O rock star da economia. Entrevista com Thomas Piketty
Em seu modesto escritório na Escola de Economia de Paris, quase na periferia da capital francesa, Thomas Piketty,
o economista mais famoso do momento, não demonstra qualquer afetação e
parece reagir genuinamente com humildade ao estrondoso sucesso de seu
livro. "O Capital no Século XXI" é
uma obra (de 970 páginas em francês e 685 em inglês, mas de idêntico
conteúdo) sobre a história do dinheiro, do patrimônio e do aumento da
desigualdade no mundo, que tende a se tornar incontornável no debate
econômico.
Ao receber o Valor, Piketty confirma que assinou contrato para a publicação do livro em português - no Brasil será editado pelo Intrínseca -
e que os direitos autorais já foram vendidos para publicação em outros
20 idiomas. Comenta, com naturalidade, que já foram vendidos 250 mil
exemplares nos Estados Unidos, dos quais 150 mil nas últimas duas
semanas. Na maior economia do mundo, Piketty tornou-se uma espécie de economista "rock star". O auditório para sua palestra na City University de Nova York, no mês passado, estava tão repleto que obrigou à transmissão, por canal fechado, para outro espaço. Ele foi depois à Casa Branca, em Washington, a convite do secretário americano do Tesouro, Jacob Lew, para discutir as conclusões de seu livro.
Piketty diz
que se trata de 15 anos de pesquisas não só dele, mas de um grupo de
economistas, que cita nominalmente. Depois, reconhece que seu mérito é o
de mostrar, pela primeira vez, dados sólidos para um debate permanente
sobre a desigualdade.
A entrevista é de Assis Moreira, publicada pelo jornal Valor, 16-05-2014.
Ele
argumenta que a tendência geral é de haver mais desequilíbrio nas
sociedades, e não de maior igualdade econômica. Uma de suas principais
conclusões é que o mundo vai na direção de um capitalismo
patrimonialista, com acumulação de renda ininterrupta enquanto persistir
uma taxa de retorno financeiro bem mais alta do que o crescimento da
economia.
Piketty desmonta
a tese de que o mundo desenvolvido vive numa meritocracia, um sistema
em que desigualdades ocorrem num contexto de prevalência da seleção por
mérito e dedicação ao trabalho, mais do que por influência de fatores
relacionados a filiação e renda.
Na verdade, afirma, o discurso de meritocracia fica longe da realidade: na lista dos bilionários da revista "Forbes", 60% têm fortuna herdada. E numa sociedade dominada pela riqueza, dinheiro compra poder e a desigualdade não é eliminada.
É
sua convicção que a dinâmica mundial de acumulação e repartição de
patrimônios vai na direção de trajetórias explosivas e espirais de
desigualdade fora de controle. "Não há piloto no avião, nessa história",
disse Piketty na entrevista.
Sobre
a situação nas economias emergentes, ele acha que os rendimentos mais
altos vão continuar obtendo uma parte desproporcional do crescimento da
produção, mas o ritmo de aumento poderá ser atenuado pela expansão da
economia.
Para salvar o capitalismo dos capitalistas, como resumiu o "Financial Times", Piketty propõe
um imposto mundial sobre o capital. Mas acha que há muito a fazer
antes, em termos nacionais, para imposição de um verdadeiro imposto
progressivo sobre a renda e as heranças.
Eis a entrevista.
O
senhor é chamado de guru dos críticos das desigualdades, Marx I,
economista "rock star". Como reage à repercussão de seu livro?
Para
mim está bem, se isso tudo incita as pessoas a lerem o livro e façam um
debate mais baseado em fatos sobre a desigualdade. Depois podem tirar
as conclusões que quiserem. Se o livro faz sucesso é porque oferece,
pela primeira vez, uma história do dinheiro, da renda, do patrimônio que
se apoia em fontes históricas numerosas e precisas. É o resultado de um
projeto de coleta de dados, de muitas pessoas, em vários países.
Procuramos abranger o maior numero possível de países, e isso é novo. As
pessoas discutem sobre desigualdades desde sempre e vão continuar, mas a
novidade que se tem agora, com o livro, é que se torna disponível uma
base histórica longa e melhor, que pode ajudar num debate mais racional.
Há gente tanto de direita como de extrema esquerda que faz críticas ao
livro, de toda maneira.
