Celebridade da computação, Richard Stallman chegou ao Fórum Internacional do Software Livre (Fisl), em Porto Alegre, deixando o mínimo de rastros possível. O pai do sistema GNU/Linux usa cartão de crédito apenas para comprar passagens de avião, não tem celular e proíbe que tirem fotos suas para postar no Facebook. O americano formado por Harvard e MIT parece ranzinza, mas contou até piadas em português.
A entrevista é de Paula Minozzo e publicada no jornal Zero Hora, 06-07-2013.
Eis a entrevista.
Como o senhor vê a inclusão digital, que permite mais pessoas com acesso à internet?
Eu não acho que inclusão digital seja necessariamente boa. Depende o tipo de sociedade digital em que vivemos. Se é uma sociedade livre, que respeita nossa liberdade, então é boa. Se é injusta e tirânica, como a que Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos proporciona, o povo está melhor sem inclusão digital. O que deveríamos fazer é lutar por uma sociedade digital livre.
Software livre seria a saída?
Não apenas o software livre. Uma das ameaças à nossa liberdade é o software que controla os usuários, ou seja, software que não é livre. Podemos nos livrar desse problema, porém há outras ameaças. O constante monitoramento digital de certos países é intolerável. As pessoas não deveriam confiar dados pessoais aos sites. As pessoas não deveriam usarsites que exigem essas informações. Eu uso internet no computador de outras pessoas, para que minha navegação não seja relacionada a mim.
O senhor tem celular?
Eu não tenho um aparelho móvel porque ele rastreia você.
Então a internet não seria um meio tão democrático assim?
Democrático é um termo ambíguo, e eu não tenho certeza do que significa, mas de alguma maneira, se você publicar conteúdo em alguns sites, você pode receber atenção sem ser rico ou famoso, mesmo que eu saiba que empresas como Microsoft pagam pessoas para falar bem dos produtos deles na internet. Há pessoas usando a internet de forma errada e, ao mesmo tempo, empresas coletam muitos dados sobre as pessoas que se relacionam com elas.
Toda empresa faz isso?
Angry Birds (jogo para smartphones), por exemplo, coleta informação sobre a localização de usuários, e claro, é um software que não é livre. Mas o que você esperava? É claro que é mal-intencionado. Os programas mais vendidos são conhecidos por terem funções maliciosas. Há três funções maliciosas: restringir o usuário (as chamadas algemas digitais), a espionagem e os backdoors (falhas no sistema que permitem entradas sem conhecimento do usuário). Computadores da Apple têm só algemas digitais, creio, mas os com Windowstêm os três.
Isso pode ser combatido?
Refleti sobre isso quando estávamos fazendo um telefone móvel apenas com software livre, mas tive de pensar: ‘há uma maneira de fazê-lo funcionar e controlar o rastreamento?’ Não consegui encontrar uma forma de fazer isso. Eu teria de carregar uma antena junto, para mirar nas torres. Seria um grande trabalho, então decidi não ter celular. Quando preciso ligar, peço para alguém fazer a ligação por mim, e nunca tive problemas. Consegui alguém todas as vezes que precisei.
Por que o senhor considera inseguras as urnas eletrônicas do Brasil?
O Brasil perdeu todas as suas possibilidades de saber se os votos são contados corretamente. Acredito também que no Brasil alguém pode descobrir os votos dos outros à distância. As urnas emitem radiação eletromagnética, que pode ser usada para ver o que está sendo mostrado na tela. Há maneiras de ver em quem se vota, e isso é muito perigoso.
Por que os governos querem saber tudo sobre as pessoas?
Porque assim o governo pode pegar qualquer delator. O governo não quer que nós saibamos o que acontece. Os Estados Unidos já mostraram que estão dispostos a caçar e condenar delatores, a qualquer custo. O monitoramento que temos nos Estados Unidos, hoje, é incompatível com os direitos humanos.
Como vê o uso dessas ferramentas para organizar protestos contra governos?
É irônico, dado o quão horrível é o Facebook. O Facebook é uma ferramenta monstruosa de monitoramento. Eu imploro para que você não use. Eu nunca usei.