sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Dois exemplos da geopolítica na nova ordem "imperial"


Duas pequenas reportagens extraídas hoje do site UOL ilustram com clareza a configuração geopolítica "imperial" da nova ordem que se anuncia no início deste milênio.


Primeiro exemplo:

Integração à UE é falsa promessa da Europa para os Bálcãs



Sérvia, Kosovo, Montenegro, Macedônia. A União Européia mostrou a cenoura da afiliação a todos esses países. Mas quem na UE quer ver o bloco aumentar? Quase ninguém

Hans-Jürgen Schlamp
Em Bruxelas


A Europa é uma potência mundial, pelo menos em princípio. Com a declaração divulgada na segunda-feira pelos 27 ministros das Relações Exteriores da União Européia, tornou-se mais ou menos a política oficial do bloco: a Europa, diz a declaração, terá um papel de liderança na estabilidade de todos os Bálcãs ocidentais.

Nos próximos 120 dias, cerca de 2 mil policiais, peritos judiciais e especialistas do serviço civil seguirão para o recém-independente Kosovo para ajudar a estabelecer a estrutura de trabalho oficial necessária para um país funcionar. Bruxelas entrou no clube de elite das potências que assumiram total responsabilidade pela segurança e a economia de um território estrangeiro. Os outros membros modernos desse clube são Moscou e Washington.


Garoto segura bandeiras sérvias durante protesto no vila de Gracanica, em Kosovo

Como exatamente isso vai funcionar no caso de Kosovo -e no resto dos Bálcãs ocidentais- é há muito tempo um tema para "brainstorming" e sessões de planejamento. A estratégia resultante depende em grande parte de dois instrumentos: um envolve dinheiro e o outro mostra a cenoura do eventual acesso à União Européia. Os países que se comportarem receberão primeiro um pacote de ajuda econômica e então, em algum momento, a identidade de sócio, completa, com a paz e a prosperidade que a acompanham.

A lógica política é fácil de seguir. Oferecer aos países da antiga Iugoslávia uma "perspectiva européia", como se diz nos salões de Bruxelas, vai encorajar os vários grupos étnicos, religiosos e lingüísticos da região a abandonar qualquer idéia de novos derramamentos de sangue.

Mas há um detalhe: alguns -talvez a maioria- dos membros da UE estão trabalhando ativamente contra essa vaga promessa de afiliação feita aos sérvios, bósnios, montenegrinos e albaneses. Bruxelas tem de andar na corda bamba e oferecer a esses países o prêmio da afiliação sem realmente dá-la. O motivo disso é claro: com o acesso da Romênia e Bulgária à UE em 1º de janeiro de 2007, a disposição do grupo de se expandir ainda mais encolheu para zero.

A Spiegel Online examina rapidamente as possibilidades de acesso à UE de cada país dessa região inclinada a crises:

Croácia - próximo membro da UE?
A Croácia é a primeira candidata ao acesso na sala de espera dos Bálcãs, e como tal a primeira a ser afetada pela nova atitude européia em relação à expansão. Há muito tempo disseram que o país entraria para o clube em 2009. Mas hoje em dia poucos em Bruxelas acreditam que a Croácia será convidada para embarcar antes de 2011 -apesar das negociações continuarem em bom ritmo. As negociações começaram em 3 de outubro de 2005 e vão bem, segundo um recente relatório da Comissão Européia. A economia do país está crescendo e as reformas jurídicas, conforme os regulamentos da UE, estão bem encaminhadas.

Mas enquanto a comissão demonstrou uma disposição a olhar para outro lado quando avaliou falhas óbvias tanto na Romênia quanto na Bulgária, antes da ampliação de 2007, hoje minúcia é o nome do jogo -especialmente quando se trata de inadequações jurídicas ou deficiências no combate à corrupção. E enquanto os burocratas europeus se tornam mais detalhistas a euforia diminui no país -resultando em menos disposição para cooperar entre seus políticos. As conseqüências podem ser vistas nos choques recentes sobre direitos de pesca ao largo da costa da Croácia, ou disputas sobre o acesso da vizinha Eslovênia às águas internacionais. Zagreb está se tornando menos disposta a compromissos. Os que são forçados a correr atrás da cenoura por muito tempo eventualmente perderão o apetite.

