sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A bolha assassina (2)


Cientistas iniciam travessia para estudar a ''sopa de plástico'' no mar


A poluição marinha por plásticos é um problema global crescente, mas é especialmente grave na região do Pacífico Norte.

Cientistas marinhos iniciaram no último dia 08 de janeiro o lançamento transatlântico do primeiro estudo de poluição marinha por plásticos que é largamente conhecido como prevalecente somente no Oceano Pacífico Norte, a “Grande Marca de Lixo no Pacífico”.

A notícia é da Agência Envolverde, 12-01-2010.

“Este é um problema global, temos visto evidências de poluição por plásticos por todos os lugares do mundo e isto está piorando,” diz o capitão Charles Moore, fundador da Fundação de Pesquisa Marinha Algalita (AMRF), que em janeiro foi enfocado no programa de TV “The Colbert Report” (O Relatório Colbert) para discutir o problema que ele mesmo colocou no mapa pela primeira vez.

A viagem inaugural do estudo, de St. Thomas, Ilhas Virgens, EUA, até o Mar de Sargaço, é parte do Projeto 5 Gyres (giros), que realizará uma segunda travessia no Atlântico Sul em agosto próximo. Participam diretamente do projeto os pesquisadores Dr. Marcus Eriksen e Anna Cummins, que têm trabalhado com Moore, documentando a acumulação crescente de poluição por plástico no Giro do Pacífico Norte.

Eriksen e Cummins, casados em junho de 2009, trabalharão com a AMRF para aprofundar o foco da sua pesquisa anterior, a qual tem sido quantificar os plásticos flutuantes, incluindo fragmentos de micro-plásticos consumidos pelos peixes. Agora eles buscam entender como esses detritos afetam os peixes, para entender melhor o efeito humano do que o Los Angeles Times chama de “um dos segmentos da esteira de lixo tóxico da civilização que mais cresce”.

“As partículas de plástico no mar agem como magnéticos para químicos tais como DDT, PCB, retardadores de chama e outros poluentes,” diz Cummins. “O Projeto 5 Gyres está trabalhando agora para avançar nossas pesquisas anteriores com os testes buscando determinar se esses químicos se acumulam nos peixes, navegam ao longo da cadeia alimentar e terminam em nossos pratos de jantar.”

“Há cinco giros no mundo,” informa Cummins, “mas a poluição por plásticos não está confinada em um somente. Planejamos agrupar dados de todos os cinco.”

O Projeto 5 Gyres é uma colaboração entre a AMRF, onde Eriksen é diretor do programa de desenvolvimento, a Livable Legacy e a Pangaea Explorations. Um dos patrocinadores do projeto é a Blue Turtle. A Pangaea Explorations está fornecendo o veleiro de 72 pés Sea Dragon, no qual o casal velejará para coletar amostras da superfície do oceano, do fundo do mar e do conteúdo do estômago e dos tecidos de peixes para análise. Outros velejadores são voluntários para contribuir com suas pesquisas com equipamentos emprestados pelo Projeto 5 Gyres.

Acompanhe o progresso do Sea Dragon através da tecnologia GPS fornecida pela Blue Turtle.

Na última primavera, Eriksen e Cummins completaram um tour de 2.000 milhas de bicicleta para gerar conscientização do problema no Giro do Pacífico Norte, onde o próprio Eriksen velejou a bordo do JUNKraft da AMRF construído com 15.000 garrafas de plástico. O problema do plástico no oceano tem sido referido como a Marca de Lixo, mas que é muito mais difusa do que uma simples “marca”, a qual Eriksen e Cummins chamam de sopa de plástico.

Durante a sua viagem transatlântica de seis semanas — a primeira desse tipo — o casal fará uma parada nas Bermudas para palestras e para encontrar-se com o Cônsul Geral dos Estados Unidos Grace Shelton. Em 28 de janeiro eles velejarão aos Açores através do Mar de Sargaço, uma região alongada no meio do Atlântico Norte circundada por correntes oceânicas que formam outro giro oceânico. Eles esperam retornar para Santa Mônica em meados de fevereiro.

Em agosto, eles cruzarão o Giro do Atlântico Sul, indo do Rio de Janeiro à Cidade do Cabo, na África do Sul. Esta será a primeira travessia desse tipo nos últimos 30 anos no hemisfério sul.

Os pesquisadores enfatizam que, desde que a poluição do mar por plásticos não pode ser limpa por qualquer meio, a sociedade deve parar o problema na sua fonte. Eles defendem legislações que demandem das empresas tomarem para si a responsabilidade de recuperar e reutilizar os seus produtos, incluindo incentivos econômicos para promover a recuperação e a extinção dos produtos descartáveis. Legislações responsáveis irão criar, também, uma tremenda oportunidade para produtos inteligentes e inovadores.

“Não podemos sair desta sujeira pela reciclagem, nem podemos limpar o que já está lá fora,” diz Eriksen. “Não estamos olhando para uma grande acumulação de pedaços visíveis de plásticos, mas para uma sopa difusa de micro-partículas.”

Enquanto os efeitos potenciais à saúde humana permanecem desconhecidos, cientistas já estimam que perto da metade de todas as espécies de pássaros marinhos, todas as espécies de tartarugas marinhas e 22 espécies de mamíferos marinhos ferem-se ou morrem por causa do lixo plástico, seja pela ingestão, enredamento ou estrangulamento, antes que os detritos sejam quebrados (pela fotodegradação) em minúsculos fragmentos.

Eriksen e Cummins mantêm um blog sobre suas travessias.

Eles continuarão sua segunda viagem no Atlântico com um projeto de conscientização de duração de um ano chamado “O Último Canudo.” Este projeto inclui um tour de 2.000 milhas para ciclo de palestras na Costa Leste e a construção, em Paris, de um barco com 250.000 canudos de plástico. Neste barco, chamado de “STRA,” em homenagem à expedição RA feita por Thor Heyerdahl no final dos anos 1960, eles velejarão o Rio Sena e cruzarão o Canal Inglês.

