A esquerda política desapareceu, afirma sociólogo espanhol
Da indignação à esperança é o caminho descrito pelo sociólogo Manuel Castells (nascido em Hellín, Albacete, em 1942) nos movimentos de protesto que sacudiram os países árabes e o Ocidente, com especial presença na Espanha. Um movimento que se organiza nas redes de computadores e se concretiza nos espaços urbanos ocupados: da Porta do Sol ou da Praça Tahrir até Wall Street. Castells, catedrático na Universidade do Sul da Califórnia, vê aí o germe da mudança para formas de democracia mais participativas. É o que explica em sua última obra, "Redes de Indignação e Esperança" (ed. Aliança).
A entrevista é de Francesc Arroyo, publicada pelo jornal El Pais e reproduzida pelo portal Uol, 19-12-2012.
Eis a entrevista.
Faça um balanço do movimento dos indignados.
Ele vai por países. Na Islândia se nacionalizaram os bancos, se expulsaram os dois partidos que a governavam desde 1927, criou-se um novo governo com a democracia participativa, elaborou-se uma nova Constituição discutida pela Internet, com milhares de cidadãos intervindo. Foi uma revolução, pacífica, mas uma revolução. Em alguns países árabes se acabaram as ditaduras. Pode-se pensar se o islamismo agrada mais ou menos, mas é outra coisa. Ditaduras inalteradas durante décadas se acabaram em semanas. Na Tunísia, no Egito. Em outros casos, os governantes avisados transformaram as revoltas em guerra civil. Nos EUA a distinção entre ricos e pobres era alheia à cultura americana, e agora é um assunto vivo e teve um efeito eleitoral de segundo grau na campanha, a favor de Obama.
E na Espanha?
A Espanha é o país da Europa onde o sistema político mostrou menos sensibilidade diante dos protestos, e com os dois grandes partidos de acordo em ignorá-los. O caso mais drástico é o das hipotecas. Os suicídios dispararam o alarme social, mas há mais de um ano e meio que vem se colocando sem resposta. A opinião pública registrou as críticas do 15-M. As pesquisas indicam 70% de apoio, mas também registram que quase não se acredita que haja capacidade de mudança. Mudou a consciência das pessoas, mas o sistema político se mantém impermeável. E isso pode degenerar em confrontos e violência.
Uma violência que o movimento rejeita totalmente.
Com uma sociedade mobilizada, indignada, sem resposta institucional verossímil, é difícil evitar a violência. Espero que não ocorra, e muita gente do 15-M também espera.
O senhor indica que parte da desconfiança em relação aos partidos se deve a que são vistos como subordinados ao capitalismo financeiro. Mas anota que não há uma rejeição do capitalismo.
Dentro do movimento há uma tendência que é anticapitalista, mas nem todo o movimento o é. O que se rejeita é o sistema financeiro como funciona hoje. Sua indignidade e imoralidade. Também a subordinação das instituições e dos partidos. O movimento parte do mal-estar econômico e social, mas é sobretudo um movimento político que exige a democracia real. Fez várias propostas razoáveis de democratização do sistema eleitoral, porque a sociedade mudou, mas o sistema político não muda. Gerou mais debate e criou mais consciência política que os partidos nos últimos 20 anos. Isso logo se traduzirá em votos. O problema é que nenhuma das propostas políticas reflete hoje essa nova sensibilidade.
De modo que, quando houver eleições, vencerão as formações que defendem o contrário.
É que a esquerda desapareceu. Hoje, em termos políticos, estamos em um período constituinte. Não desaparecem os partidos conservadores, mas a esquerda está em crise, apesar de haver um espaço de centro-esquerda que não é preenchido porque a lei eleitoral funciona como um mecanismo de bloqueio. Os partidos espanhóis se sentem acossados, creem que se se abrirem desaparecerão. E têm razão, sobretudo a esquerda. E isso é dramático.
O movimento se comunica através das redes, como antes os operários se reuniam na fábrica.
Todos os movimentos sociais nascem da comunicação. O indivíduo isolado com seu tédio não tem força. Pode suicidar-se. Os suicídios são o que precede as revoluções islâmicas. As pessoas passam da humilhação à autodestruição. A sorte é que existe um espaço de comunicação, a Internet, no qual vivem muitos jovens. As pessoas se organizam onde vivem. Os operários se comunicaram nas fábricas, os jovens de hoje o fazem na Internet, mas é vital que logo ocupem o espaço público. Ao ocupar um espaço público, as pessoas percebem que ele existe e que podem impor seu direito à cidade, acima das regras de trânsito. O que produz as mudanças históricas é a combinação de um espaço de comunicação, um espaço de reunião, um espaço de incidência política. São velhas liberdades (de reunião, de expressão) traduzidas para a era digital. Os movimentos nascem na rede e se organizam no espaço urbano. E como a ocupação do espaço urbano não pode se eternizar (às vezes a polícia se encarrega disso), se replicam na rede, mas não desaparecem.
Uma comunicação que o poder combate com a coação e a manipulação.
A dominação perfeita é a que não se sente. Pode ser por adesão aos valores dominantes ou por resignação, e aí os processos de persuasão são fundamentais. Quando falham, se recorre à coerção, mas os melhores sistemas de controle são os que não precisam do uso da polícia.
O senhor ressalta o papel das emoções, do medo que paralisa ou da esperança que estimula.
A primeira emoção que aparece é a indignação. O medo instiga as pessoas. O medo de perder o pouco que lhes resta. O medo e a resignação paralisam as pessoas. Isso explode quando não se aguenta mais. Nesse momento se supera o medo. A esperança chega quando você supera o medo e encontra nas redes, na rua, muita gente que está igual a você. Essa é a passagem do medo para a esperança. Não se produzem efeitos em curto prazo, mas mesmo assim as pessoas se sentem melhor protestando do que ficando em casa.
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