem a Internet não podem manipular os conteúdos.
Têm que ofertar velocidade de volume. Não podem dizer “sobre este
conteúdo vou cobrar, sobre este não. Ou este conteúdo será transmitido
mais rápido e este não”. Não podem monitorar, nem filtrar os conteúdos
da rede, porque a tecnologia permite que se faça isso. Porque, por
exemplo, temos aqui uma telefonia que faz um acordo com o Facebook, do
qual eu não irei participar, e que irá me ofertar o Facebook gratuito em
minha conexão.
Então,
por um acordo comercial, o Facebook termina sendo a Internet para
milhões de pessoas. E se, outra rede como a Diáspora ou qualquer outra
que não tem a capacidade comercial de negociar, como tem o Facebook,
nunca irá conseguir fazer uma rede para muitas pessoas. O artigo 09 do
Marco Civil impede isto claramente. Ainda se deve regulamentar este
artigo. Ainda está em discussão. Então a neutralidade da rede serve para
que meus conteúdos sejam iguais a qualquer outro, para enviar e para
receber. As operadoras têm que ser neutras em relação aos conteúdos.
Vendem a velocidade, mas não tocam nos conteúdos.
E a privacidade?
Não
conseguimos tudo em relação à privacidade. Contudo, o artigo 07 garante
a privacidade como nunca havia sido garantida para a Internet. Nele se
diz que o fluxo privado é inviolável. Que a comunicação armazenada
necessita de ordem judicial para ser monitorada. Não se pode, como com
os telefones, escutar o que estamos falando sem que um juiz o peça. Isto
não resolve a questão totalmente. Ainda temos que pôr isso em prática e
ver como se dará. Mas agora estamos jogando o jogo, antes nem sequer
podíamos jogá-lo. Por exemplo, a cooperação entre corporações de
conteúdo, como Facebook ou Google,
antes da lei nem sequer eram ilegais. Agora isso terá um fim? Não.
Todavia agora é ilegal, então existem mecanismos para controlar. Pode-se
manipular dados, contudo não passá-los a terceiros para qualquer outro
fim. Estes são mecanismos de defesa da privacidade muito fortes.
Aqui
uma ex-modelo iniciou um processo porque seu nome aparecia em um sítio
de busca associada a páginas de pornografia e pediu que essa informação
fosse eliminada. Como seria com esta lei?
Os
principais ataques à liberdade de expressão na Internet é que se
retiram os conteúdos sem chances de defesa. Por exemplo, no Brasil há a Marcha das Vadias, que defende os direitos das mulheres – o nome é um sarcasmo –, então no Facebook retiravam
todas as suas fotos e cancelavam todos os perfis porque (suas regras
dizem que) não se pode fazer nudismo. Contudo fotos artísticas de
pessoas nuas não eram retiradas. Havia uma censura política.
Também há denúncias em relações a mulheres amamentando...
Sim, é o mesmo. Isso não é permitido, mas uma foto artística de uma modelo nua sim. Então quem é o juiz? OFacebook?
Ou quem? Outra coisa há um governador não gosta do que um blog está
dizendo sobre ele e pede ao provedor de conteúdos que o retire, pois
caso contrário irá processar o provedor e não a pessoa que está
escrevendo nele. Esta é uma censura muito praticada em toda a rede.
Então o que a lei faz é dizer que os provedores de conteúdos não são
responsáveis por conteúdos de terceiros. Isso é um detalhe muito
importante, porque então, se oFacebook retira
as fotos dos protestos ou um sítio de busca retira um blog de sua
estrutura, terão que explicar o porquê o fizeram, pois se não é
responsável pelos conteúdos não há ameaça para eles sobre estes
conteúdos. Somente poderão ser retirados com uma ordem judicial. A
retirada de maneira automática será discutida na Justiça. O único
conteúdo que permitimos retirar sem ordem judicial é o conteúdo de nudez
e sexo sem autorização da própria pessoa. Deve ser a própria pessoa ou
seu responsável legal, em caso de menores, quem irá comunicar ao
provedor que retire todas as imagens ou vídeos do referido conteúdo.
