Fonte: "Reificação e Linguagem em Guy Debord" - João Emiliano Fortaleza de Aquino
Desta vez, tomaremos como ponto de partida o comentário de G. Agamben acerca da obra de Debord, quando assinala que o fundamental à teoria crítica do espetáculo é que nela “a análise marxiana vai integrada no sentido de que o capitalismo (...) não era voltado só à expropriação da atividade produtiva, mas também e sobretudo à alienação da própria linguagem, da própria natureza lingüística ou comunicativa do homem.”
Pois bem. Conforme assinalado anteriormente, as reflexões de Debord tomam impulso inicial no contexto da crise da linguagem e consideram que a tentativa de superação dessa crise promovida pelas vanguardas do entre-guerras constituiu um importante movimento que merece ser retomado.
Detenhamo-nos um pouco mais nessa questão.
De uma maneira um pouco grosseira, podemos considerar que, para Breton, a comunicação constitui negação do caráter mais íntimo da linguagem, pois há uma contradição intrínseca entre o signo e as raízes mais profundas, inconscientes mesmo, que dão origem às idéias e que são a fonte inexprimível dos pensamentos. Desse modo, todo inídivíduo é solitário, pois, ao tentar se comuinicar com outro, serve-se de signos intercambiáveis para exprimir significados que não o são. Desse modo, não apenos não consigo me exprimir inteiramente, como também jamais poderei entender perfeitamente meu interlocutor, que se encontra em idêntica situação. Esse é o caráter ambivalente - a ambigüidade de Freud - da linguagem. A palavra, como símbolo, é recebida numa outra referência significativa pelo ouvinte e, portanto, não há comunhão de pensamentos, significação comum da linguagem, nem comunicação e comunidade. “Precisamente porque expressiva, esta é uma linguagem não-comuncativa.”
Breton se posiciona criticamente diante da exigência social da “comunicação” e busca, desmascarar tal exigência:
“Não existe nenhuma conversa em que não se passa alguma coisa dessa desordem. O esforço de sociabilidade que preside a ela e o grande hábito que dela nós temos conseguem sozinhos dissimulá-la passageiramente para nós.” Por isso mesmo, para Breton, a “verdade absoluta” do “diálogo”, verdade que o surrealismo buscaria restabelecer, é o solilóquio.
Há portanto, um posicionamento anti-instrumental da linguagem, como recusa que a afaste de sua dimensão criadora em nome de uma “instrumentação para o diálogo” que, em um mundo reificado, torna-se uma “moeda de troca”. Pois a linguagem “num mundo exterior às profundezas do espírito, num mundo de imperativos práticos, do trabalho e das convenções fixas”, torna-se banal e meramente uma moeda de troca.
O projeto surrealista, em Breton, busca afirmar radicalmente a potencialidade criadora da linguagem e sua potencial negação da banalidade de seu uso social.
“A concepação da subjetividade solitária, essencial ao seu lirismo, em razão da crise da tradição e do presente domínio da reificação, é o que constitui sua concepção de expressão não-comunicativa e, por isso mesmo, aversa aos “imperativos práticos” e ao chamado reificado da ação.” (p.95)
A crítica de Debord ao surrealismo não se dirige ao “espírito” desse movimento - pois considera que tais questões permanecem vivas e urgentes no mundo do capitalismo tardio do pós-II Guerra - mas vai em direção à “fonte” que os surrealistas conceberam como produtora de uma saída. A restrição de Debord prende-se ao caráter libertador do inconsciente, pois ele extraí de Freud a concepção de que o inconsciente é regressivo, “arcaico”. Debord, então, irá formular uma concepção de que as “possibilidades inconscientes” de libertação da linguagem reificada não se encontrarão no inconsciente individual, mas nas “possibilidades inconscientes” coletivas, dadas justamente pelas condições objetivas do capitalismo avançado, que libertaram o homem dos imperativos cíclicos. (continua...)
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