O patrocinador do Projeto 5 Gyre Blue Turtle, baseado em San Francisco, é uma organização social que visa soluções completas e longevas para a poluição dos oceanos mundiais através da educação, de fontes de eliminação e limpeza. A Pangaea Explorations, outro patrocinador importante, é dedicada à descoberta de bases verdadeiras sobre o meio ambiente, envolvendo pessoas e as questões ambientais, e ensinando a próxima geração a respeitar e proteger o seu meio ambiente. Patrocínios chave adicionais são fornecidos por Ecousable, Quiksilver Foundation, Surfrider Foundation, Keen Footwear, Patagonia e Aquapac.



Veja ainda, neste Blog: A Bolha Assassina

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Entre o público e o privado


Facebook cria polêmica com nova ferramenta de privacidade

da France Presse, em San Francisco

O popular site de relacionamento Facebook lançou um novo dispositivo apresentado como um meio que permitirá a seus usuários administrar melhor o nível de confidencialidade do conteúdo que compartilham na rede, uma medida que, segundo alguns críticos, poderá ter um efeito inverso.

Desde quarta-feira (2), o site começou a pedir a seus mais de 350 milhões de membros que redefinam as características de seu perfil com uma nova ferramenta que lhes permite especificar quem pode ter conhecimento de cada foto, vídeo, atualização ou qualquer outro conteúdo colocado no site.


Facebook comemora 350 mi de usuários com novo modelo de privacidade


Segundo o Facebook, essa mudança permitirá aos usuários evitar que imagens inconvenientes ou atualizações muito atrevidas sejam vistas por chefes, conhecidos e outros que não fazem parte do círculo íntimo de amigos on-line.

"Será muito mais intuitivo para os usuários", opinou o diretor do Future of Privacy Forum, Jules Polonetsky. As redes regionais --associações comunitárias geográficas que o Facebook eliminou recentemente-- levavam os usuários a compartilhar, sem ter consciência disso, do conteúdo de seu perfil com milhões de usuários.

Os novos controles de privacidade também limitam a visibilidade do conteúdo criado por menores de 18 anos.

Mesmo que um menor selecione a opção "Todos" (podem ver suas fotos), a informação que compartilhar se limitará a seus "Amigos", "Amigos de amigos" e redes escolares.

As mudanças foram bem recebidas por inúmeros sites especializados em novas tecnologia.

Mas outros criticaram o fato de que o parâmetro, por defeito dos novos instrumentos de segurança, instauram um grau frágil de confidencialidade e que, nesse caso, as informações publicadas são visíveis para todos.

"O problema e que a maioria das pessoas não perde tempo configurando esse tipo de parâmetro", avaliou o jornal "The Washington Post".

Segundo o blog TechCrunch, o Facebook agiu para que as informações publicadas por seus usuários possam ser consultadas em tempo real e detectadas pelos motores de busca, de maneira a competir com o popular Twitter.

Era da privacidade na internet acabou, diz fundador do Facebook

da Folha Online

O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou na sexta-feira (8) que, caso ele criasse o Facebook nos dias atuais, informações de usuários seriam públicas e não privadas --o que representa uma posição radicalmente oposta àquela defendida até então.

Em uma entrevista de seis minutos com o fundador do site de tecnologia TechCrunch, Zuckerberg passou 60 segundos falando sobre as políticas de privacidade do Facebook.

Modificadas no mês de dezembro, as configurações sobre privacidade no site de relacionamentos foram a base da questão. Agora, muitas das informações pessoais dos internautas podem ser vistas por toda a internet, caso o usuário permita.

"As pessoas realmente se sentem confortáveis não apenas em compartilhar mais informação e diferentes aspectos, mas mais abertura e com mais pessoas. É uma norma social que tem evoluído ao longo do tempo", disse ele. "Nosso papel é atualizar o nosso sistema para refletir de acordo com as normas sociais vigentes."

"350 milhões de usuários se inscreveram no Facebook sob a crença de que suas informações seriam compartilhadas apenas com amigos confiáveis. Agora a companha diz que isso é velho, e que as pessoas estão mudando", aponta o site ReadWriteWeb. "O Facebook está dizendo isso só porque ele quer que seja verdade."

"A alteração do contrato com os usuários, com base na suposta preocupação com seus desejos, é ofensiva e faz com que qualquer movimento feito pelo Facebook seja mais suspeito", indica o site.


Site que mistura jogo e localizador é o próximo Twitter, diz colunista da CNN

da Folha Online

O fundador e executivo-chefe do Marshable, popular blog norte-americano cuja temática gravita em torno de redes sociais, aposta agora em um site que parte da simples ideia de agregar um grupo de amigos para verificar os lugares nos quais eles estão.

Em sua coluna semanal na CNN, Pete Cashmore afirma que o Foursquare está além disso. O site, ele explica, é também um jogo virtual no qual os participantes ganham um distintivo para checar suas contas a partir de diversas localidades, comentando sobre o que há nelas --cafés, restaurantes, bares ou museus, por exemplo-- e ganhando pontuações. Ele diz que o mecanismo é tão viciante quanto Twitter, Facebook ou a checagem de e-mail no BlackBerry.

Cashmore afima que, "originalmente lançado como um aplicativo para iPhone e semeado pelos 'early-adopters' em cidades como Nova York e San Francisco, os fundadores do site foram capazes de pular de um trampolim de efeito imediato: o Twitter".

Os paralelos com o Twitter são numerosos, de acordo com ele, citando o blogueiro Robert Scoble: "Volte três anos atrás. O Twitter era usado pelas mesmas pessoas que hoje jogam o Foursquare".

