terça-feira, 18 de agosto de 2009

É um mito contemporâneo o de que uma pílula mágica soluciona tudo


Entrevista especial com Alicia Stolkiner


“É um mito contemporâneo o de que uma pílula mágica soluciona tudo”, aponta com severidade a professora de Saúde Pública da Universidade de Buenos Aires. Alicia Stolkiner tem acompanhado a evolução da nova gripe a partir do contexto econômico, político e social em que ela está inserida e, assim, afirma que “esse vírus tem atuado como um fator para análise de uma série de funcionalidades sociais e de estados dos sistemas de saúde frente a uma emergência, obrigando a revisar algumas situações e pondo outras a prova”. Assim, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail, Alicia aponta quais são, em sua opinião, os maiores mitos que se criou em torno da disseminação do vírus H1N1 e analisa a atuação dos grandes laboratórios farmacêuticos diante desta “emergência” mundial.

Alicia Stolkiner é psicanalista e doutora em Saúde Pública. Hoje, é professora na UBA. Na Argentina, é representante da Rede de Pesquisa em sistemas e serviços de saúde no Conesul.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A gripe pode se tornar uma pandemia como se tornou a gripe espanhola no início do século XX?

Alicia Stolkiner
– O comportamento desse vírus, até o momento, não evidencia isso. Ele tem se propagado em forma de pandemia em relação à mortalidade, por uma série de circunstâncias, mas de maneira muito menor. As epidemias são fenômenos biosocioculturais. Todas devem ser compreendidas no contexto econômico, político e social em que ocorrem. A gripe espanhola deixou dezenas de mortos num momento e contexto totalmente diferentes.

IHU On-Line – Quais são os maiores mitos em torno da gripe A (H1N1)?

Alicia Stolkiner –
Em primeiro lugar, como qualquer epidemia, o primeiro mito é que o desconhecido é mais perigoso, acontece, então, que as pessoas se protegem dos estranhos e têm poucos cuidados com aqueles mais próximos. O segundo mito, pelo menos na Argentina, é que a cura depende fundamentalmente de um medicamento e da prevenção através de vacina. Os processos de saúde-enfermidades-atenção são complexos, esquecem que a principal estratégia da defesa é a cura do corpo a partir do sistema imunitário. Este, por sua vez, depende de fatores que não são somente biológicos. É influenciado por variáveis que vão desde a alimentação e o repouso, até o estado de ânimo e o stress ligado às condições de vida. Então, para curar-se é necessário valorizar as tecnologias tradicionais leves: repousar, manter-se num ambiente estável etc. Isso também indica vulnerabilidades ligadas às condições de vida, não só as dos setores da população que não têm direitos básicos (alimento, abrigo etc.) garantidos, como também as daquelas pessoas submetidas a subemprego, condições de contratação precária que impedem de faltar ao trabalho ainda que estejam doentes etc.

É um mito contemporâneo o de que uma pílula mágica soluciona tudo. Com esta gripe, vamos ter que valorizar os cuidados no sentido mais amplo. Não se trata de tomar pílulas e seguir como se estivesse tudo tranquilo. É preciso favorecer e potencializar os fatores protetores e de luta contra a doença em que o corpo e a pessoa têm.

Em algum artigo apontei, inclusive, o risco que significam as dietas hipocalóricas a que se submetem muitas jovens por razões estéticas, vulnerabilizando-se às doenças. Finalmente, acredito que tem acontecido um excessivo alarme levando em conta sua baixa taxa de letalidade. Mais do que mitos, poderíamos falar de uma cultura hegemônica que tende a negar a morte e o risco, naturalizando alguns, inclusive. De toda forma, é mais interessante apontar que esse vírus tem atuado como um fator para análise de uma série de funcionalidades sociais e de estados dos sistemas de saúde frente a uma emergência, obrigando a revisar algumas situações e pondo outras à prova.

IHU On-Line – Em sua opinião, como os grandes laboratórios farmacêuticos estão atuando durante esta “crise da gripe”?

Alicia Stolkiner –
Estima-se que para se manter no mercado mundial, os laboratórios devem lançar anualmente dois ou três produtos capazes de alcançar um milhão de dólares nas vendas. Isso significa que os medicamentos devem avançar criando mercados. Para isso, aprofundam-se dois processos culturais: o da medicalização da vida cotidiana e o da geração da certeza de que todo problema de saúde (e, às vezes, todo e qualquer problema) encontra uma resposta em um produto médico-farmacêutico-tecnólogico.

Antes da epidemia em si, as propagandas de medicamentos destinados a aliviar os sintomas de gripe ou resfriado, a fim de se manter em atividade, favorecerão condutas que logo, durante a epidemia, agravarão a situação. Isto ocorrerá por dois motivos: porque as pessoas só consultarão um médico em casos mais avançados e graves; e porque, ao não manterem-se em repouso, contribuirão para a disseminação de doenças. Deveríamos ter uma maior regulação sobre as propagandas de medicamentos de venda livre ou sobre as propagandas de medicamentos em produtos alimentícios, pois são potencialmente danosos para a saúde.

Também estão em jogo os interesses de produção de uma vacina que seria para todo o mundo (um "A pergunta que está por trás de tudo isso é se a lógica de mercado pode reger a vida dos habitantes do planeta"
negócio incrível) e o famoso Tamiflu, que tem uma curiosa história com o caso da chamada gripe aviária. A pergunta que está por trás de tudo isso é se a lógica de mercado pode reger a vida dos habitantes do planeta.

IHU On-Line – Você pode analisar a evolução viral do H1N1?

Alicia Stolkiner –
Aparentemente sua mutação e origem estão ligadas às formas atuais de produção intensiva de alimentos, neste caso de carne de porco. Sua propagação rápida no mundo é uma mostra da interconexão inevitável da atual fase de desenvolvimento.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a forma como esta gripe está sendo noticiada?

Alicia Stolkiner –
Acredito que os meios trataram, em geral, mal o tema. Eles responderam de maneira alarmista e com escassa informação útil. Um colega, Federico Tobar, escreveu recentemente: “parece que mitigar o vírus poderia resultar tão difícil quanto o rumor”. É notável que as mortes são permanentemente ressaltadas, mostraram corpos sem vida, mas – com algumas exceções – teve escassa informação destinada aos cuidados coletivos que se deve ter. Todas as mensagens eram destinadas ao cuidado individual pela medida fundamental de não tocar outras pessoas e lavar bem as mãos. Poucas mensagens propiciaram o “cuidar o outro”, para pensar práticas sociais compartilhadas.