Macedônia - esperando pelos vizinhos?
Os macedônios ainda estão ávidos para entrar na UE, e o país, que fica ao norte da Grécia, é o segundo candidato oficial à afiliação nos Bálcãs. Mas as negociações de acesso ainda nem começaram -Bruxelas também está ganhando tempo aqui. O país fez rápido progresso na implementação de uma estrutura de pré-acesso e até deu passos na direção de controlar a corrupção, como Bruxelas notou. O crescimento sólido com inflação limitada também pode ser colocado no lado positivo da balança, mas a UE nota uma constante tensão política no país entre a maioria eslava e a minoria albanesa. Em suma, a Macedônia não será convidada a entrar para a UE tão cedo, e provavelmente terá de esperar até que seus vizinhos estejam prontos para que possa se unir ao grupo.

Albânia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina -ainda não estão prontos.
Todos esperam um futuro no clube europeu. Mas por enquanto, pelo menos, nenhum deles está sequer remotamente perto de preparado. O judiciário e as forças policiais dos três países dificilmente são transparentes, e a corrupção é crescente. Os três provavelmente terão dificuldades econômicas. Bruxelas está planejando enviar um total de 1 bilhão de euros para eles entre 2007 e 2011, pagamentos chamados de "assistência pré-acesso". Especialistas em ampliação de Bruxelas especulam que os três poderão estar prontos para se afiliar até 2015.

Sérvia -irada para sempre?
Belgrado, que já foi a capital da diversificada nação da Iugoslávia e hoje é apenas a capital de uma Sérvia encolhida, se contenta por enquanto em chorar a glória perdida. A Sérvia está chamando seus embaixadores de todos os países, incluindo a Alemanha na quarta-feira, que reconheceram Kosovo. Líderes do governo também estão fazendo pouco para acalmar as emoções aquecidas entre a população e se recusam a assinar acordos negociados com a União Européia. O país teve uma oportunidade de ouro de entrar na pista rápida de acesso à UE, mas mostrou uma disposição de deixar a chance passar por intransigência sobre a questão de Kosovo.

Se Belgrado tivesse apresentado uma lista de exigências em troca de flexibilidade sobre Kosovo -compensação territorial, ajuda financeira ou cronograma para o acesso- teria conseguido a maior parte ou mesmo tudo o que pedisse.

Mas agora as relações entre a Sérvia e a UE chegaram ao fundo do poço. Não vão ficar assim por muito tempo. Os dois lados precisam do outro. Sem a Sérvia a bordo, a estabilidade nos Bálcãs em longo prazo é impossível. E sem a UE a Sérvia não tem futuro.


Segundo exemplo:


