(reportagem de Pedro Doria e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-01-2007.)
O discurso é estupendo - mas a realidade o derruba.
Basta ver alguns dos números levantados por Nicholas Carr, escritor especializado em tecnologia e 'crítico cultural' destes nossos tempos digitais. O número de websites no mundo dobrou entre 2002 e 2006 - e tende mesmo a continuar aumentando bastante. Mas só porque há mais sites na web para visitar, não quer dizer que mais sites sejam visitados.
Em 2002, 31% do tráfego de dados em toda web era dominado pelos 10 sites mais populares da rede. Em 2006, os dez sites mais populares atraíam 40% do tráfego. Não é pouco, então não custa frisar: 40% de todo acesso à web está voltado para apenas dez sites.
Um destes sites, evidentemente, é o Google, sistema de buscas que todos usamos. Em 2006, 58% de todas as pesquisas feitas na web foram via Google. Agora em novembro passado, o Google abocanhava 65% de todas as pesquisas.
Se alguém me perguntasse quantas pesquisas faço diariamente usando o Google, não saberia responder. O meu não é um exemplo único - é típico. Todos que acessam diária e continuamente o Google conhecem já os vícios do site. Como, por exemplo, o hábito de listar ali dentre as primeiras respostas algum verbete da Wikipédia.
A tese de Carr é esta: a web está ficando centralizada. E, sim, o Google é um dos responsáveis.
Talvez seja mesmo inevitável. Como o critério usado pelo Google para decidir a relevância de um site é o número de visitas, quanto mais visitado, mais acima na lista de respostas ele aparece. Quanto mais acima ele aparecer, mais clicado ele será e, portanto, mais visitado. Forma-se um ciclo vicioso.
Outro dos motivos da centralização é o modelo econômico de micropagamentos que começa a imperar na rede. Se um anúncio paga pelo número de vezes que ele é exibido, a maneira de apresentar muitos anúncios a muita gente é concentrar muito conteúdo. Daí que grandes portais compram muitos sites: seu objetivo é atrair o maior número possível de visitantes. Evidente. Mas o resultado é um novo ciclo vicioso no qual quem mais acumula dinheiro na rede é quem tem mais conteúdo para exibir e que, portanto, mais dinheiro para investir em novos sites terá.
A concentração é também física. Grandes grupos como Yahoo!, Microsoft e o próprio Google, por atraírem uma quantidade desproporcional de usuários, precisam de conexões à rede extremamente poderosas e grandes parques de servidores que ninguém mais tem.
Aquele modelo inicial de internet no qual cada ponto da rede seria tão importante quanto qualquer outro se foi no mundo prático. Até fisicamente a internet é centralizada.
Carr é um crítico ácido da utopia eletrônica. Em 2006, ele apostou com o israelense Yochai Benkler a respeito de como será a internet em 2010. Para Benkler, esta centralização pode estar acontecendo, mas os dez sites mais visitados da rede serão colaborativos. Quer dizer: Wikipédias, Blogspots da vida, grandes portais onde todo o publicado virá pelas mãos do grande público anônimo que povoa o mundo digital.
Carr não tem dúvidas de que o mundo da internet será centralizado e que os dez mais lidos serão sites tradicionais, talvez de grandes empresas de mídia, mas sempre com gente paga para produzir conteúdo.
Esta é, afinal de contas, a grande aposta em curso na internet.
Basta ver alguns dos números levantados por Nicholas Carr, escritor especializado em tecnologia e 'crítico cultural' destes nossos tempos digitais. O número de websites no mundo dobrou entre 2002 e 2006 - e tende mesmo a continuar aumentando bastante. Mas só porque há mais sites na web para visitar, não quer dizer que mais sites sejam visitados.
Em 2002, 31% do tráfego de dados em toda web era dominado pelos 10 sites mais populares da rede. Em 2006, os dez sites mais populares atraíam 40% do tráfego. Não é pouco, então não custa frisar: 40% de todo acesso à web está voltado para apenas dez sites.
Um destes sites, evidentemente, é o Google, sistema de buscas que todos usamos. Em 2006, 58% de todas as pesquisas feitas na web foram via Google. Agora em novembro passado, o Google abocanhava 65% de todas as pesquisas.