IHU On-Line – Existe um plano na Argentina para combater a gripe A?

Alicia Stolkiner –
O sistema de saúde argentino é altamente fragmentado e segmentado. O Ministério da Saúde tem de pouca a nula ingerência sobre as decisões que tomam os governos provinciais ou municipais, dos quais dependem os serviços de saúde. Uma parte da população é atendida no sistema de Obras Sociais e a outra pelo sistema privado. Este último notifica mal as informações de atendimentos. Também a epidemia chegou num momento em que a gestão nacional estava debilitada por um processo eleitoral onde houve a mudança do ministro. A concretização de uma política unificada recém começou a olhar para o fim da epidemia. Acredito que a resposta foi tardia, mas isso é um produto das características do sistema.

Finalmente, optou-se pela suspensão de classes e atividades, mas isso não foi acompanhado, por exemplo, pela suspensão de algumas partidas de futebol importantes em que houve grande concentração de pessoas. A suspensão das aulas teve um efeito inesperado, não sobre a gripe, mas em relação à bronquite que, pela primeira vez em anos, parece não ter chegado ao pico epidêmico no inverno.

IHU On-Line – Este vírus é mais violento? Como podemos explicar a morte de jovens por causa desta gripe?

Alicia Stolkiner –
As cifras atuais na Argentina estão indicando que a maior mortalidade não foi em jovens, mas sim na população de 45 a 59 anos. Efetivamente, o vírus atacou aos jovens e, assim, diferenciou-se da gripe estacional que assola fundamentalmente as crianças e os idosos. Também morreram jovens e alguns deles não estavam nos grupos de risco. Acredito que a mortalidade da população jovem e sã pode ter sido incrementada pela prática de amenizar os sintomas e seguir em atividade até que a enfermidade avance. Muitas das consultas se realizaram quando a pessoa já tinha pneumonia bilateral, que foi a principal causa de morte.



quarta-feira, 12 de agosto de 2009

As vertentes e as propostas da "nova ecologia"



Os paladinos da economia verde


A reportagem é de Mauro Trotta, publicada no jornal Il Manifesto, 08-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Aquecimento climático, poluição marinha e do ar, deposição de resíduos. Os problemas ligados à ecologia não só se tornaram lugares comuns, mas também influenciam sempre mais na vida de todos. Assim, entre ritmos sazonais que parecem nos enlouquecer, mudanças do território, limitações do tráfego nas cidades, praias não mais frequentáveis, lixo acumulado nas esquinas das ruas, com incômodos ainda mais graves para quem vive próximo de aterros sanitários ou incineradores, os hábitos cotidianos se modificam, para não falar dos danos à saúde que tudo isso comporta e da sensação de fim de mundo sempre mais difundida.

Em tempos de crise econômica, quando o capitalismo neoliberal parece estar com a corda no pescoço, de repente todos se descobrem atentos aos problemas ambientais, e em muitas partes se defende que uma crise global como a atual pode, na realidade, representar uma oportunidade: trata-se só de conjugar a economia com a ecologia. Desse modo, se poderá sair da crise e salvar o atual estilo de vida, tornando-o só um pouco mais ecológico. Caminho aberto então para expressões como "desenvolvimento sustentável", "revolução verde", "nova ecologia política".




Os ditadores do petróleo

Há também quem, justamente partindo da análise da situação ambiental e econômica, se incline para mudanças profundas que modifiquem desde a raiz o atual sistema sócio-econômico. Enfim, parece quase que, no âmbito da análise da situação do ponto de vista econômico e ecológico, duas tendências analíticas e políticas vão tomando impulso e que relembram a clássica distinção entre reformistas e revolucionários, em que os primeiros tendem a manter com algumas correções a estrutura capitalista atualmente em auge, enquanto que os segundos propõem uma saída do neoliberalismo em nome de um outro tipo de sociedade.

Um livro como "Quente, plano e cheio" (Editora Actual, 2008), de Thomas L. Friedman, pertence sem dúvida ao campo reformista. Editorialista do New York Times, vencedor três vezes do Prêmio Pulitzer, Friedman oferece uma descrição clara, de recorte jornalístico, da situação e receitas suas para sair dela.

Parte-se de uma constatação: vivemos em um mundo em que o superaquecimento climático é uma realidade, em que em todo o lugar se afirmou o mesmo estilo de vida em detrimento das diversidades culturais e ambientais, em que o crescimento demográfico parece incontrolável. Continua-se focando sobre os cinco problemas chaves com os quais se deve lutar, ou seja, a demanda crescente de oferta de energia e recursos naturais sempre mais escassos, a transferência de riquezas aos países produtores de petróleo e aos seus "petroditadores", a penúria energética que opõe quem tem energia em abundância e quem tem pouco, as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade.

Trata-se, então, de enfrentar essas problemáticas adotando o que Friedman chama de "código verde", ou seja, de um lado utilizar essas tecnologias de modo maciço, desenvolvendo-as posteriormente, como a eólica e a solar, que garantam energia limpa, e, de outro, pressionar uma intervenção governamental decisiva que, empregando tanto o incentivo (leva) fiscal, com deduções e incentivos, tanto legislativo, elevando os limites em matéria de emissões de poluição, funcione como estímulo poderoso para aquela que deveria aparecer como uma "revolução verde".




A moral da frugalidade

Certamente, trata-se de enfrentar a decisiva oposição de grupos poderosos, como o lobby do petróleo, e de adotar procedimentos fortemente impopulares, pelo menos em curto prazo, mas intervenções do gênero não podem ser adiadas. O problema é que não se entende plenamente como uma mudança dessas é possível sem modificações radicais de todo o sistema sócio-econômico.

Parece, enfim, que as instâncias propostas pelo autor se baseiam mais na necessidade moral do que na análise realista das relações concretas no interior do sistema sócio-econômico. Assim, o fato de que tudo deve ocorrer dentro de uma ótica de conservação do capitalismo fica claríssima também pela famosa frase citada por Friedman do Gattopardo [romance histórico do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa]: "Se queremos que tudo permaneça como é, é preciso que tudo mude".