As similaridades não param por aí. Ambos tiveram início em festivais de música norte-americanos. Membros de ambos construíram previamente startups de sociais de sucesso --e ambos foram incorporados pelo Google.

No entanto, a principal vantagem apontada pelo colunista é a de que o Foursquare estreou, nesta semana, o chamado API (interface de programação de aplicativos, que permite a inserção de pequenos softwares na plataforma do site, feita por terceiros).

"Isso tem se demonstrado, por diversas vezes, como uma força para esse tipo de ecossistema. De Flickr para Google Maps, para Twitter e mais além, fica claro que a massa crítica que antecede --em número suficiente de usuários e aplicativos para fazer um serviço inestimátivel-- prepara o terreno para uma vitória esmagadora", observa Cashmore, apostando que essa será a rede social que vai predominar em 2010.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Fim do consumismo seria a única saída para o planeta




A edição de 2010 do renomado relatório “State Of The World” afirma que sem uma alteração nos hábitos comportamentais e de consumo de nada adiantarão políticas públicas e avanços tecnológicos no combate ao aquecimento global e a outros desafios contemporâneos.

A reportagem é de Fabiano Ávila e publicado pelo sítio CarbonoBrasil, 12-01-2010.

As 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo, cerca de 7% da população, são responsáveis por 50% das emissões de gases do efeito estufa, enquanto os três bilhões de pessoas mais pobres emitem apenas 6%. Com dados como esse, o relatório “State of the World 2010, Transforming Cultures: From Consumerism to Sustainability”, do Worldwatch Institute, publicado nesta terça-feira (12/1), traz como principal mensagem que sem uma mudança cultural que coloque valores sustentáveis acima do consumismo, não há milagre tecnológico ou política pública que resgatem a humanidade de graves problemas climáticos, sociais e ambientais.

O relatório chama de consumismo a orientação cultural que leva as pessoas a acharem contentamento, aceitação e significado para as suas vidas através do que possuem e utilizam. “Nós vimos alguns esforços encorajadores nos últimos anos no combate a crise climática. Porém fazer políticas ou mudanças tecnológicas enquanto a cultura segue centrada no consumismo e no crescimento não podem ir muito longe. Para que se consiga um avanço duradouro, é preciso que a sociedade mude sua cultura para que a sustentabilidade vire a norma e o consumo em excesso um tabu”, afirmou Erik Assadourian, diretor do projeto State of the World.

Em 2006, a humanidade consumiu US$ 30,5 trilhões em mercadorias e serviços, 28% a mais do que apenas 10 anos antes. O aumento do consumo resultou em um crescimento dramático da extração de recursos naturais. Os norte-americanos, por exemplo, consomem aproximadamente 88 quilos de recursos por dia. Se todos vivessem dessa maneira, a Terra sustentaria 1,4 bilhões de pessoas, apenas um quinto da atual população mundial.

“O padrão cultural é a raiz para a convergência sem precedentes de diversos problemas ecológicos e sociais; como as mudanças climáticas, epidemias de obesidade, declínio da biodiversidade, perda das terras cultiváveis e desperdícios de produção”, disse Assadourian.

Os 60 autores do relatório apresentam em 26 artigos algumas estratégias que já estão em funcionamento para a reorientação cultural. Algumas abrangem uma visão social do mercado, através da formação de cooperativas de agricultores, por exemplo. Outras avaliam modelos de planejamento familiar e esforços de marketing social. Há ainda a sugestão de que as escolas primárias sejam utilizadas na formação de uma nova cultura, com iniciativas simples como a alteração dos itens da merenda para uma alimentação mais saudável e baseada em produtos locais.

“Com o mundo lutando para se recuperar da mais séria crise econômica desde a grande depressão, nós temos uma oportunidade história para nos afastarmos do consumismo. No fim, o instinto de sobrevivência deve triunfar sobre a compulsão do consumo a qualquer custo”, concluiu Christopher Flavin, presidente do Worlwatch Institute.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A era pós-mídia



A era pós-mídia de massa: a desconfiguração e descentralização da Comunicação.

Entrevista especial com Ivana Bentes


Desconfigurar, descentralizar, até mesmo "explodir". Para a doutora em Comunicação e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, o que caracteriza a "era pós-mídia de massa são justamente as práticas descentralizadas de comunicação". "A Internet é esse lugar de desconfiguração", afirma a professora em entrevista concedida, por email, à IHU On-Line.

Ivana acredita ainda que o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo "abre uma série de novas questões e debates sobre o campo da comunicação pós-mídias digitais bem mais interessantes do que o velho muro das lamentações corporativas". Segundo ela, os cursos de Comunicação precisam "dar uma virada e explodir" o ambiente da sala de aula tradicional e pensar uma formação por projetos, uma "wiki-universidade".

Analisando os resultados do Fórum de Mídia Livre e da Confecom, afirma que foram "um momento histórico, vivo, vibrante das possibilidades e limites da atual democracia brasileira". "É a sociedade inteira que se apropria das tecnologias e da linguagem jornalística contra o jornalismo, explodindo o jornalismo corporativo", defende.

Ivana Bentes é doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ e Diretora da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO/UFRJ), também atua na área de Comunicação, com ênfase em estética, audiovisual, cinema, imaginário social, pensamento contemporâneo e cultura digital. Atualmente se dedica a dois campos de pesquisa: Estéticas da Comunicação, Novos Modelos Teóricos no Capitalismo Cognitivo e Periferias Globais: produção de imagens no capitalismo periférico. É coordenadora do Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ. É curadora na área de arte e mídia, cinema, audiovisual.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Uma das principais discussões do II Fórum de Mídia Livre é pensar a produção de um novo mercado da comunicação: o mercado do diálogo. Como se apresenta esse mercado?