Se alguém me perguntasse quantas pesquisas faço diariamente usando o Google, não saberia responder. O meu não é um exemplo único - é típico. Todos que acessam diária e continuamente o Google conhecem já os vícios do site. Como, por exemplo, o hábito de listar ali dentre as primeiras respostas algum verbete da Wikipédia.
A tese de Carr é esta: a web está ficando centralizada. E, sim, o Google é um dos responsáveis.
Talvez seja mesmo inevitável. Como o critério usado pelo Google para decidir a relevância de um site é o número de visitas, quanto mais visitado, mais acima na lista de respostas ele aparece. Quanto mais acima ele aparecer, mais clicado ele será e, portanto, mais visitado. Forma-se um ciclo vicioso.
Outro dos motivos da centralização é o modelo econômico de micropagamentos que começa a imperar na rede. Se um anúncio paga pelo número de vezes que ele é exibido, a maneira de apresentar muitos anúncios a muita gente é concentrar muito conteúdo. Daí que grandes portais compram muitos sites: seu objetivo é atrair o maior número possível de visitantes. Evidente. Mas o resultado é um novo ciclo vicioso no qual quem mais acumula dinheiro na rede é quem tem mais conteúdo para exibir e que, portanto, mais dinheiro para investir em novos sites terá.
A concentração é também física. Grandes grupos como Yahoo!, Microsoft e o próprio Google, por atraírem uma quantidade desproporcional de usuários, precisam de conexões à rede extremamente poderosas e grandes parques de servidores que ninguém mais tem.
Aquele modelo inicial de internet no qual cada ponto da rede seria tão importante quanto qualquer outro se foi no mundo prático. Até fisicamente a internet é centralizada.
Carr é um crítico ácido da utopia eletrônica. Em 2006, ele apostou com o israelense Yochai Benkler a respeito de como será a internet em 2010. Para Benkler, esta centralização pode estar acontecendo, mas os dez sites mais visitados da rede serão colaborativos. Quer dizer: Wikipédias, Blogspots da vida, grandes portais onde todo o publicado virá pelas mãos do grande público anônimo que povoa o mundo digital.
Carr não tem dúvidas de que o mundo da internet será centralizado e que os dez mais lidos serão sites tradicionais, talvez de grandes empresas de mídia, mas sempre com gente paga para produzir conteúdo.
Esta é, afinal de contas, a grande aposta em curso na internet.
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Comentário de jholland, 14/01/2008, 23h03
Ontem tive uma segunda conversa com o Guilherme sobre um assunto correlato: o "sistema" está mais (ou menos) fascista ? É muito mais fácil e evidente demonstrar o caráter de fechamento ideológico.Está na tradição da nossa filosofia, é quase um senso-comum etc. Entretanto, tenho-me dedicado a visualizar o "outro lado", mais anárquico, digamos, do mesmo sistema, do mesmíssimo cotidiano. De uma certa forma, é como se a ideologia e o sistema simbólico fossem uma espécie de "Janus": de uma lado, fascista, e assim se apresenta para a maioria das pessoas; mas, de outro, para aqueles que conseguiram se "despregar" (ou desapegar), esse mesmo sistema apresenta inúmeras e variadas possibilidades, oferecendo sua face anárquica. É nesse sentido que apresentei o texto do Castoriadis, acima...
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Comentário de u.s.w, 15/01/2008, 06h51
São alguns os pontos que gostaria de destacar.
De fato, cada vez mais acredito que o mundo, com seus sistemas (econômicos, simbólicos etc.), seja Janus. Quero dizer com isso que vemos e sentimos o mundo de acordo com a postura que assumimos perante ele. Numa conversa com um professor da UFRJ cujo o tema de trabalho é o papel das mídias na construção de estados mentais "felizes" e cujos os pés estão imersos no hinduismo, dei o seguinte exemplo: "sinto como se o mundo como está hoje fosse esse copo de cerveja abandonado na mesa; existe uma imensidão para fora dele, mas estamos todos presos dentro desse líquido já fétido e quente". Ao que ele me respondeu: "Isso porque tudo que você consegue ver é esse copo de cerveja. Mas pelo menos já desconfia da existência dessa imensidão".