A moral também está no centro do texto de Jean-Paul Fitoussi e Éloi Laurent, intitulado "La nuova ecologia politica. Economia e sviluppo umano" (Editora Feltrinelli, 124 p.). Desde o começo, os autores afirmam que "a questão ética se encontra no centro dos problemas econômicos". Inclinam-se, porém, contra o paradigma econômico da regulação interna - segundo o qual o mercado, por meio da livre interação de livres atores, retorna sempre para um estado de equilíbrio ideal - em favor do paradigma da regulação externa: "O correto funcionamento da economia de mercado não é concebível sem a intervenção de um agente externo - o poder público -, enquanto a ordem econômica e social surge de um complexo equilíbrio entre decisões individuais e decisões coletivas".

Além disso, partindo de uma análise de algumas das principais teorias econômicas - de Smith e Ricardo a Mill, Keynes, Georgescu-Roegen, Sen - Fitoussi e Laurent delineiam as características fundamentais de uma "economia verdadeiramente dinâmica", um sistema aberto e não fechado, isto é, em que a escassez produzida pela inexorável lei da entropia possa ser combatida pelo atraso, ou seja, diferindo no tempo consumos e prazeres materiais, aproveitando-se do progresso técnico e dos conhecimentos acumulados nesse período de tempo.

Latouche

A escolha de Latouche

Naturalmente, será preciso investir na educação e na pesquisa para desfrutar o tempo ganho e comprometer-se a fundo na defesa do meio ambiente. A noção de atraso deverá ser assim considerada como "um bem público produzido pelos governos e realizado por sistemas de incentivo adequados às escolhas de longo prazo", e, nesse sentido, essa noção "pode existir apenas no longo tempo da democracia". Uma democracia que, com a ajuda de John Rawls e Amartya Sen, quase coincide com a justiça social e é definida como "o regime que mira à repartição, do modo mais justo, os bens primários e à correção, dentro do possível, de desigualdades de capacidade".

Um olhar sobre as várias posições que analisam a crise econômica e ecológica seria incompleto sem a teoria do decrescimento, proposta por Serge Latouche, que teve, por causa de seus traços de novidades, ampla ressonância e de cujo manifesto se ocupou mais vezes. Recentemente, foi publicado um livro interessante de Latouche intitulado "Mondializzazione e decrescita. L'alternativa africana" (Editora Dedalo, 2009, 124 p.) que reúne vários escritos dos últimos anos centrados no continente africano. O interesse do texto reside sobretudo no fato de desnudar, de forma clara e compreensível, as raízes, os fundamentos justamente de origem africana aos quais o autor se inspirou para construir a sua teoria do decrescimento sereno.

Surgem assim das páginas do livro a oposição entre a "racionalidade" ocidental e a "razoabilidade" africana, ou os contrastes e as diferenças que dividem a África das elites, a oficial, presa de modelos e produtos impostos pelo mercado global, e a outra África, a abandonada, dos pobres, mas capaz de resistir e de sobreviver graças à economia neoclânica, à lógica do dom, à solidariedade. E surgem, principalmente, os protagonistas concretos dessa economia vernacular, as mulheres, os artesãos, os agricultores que construíram esse estilo de vida resistente e alternativo ao neocapitalismo que, segundo os defensores do decrescimento, pode representar o único caminho para salvar o mundo. Se Latouche, pela sua tensão a uma mudança radical do sistema sócio-econômico, deve ser contado entre os "revolucionários", um texto como "O ecologismo dos pobres" (Editora Contexto), de Joan Martìnez Alier, pertence ao mesmo campo e com veios mais marcados.

Livro materialista, segundo a própria definição do autor, "O ecologismo dos pobres" é um texto centrado no conflito: entre ecologia e economia, mas principalmente conflito entre grupos sociais, entre linguagens diversas. Assim, Alier define a noção de economia ecológica como o estudo do "choque inelutável entre expansão econômica e conservação do ambiente" e das suas formas. Do mesmo modo, a ecologia política não seria outra coisa que o campo interdisciplinar de estudos centrado na análise dos "conflitos ecológicos distributivos".

A ética do conflito

O livro não é em nada um árido manual de teoria. Pelo contrário, parte-se da distinção entre as principais correntes ambientalistas: a da "wilderness", voltada substancialmente a "preservar e manter o que resta dos espaços naturais íntegros que permaneceram fora do mercado"; a da ecoeficiência, que crê no "desenvolvimento sustentável", na "modernização ecológica", no "bom uso" dos recursos; e por fim uma terceira corrente, chamada "justiça ambiental", ou "ecologismo popular" ou ainda "ecologismo dos pobres". Esta última mostra não uma "reverência sacra pela natureza, mas sim um interesse material pelo ambiente como fonte e condição de sustento; não tanto uma preocupação pelos direitos das outras espécies e das generações humanas futuras, mas sim pelos humanos pobres de hoje... A sua ética nasce de uma demanda de justiça social entre seres humanos, hoje".

Essa corrente está no centro da análise do livro que, com escrita ágil e clara, adentra no relato de vários conflitos em várias partes do mundo, compreendendo suas implicações teóricas, as estratégias utilizadas, principalmente linguísticas mas não só, as formas de luta. Enfim, parte-se da análise das lutas para poder compreender a teoria geral. Assim, por meio de histórias ligadas à proteção dos mangues contra a indústria dos caranguejos, à resistência contra as barragens, aos movimentos contra a exploração de gás e de petróleo em áreas tropicais, aos conflitos pela saúde e pela segurança no trabalho, às lutas ambientais urbanas sobre o uso do solo, sobre o acesso à água ou contra certas formas de deposição dos resíduos, e tantos outros relatos de resistência e luta, Alier atinge plenamente o objetivo que se prefigurava com o seu livro, ou seja, o de observar de perto "o crescimento de um movimento global pela justiça ambiental que pode conduzir a economia rumo à adequação ecológica e à justiça social".

Dos movimentos sociais ao nascimento de uma esquerda global

A "green economy" é a expressão que evoca uma desejável mudança nas relações entre a produção e a proteção do ambiente. Fala-se de "economia verde" há mais de uma década, mas foram Al Gore e Barack Obama que a levaram para a frente dos refletores do grande público. O primeiro, por meio de sua atividade de produtor independente, a impôs como um tema central da agenda mundial. Um trabalho de denúncia premiado em 2007 com o Nobel da paz. O presidente dos EUA, por sua vez, indicou na "green economy" a porta de saída da crise econômica. Mas além da versão "mainstream", a ecologia é também o eixo em torno ao qual gira a proposta de refundar a "esquerda política", à luz dos movimentos sociais em defesa do meio ambiente, de crítica a multinacionais agroalimentares e aos faraônicos projetos de "modernização". É esse o fio condutor do livro "The rise of the global left", escrito pelo estudioso brasileiro Boaventura de Sousa Santos e publicado pela editora Zed Books (www.zedbooks.co.uk).