Ivana Bentes – O mercado não vem "primeiro". Ele é um resultado da articulação das redes de mídia livre, é o resultado da emergência de um movimento mídia-livrista. O que o Fórum de Mídia Livre tem buscado é dar visibilidade a essa rede de produtores de conteúdo em todas as mídias e aos novos movimentos do campo da comunicação, como o pessoal do Música Para Baixar, do Software Livre, dos blogs, além dos protagonistas históricos que lutam e lutaram pela democratização dos meios de Comunicação no Brasil (do rádio, das TVs comunitárias, públicas, do vídeo, da videoarte etc.).

"O que caracteriza a era pós-mídia de massa são práticas descentralizadas de comunicação, que podem criar novos ambientes colaborativos e participativos"

Então, é nesse sentido que temos que criar "mercados", num momento em que é a sociedade como um todo que produz mídia. Ou seja, se a mídia somos nós, com nossa capacidade cognitiva, afetiva, de produzir linguagem, valor, o mercado potencial de atuação é enorme, heterogêneo e diversificado. Mas, para existir, depende de uma série de fatores, entre eles a massificação das ferramentas e infra-estrutura para acesso amplo, livre, gratuito, a custo baixo, às redes e acesso às tecnologias e ferramentas de comunicação.

Ou seja, a questão do Fórum de Mídia livre é antes de mais nada potencializar esse momento de transição em que os intermediários e corporações que tinham uma "reserva de mercado" para a produção de conteúdos se veem em crise diante de uma tecnologia como a Internet, que tem potencial "livre", participativo e colaborativo, que demanda uma outra lógica, não hierarquizada, não centralizada, polifônica na produção das informações.

A palavra "mercado" não pode ser demonizada. Temos que criar e reivindicar a criação de novos mercados. Por exemplo, toda essa economia pós-Google dos centavos, dos downloads pelos aparelhos de celulares, os sites de textos, imagens em domínio público, os conteúdos licenciados em "creative commons": são mercados novos em que as próprias empresas pós-mídias de massa estão apostando, investindo e criando. Nós temos que inventar, criar valor e tornar desejável os nossos mercados a serem inventados.

No Fórum de Mídia, foi muito discutida, por exemplo, a possibilidade de criação de moedas sociais, moedas baseada na troca de serviços de comunicação ou outros, na linha do que o Cubo Card (www.cubocard.blogger.com.br) e Pablo Capilé inventaram para a cena musical e que deu muito certo. Inventaram uma moeda que faz circular serviços, bens e pessoas. Um mercado que vem viabilizando e dando visibilidade às bandas de rock do circuito fora das grandes capitais brasileiras, o projeto Fora do Eixo.

IHU On-Line – A situação dos realizadores independentes ainda é muito complicada nessa "Era pós-mídia"? Quais são os maiores desafios de se fazer comunicação alternativa hoje, em nosso país?

Ivana Bentes – Melhor falar em "produtores de conteúdo" de forma ampla, e sem o adjetivo "independente", pois o ambiente, seja para a mídia de massa, seja para novas mídias, está convergindo. Claro que existem assimetrias gigantescas entre os diferentes produtores de mídia, conteúdo etc. Mas nada está configurado ou determinado. Estamos no meio de dinâmicas muito velozes, que exigem uma disposição e experimentação de quem quer fazer mídia.

"A Internet, que tem potencial 'livre', participativo e colaborativo, demanda uma outra lógica, não hierarquizada, não centralizada, polifônica"


O que caracteriza essa era pós-mídia de massa são justamente as práticas descentralizadas de comunicação ponto a ponto, P2P (peer-to-peer), pós-Internet, que têm esse potencial de criar novos ambientes de trabalho, de educação, de lazer, colaborativos e participativos, rompendo com velhas formas de hierarquização e de aprendizagem unidirecionados e/ou centralizados, estimulando processos coletivos de ampla conectividade em rede. Essas proposições não têm nada de utópicas, são bem realistas, pragmáticas e imanentistas. Aliás, basta olhar para algumas práticas emergentes de mídia (a blogosfera, por exemplo) e os ambientes de ensino/aprendizado/convivência reais/virtuais.

Vejo de forma bem ampla a questão do mídia-livrismo, com a entrada de novos sujeitos sociais na produção de mídia, o que podemos chamar de inclusão subjetiva. As coberturas das guerras, catástrofes – como agora no Haiti, Afeganistão – e mesmo uma nova sensibilidade e crônica do cotidiano estão sendo feitas nos blogs, twitters, mídias sociais, redes de "pessoas comuns" que impactam o mundo.

Inclusão subjetiva significa que essas vidas, essas pessoas têm um potencial de produzir outras "linguagens". As redações de jornais e TVs têm um ambiente marcado socialmente, homogêneo demais. Então, a explosão dessa produção desterritorializada, heterogênea pode produzir dissenso, fricção, tensão. Falando das mídias tradicionais, é urgente colocar dentro das redações de jornais, TV, mídia, pessoas vindas de outros grupos sociais. Isso muda tudo. Um editor de polícia, urbanismo, que tem outra vivência da cidade, por exemplo. A Internet é esse lugar de desconfiguração. Claro que pode simplesmente reproduzir o modelo da mídia de massa, mas essa potencialidade está aí.

Existem projetos de produção de conteúdos e de mídia que podem vir diretamente das favelas, das prisões, dos hospitais, dos asilos, de ambientes quaisquer, que podem trazer consigo uma outra expressão e comunicação. Um exemplo brasileiro é a forma como os motoboys se articularam usando a Internet e produzindo mídia (http://www.zexe.net/SAOPAULO/intro.php?qt=).

São 12 motoboys de São Paulo que percorrem espaços públicos e privados da cidade com celulares e acesso a um site. Fotografam, filmam e publicam em tempo real na Internet as suas experiências. Fazem uma crônica/cobertura singular da cidade, gerando um conhecimento coletivo e partilhado. É um projeto original de mídia, em que a "vida" desses motoboys é que produz "linguagem" e valor.

