quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Devemos tornar-nos utópicos, afirma Slavoj Zizek



Slavoj Zizek sustenta que "há situações em que a democracia não funciona, em que ela perde sua substância, em que é preciso reinventar modalidades de mobilização popular".



Segue a entrevista dada a Éric Aeschimann e publicada no Libération, 16-2-08.



Que crítica você faz à democracia?

Talvez a mesma que os conservadores... Os conservadores têm a coragem de admitir que a democracia está num impasse. Riu-se muito de Francis Fukuyama quando anunciou o fim da história, mas hoje todo o mundo aceita a idéia de que o quadro democrático-liberal se impôs para sempre.

Nos contentamos em reclamar um capitalismo de rosto humano, como se falava outrora de um comunismo de rosto humano. Vejam a ficção-científica: visivelmente, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.

O capitalismo é o alvo, por atrás da crítica da democracia?

Sejamos claros: a Europa do pós-guerra conheceu um nível médio de felicidade nunca visto. Mas quatro problemas maiores vêm desequilibrar o modelo democrático-liberal.

1) Os indocumentados, os sem-teto, os sem emprego, aqueles que não participam da vida da comunidade, com os quais o Estado não se ocupa mais.

2) A propriedade intelectual, que o mercado não chega mais a regular, como o mostra o destino delirante de Bill Gates, fundador da Microsof.

3) O meio-ambiente, cuja regulação o mercado pode assegurar quando a poluição é mensurável, mas não quando o risco for incalculável – Tchernobyl, as tempestades...

4) A biogenética: estamos em condições de dizer onde começa o humano?

Nesses quatro campos, nem a democracia liberal, nem o capitalismo global têm boas respostas.

Que alternativa existe?

Eu não sou idiota, eu não sonho com um novo partido comunista. Minha posição é mais trágica. Como todo marxista, eu admiro a incrível produtividade do capitalismo e não subestimo a utilidade dos direitos humanos. A prisão de Pinochet exerceu um papel psicológico muito importante no Chile. Mas vejam o venezuelano Chávez. Dizem que ele é populista, demagógico, que não faz nada pela economia, que isso vai acabar mal. Talvez seja verdadeiro... Mas ele é o único a ter incluído os pobres das favelas num processo político. É por isso que eu o apóio. Quando criticam a sua tentação ditatorial, fazem como se, antes dele, tivesse existido uma democracia equilibrada. Ora, foi ele, e somente ele, o vetor da mobilização popular. Para defender isso eu penso que existe o direito de utilizar o aparelho do Estado – chamem isso de Terror, se quiserem.

Para os pensadores liberais, capitalismo e democracia permanecem inseparáveis.

Muitos disseram isso, mas na China está nascendo um capitalismo autoritário. Modelo americano ou modelo chinês: eu não quero viver nessa escolha. É por isso que devemos voltar a ser utópicos. O aquecimento global vai nos levar a reabilitar as grandes decisões coletivas, aquelas que os pensadores antitotalitários dizem que conduzem necessariamente ao gulag. Walter Lippmann mostrou que em situações normais, a condição da democracia é a que a população tenha confiança numa elite que decide. O povo é como um rei: ele subscreve passivamente, sem olhar. Ora, em tempo de crise, esta confiança se evapora. Minha tese é a seguinte: há situações em que a democracia não funciona, em que ela perde sua substância, em que é preciso reinventar modalidades de mobilização popular.

Por isso seu elogio a Robespierre.

O Terror não se resume a Robespierre. Havia então uma agitação popular, encarnada pelas figuras ainda mais radicais, como Baboeuf e Hébert. É preciso lembrar que foram decepadas mais cabeças depois da morte de Robespierre do que antes. De fato, continuou muito legalista. A prova disso é que ele foi preso. O que me interessa nele é aquilo que Walter Benjamin chama de “violência divina”, aquela que acompanha as explosões populares. Eu não gosto da violência física, eu tenho medo dela, mas eu não estou próximo de renunciar a esta tradição da violência popular. Isso nem sempre quer dizer violência sobre as pessoas. Gandhi, por exemplo, não se contentou em organizar as manifestações, mas ele fez boicotes, estabeleceu uma relação de força. Defender os excluídos, proteger o meio ambiente passará por novas formas de pressão, de violência. Amedrontar o capitalismo, não para matar, mas para mudar as coisas. Caso contrário, corremos o risco de cair numa violência maior, numa violência fundamentalista, num novo autoritarismo.

Na perspectiva de uma “violência popular”, um intelectual serve para qualquer coisa?

Para prevenir as formas catastróficas. Para fazer ver as coisas de outra maneira. Deleuze dizia que se há falsas respostas, há também falsas perguntas. Um conselho de filósofo não pode estabelecer um projeto para mobilizar as massas. Mas podemos lançar as idéias e talvez alguma coisa será recuperada. Os motins dos subúrbios da França nasceram de um descontentamento não-articulado a um pensamento, mesmo de maneira utópica. Essa é a tragédia.

Seus amigos de esquerda pensam como você?

O que predomina, sobretudo nos Estados Unidos, é um esquerdismo liberal, tolerante, para quem a menor alusão à noção de verdade já é totalitária, em que é preciso respeitar a história de cada um. Para o filósofo Richard Rorty, o que define o homem é seu sofrimento e sua capacidade de narrá-lo. Para mim, esta esquerda de ressentimento e de impotência é muito triste.





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