O perigo da utopia


"Se as utopias de esquerda levaram - em muitos casos - ao totalitarismo, a utopia liberal e sua permanente negação do papel do poder e da preparação para a guerra, na história do capitalismo e das relações internacionais, leva, com freqüência, os intelectuais e dirigentes destes países mais fracos, à uma posição de servilismo internacional".

A análise é de José Luís Fiori, cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo publicado pela Carta Maior, 11-08-2009 e pelo jornal Valor, 12-08-2009.

Eis o artigo.



"...a geopolítica do equilibro de poderes e a prática do imperialismo explícito deixaram de fazer sentido devido a uma série de novos fatos históricos [...], esta abordagem das relações internacionais não tem mais espaço no mundo em que vivemos, do pós-colonialismo, da globalização, do sistema político global, e da democracia [...] com a globalização, todos os mercados estão abertos e é inimaginável que um país recuse vender a outro, por exemplo, petróleo a preço de mercado..[...] Resulta ainda daqueles fatos que a guerra entre grandes países tambem não faz mais sentido [...] No século XX, as guerras entre as grandes potências não faziam sentido porque todas as fronteiras já estavam definidas?" (LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, "O mundo menos sombrio", Jornal de Resenhas, nº 1, 2009, USP, p:7. )


Na segunda metade do Século XX, em particular depois de 1968, tornou-se lugar comum a crítica dos "novos filósofos" europeus, que associavam a utopia socialista ao totalitarismo. Mas não se ouviu o mesmo tipo de reflexão, depois da década de 80, quando a utopia liberal se tornou hegemônica e suas idéias tomaram conta do mundo acadêmico e político. Logo depois da Guerra Fria, Francis Fukuyama popularizou a utopia do "fim da história" e da vitória da "democracia, do mercado e da paz". E apesar dos acontecimentos que seguiram, suas idéias seguem influenciando intelectuais e governantes, sobretudo na periferia do sistema mundial.

Basta ver a confusão causada pelo anúncio recente da decisão norte-americana de ampliar sua presença militar na América do Sul. Com a instalação ou ampliação de sete bases militares no território colombiano, que deverão servir de "ponto de apoio para transporte de cargas e soldados no continente e fora dele".( FSP,5/8/09) O governo norte-americano justificou sua decisão com objetivos "de caráter humanitário e de combate ao narcotráfico". A mesma explicação que foi dada pelo governo americano, por ocasião da reativação da sua IV Frota Naval, na zona da América do Sul, no ano de 2008 : "uma decisão administrativa, tomada com objetivos pacíficos, humanitários e ecológicos" (FSP, 9/0708).

Uma das funções dos diplomatas é participar deste jogo retórico que às vezes soa até um pouco divertido. E cabe aos jornalistas o acompanhamento destes debates sobre distâncias, raio de ação dos aviões, ameaça das drogas, etc. Todavia os intelectuais têm a obrigação de transcender este mundo da retórica e dos números imediatos, e também, o mundo das fantasias utópicas, o que as vezes não acontece, e não se trata - evidentemente - de um problema de ignorância. Pense-se, por exemplo, na utopia liberal do "fim das guerras" que já não fariam mais sentido entre os grandes países, e contraponha-se este tese com a história passada e a história do próprio século XX e XXI.

Segundo a pesquisa e os dados do historiador e sociólogo norte-americano, Charles Tilly: "de 1480 a 1800, a cada dois ou três anos iniciou-se em algum lugar um novo conflito internacional expressivo; de 1800 a 1944, a cada um ou dois anos; a partir da Segunda Guerra Mundial, mais ou menos, a cada quatorze meses. A era nuclear não diminuiu a tendência dos séculos antigos a guerras mais freqüentes e mais mortíferas [ alias] , desde 1900, o mundo assistiu a 237 novas guerras, civis e internacionais.. [enquanto.] o sangrento século XIX contou 205 guerras" (Charles Tilly, Coerção, capital e Estados europeus , Edusp, 1996, p. 123 e 131.) Mesmo na década de 1990, durante os oito anos da administração Clinton, que foi transformado na figura emblemática da vitória da democracia, do mercado e da paz, os EUA mantiveram um ativismo militar muito grande. E ao contrário da impressão generalizada, "os Estados Unidos se envolveram em 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria, período em que ocorreram 16 intervenções militares". (Bacevich, 2002: p:143). E mais recentemente, os "fracassos" militares dos EUA, no Iraque e no Afeganistão - ao contrário do que dizem - aumentaram a presença militar dos EUA na Ásia Central e o cerco da Rússia e da China, envolvendo, portanto, preparação para a guerra entre três grandes potências.

Em tudo isto, fica clara a dificuldade intelectual dos liberais conviverem de forma inteligente, com o fato de que as guerras são uma dimensão essencial e co-constitutiva do sistema mundial em que vivemos, e que portanto não é sensato pensar que desaparecerão. Ao contrário do que pensam os liberais, a associação entre a "geopolítica do equilíbrio de poderes" e as guerras, não se restringe ao século XIX, ( já havia sido identificada na Grécia), e o sonho do "governo mundial" das grandes potências, já existe pelo menos desde o Congresso de Viena, em 1815, sem que isto tenha impedido o aumento do numero dos estados e das guerras nacionais.

Neste tipo de sistema mundial, por outro lado, é muito difícil acreditar na possibilidade do "fim do imperialismo", e ainda menos, neste início do século XXI, em que as grandes potências - velhas e novas - se lançam sobre a África, e sobre a América Latina, disputando palmo a palmo o controle monopólico dos seus mercados e das fontes de energia e matérias primas estratégicas. E soa quase ingênua a crença liberal nos "mercados abertos", num mundo em que todas as grandes potências impedem o acesso às tecnologias de ponta, não aceitam a venda de suas empresas estratégicas, e protegem de forma cada vez mais sofisticada seus produtores industriais e seus mercados agrícolas.