Tem ainda projetos como o Observatório da Maré, os repórteres-comunitários do Viva Favela, sites do Rio que apontam para essas possibilidades, de gangues-guerrilheiras das notícias. Isto é a Ciberperiferia: a apropriação das novas mídias por outros grupos sociais.

IHU On-Line – O que você pensa sobre essa nova Lei de Publicidade? E quanto à retirada da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão?

Ivana Bentes – O fim da exigência do diploma para se exercer o jornalismo no Brasil (como em tantos países do mundo inteiro) abre uma série de novas questões e debates sobre o campo da comunicação pós-mídias digitais, bem mais interessantes do que o velho muro das lamentações corporativas. Agora, será necessário constituir novos "direitos" para jornalistas e não-jornalistas, free-lancers, blogueiros e mídia-livristas. Todos terão que inventar novas formas de lutas comuns.

O fim do diploma tira da "invisibilidade" a nova força do capitalismo cognitivo, as centenas e milhares de jovens free-lancers, autônomos, mídia-livristas, inclusive os formados em outras habilitações de Comunicação que eram impedidos por lei de fazer jornalismo e exercer a profissão e que, ao lado de qualquer jovem formado em comunicação, constituem hoje os novos produtores simbólicos, a nova força de trabalho "vivo".

"O fim da exigência do diploma para se exercer o jornalismo abre novas questões sobre o campo da comunicação pós-mídias digitais"


Parece que vamos, finalmente, sair do piloto automático dos argumentos prontos "de defesa do diploma", que sempre escamotearam alguns pontos decisivos.

O fim da exigência de diploma para trabalhar em jornalismo não significa o fim do ensino superior em jornalismo, nem o fim dos cursos de Comunicação que nunca foram tão valorizados. Outros cursos, extremamente bem sucedidos e disputados no campo da Comunicação (como publicidade) não têm exigência de diploma para exercer a profissão e são um sucesso, com enorme demanda.

A qualidade dos cursos e da formação sempre teve a ver diretamente com projetos pedagógicos desengessados, com consistência acadêmica, professores de formação múltipla e aberta, diversidade subjetiva, e não com "especificidade" ou exigência corporativa de diploma. Isso traz um questionamento sobre a atual formação, pois as universidades não precisam (ou não deveriam) formar "peões" diplomados, mas sim jovens capazes de exercer sua autonomia, liberdade e singularidade, dentro e fora das corporações, não profissionais "para o mercado", mas sim capazes de "criar" novos mercados e ocupações, jornalismo público, pós-corporações, midiarte, jovens que inventam ferramentas, práticas e mercados pós-mídias massivas.

Nada justificava, pois, a "excepcionalidade" do diploma para os jornalistas, o que criou uma "reserva de mercado" para um pequeno grupo, reserva que diminuía a empregabilidade de jovens formados em cinema, rádio e TV, audiovisual, publicidade, produção editorial etc., proibidos pela exigência de diploma de exercer... jornalismo.

O raciocínio corporativo constituiu, até hoje, uma espécie de vanguarda da retaguarda, com um discurso fabril, estanque, de defesa da "carteira assinada" e dos "postos de trabalho", enquanto, no capitalismo cognitivo, no capitalismo dos fluxos e da informação, o que interessa é qualificar não para "postos" ou especialidades (o operário substituível, o salário mais baixo da redação!), mas sim para campos do conhecimento, para a produção de conhecimento de forma autônoma e livre, não o assujeitamento do assalariado, paradigma do capitalismo fordista.

A ideia de que, para se ter "direitos", é preciso se "assujeitar" em uma relação de patrão/empregado, de "assalariamento", é uma ideia francamente conservadora. O precariado cognitivo, os jovens precários das economias criativas estão reinventando as relações de trabalho; os desafios são enormes, a economia pós-Google não é o jornalismo fordista, não vamos combater as novas assimetrias e desigualdades com discursos e instrumentos da revolução industrial.

"As universidades não deveriam formar 'peões' diplomados, mas sim jovens capazes de exercer sua autonomia, liberdade e singularidade"


Devemos lutar não por cartórios do século XIX, mas pelos novos movimentos sociais de organização e defesa do precariado, lutar pela autonomia fora das corporações, para novas formas de organização e seguridade do trabalhador livre do patrão e da corporação.

As forças livres (frágeis, sem direitos, sem seguridade, nômades globais, precários, imigrantes, periféricos, doutores ou favelados) do precariado são a nova classe, grupo, força no capitalismo contemporâneo. São novos direitos, novas lutas... Não tem volta. Mesmo sabendo que o capitalismo cognitivo produz obviamente novas formas de coerção, capturas e despotencialização, a primeira questão é compreender as mudanças para intervir e construir o devir.

IHU On-Line – Em termos gerais, quais são os principais dilemas da comunicação no Brasil?

Ivana Bentes – Atualmente, é fazer a passagem de um sistema de Comunicação concentrado, hierarquizado e monopolista, que tem apenas privilégios e cujo horizonte são audiências massificadas, para um sistema de Comunicação horizontal, descentralizado, organizado em redes abertas, públicas e que pense não em termos de "audiência" ou público, mas sim em produtores de conteúdo e expressão. E que possa ter algum tipo de regulação social. Ou seja o consumidor de mídia como produtor e "observador" de mídia. Ninguém mais quer "aparecer" na TV ou no jornal simplesmente. As pessoas, grupos, coletivos, entidades, associações querem um canal de expressão, um canal de TV, acesso imediato aos meios de produção e distribuição, logo, de expressão.