Até
que ponto vai a força desestabilizadora do rendimento privado do
capital mais elevado que o crescimento da renda e da produção?
Há
forças tanto para aumento da desigualdade como para sua redução. O
conhecimento, a educação, a qualificação permitem, em certo momento,
reduzir as desigualdades, tanto entre países - como entre emergentes e
desenvolvidos -, como também no interior de países, se há instituições
educativas que permitem a cada um ascender a funções melhor remuneradas.
Essa é uma força potente da redução de desigualdades. Mas pode não ser
suficiente. Há forças de amplificação das desigualdades, em particular
em países de crescimento fraco. No longo prazo, todos os países terão
crescimento fraco, pois não dá para crescer eternamente a 5% ou 10% ao
ano. A experiência histórica sugere que, quando estamos na fronteira
tecnológica mundial, o crescimento se reduz.
Qual a ordem de grandeza das desigualdades de renda e de patrimônio?
Nos EUA,
os 10% de rendimento mais elevado passaram de 30% a 35% da renda total
para mais de 50% hoje, antes de impostos e transferências. É uma grande
mudança. A questão é até onde isso vai. Entre países mais igualitários,
como a Suécia em
1985, a renda total foi de 20% ou 25% para os 10% mais ricos. Nos mais
desiguais, subiu a 60%. Sobre o patrimônio, a diferença é muito mais
extrema e tudo é para o alto. Nos países mais igualitários, mesmo naSuíça, os 10% mais ricos têm 50% do patrimônio. Nos mais desiguais, varia de 80% a quase 100%.
Antes da Primeira Guerra, a França achava
que, graças à Revolução [Francesa], era um país igualitário. Era uma
ilusão. A desigualdade não diminuiu porque cortaram a cabeça da
aristocracia. Cerca de 80% do patrimônio estavam nas mãos de 10% mais
ricos, não havia classe média. No século XX, o desenvolvimento de uma
classe média com patrimônio é a principal fonte de redução da
desigualdade nos países desenvolvidos. Acho que hoje temos o mesmo tipo
de desenvolvimento possível nos países emergentes.
Uma
das conclusões do livro é que não há determinismo econômico nesse tema.
O desenvolvimento patrimonial da classe média corresponde a
acontecimentos históricos particulares, a instituições sociais,
políticas, educativas, fiscais. Há várias dinâmicas possíveis. O livro
não dá razão nem a Karl Marx nem a Simon Kuznets [economista
nascido na Ucrânia, naturalizado americano, morto em 1985, autor das
primeiras contas nacionais americanas e das primeira séries sobre
desigualdades]. Marx pensava que as desigualdades iriam aumentar até a explosão final. EKuznets,
no extremo oposto, achava que na etapa avançada do desenvolvimento
econômico as desigualdades iriam diminuir e se estabilizariam num nível
inferior. Os dois estavam errados. Há várias evoluções possíveis que
dependem das instituições, às vezes de choques políticos. A Primeira Guerra teve um papel enorme na redução da desigualdade no século XX [na Europa], de maneira trágica.
Os EUA criaram o imposto progressivo e, no entanto, a desigualdade no país hoje ainda é enorme...
Cada
país tem uma história complicada de combate às desigualdades, feita de
hesitação, recuos, peculiaridades de identidade nacional. Os EUA não
queriam ser desiguais como a velha Europa. E criaram nos anos 1920-30 o
imposto progressivo sobre os altos rendimentos e sobre a herança, com
um vigor fortíssimo. Entre 1930 e 1980, a taxação superior sobre renda
nos EUA era de 82%. Não havia nenhum país na Europa ocidental com nível
parecido. Na taxação sobre as heranças, a diferença era também
espetacular. Nos EUA e no Reino Unido, as heranças mais elevadas eram taxadas em 70-80%, enquanto a França e a Alemanha ficavam abaixo disso. Sob Reagan,
os EUA mudaram. Jogaram "ioiô" com seus ricos no século XX. Foram muito
redistributivos num momento, quiseram colocar fim à desigualdade
extrema e tinham um ideal de sociedade igualitária. Mas nos anos
1970-1980, partiram para a outra direção com o mesmo entusiasmo e o
mesmo vigor, e essa é uma das explicações da forte subida das
desigualdades e dos supersalários.
Até
que ponto chegará a propagação dessa categoria de supersalários, em
contraste com o lento crescimento de ganhos da maioria da população?