Neste ponto, chama atenção a facilidade com que os economistas liberais confundem os mercados de petróleo, armas e moedas, por exemplo, com os mercados de chuchu, queijos e vinhos. Em tudo isto, o importante é que a utopia liberal também pode ter conseqüências nefastas, sobretudo para os países que não estão situados nos primeiros escalões da hierarquia de poder do sistema mundial. Se as utopias de esquerda levaram - em muitos casos - ao totalitarismo, a utopia liberal e sua permanente negação do papel do poder e da preparação para a guerra, na história do capitalismo e das relações internacionais, leva, com freqüência, os intelectuais e dirigentes destes países mais fracos, à uma posição de servilismo internacional.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Um balanço da AVAAZ


Este Blog retransmite um comunicado da AVAAZ - um balanço de suas atividades recentes:



Amigos,



Nós recebemos milhares de emails nos parabenizando e agradecendo pelo relato sobre as últimas campanhas da Avaaz - caso você não viu, leia abaixo o que conquistamos nos últimos meses! A nossa comunidade cresceu rapidamente e está se tornando realmente extraordinária, com uma agilidade e impacto de campanha intensos. Somente nas últimas 10 semanas nós organizamos 9 campanhas nacionais e globais, lidando com assuntos desde mudanças climáticas passando pelo Irã e Guantanamo. Ainda há muito o que fazer sobre todos estes assuntos, mas juntos estamos contribuindo de uma forma poderosa. Veja os destaques das últimas 10 semanas.

Amazônia brasileira - Os membros brasileiros da Avaaz fizeram 14.000 telefonemas e enviaram 30.000 emails para o Gabinete do Presidente Lula em poucos dias(!), revertendo de última hora a medida provisória que iria entregar uma boa parte da Amazônia para o agronegócio para exploração intensiva. Esta foi uma vitória inclusive contra as mudanças climáticas já que a Amazônia é responsável por captar gases de efeito estufa que estão causando o aquecimento do planeta.

Encontro do G8 - Semana passada 130.000 membros da Avaaz assinaram em 48 horas a petição para os países do G8 pedindo a limitação do aquecimento do planeta em 2 graus Celsius, buscando envergonhar os três países que estavam bloqueando as negociações. A petição foi entregue durante o G8 ao Primeiro Ministro do Reino Unido, Gordon Brown (veja a imagem à direita), junto com cartões postais personalizados gigantes.

Do lado de fora do encontro, os membros da Avaaz tiraram a roupa, usando apenas bikinis e sungas verdes, em uma encenação com muito humor para passar a mensagem da campanha. A ação gerou uma grande atenção da mídia (foto à direita). Enquanto isso parceiros da Avaaz aumentaram a pressão na Itália e no mundo todo. Os países que estavam bloqueando as negociações resistiram, mas acabaram concordando com a meta de 2 graus Celsius! Porém, eles falharam em definir ações específicas de como implementar a meta. Nosso desafio agora é garantir que os líderes políticos mantenham seu compromisso com a assinatura de um tratado global vinculante durante o Encontro da ONU sobre mudanças climáticas em Copenhague em dezembro.

Protestos no Irã - Nossa comunidade rapidamente respondeu à crise eleitoral no Irã com uma pesquisa de opinião para saber o que pensa o povo iraniano. Pedimos também para líderes globais não reconhecerem o resultado até que a repressão aos protestos terminassem, e arrecadamos fundos para apoio tecnológico para facilitar o livre acesso dos iranianos à Internet. A forte repressão que se agravou depois dos primeiros protestos dificultou a elaboração da pesquisa de opinião (deveremos ter resultados semana que vem), porém arrecadamos mais de cem mil dólares para o apoio tecnológico de acesso à Internet para os iranianos poderem se comunicar livremente. A situação do Irã permanecem incerta, e nós continuaremos a apoiar a liberdade de expressão e nos opor aos que se aproveitam desta crise para justificar uma ação militar contra o Irã.

Metas climáticas do Japão - No Japão, nós denunciamos as intenções do Primeiro Ministro Taro Aso em definir metas climáticas fracas e insuficientes, o que poderia levar outros países a serem menos ambiciosos também. Financiado por pequenas doações online, a Avaaz encomendou uma pesquisa que mostrou que 63% dos japonese queriam metas mais fortes contra as mudanças climáticas. Publicamos o resultado na imprensa na forma de um anúncio de página inteira no maior jornal empresarial do Japão e no mangá preferido do Aso (veja ao lado). Internacionalmente, a Avaaz publicou um anúncio de página inteira no Financial Times. Mem bros da Avaaz se mobilizaram publicamente se reunindo com os representantes do Japão nos encontros de Paris e Bonn.

Finalmente o Primeiro Ministro anunciou metas mais fortes do que as indústrias poluidoras queriam -- porém ainda muito longe de serem o suficiente para impedir as consequencias catastróficas das mudanças climáticas. Nós então dobramos a pressão com uma conferência de imprensa altamente coberta por jornalistas internacionais, mostrando o Primeiro Ministro japonês como "George W. Aso" -- comparando ele ao Bush por se posicionar contra propostas mais fortes para conter o aquecimento global.


Libertem os presos políticos da Birmânia - Mais de 400.000 pessoas assinaram a petição para o Secretário Geral da ONU Ban Ki Moon pedindo para ele priorizar a libertação da Prêmio Nobel da Paz e presa política Aung San Suu Kyi e outros prisioneiros políticos da Birmânia. A petição foi entregue em uma reunião com o gabinete do Ban Ki Moon e numa conferência de imprensa na ONU em Nova York. O Secretário Geral da ONU fez uma declaração forte pela libertação de Suu Kyi e viajou para Birmânia para tentar se reunir com ela, porém foi recusado pela junta militar. A pressão internacional fez com que a junta adiasse o novo julgamento para estender a sentença da Aung San Suu Kyi, porém será preciso uma pressão muito maior para garantir a sua libertação.

Estados Unidos e Tortura - Uma campanha global para arrecadar fundos, junto com uma petição para acabar com a tortura e fechar o presídio de Guantanamo, permitiu que a Avaaz comprasse um outdoor de 9 andares a poucos quarteirões da Casa Branca, no centro de Washington DC. De última hora a empresa de outdoor se recusou a colocar o anúncio apesar de alguns membros do congresso dos EUA, que são contra Guantanamo, se oferecerem para apresentar o outdoor em uma conferência de imprensa. A Avaaz agora garantiu uma forma alternativa para entregar a nossa mensagem audaciosa, que irá chacoalhar Washington DC com o nosso chamado por justiça.

Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas - No encontro sobre mudanças climáticas em Bonn, membros alemães da Avaaz participaram de uma ação de nossos parceiros onde 500 pessoas soletraram "Yes You Can" (slogan de campanha do Obama), uma mensagem para os líderes, e principalmente o Obama, sobre as negociações climáticas (veja à direita). A ação chamou atenção para a falta de ambição das negociações. A Avaaz também enviou uma equipe de 16 pessoas para acompanhar e se reunir com os representantes das delegações presentes, incluindo membros de 10 países que participaram pressionando os negociadores dos seus países.

Peru - A Avaaz se juntou a grupos indígenas locais e aliados políticos para entregar uma petição global contra as leis que iriam causar uma devastação massiva da amazônia peruana. Publicamos o anúncio ao lado em um dos jornais mais importantes do Peru. O anúncio gerou muita atenção e junto com a pressão política doméstica, conseguimos que o congresso peruano revogasse as leis controversas!

Israel - O Primeiro Ministro Netanyahu preparou um discurso para responder à fala histórica do Presidente Obama no Cairo, em que ele pediu para Israel parar com os assentamentos ilegais em terras palestinas. Nós publicamos um anúncio de página inteira em um dos jornais mais importantes de Israel - o Haaretz - entregando uma petição dos membros da Avaaz de Israel e do mundo inteiro pedindo para o Netanyahu seguir as recomendações do Obama e parar com os assentamentos. Até agora o Netanyahu recusou, mas nós estamos ajudando a construir uma campanha inédita, levando a questão dos assentamentos para a opinião pública israelenses e globais.

As petições, campanhas de captação, manifestações e lobby político que a nossa comunidade está fazendo está tendo um impacto incrível. A Avaaz cresceu mais de 50.000 pessoas por semana, tendo agora mais de 3,6 milhões de cidadãos engajados em todos os países do mundo. Nós somos realmente globais, operando em 14 línguas, já temos 25.000 membros em Singapura, 35.000 na África do Sul, 130.000 na Itália, 50.000 no México... Nunca antes houve uma comunidade como a nossa, capaz de responder rapidamente a questões globais e mobilizar de forma eficaz o poder da sociedade civil global para as maiores necessidades e preocupações da humanidade -- isto é um grande motivo de esperança!

Nesta jornada emocionante, estamos ansiosos pelas próximas 10 semanas, e 10 meses, e 10 anos juntos!

Com esperança,

Ricken, Alice, Pascal, Ben, Veronique, Paul, Graziela, Brett, Raluca, Luis, Raj, Milena, Paula, Iain, Taren, Margaret e toda a equipe Avaaz

PS - para ver os destaques das campanhas da Avaaz em 2007 e 2008, e deixar um comentário, clique aqui:

https://secure.avaaz.org/po/report_back_2/



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SOBRE A AVAAZ

Avaaz.org é uma organização independente sem fins lucrativos que visa garantir a representação dos valores da sociedade civil global na política internacional em questões que vão desde o aquecimento global até a guerra no Iraque e direitos humanos. Avaaz não recebe dinheiro de governos ou empresas e é composta por uma equipe global sediada em Londres, Nova York, Paris, Washington DC, Genebra e Rio de Janeiro.

Avaaz significa "voz" em várias línguas européias e asiáticas.

Pegada aquática


Brasil é o maior exportador de ‘água virtual’ para a Alemanha


Estudo do WWF afirma que o Brasil gasta 5,7 bilhões de metros cúbicos anuais de água na produção de mercadorias que serão consumidas na Alemanha, principalmente café, soja e carne.

A reportagem é de Nádia Pontes, e publicada pelo sítio Deutsche Welle, 04-08-2009.

A Alemanha consome por ano 159,5 bilhões de metros cúbicos de água, o equivalente a três vezes o volume do Lago de Constança. O número foi apresentado nesta segunda-feira (03/08) pelo WWF, organização mundial ambientalista.

Segundo o estudo, cada cidadão alemão consome em média 5.288 litros por dia do recurso natural, o que corresponde ao volume de 25 banheiras cheias. Para chegar a esse número, o estudo do WWF levou em consideração o consumo direto e também o indireto, como, por exemplo, a água usada no cultivo de alimentos e nos processos industriais.

Segundo a organização, cada pessoa na Alemanha consome em média 124 litros de água por dia pelo uso direto, ao abrir a torneira. A quantidade de água consumida por uma pessoa, empresa ou país é o que os ambientalistas chamam de pegada aquática.

Água virtual importada

O estudo do WWF aponta que aproximadamente metade da água consumida pela Alemanha é importada, ou seja, foi utilizada em outros países no processo de produção de mercadorias compradas pela Alemanha. É o que a organização chama de água virtual.

A agricultura é o setor que mais consome água: 117,6 quilômetros cúbicos – 73% do total anual. Mais da metade é importada: a maior parte da água virtual está nos produtos agrícolas importados do Brasil (5,7 bilhões de metros cúbicos, utilizados principalmente na produção de café, soja e carne), da Costa do Marfim (4,2 bilhões) e da França (3,5 bilhões).

Só o consumo anual de café e cacau na Alemanha, por exemplo, requer 20 quilômetros cúbicos de água virtual. As carnes de vaca e de porco importadas também têm essa característica, além de sementes oleaginosas, como oliva, palma e algodão.

Na segunda posição no ranking de consumo de água na Alemanha está a indústria, com 36,4 bilhões de metros cúbicos por ano. O uso doméstico, que é de 5,5 bilhões de metros cúbicos, vem em terceiro.
"O consumo de água não é algo ruim, mas faz parte de uma atividade natural", explica Martin Geiger, do WWF. O ambientalista alerta, entretanto, que é preciso prestar atenção na quantidade e nas condições em que o recurso é retirado na natureza.

Para o WWF, leis de responsabilidade sobre o uso da água deveriam ser criadas. Assim, cada país poderia verificar o quanto de água foi consumida nos produtos na hora de negociar a importação. Este recurso poderia, consequentemente, ajudar a Alemanha a reduzir a sua pegada aquática.