Outra questão muito importante nesse momento é a universalização do acesso dos brasileiros à banda larga, com a criação e manutenção de uma rede de infra-estrutura pública de Internet, garantindo que essa passagem e mutação tecnológica não produzam mais assimetria de poder e aumentem a produtividade social como um todo. E também a criação de um marco legal civil para a Internet e as novas mídias que não criminalize as novas práticas sociais, como compartilhar arquivos, disponibilizar conteúdos em domínio público, assegurar a navegação anônima, uma série de "direitos" importantíssimos.

Outra questão: a alteração da legislação de Direito Autoral para garantir a ampliação das possibilidades de uso das obras protegidas para flexibilizar ou liberar totalmente os usos para fins de educação, pesquisa, de difusão cultural, preservação, uso privado de cópia integral sem finalidade comercial e também para uma gestão coletiva e estímulo ao licenciamento alternativo e garantia à proteção dos conteúdos em domínio público, de modo que esses conteúdos financiados publicamente (e outros) possam continuar livres.

"O raciocínio corporativo constituiu uma espécie de vanguarda da retaguarda, com um discurso fabril, estanque"

No campo da formação para as novas mídias, é importante a criação de escolas livres de formação multimídias em todo país, experimentando novas metodologias, novas ferramentas, jornalismo-cidadão, web jornalismo, blogagem, explodindo a formação disciplinar e hiperespecializada atual. Os cursos de Comunicação precisam dar uma virada e explodir (ou mudar) o ambiente da sala de aula tradicional e pensar uma formação por projetos, laboratórios, uma wiki-universidade, dinâmicas novas.

Isso sem falar em todas as mudanças necessárias na atual Lei Geral das Comunicações da década de 70 e totalmente defasada em termos tecnológicos, conceituais e que não está à altura da democracia já conquistada e desejada neste país.

IHU On-Line – A imagem é o novo capital? Poderia comentar essa ideia que inspira um de seus artigos?

Ivana Bentes – Estamos em um capitalismo cognitivo que tem como base o design, a publicidade, as imagens, a informação. Ou seja, a intuição do teórico francês Guy Debord nos anos 60/70 sobre a "sociedade do espetáculo" é interessante e importante, mas não pensada de uma forma simplificada e moralista pelo pessoal que sofre de iconofobia (medo das imagens) e que banalizou e generalizou de tal forma a critica da "sociedade do espetáculo" que a própria crítica virou um clichê teórico que se aplica de forma generalizada.

A frase decisiva de Guy Debord é: "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens" (Ver o texto "Depois do espetáculo: reflexões sobre a tese 4 de Guy Debord", de Juremir Machado da Silva, que vai em outra direção, mas é excelente).

Mas o que interessa aí, ao meu ver, é entender essa "relação social mediada por imagens", é reverter a impotência das imagens e dos clichês. Não é a "iconofobia", mas sim a iconofilia, o amor às imagens, que pode reverter os clichês em potência e arrancar dos clichês novas virtualidades. "Rachar" e explodir os clichês e arrancar daí a nova potência das imagens (Deleuze, Foucault dizem isso). Senão, seremos os anunciadores do apocalipse da sociedade do espetáculo, um tipo de discurso da impotência e do ressentimento diante do mundo, que faz o maior sucesso no nosso meio acadêmico.

"Devemos lutar não por cartórios do século XIX, mas por novos movimentos sociais de organização e defesa do precariado"
Vivemos com as imagens e entre imagens. É preciso entender o estatuto e nossa relação vital com as imagens. A imagem nunca foi investida de tanto valor, real e simbólico. A imagem-publicitária, a imagem-capital, as imagens produzidas no campo da arte, que podem atingir valores irracionais. Mas também o valor afetivo incomensurável de certas imagens com as quais nos relacionamos, que têm uma duração, que sobrevivem ao fluxo aniquilante, ao "esgoto público das imagens" que nos atravessa (YouTube, TV, web, jornais, publicidade na cidade, fluxo de imagens e discursos nos dispositivos tecnológicos).

Por isso é tão importante aprender (e ensinar) a "ler" as imagens e a produzir discursos pela imagem. Também as tecnologias de visualização me parecem decisivas, da câmera digital até o Google Maps, Google Stret View, Google Ocean, Marte etc. ferramentas capazes de escanear, mapear, localizar, de sobrepor camadas de informação vivas, criar imagens que não são mais representações de nada, mas que são a experiência mesma do mundo, mediado pelas imagens.

Ou seja é preciso pensar a imagem como algo "vivo" e nós como imagens entre imagens. Nada disso enfraquece o sentido da crítica, do pensamento. É preciso pensar com as imagens, através das imagens e, quando necessário, contra as imagens. Nesse sentido o último livro do Jacques Rancière, "O Espectador Emancipado", é excelente: esse espectador "alienado" não existe. Todo espectador é ativo.

IHU On-Line – De que forma essa imaterialidade influencia as práticas do trabalhador jornalista?

Ivana Bentes – O jornalista, os produtores de mídia e conteúdos sempre trabalharam com o "imaterial", produção de sentido, criação de valor, produção de "consensos" e opiniões (para o pior e para o melhor). A questão hoje é que há uma mudança, uma mutação em curso, que torna qualquer um habilitado a ocupar esse lugar dos "especialistas". A sociedade como um todo pode produzir mídia, com a universalização das técnicas, tecnologias, dispositivos outrora reservados e dominados por uma corporação. É a sociedade inteira que se apropria das tecnologias e da linguagem jornalística contra o jornalismo. Explodindo o jornalismo corporativo (ou reforçando, claro). Para mim, esta é a mudança que interessa: a apropriação tecnológica pela multidão, visando as novas lutas dentro do capitalismo cognitivo, imaterial, de produção e disputa de linguagens e processos. É a guerrilha semiótica, a disputa e a partilha do sensível pelas imagen s e discursos.