Então, por exemplo, uma entidade religiosa não pode fazê-lo dizendo que
vai contra a sua moral. Apenas a pessoa.
Então no caso da modelo argentina...
No caso dela não ter autorizado tais fotos, a retirada deve ser solicitada apenas com a comunicação ao Google ou a quem fosse. O Marco Civil não pode controlar se a foto é uma foto pública, não se pode eliminar certas buscas públicas.
O que conseguiram fazer com a lei do Marco Civil?
Há algo que especialmente a televisão Globo não
permitiu, que nos conteúdos protegidos pelos direitos autorais esta
regra não fosse aplicada. Assim podem ser retirados sem ordem judicial,
apenas com uma simples notificação. Então, ainda segue a censura
transvestida de direitos autorais, que não necessariamente está
protegendo direitos patrimoniais. O que acordamos foi que essa questão
passe a ser tratada na lei de direitos autorais e a retiramos da lei do
Marco Civil porque com a Globo e as telefônicas juntas contra a lei, não iríamos aprova-las nunca.
Isto quer dizer que agora deve-se trabalhar nessa outra lei...
Sim, porém ainda estamos estudando, contudo o que ocorre com os direitos autorais? A censura ainda continua. Por exemplo, a Globo retira
os vídeos que a criticam, alegando que isto está protegido pelos
direitos autorais. E isso não tem nada haver, porque a mesma lei de hoje
dos direitos autorais permite que usemos pequenos trechos para fazer
críticas, sátiras. O problema é que nossa lei atual não fala sobre a
Internet. Assim continua retirando conteúdos com argumentos
patrimoniais, mas na realidade está censurando o debate. Outro problema é
o artigo 15. As polícias brasileiras fizeram uma forte pressão. No
projeto original, no armazenamento de dados de aplicação, as empresas de
Internet podiam decidir se queriam fazê-lo ou não. Na realidade, o que
queríamos era que não fosse possível armazenar, contudo era impossível
que o Google, o Facebook,
ou qualquer outra empresa cujo negócio está no armazenamento de dados,
continuassem na Internet e, se o proibíssemos, iríamos fazer com que no
Brasil não houvesse Google ou Facebook e isso não agradaria ninguém.
O tiro sairia pela culatra.
Então
decidimos que cada empresa iria decidir. Contudo a polícia obrigou a
todas as empresas que fizessem o armazenamento por seis meses, com fins
de investigação criminal. Tudo. Se alguém carregou uma foto, se comprou
um remédio pela Internet ou um livro, ou enviou uma mensagem, se viu uma
notícia, todos esses movimentos seriam guardados por essas empresas por
seis meses. Para vê-los, devem ser requeridos pela Justiça. Então o que
dissemos é que há dois princípios constitucionais que estão violados
neste artigo. Um, é a presunção da inocência. Estamos considerando
todos como culpados, então armazena-se a informação de toda a sociedade
caso alguém seja suspeito. E é uma medida que viola o princípio de
proporcionalidade, é muito desproporcional. Para que alguém não cometa
um crime vamos vigiar a todos. Isso é um problema. “Ah – dizem –, mas é
apenas com ordem judicial”. Sim, mas como a empresa irá garantir que
esses dados não irão por aí.
E é difícil provar também que tenham vendido esses dados ou que foram enviados para outros usos.
E
se irão armazenar, terão que investir para salvar. Então, por exemplo,
uma livraria que vende livros pela Internet, que não iria salvar nada,
agora tem que salvar. E se vai armazenar, irá comercializar porque tem
que investir. “Ah, mas não pode enviar os dados para outros”. Sim, mas
pode analisa-los estatisticamente e usar essa análise como um dado. Os
metadados. Pode-se fazer uma estatística de tudo o que ocorre e saber
para onde direcionar a publicidade. Então se leva todas as empresas para
um comércio de metadados.
Na regulamentação isto pode ser modificado?
