Investigada, OMS revê regras de pandemia
Pressionada e investigada por causa da gripe suína, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu rever as regras para a declaração de futuras pandemias. O anúncio foi feito ontem pela diretora da entidade, Margaret Chan. Hoje, o Parlamento do Conselho da Europa inicia uma investigação para apurar suspeitas de influência indevida de farmacêuticas na OMS. Alguns cientistas da organização teriam constado na folha de pagamento de laboratórios.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 19-01-2010.
A acusação veio após a imprensa dinamarquesa obter oficialmente informações de que membros do grupo criado para sugerir medidas à entidade eram cientistas financiados por empresas do setor. Há oito meses, a OMS decretou que o vírus H1N1 havia saído do controle e que o mundo vivia a primeira pandemia do século XXI. Para isso, o critério foi a difusão do vírus em mais de dois continentes.
Países passaram a gastar milhões para se preparar e a indústria farmacêutica focou atenção na nova doença. Menos de um ano depois, o número de mortes foi bem menor do que o esperado, enquanto milhões de vacinas ficaram encalhadas.
Parlamentares europeus centrarão esforços no papel do Grupo Estratégico de Especialistas em Imunização (Sage, na sigla em inglês). Isso porque o jornal escandinavo Information se utilizou de uma lei de liberdade de informação para obter dados sobre as doações recebidas por institutos médicos. Os dados mostram que um membro da Sage, o finlandês Juhani Eskola, recebeu em seu instituto mais de US$ 9 milhões em financiamento da GlaxoSmithKline, uma das empresas que fabricam a vacina contra a gripe. Eskola nega conflito de interesse.
Outro cientista é o holandês Albert Osterhaus, que também faz parte do comitê de aconselhamento. Os deputados holandeses começaram a investigar sua relação com a indústria e o fato de ter recebido bolsas, financiamento e contribuições da GSK, Sanofi, Novartis e outras empresas. No Reino Unido, o cientista responsável por elaborar sugestões ao Ministério da Saúde, Roy Anderson, também passou a ser avaliado por ser um ex-diretor da GSK. "A campanha da gripe suína parece ter causado um dano considerável aos orçamentos públicos, assim como para a credibilidade de agências mundiais de saúde", diz a resolução aprovada pelo Conselho da Europa que dá início à investigação.
A GSK anunciou que vendeu US$ 1,3 bilhão em vacinas apenas no ultimo trimestre de 2009, cerca de 130 milhões de doses. No geral, o setor farmacêutico estimou que poderia vender cerca de US$ 7 bilhões com o novo vírus. Chan disse não "haver nenhuma inclinação a tomar decisões a favor de uma indústria". Ela sugeriu aos países da OMS que comecem revisar as regras de pandemias. "Vamos avaliar se o que fizemos foi bom ou ruim. Baseado nisso, tomaremos novas decisões." Ela acredita que o processo estará concluído até maio.
Os governos do Reino Unido e o do Japão, além da União Europeia, foram os primeiros a alertar que a revisão deveria modificar a forma pela qual a OMS declarará uma pandemia. Os britânicos querem que um dos critérios seja a intensidade do novo vírus. Já o Japão quer que a taxa de hospitalização da doença seja incorporada. O governo do Vietnã enviou uma carta à OMS questionando a entidade sobre as alegações de que teria exagerado nos alertas sobre a gripe. O país gastou US$ 50 milhões em remédios.
Paulo Buss, representante do Brasil no Conselho Executivo da OMS, que ocorre nesta semana em Genebra, acredita que a entidade tomou a decisão acertada em alertar para o vírus. "Ninguém sabia o que viria. Agora é fácil criticar", disse.
Para Chan, foi o trabalho da OMS que evitou que a doença se espalhasse mais. O H1N1 começa a perder força, mas a entidade afirma que é cedo para dizer que a pandemia terminou.