Estamos numa cultura/contexto em que a metalinguagem vai se tornando um aprendizado de massas: Alice atravessou o espelho, e é para esse mundo que o trabalhador-jornalista tem que produzir, ou seja, trabalhar ironicamente pela sua "desaparição", como mediador clássico. Não se trata de nenhuma contradição. Estou diretora e sou professora de uma Escola de Comunicação, mas luto para que qualquer brasileiro possa se tornar um produtor de informação, de linguagem, de estética singular e diferenciado. Essa é a revolução digital, tecnológica, mental que interessa.

IHU On-Line – Você sempre diz que a comunicação é importante demais para ficar sendo discutida apenas por profissionais da Comunicação. A partir disso, qual foi a consistência dos debates na Confecom?

Ivana Bentes – Um dos pontos positivos da Confecom foi ter mobilizado os novos movimentos sociais que pensam a mídia e a comunicação de "fora" das corporações, e que trazem um oxigênio novo. Todo mundo quer fazer mídia, entender de mídia. A mídia somos nós, toda a sociedade, a multidão, os movimentos ligados à música, ao software livre, aos direitos autorais, às favelas e periferias. Não para reforçar discursos identitários ou de guetos, simplesmente, mas quando conseguem se colocar como produtores de subjetividade, de linguagem e exigem sua inclusão subjetiva nas mídias.

"Os cursos de Comunicação precisam dar uma virada e explodir (ou mudar) o ambiente da sala de aula tradicional"
Vi claramente muitas vezes um "confronto" entre os que só pensam a mídia e a comunicação de forma "tradicional", clássica, mídia de massa, corporativa, "profissional", e essa emergência de um zona livre, dos mídia-livristas, dos que lutam por essa inclusão subjetiva.

Os debates foram bons, às vezes tensos e muito negociados para a votação dos pontos finais. Fiquei bastante decepcionada com a atuação de algumas entidades partidárias, entidades classistas, sindicatos, federações. Vêm com um discurso muito "conservador", com práticas antigas de fazer política, que não colam mais no horizonte de uma democracia participativa e não simplesmente representativa e aparelhada.

IHU On-Line – Como a Confecom e o Fórum de Mídia livre ajudam a democratizar a comunicação em nosso país?

Ivana Bentes – Esses Fóruns e conferências são o palco das lutas do presente e são também os laboratórios de criação de futuros. Futuros imaginados, fabulados, disputados, abortados. É uma experiência extraordinária e revitalizante, apesar de todos os obstáculos eventuais com propostas extraordinárias que vão ficando pelo caminho. Para mim, são espaços para existirmos criando e fabulando, e não apenas reagindo contra o estado das coisas. Nesse sentido, o fato de serem "diretrizes", propostas, carta de intenções não diminui em nada sua efetividade. São territórios de produção de virtualidades, a maior riqueza de todas.

IHU On-Line – Você defendeu também que um novo marco regulatório deve ser criado. O que deveria constar obrigatoriamente neste documento e porque ele é tão importante?

Ivana Bentes – São todas as mudanças necessárias na atual Lei Geral das Comunicações, da década de 70, que está totalmente defasada em termos tecnológicos, conceituais, em termos de democracia. São muitas as mudanças, e uma parte delas entrou nas propostas aprovadas pela Confecom e também no Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), bombardeado nesse momento pelas forças mais conservadoras da sociedade brasileira.

"A iconofilia pode reverter os clichês em potência e arrancar dos clichês novas virtualidades. Vivemos com as imagens e entre imagens"

As mais importantes ao meu ver: o fim da propriedade cruzada e a proibição de monopólios e oligopólios em todos os setores das comunicações; a revisão dos critérios de concessão de canais de Rádio e TV, para que não sejam outorgas vitalícias; criação de mecanismo de avaliação destas outorgas; criação de mecanismos de monitoramento dos meios de Comunicação pela sociedade (observatórios, conselhos), como qualquer outro serviço público; a elaboração de um novo marco regulatório para os trabalhadores autônomos; a democratização das verbas publicitárias e propostas de apoio e financiamento público para criação de veículos de comunicação, redes de comunicação, de interesse público/comum. Ou seja, assegurar a Comunicação como um direito para toda a sociedade, em todos os níveis (Internet, telefonia, radiodifusão etc.)

O novo marco legal para as Comunicações implica em muitas alterações de ordem jurídica, ética, técnica. É um documento complexo que terá que ser construído coletivamente, mas as principais propostas já estão aí. Recomendo a leitura do documento final da Confecom e o Programa Nacional dos Direitos Humanos.

IHU On-Line – Qual é a sua avaliação geral sobre a Confecom? Quais são os principais avanços contidos no Relatório Final?

Ivana Bentes – A Confecom é uma criação de "futuro", o que a sociedade brasileira, os movimentos sociais, os movimentos pela democratização da comunicação lutaram nesses anos todos. E que teve que se confrontar ou se aliar com outros atores sociais: setor público, empresariado etc. Esse lugar de diálogo e disputa é decisivo e tem que ter continuidade e regularidade. Vejo muitos avanços, mas são propostas que terão ainda que ser defendidas no Congresso, diante da própria sociedade como um todo para serem implantadas e cumpridas.

Algumas questões históricas foram aprovadas dentre essas diretrizes como: a universalização da banda larga no país; o fim da propriedade cruzada e a proibição de monopólios e oligopólios em todos os setores das comunicações; a elaboração de um novo marco regulatório para os trabalhadores autônomos, propostas de apoio e financiamento público para criação de veículos de comunicação que priorizem a produção das periferias, movimentos sociais, minorias; a proposta de um novo marco civil para a Internet (que já está em curso) etc. E muitas outras proposições em termos de financiamento público, jornalismo público e cidadão, democratização das verbas publicitárias públicas.

Em resumo, vejo como principal avanço a ideia de uma Comunicação pública, produzida, regulada, voltada para a radicalização da democracia neste país, para além das corporações e da mídia tradicional, e a entrada em cena de novos atores ligados à cultura digital, blogs, periferias.