Há
o risco de que outros países, em particular na Europa, sigam o exemplo
americano. A Europa é repartida em pequenos países na escala da economia
mundial. As sedes de grandes empresas podem facilmente se deslocar deBruxelas para Amsterdã,
aproveitando a concorrência fiscal entre os países. Nesse pequeno
território da Europa ocidental, se não houver mais cooperação fiscal, o
que vai acontecer é mais concorrência para atrair grandes salários. Por
força da globalização, pequenos países - e todos os europeus estão nesse
caso - se encontram numa dinâmica bem diferente do que desejariam
inicialmente. Atualmente, países europeus aplicam imposto sobre o lucro
das empresas menor do que nos EUA, que têm taxa de 35%. Na França,
são 33%, mas pode haver uma redução para 30% ou 25%, porque há pressão
para baixá-la a 15% ou 20%. A Europa reduz o imposto sobre as empresas,
mas aumenta o imposto sobre o consumo, sobre os salários. Tudo isso é
absurdo.
Nos
emergentes, o número de pobres diminui, a classe média aumenta, mas os
mais ricos continuam ganhando também mais do que antes. As desigualdades
que aumentam nos EUA vão se repetir na mesma dimensão nesses outros
países, onde a sociedade já é bastante desigual?
O
livro mostra que a tendência de longo prazo do rendimento do capital
superior à taxa de crescimento leva a forte concentração do patrimônio.
Parece lógico que essa questão vai se colocar da mesma maneira para os
emergentes. Mas isso pode levar tempo. Nos países com forte crescimento,
a problemática principal para reduzir a pobreza é o acesso à educação, à
formação. Evidentemente, o próprio crescimento é a força principal que
permite aproximar os salários daqueles dos desenvolvidos. Já há
emergentes, como a China,
onde a questão da tributação do patrimônio merece grande atenção,
diante da desigualdade de acesso à propriedade imobiliária nas grandes
cidades. Não devemos esquecer a estagnação, mesmo a diminuição da
população, que se vê na Asia. O aspecto demográfico tem papel importante
em meu livro. Quando você vê uma população que diminui 30% na China,
o tamanho da geração atual que é menor que a de seus parentes, o
patrimônio transmitido por herança torna-se muito importante. No
momento, na China e na Rússia a
maneira de regular as diferenças muito fortes de patrimônio se dá caso a
caso. Toleram os oligarcas quando são dóceis, mas se quiserem fazer
política é outra coisa.
Ou
seja, também nos emergentes os rendimentos mais altos vão continuar
obtendo uma parte desproporcional do crescimento da produção, mas
enquanto continuarem crescendo bem pode-se atenuar o aumento da
desigualdade.
Sim, é isso. Se os EUA tivessem
tido forte crescimento desde os anos 1980, o aumento da desigualdade
teria sido menor e as diferenças seriam mais bem aceitas. A razão pela
qual os EUA se inquietam muito é que vimos a alta dos supersalários, da
desigualdade, mas não do ritmo de crescimento. No período 1980-2012, o PIB por
habitante subiu só 1,5%, em média. Se 3/4 vão para os 10% mais ricos,
não resta grande coisa para a classe média. Se o crescimento tivesse
sido de 5%, teria sido mais facilmente aceito.
O senhor é critico do discurso sobre meritocracia, principalmente nos EUA...
O
discurso sobre meritocracia é exagerado. Os ganhadores no sistema
econômico - por exemplo, os que ganham supersalários, procuram
justificar-se com base no mérito. Mas, quando comparamos as empresas que
pagaram US$ 10 milhões a seus dirigentes, em vez de US$ 1 milhão, e
tentamos ver o desempenho dessas empresas, não há nada de excepcional.
Acima de certo nível de salários, trata-se simplesmente de captação de
renda, o mérito tem pouco a ver. Como digo no livro, é preciso cautela
sobre o discurso do mérito, que é uma espécie de corrida entre os altos
salários e os altos patrimônios. Os beneficiados por altos salários se
justificam dizendo que podem chegar a altos patrimônios sem serem
herdeiros. O problema é para os que não são nem uma coisa nem outra.
Existe uma forma moderna de desigualdade, que pesa ainda mais para os
perdedores do sistema.
Ao mesmo tempo, o mundo entra numa fase de convergência entre países ricos e pobres?