Origem do conceito

O conceito "água virtual" foi criado em 1990 pelo cientista inglês John Anthony Allan. O termo leva em consideração o volume de água utilizado, o quanto do recurso evapora ou fica poluído nos processos de produção.

A confecção de um par de sapatos de couro, por exemplo, consome 8 mil litros de água. A produção de um hambúrguer, 2,4 mil litros. O cultivo de algodão suficiente para fabricar uma camiseta consome 4 mil litros do recurso. Cada quilograma de açúcar contém, aproximadamente 1,5 mil litros de água virtual.

O termo "pegada aquática" partiu do conceito água virtual e pode ser usado tanto para indivíduos como para empresas e países.

Bases norte-americanas na Colômbia


As sete áreas que serão ocupadas por diferentes tipos de instalações militares americanas em território da Colômbia já estão sendo utilizadas pelo contingente dos EUA. O acordo firmado pelo presidente Álvaro Uribe "vai apenas regularizar um fato", disse ontem o senador e ex-ministro da Defesa Rafael Pardo.

A reportagem é de Roberto Godoy e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 05-08-2009.

Nem todos os pontos receberão bases. Em Larandia, no sul do país, os consultores do Pentágono montaram o núcleo de inteligência das operações de repressão à guerrilha e ao narcotráfico. Assumindo o controle, vão expandir o centro de informações, que vai incorporar novos sistemas eletrônicos de alta tecnologia. No complexo de Tolemaida estão concentrados os programas de treinamento, reciclagem de pessoal e alojado o maior grupo de terceirizados, o amplo quadro de soldados profissionais fornecidos por empresas especializadas como a poderosa DynCorp.

O foco do plano mais ambicioso está fechado em Cartagena e Málaga, formando um arco entre o Mar do Caribe e o Oceano Pacífico. No sítio de Cartagena deve ser ativada uma ampla base aeronaval. Rafael Pardo acredita que terá recursos para dar apoio a eventuais forças-tarefa, formadas por vários navios. Na pequena Bahia Málaga, funciona um conjunto de logística e estocagem de material. O local todavia é visto como estratégico.

O ponto de amarração de todo o sistema é, todavia, a Base Aérea de Palanquero, com uma pista moderna de 3 mil metros e grandes hangares. É ao vértice de um triângulo formado pelas unidades de Malambo, no litoral Atlântico e Apiay, no centro geográfico da Colômbia. A função dessas facilidades é substituir e ampliar o trabalho da Base de Manta, que funcionava no Equador e foi desativada.

Grandes jatos E-3 Sentinela, versão especializada do Boeing 707, precisam realizar 1.600 missões de inteligência por ano.Os aviões, do 478º Esquadrão Expedicionário, são escoltados por caças F-16 e F-15 deslocados dos EUA e, nessa tarefa, agregados à 429ª Esquadrilha. Durante o voo, monitorados por radares de longo alcance instalados em Soto Cano, Honduras, os caças permanecem sobre águas internacionais - prontos para entrar em ação, mas, até agora, sem causar protesto pela invasão do espaço aéreo.

O fim da crise e o capitalismo que virá



A questão dominante hoje se refere à sustentabilidade do crescimento. E, para enfrentá-la, devemos encontrar indicadores alternativos ao PIB. É desejável uma mudança radical na relação entre economia e política, no plano das relações internacionais, do destino dos recursos e das finanças.

Essa é a opinião do político italiano e ex-ministro da República, Giorgio Ruffolo, em artigo para o jornal La Repubblica, 04-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

A atenção voltada à crise se concentra geralmente na questão da sua duração. Poucos se perguntam se e como, depois da crise, a economia capitalista mudará.

Durante a grande crise dos anos 30 – a que mais se assemelha à atual – não eram poucos os que pensavam que o fim da crise coincidiria com o fim do capitalismo. Com efeito, não faltou muito. Hoje, ninguém apostaria um euro. E nem um dólar. O capitalismo não será eterno. Mas é certo que ele não tem os dias contados. Talvez, os séculos.

Há três formas bem consolidadas que o capitalismo introduziu na sociedade moderna e que parecem historicamente duradouros: o primado da economia como motor da história; o primado do capital na estrutura da economia; o primado do mercado na sua regulação. Essas três características estão na base da quarta: o movimento de crescimento contínuo que o capitalismo imprimiu na economia mundial.

Essas características, as três primeiras principalmente, fazem do capitalismo um sistema praticamente insustentável. A sua alternativa mais grandiosa, a comunista, naufragou. E não merece nostalgias.

Isso não significa que tudo deve voltar a ser como antes. Essa, mais do que uma previsão, é uma aspiração ideológica. Voltar, depois de uma custosa parada, ao usual: "il carro stride del passegger che il suo cammin ripiglia" [a carroça range por causa dos passageiros que retomam seu caminho]. Será assim? Não acredito. O capitalismo conta os séculos, mas muda, a cada tanto, a conta. Houve um capitalismo liberal, um protecionista, um keynesiano, um liberal, cada um profundamente diferente do outro. Esta última está saindo da crise com os ossos quebrados. Parece razoável perguntar se o capitalismo que sairá dessa crise será muito diferente daquele que nela entrou: e em quê.

Percorramos rapidamente as três características duradouras do capitalismo. É (quase) certo que o motor da história continuará sendo a economia (aquele "quase" precisaria de um discurso diferente que obviamente desconsideraremos aqui). Mas o motor age em uma máquina que pode mudar. As máquinas políticas, dentre as quais o capitalismo agiu, foram caracterizadas por diversas hegemonias nacionais: a italiana, a holandesa, a britânica, a norte-americana.

No último século, a hegemonia norte-americana foi incontestável. Será também no futuro? A crise colocou-a sob dura prova. E, enquanto isso, surgiram novas potências políticas: Índia e China. Para não falar das potências econômicas multinacionais que são capazes de se eximir também da influência da Superpotência política. Tudo isso determina uma condição de desordem econômica mundial que esta última não é capaz de dominar.

Segundo ponto. Por meio da globalização e da financiarização, a prevalência do capital se tornou preponderância, com consequências ingovernáveis de instabilidade e perigosamente conflitantes de iniquidade. Uma economia constantemente exposta à inflação e ao afrouxamento das bolhas especulativas não é o quadro ideal para a difusão do bem-estar.