"É a sociedade inteira que se apropria das tecnologias e da linguagem jornalística contra o jornalismo. Explodindo o jornalismo corporativo"
Ao mesmo tempo muitas propostas importantes não passaram, foram barradas, negociadas, o que não significa que não possam vir ser implementadas, desde que a sociedade se mobilize para isso.

IHU On-Line – Concorda que houve um boicote das grandes empresas de telecomunicações à Confecom? Por quê?

Ivana Bentes – Houve boicote de algumas emissoras de TV e entidades de classe, ligadas aos empresários da Comunicação, que se sentem ameaçados por todas as mudanças, tecnológicas, políticas, de comportamento que forçam uma mudança do negócio e democratizam a comunicação. E que não tem volta. Diferentemente dos jogos de futebol, em que o adversário não aparece, e o outro ganha por "W.O". Em inglês Walk Over, o verbo significa "to win without difficulty against", ganhar sem dificuldade. Mas as conquistas da Confecom não foram sem dificuldades, e houve ameaças e jogo pesado até o último momento, mesmo com esse W.O. das emissoras de TV, pois todas as propostas ainda terão que ser implementadas, ou seja, serão disputadas uma a uma. Tem muito jogo para se jogar.

A parte boa é que a não participação de algumas emissoras de TV, que seria uma estratégia para "esvaziar" e neutralizar a Confecom, não deu certo. O documento está aí, uma bandeira fincada e reconhecida pela sociedade e pelo governo. Outras entidades e representantes e donos de canais de TV aceitaram discutir e disputar propostas. Houve embate de posições, negociações, e o texto consensuado da Confecom é o "estado da arte" do que a sociedade brasileira, neste momento, consegui consensuar, com todas as limitações e estratégias de esvaziamento. Foi um momento histórico, vivo, vibrante das possibilidades e limites da atual democracia brasileira.

(Reportagem de Greyce Vargas e Moisés Sbardelotto)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A farsa da gripe suína


Investigada, OMS revê regras de pandemia


Pressionada e investigada por causa da gripe suína, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu rever as regras para a declaração de futuras pandemias. O anúncio foi feito ontem pela diretora da entidade, Margaret Chan. Hoje, o Parlamento do Conselho da Europa inicia uma investigação para apurar suspeitas de influência indevida de farmacêuticas na OMS. Alguns cientistas da organização teriam constado na folha de pagamento de laboratórios.

A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 19-01-2010.

A acusação veio após a imprensa dinamarquesa obter oficialmente informações de que membros do grupo criado para sugerir medidas à entidade eram cientistas financiados por empresas do setor. Há oito meses, a OMS decretou que o vírus H1N1 havia saído do controle e que o mundo vivia a primeira pandemia do século XXI. Para isso, o critério foi a difusão do vírus em mais de dois continentes.

Países passaram a gastar milhões para se preparar e a indústria farmacêutica focou atenção na nova doença. Menos de um ano depois, o número de mortes foi bem menor do que o esperado, enquanto milhões de vacinas ficaram encalhadas.

Parlamentares europeus centrarão esforços no papel do Grupo Estratégico de Especialistas em Imunização (Sage, na sigla em inglês). Isso porque o jornal escandinavo Information se utilizou de uma lei de liberdade de informação para obter dados sobre as doações recebidas por institutos médicos. Os dados mostram que um membro da Sage, o finlandês Juhani Eskola, recebeu em seu instituto mais de US$ 9 milhões em financiamento da GlaxoSmithKline, uma das empresas que fabricam a vacina contra a gripe. Eskola nega conflito de interesse.

Outro cientista é o holandês Albert Osterhaus, que também faz parte do comitê de aconselhamento. Os deputados holandeses começaram a investigar sua relação com a indústria e o fato de ter recebido bolsas, financiamento e contribuições da GSK, Sanofi, Novartis e outras empresas. No Reino Unido, o cientista responsável por elaborar sugestões ao Ministério da Saúde, Roy Anderson, também passou a ser avaliado por ser um ex-diretor da GSK. "A campanha da gripe suína parece ter causado um dano considerável aos orçamentos públicos, assim como para a credibilidade de agências mundiais de saúde", diz a resolução aprovada pelo Conselho da Europa que dá início à investigação.

A GSK anunciou que vendeu US$ 1,3 bilhão em vacinas apenas no ultimo trimestre de 2009, cerca de 130 milhões de doses. No geral, o setor farmacêutico estimou que poderia vender cerca de US$ 7 bilhões com o novo vírus. Chan disse não "haver nenhuma inclinação a tomar decisões a favor de uma indústria". Ela sugeriu aos países da OMS que comecem revisar as regras de pandemias. "Vamos avaliar se o que fizemos foi bom ou ruim. Baseado nisso, tomaremos novas decisões." Ela acredita que o processo estará concluído até maio.

Os governos do Reino Unido e o do Japão, além da União Europeia, foram os primeiros a alertar que a revisão deveria modificar a forma pela qual a OMS declarará uma pandemia. Os britânicos querem que um dos critérios seja a intensidade do novo vírus. Já o Japão quer que a taxa de hospitalização da doença seja incorporada. O governo do Vietnã enviou uma carta à OMS questionando a entidade sobre as alegações de que teria exagerado nos alertas sobre a gripe. O país gastou US$ 50 milhões em remédios.

Paulo Buss, representante do Brasil no Conselho Executivo da OMS, que ocorre nesta semana em Genebra, acredita que a entidade tomou a decisão acertada em alertar para o vírus. "Ninguém sabia o que viria. Agora é fácil criticar", disse.

Para Chan, foi o trabalho da OMS que evitou que a doença se espalhasse mais. O H1N1 começa a perder força, mas a entidade afirma que é cedo para dizer que a pandemia terminou.