Entre
países, sim. Mas são as desigualdades no interior dos países que
continuam a aumentar. Se pegarmos os últimos 30 anos, vemos que a parte
mais elevada do patrimônio, em termos mundiais, progrediu três vezes
mais rápido que o patrimônio médio. Isso não é evidente para muita
gente, porque, ao mesmo tempo, há diminuição na distribuição do
patrimônio mundial entre a parte média e a parte baixa, graças aos
emergentes. Mas a parte alta, os mais ricos, já se distanciam da média.
Assim, quando as forças de desigualdade tiverem diminuído na parte
baixa, restará a força da desigualdade vinda dos patrimônios mais altos.
Muita gente ainda não se dá conta disso, porque continua havendo, com o
crescimento dos emergentes, uma forte renovação das elites mundiais,
com os novos ricos na China, Brasil, Rússia. É preciso ter em mente que, quando falamos de um PIB mundial
que aumenta 3% em 2014, a metade é crescimento da população mundial. Ou
seja, uma grande parte do crescimento mundial, da renovação das elites,
é esse aumento da população. Mas, conforme as previsões da ONU,
esse crescimento vai cair a quase zero por volta de 2040. Essa redução
demográfica é um fenômeno novo, que pode dar uma importância ainda maior
ao patrimônio e à herança do que no passado.
Ou seja, as heranças vão ter um peso maior nas economias no futuro...
Sim,
em sociedades com população estagnando ou declinante, o peso da herança
poderá mesmo superar o que havia nas sociedades europeias do século
XIX. E muito depende da demografia.
Com
a enorme acumulação de riqueza, quem vai possuir o mundo no futuro: os
fundos soberanos dos paises produtores de petróleo ou a China?
Sou
incapaz de dizer quem vai possuir o mundo em 2050. Mas é certo que, com
o nível de acumulação dos fundos soberanos, as coisas podem ir muito
rápido. A acumulação é gigantesca, sobretudo como efeito dos rendimentos
elevados, de 5% a 7% por ano, comparados ao crescimento de 1% a 2% da
economia dos países ricos. A Noruega[com
fundo soberano de US$ 700 bilhões] vai se tornar um país de rentistas.
Mesmo quando esse país não tiver mais petróleo, os rendimentos de seu
fundo soberano no estrangeiro vão representar muito mais que toda sua
produção industrial e todas suas exportações de bens e serviços. Isso é
bastante perturbador para uma identidade social-democrata. A Noruega é um pequeno país, mas se pegarmos o conjunto dos paises produtores de petróleo, e aChina,
com reservas de quase US$ 4 trilhões, sem dúvida há uma dinâmica de
repartição do patrimônio, em nível mundial, bastante explosiva. Se não
houver uma regulação coletiva que permita, já agora, ter mais
transparência sobre quem possui o quê, o risco de reação nacionalista
poderá ser bastante forte.
Sobre emergentes, aliás, o senhor fala de "buraco negro" sobre informações de repartição de riqueza...
É verdade que, no caso do Brasil,
há muita dificuldade para se ter dados sobre a renda. Uma lição disso é
que o imposto é também um instrumento de transparência democrática.
Quando você não tem mais imposto progressivo, ou mal administrado, perde
a fonte de informação e limita a capacidade da sociedade de conhecer a
si mesma. E isso alimenta os fantasmas. Conhecer bem os altos
rendimentos ou patrimônios não é para cortar cabeças, mas sim para
tentar soluções pacíficas, racionais. Porque, no fundo, mesmo nos paises
mais desiguais, não é suficiente taxar mais os altos patrimônios, fazer
os ricos pagarem, para resolver o problema.
Como
o senhor vê um país onde os 10% mais ricos tinham 42% da renda em 2012,
enquanto 13,3% cabiam aos 40% mais pobres, e a renda real do trabalho
do 1% de mais ricos era 87 vezes superior à dos 10% mais pobres?
É o Brasil, é isso? O Brasil é
um dos países mais desiguais do mundo. Uma das lições da história do
século XX nos países ricos é que não se precisa de desigualdade
acentuada para ter desenvolvimento. O tipo de desigualdade extrema que
havia na Europa antes da Primeira Guerra era simplesmente inútil. A França criou o imposto de renda unicamente para financiar a guerra contra a Alemanha em
1914, não para financiar as escolas. A extrema concentração de riquezas
fazia com que o processo político fosse capturado pelos detentores dos
altos patrimônios. Hoje, há a mesma inquietação nos EUA sobre o financiamento das campanhas eleitorais.