Mudança no Paquistão pode impedir ataques contra suspeitos de terrorismo




Eric Schmitt e David E. Sanger



Em Washington

As autoridades americanas chegaram a um discreto acordo com o líder paquistanês, no mês passado, para intensificar os ataques secretos contra suspeitos de terrorismo com aeronaves não tripuladas, lançadas de dentro do Paquistão, disseram altos funcionários de ambos os governos. Mas a perspectiva de mudanças no governo do Paquistão deixaram o governo Bush preocupado com uma possível restrição às operações.
Entre outras coisas, os novos acordos permitiam um aumento no número, área de patrulha e ataques por aeronaves de vigilância armadas Predator, lançadas de uma base secreta dentro do Paquistão -uma estratégia bem mais agressiva para atacar a Al Qaeda e o Taleban.
Mas desde que os partidos de oposição saíram vitoriosos nas eleições no início desta semana, as autoridades americanas temem que o novo acordo mais permissivo possa ser sufocado em sua infância.
Nas semanas que antecederam as eleições de segunda-feira, uma série de encontros com os conselheiros de segurança nacional do presidente Bush resultaram em um relaxamento significativo das regras, segundo as quais as forças americanas poderiam atacar combatentes suspeitos da Al Qaeda e do Taleban nas áreas dos Paquistão próximas da fronteira com o Afeganistão. A mudança, descrita por altos funcionários americanos e paquistaneses que não quiseram ser identificados porque o programa é confidencial, permite aos comandantes militares americanos maior liberdade para escolher entre o que uma autoridade que participou do debate chamou de "cardápio chinês" de opções de ataque.
Em vez de serem obrigados a confirmar a identidade de um líder militante antes de atacar, a mudança permite que os operadores americanos ataquem comboios que tenham as características de conterem líderes da Al Qaeda e do Taleban em fuga, por exemplo, desde que o risco de baixas civis seja considerado baixo.
As novas regras de combate mais flexíveis poderiam ter seu maior impacto na base secreta da CIA no Paquistão, cuja existência foi descrita por altos funcionários americanos e paquistaneses como mantida até agora em segredo para evitar embaraço para o presidente Pervez Musharraf. O presidente, cujo partido foi derrotado nas eleições desta semana por margens que surpreenderam as autoridades americanas, é acusado pelos adversários políticos de ligação estreita demais com os Estados Unidos.
A base no Paquistão abriga um punhado de Predators -aeronaves não tripuladas que são controladas dos Estados Unidos. Dois mísseis de um desses Predators teriam matado um alto comandante da Al Qaeda, Abu Laith al-Libi, no noroeste do Paquistão no mês passado, apesar de um alto funcionário paquistanês ter dito que seu governo ainda não confirmou a presença de Libi entre os mortos. Um porta-voz da CIA se recusou a comentar na quinta-feira qualquer operação no Paquistão.
Os novos acordos com o Paquistão ocorreram após uma viagem ao país, em 9 de janeiro, de Mike McConnell, o diretor de inteligência nacional, e do general Michael V. Hayden, o diretor da CIA. As autoridades americanas se encontraram com Musharraf e com o novo chefe do exército, o general Ashfaq Parvez Kayani, e ofereceram um aumento das operações secretas.
Mas funcionários do governo Bush e especialistas americanos em contraterrorismo estão expressando preocupação com a possibilidade desses acordos poderem ser revistos ou reduzidos pelos vencedores das eleições parlamentares do Paquistão. Os dois partidos vencedores disseram que desejam promover negociações com os líderes tribais pashtun, que se opõem ao governo de Musharraf e que às vezes apóiam o Taleban e dão abrigo aos combatentes estrangeiros da Al Qaeda."Um novo governo poderia chegar a um acordo com os extremistas, o que daria uma certa trégua para o governo", disse Robert L. Grenier, ex-diretor do Centro de Contraterrorismo da Agência Central de Inteligência (CIA).
"Mas isto daria aos extremistas espaço para fornecer santuário para a Al Qaeda e outros extremistas envolvidos em ataques no Afeganistão."
Xenia Dormandy, a diretora para Sul da Ásia do Conselho de Segurança Nacional até 2005, disse na quinta-feira que se as negociações resultassem no tipo de trégua -e recuo de tropas- negociada por Musharraf há quase dois anos, os extremistas provavelmente continuariam se fortalecendo.
"Se tentarem reproduzir o que já vimos, eu não sei por que o resultado seria diferente", ela disse. Mas ela acrescentou que se o exército paquistanês permanecer na área, o governo poderá manter alguma vantagem.
A pergunta sobre o que fazer a seguir no Paquistão provavelmente preocupará o último ano de mandato do governo Bush. Funcionários disseram que há uma pressão clara, mesmo que não declarada, para fazer um último esforço para capturar ou matar Osama Bin Laden antes que Bush deixe o cargo. Mas vários altos funcionários no Departamento de Estado vinham alertando que o apoio pleno do governo a Musharraf era uma estratégia errada que agora poderá fracassar.
Outros funcionários do governo alertaram contra as pessoas fazerem uma interpretação exagerada dos comentários iniciais de Asif Ali Zardari, o líder do Partido do Povo Paquistanês e viúvo da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, sobre fechar acordos com os líderes tribais. Zardari, eles notaram, deixou claro que deseja acabar com o terrorismo e apontou que os terroristas mataram sua esposa, de forma que deseja derrotá-los.
Os partidos de oposição e analistas disseram que as autoridades americanas estavam interpretando erroneamente o resultado das eleições, que foram dominadas pelos partidos seculares, liberais, do país. Uma aliança de partidos religiosos que controlava o governo provincial da Fronteira Noroeste foi retirada do poder e até mesmo perdeu a maioria das cadeiras nas áreas tribais.Segundo os partidos de oposição, um novo governo civil será mais eficaz no combate aos extremistas do que o dominado pelos militares sob Musharraf. Eles pediram por uma estratégia nas áreas tribais semelhante às novas estratégias de contra-insurreição empregadas pelos militares americanos no Afeganistão e no Iraque. Nesses lugares, os Estados Unidos tentaram usar uma combinação de força militar, reconstrução e diálogo político para voltar as tribos locais contra os radicais fundamentalistas.
A pergunta, disseram altos funcionários americanos e paquistaneses na quinta-feira, é como a estratégia para atingir estas metas comuns poderia mudar.
"A curto prazo, haverá alguma confusão e alguns tropeços", disse Henry A. Crumpton, uma ex-autoridade de contraterrorismo do Departamento de Estado. "Mas a médio e longo prazo, haverá a continuidade da cooperação, talvez até mesmo uma mais estreita, devido aos nossos interesses comuns."



David Rohde, em Peshawar, Paquistão, contribuiu com reportagem.


Tradução: George El Khouri Andolfato

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