Henry Kissinger é incansável. Na semana passada publicou seu décimo quarto livro, "World Order" (US$ 18,83, no Kindle).
O homem comandou a política externa americana durante a década de 1970, no auge da competição contra o império soviético.
Desde o início, orquestrou golpes de mestre: aproximou-se da China e
construiu uma ponte impensável com Cairo e Tel Aviv, enfraquecendo a
União Soviética na Ásia e no Oriente Médio.
Ainda amarrou o Kremlin a um mecanismo formal de controle de armas nucleares.
Seu projeto de restauração do poder americano não parou por aí.
Quando ficou evidente que a guerra norte-americana no Vietnã estava
perdida, foi ideia dele declarar vitória e bater em retirada.
Quando países emergentes do sul montaram uma coalizão para negociar
preço de commodities em conjunto pela primeira vez, ele criou o clube
dos mais ricos, mais tarde G7.
No processo, Kissinger fez coisas terríveis.
Apoiar Pinochet no Chile, o xá no Irã, Suharto na Indonésia, o apartheid na África do Sul, e nosso Médici foi café pequeno.
Os documentos recém-abertos sobre os desmandos em Camboja, Vietnã e Bangladesh revelam uma história de arrepiar.
Não é à toa que até outro dia havia grupos dedicados a caçá-lo pelos aeroportos do mundo, com ovos podres nas mãos.
Aos 91 anos, Kissinger é um velho obstinado, e "World Order" tem certo tom de resmungo.
Lê-se lá que o sistema internacional só pode ser estável, justo e
afluente quando há um concerto de grandes potências dispostas a custear a
ação coletiva e determinadas a respeitar diferenças mútuas, apesar de
sua diversidade de interesses e valores.
Agora, esse equilíbrio estaria sob a pressão de quatro
transformações: a incapacidade dos Estados Unidos de respeitar
terceiros; a incapacidade da Europa de atuar como grande potência; a
desconfiança de China e Índia a respeito dos rituais e práticas da
diplomacia ocidental; e a politização do islã, com sua suposta ênfase na
construção de uma autoridade transnacional "à la" califado em Meca.
Qual a conclusão? Ou nossos líderes constroem um novo concerto entre
grandes potências ou caminharemos para o precipício da desordem total.
Fazê-lo será árduo, porque as novas tecnologias dificultam o trabalho da velha e boa diplomacia entre os grandes.
Essas ideias têm pedigree conservador e podem ser encontradas já no
primeiro livro de Kissinger, o delicioso "Mundo Restaurado" (1957).
Encontram eco no trabalho das três melhores mentes de sua geração,
quase nunca lidas em nossos claustros universitários: Raymond Aron,
Hedley Bull e George Liska.
Trata-se de uma narrativa na qual há pouco espaço para o Brasil, que
merece apenas quatro referências esparsas (por não ser grande potência e
por nunca haver desenvolvido uma visão própria da ordem global).
Quem se preocupa com o futuro da política externa brasileira faz bem em ler o calhamaço tomando nota.
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