Sua proposta de imposto mundial sobre o patrimônio provoca muito debate. Como seria essa taxação?
Antes de chegar a isso, pode-se fazer muita coisa em nível nacional. Nos EUA e na Europa,
há tributação sobre o patrimônio, em geral na forma de impostos sobre a
terra, mas não se levam em conta ativos financeiros. O que se poderia
fazer é adotar um imposto progressivo sobre o patrimônio livre de
dívida. Se um apartamento custa € 400 mil, por exemplo, mas tem uma
divida de € 390 mil, o imposto seria bastante reduzido. Em
contrapartida, a taxa sobre o patrimônio mais importante aumentaria um
pouco mais. O objetivo não é aumentar o total do imposto sobre o
patrimônio, mas torná-lo mais progressivo, para permitir a participação
da classe pobre e média no patrimônio nacional e limitar a concentração
entre as classes altas. Depois, seria necessário ir mais longe. Mas
seria necessária mais cooperação internacional. A União Europeia e os EUA negociam
um tratado comercial, e acho que nesse tratado seria importante incluir
uma base comum de tributação sobre empresas, e o registro de títulos
financeiros. É preciso proceder por blocos. Os EUA têm um quarto do PIB mundial, a Europa outro quarto, a China20%...
A novidade de meu livro sobre isso é que, se não tivermos um objetivo
fiscal, com taxa mínima de tributação de ativos financeiros
transfronteiras, toda a discussão no G-20 sobre a área fiscal não vai a lugar nenhum.
Mas
o G-20 já avançou sobre troca automática de informações entre os fiscos
(os bancos serão obrigados a facilitar o acesso aos dados pelos fiscos
nacionais). Vai nessa direção, não?
Sem
dúvida. Há cinco anos, dizia-se que isso era impossível. Os bancos
suíços só avançaram sob a ameaça de sanções americanas. Muita gente me
diz que um imposto mundial é utópico. Eu não me impressiono com quem
sabe de antemão o que vai acontecer ou não. A história dos rendimentos,
do patrimônio, de impostos é cheia de surpresas. Eu tento contribuir
para esse debate colocando em perspectiva uma reflexão sobre o imposto
justo. E a transparência do patrimônio e do imposto é muito importante.
Qual o papel da inflação na dinâmica de repartição de riquezas e na desigualdades?
Essa
é uma questão muito importante. Prefiro o imposto progressivo sobre o
patrimônio privado porque a inflação acaba afetando todos e mais
duramente os pequenos poupadores. Cada país tem sua própria história com
a inflação. A experiência europeia com a inflação foi muito dolorosa.
Permitiu à França e à Alemanha extinguir sua divida pública após a
Primeira Guerra Mundial. Mas se destruiu grande parte da poupança
privada, sobretudo a popular. A zona do euro foi construída em parte com
essa ideia de não termos mais inflação. Mas sem inflação, e tendo uma
grande divida publica, serão necessários 30, 50 anos para reduzir
significativamente a divida só com austeridade. Para quem me diz que não
é realista um imposto sobre o patrimônio privado, indago se é realista
considerar 30, 50 anos de austeridade. Certos paises emergentes aceitam
um nível de inflação, o que tem pelo menos o mérito de reduzir
mecanicamente a dívida pública. Mas é claro que com inflação e, ao mesmo
tempo, taxa de juro alta, tampouco se resolve.
Concluindo, o mundo vai na direção de acumulação infinita de capital?
Não.
No meu modelo teórico, a concentração do patrimônio vai parar, mas em
nível muito elevado. Até onde vai? Nos últimos 30 anos, os patrimônios
mais elevados cresceram três vezes mais rápido que o tamanho da economia
mundial. É uma enorme concentração de capital. E pode chegar a um nível
tão mais elevado, comparado a hoje, que será ameaçador para o
funcionamento das instituições democráticas. Mas, em caso de crescimento
econômico elevado, seria possível equilibrar o rendimento do capital e a
desigualdade pararia em nível aceitável. Só que, em vez de esperar que
essa inacreditável coincidência se produza, é melhor preparar um plano
B, regular essa dinâmica. Não há piloto no avião nessa história.