Assim, voltamos ao ponto no qual você, e todos que se inspiram nas filosofias orientais, insiste: não pode haver ação transformadora no mundo se não nos transformarmos junto.
Às vezes, em momentos de extremo delírio, chego a pensar que talvez o mundo tenha sempre sido o mesmo, que ele é belo, ou melhor dizer sublime, exatamente como é; que devem existir inúmeras almas felizes que já habitam esse mundo e que a passagem para ele é somente aprender a olhar.
Isso remete ao comentário que fiz no texto sobre antropologia da imaginação: amar o mundo é viver em perigo, mas viver.
Mas deixando o delírio de lado. Mesmo presos dentro do copo de cerveja é preciso buscar uma saída, e apenas criticar a face sisuda de Janus só nos faz mergulhar mais ainda nesse líquido viscoso. É preciso lembrar que se trata de cerveja, podemos bebê-la até que não nos prenda mais, até que todas as faces sejam Baco: gaiatas, rosadas e felizes.
Falei de fim de delírio mas continuei nele... talvez a hora...
Voltando, então, ao centro desta postagem, a internet. Como o que disse do mundo, tudo é uma questão de postura. Minha crítica, no entanto, não é do veículo em si, mas das expectativas exageradas que colocam sobre ele. Como um deus ex machina a internet surge agora como o bote salva-vidas da modernidade e da alienação. Só acho que é preciso lembrar, como já coloquei em outra postagem, que se trata de mais um veículo, tão bom e tão sujeito a alienação e apropriação pela face fascista do sistema quanto qualquer outro.
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Comentário de JHolland, em 15/01/2008, às 09:56 hs
Muito belo o seu texto. Sempre admiro como vc coloca suas idéias, de uma forma simples, poética. Isso é muito importante. Revela intuição, que é essencial para o "despertar" disso que estamos falando.
É nesse sentido mesmo que considero o "cotidiano" a maior de todas as escolas - percebo que um dia começa a ser completamente diferente do outro, o mesmo acontecendo até mesmo com a noite ! Lembro de uma frase do Raoul Vaneigem: "Existem mais verdades em 24 horas da vida de um ser humano do que em todas as filosofias." Ao percebermos isso é como se mudássemos para um outro planeta ! No Budismo, diz-se que podemos ter a abordagem "mal humorada" e a "bem humorada" da Sansara.
5 comentários:
Carr já é mais do meu bando!
Ontem tive uma segunda conversa com o Guilherme sobre um assunto correlato: o "sistema" está mais (ou menos) fascista ? É muito mais fácil e evidente demonstrar o caráter de fechamento ideológico.Está na tradição da nossa filosofia, é quase um senso-comum etc. Entretanto, tenho-me dedicado a visualizar o "outro lado", mais anárquico, digamos, do mesmo sistema, do mesmíssimo cotidiano. De uma certa forma, é como se a ideologia e o sistema simbólico fossem uma espécie de "Janus": de uma lado, fascista, e assim se apresenta para a maioria das pessoas; mas, de outro, para aqueles que conseguiram se "despregar" (ou desapegar), esse mesmo sistema apresenta inúmeras e variadas possibilidades, oferecendo sua face anárquica. É nesse sentido que apresentei o texto do Castoriadis, acima...
Colei seu comentário no corpo da postagem para por o meu. Achei que valia a pena. Fiz o mesmo no post sobre antropologia da imaginação.
Pelo visto a internet começou socialista e agora está capitalista. Pelo andar da carruagem já temos o "1o. mundo digital" formado pelos 3 grandes e logo mais teremos a comunidade européia digital, o 3o mundo digital, os tigres asiáticos digitais e por aí vai.
Em relação ao sistema ser ou não fascista é uma questão de ponto de vista, como jholland colocou. Acho que ele tem um ponto de vista mais metafísico, enquanto que o da maioria - eu me incluo aqui - é mais pragmático.
Zé Luis, os únicos despregados que conheço são meus amigos gays...
Vktisis,
Se vc substituir a o termo "metafísico" por "transcendente" e a palavra "pragmático" por "senso-comum", diria que estamos quase de acordo.
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