Sim,
vamos tentar que sejam apenas algumas empresas, não todas as que possam
armazenar. Nossa proposta é que as que já salvam sejam submetidas a
este artigo, mas as que não armazenam, não. Também podemos trabalhar em
outra lei, que é a de proteção de dados pessoais. Nesta lei poderíamos
revogar este artigo 15.
A lei do Marco Civil devolve ao Estado um rol importante em relação à regulação das comunicações...
Mais
que ao Estado, à própria sociedade. É uma lei da sociedade e não uma
lei que está sendo manipulada pelos interesses políticos de um partido
ou de um governo.
Contudo quem é a autoridade para a aplicação desta lei?
Temos a Anatel, que é uma agência do Estado, que regula a infraestrutura de telecomunicações, e temos o CGI,
Conselho Geral da Internet brasileiro, composto por governo, sociedade
empresarial e consumidores, que realiza muitas coisas em relação ao
domínio ponto br. Alguns artigos dizem que a Anatel e o CGI têm que ser escutados pelo governo para fazer a regulamentação. Entretanto ainda não há uma agência específica como a Afsca daqui, não criou-se nada para monitorar isto. Então a Anatel segue exercendo a aplicação do que ocorre na infraestrutura, mas não na camada lógica (a nível dos conteúdos) e o CGI trata da camada lógica. Agora o Marco Civil o nomeia pela primeira vez em uma lei. Essa é outra vitória.
Na
Argentina há um movimento em relação aos questionamentos sobre
conteúdos discriminatórios por razões de gênero, etnia, orientação
sexual. A lei do Marco Civil diz alguma coisa em relação a este tipo de
conteúdos?
Sim,
fala também com os mesmos princípios. Contudo é um Marco Civil, não
trata de questões penais. Por exemplo, o racismo é um crime no Brasil.
Então pelo Marco Penal não se pode ser racista na Internet. Então o
Marco Civil não necessita tratar desse tema.
Entretanto, um conteúdo sexista, por exemplo, que é simbólico?
Não
há nenhum dispositivo na lei que diga que isto não pode, que será
retirado. Porque aí fragilizamos a lei: quem vai decidir sobre isto.
O que teria que ser feito então?
Ser
nomeado como um princípio que deve respeitar os direitos humanos,
contudo não há um mecanismo específico que o retire ou o resolva. Então
isto deve ser revolvido na justiça. São necessários juízes especiais
para tratar o tema, um tribunal especial para que não fique junto com
todas as outras questões, visto que deve-se ser mais rápido para
tratá-lo. Isso é nomeado pela lei, mas não está instituído, mas diz que
deve ser feito via tribunal porque é importante para normatizar e
agilizar as coisas.
Também devem ser utilizados outros mecanismos, como campanhas...
Sim.
E o Marco Civil é uma lei de princípios. É uma lei geral, que desenha
um caminho. É um bom começo, não encerramos nada. E temos um longo
caminho.
Vão aproveitar o Mundial de Futebol para mostrar esta legislação ao mundo?
Não. Isso ocorreu com o NetMundial, todo mundo viu que é possível aprovar uma lei assim. E ficou indicado que seja feito um Marco Civil Mundial.
Porque as coisas não estão em um país ou em outro, mas estão em todo o
mundo. O mundial é um problema, inclusive para a privacidade, porque
todas as empresas de espionagem estão vindo ao Brasil para monitorar as
redes pelos protestos, devido a tudo que irá ocorrer nesses dias, porque
a FIFA impõe coisas tremendas que devem ser garantidas em nome de seus patrocinadores.
Como a arquitetura foi útil para que você pensasse a comunicação?
É
útil para que eu pense as coisas visualmente. A comunicação não é
apenas a rádio ou a TV, a cidade é um tremendo canal de comunicação.
Também estou desenhando minha casa, que irei construir. Gosto muito.
Contudo sem a comunicação democrática todos os outros temas permanecem
paralisados. Não vamos ter uma educação pública, saúde, a reforma
agrária, nenhuma dessas questões irá ocorrer sem que haja um debate que
ocorra de forma democrática. Então define-se esse como o tema de todas
as disputas. Temos que democratizar a comunicação para que a própria
democracia se concretize.