Terceiro ponto. A mercantilização da economia introduziu, no sistema, dois fatores socialmente desagregadores. O primeiro é o desequilíbrio entre a superabundância dos consumos privados e a pobreza dos bens sociais (escola, saúde, cultura, solidariedade, meio ambiente). O segundo, ainda mais grave, é a mercantilização das regras. Se as regras do jogo entram no jogo, o jogo se destrói. Se os árbitros podem ser comprados, não ocasional e criminalmente, mas "regularmente", não existe mais partida. Isso ocorreu vistosamente nos fenômenos colusivos da crise atual e na mercantilização de títulos que deveriam ser instrumentos de garantia e não objetos de especulação.

Esses três aspectos, em si sós, justificariam uma mudança radical da relação entre economia e política: no plano das relações internacionais das trocas e dos câmbios; no da distribuição dos recursos entre economia e finanças, entre capital e trabalho; no do destino dos recursos, entre bens privados e bens públicos e da distinção entre contratos e produtos, entre mercadorias e regras de câmbio.

Resta o quarto aspecto decisivo, que é hoje obscurecido pela preocupação dominante de sair de qualquer forma e o mais rápido possível da crise: o da sustentabilidade do crescimento. Deveria ser a questão dominante. Hoje, somos guiados por um indicador enganoso, o PIB, que viola o princípio fundamental da economia, a distinção entre renda e custo: um verdadeiro absurdo, para não dizer uma vergonha.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Energia: Sol da África para eletrificar a Europa ?


Doze companhias alemãs uniram-se para implementar o ambicioso plano de cobrir, até 2020, pelo menos 15% da demanda de eletricidade da Europa com usinas termosolares instaladas na África setentrional. Entre essas empresas signatárias da Iniciativa Industrial Desertec estão as maiores firmas alemãs em vários setores: bancário (Deutsche Bank), seguros (Muenchener Rueca), elétrico (E.on e RWE) e o gigante da eletrônica Siemens. Elas planejam investir cerca de 400 bilhões de euros (US$ 560 bilhões) em instalações e na modificação da matriz energética européia, de modo a permitir a chegada de eletricidade através do mar Mediterrâneo. As centrais termosolares também forneceriam energia para a África setentrional.

A reportagem é de Julio Godoy, da IPS e publicada pela Envolverde, 30-07-2009.

O plano responde a estudos realizados pelo Clube de Roma, uma organização independente dedicada ao fomento do desenvolvimento, e ao estatal Centro Aeroespacial Alemão. Na promoção e implementação do projeto teve papel fundamental a Fundação Desertec, integrada por personalidades da Europa, do Maghreb e do Oriente Médio, dedicada a desenvolver mecanismos sustentáveis de produção e fornecimento de energia para essas regiões. “Queremos lançar uma sociedade de risco compartilhado e criar planos concretos para a Desertec nos próximos dois ou três anos”, disse à IPS o diretor da Muenchener Rueck, Torsten Jeworreck.

“A energia solar limpa é o futuro da Siemens”, disse o gerente-geral da companhia, Peter Loescher, no mês passada em uma entrevista coletiva. “Nossa empresa, e toda a economia, será mais verde após encerrada” a atual crise econômica. A Siemens “participará ativamente” da Iniciativa Industrial Desertec, acrescento. “As catástrofes ambientais causadas pela mudança climática são, no longo prazo, um problema maior do que a atual crise financeira”, disse Jeworrek. “Nossas estatísticas sobre seguros das últimas décadas dizem que as catástrofes crescem entre 3% e 4% a cada ano”, acrescentou.

Estimativas de especialistas alemães em energia indicam que a eletricidade produzida na África setentrional poderia custar cerca de 0,06 euros por quilowatt/hora. Em outras fontes, o custo atual varia de 0,025 a 0,05 euros. “Praticamente, todos os especialistas concordam que o preço da eletricidade aumentará nos próximos anos”, disse à IPS Bernd Schuessler, da revista alemã Photon, especializada em energia. O Centro Aeroespacial Alemão e o Clube de Roma calcularam que um investimento de 400 bilhões de euros nos programas da Desertec podem conseguir a instalação de uma capacidade de produção elétrica de 100 gigawatts até 2050.

Esta relação entre custo e beneficio é extremamente vantajosa em relação, por exemplo, com a de Olkiluoto 3, uma central nuclear em construção na Finlândia que custará 5 bilhões de euros e terá capacidade de gerar 1,6 gigawatts. O custo não inclui o manejo dos lixo radioativo nem de outras dificuldades técnicas próprias dos reatores nucleares. O custo estimado das centrais termosolares noMaghreb inclui uma rede subterrânea de cabos de alto rendimento através do mar Mediterrâneo. “Em distancias de 500 ou 600 quilômetros, os cabos custam apenas entre 10% e 20% mais do que a rede aérea e não emitem radiação eletromagnética”, segundo o Centro Aeroespacial.

Especialistas e ativistas ambientalistas aplaudiram a iniciativa Desertec. “O projeto é uma das respostas mais inteligentes aos problemas ambientais e econômicos de nosso tempo”, disse à IPS Andree Boehling, especialista em energia do Greenpeace Internacional. “Ao que parece, uma parte importante do empresariado alemão se deu conta de que é hora de ampliar o uso das fontes renováveis de energia e de dizer adeus aos combustíveis fósseis e às centrais nucleares”, acrescentou. Segundo o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Signar Gabriel, o projeto é “uma excelente idéia, tanto por suas implicações na política energética européia quanto em seu caráter de programa de desenvolvimento para a África setentrional”.

As centrais termosolares, em uso comercial desde 1985, usam espelhos e lentes de aumento para concentrar a energia solar de modo a aumentar a temperatura da água em recipientes e produzir eletricidade com a passagem do vapor resultante através de turbinas. O calor residual do processo de produção de eletricidade “pode ser usado para retirar o sal da água marinha”, disse o Clube de Roma. “Se for produzida mais energia de origem solar do que a consumida durante o dia, o excedente pode ser armazenado em baterias e usado durante a noite”, acrescentou. “As turbinas também funcionam com gás natural, por isso podem fornecer eletricidade sem interrupção em períodos em que o clima não é propício” para produzir com a luz solar, afirma o estudo do Clube de Roma.

O projeto beneficiará as duas regiões, disse à IPS Franz Trieb, do Centro Aeroespacial. “Não será uma nova colonização energética do mundo árabe”, afirmou. “Pelo contrário, ajudará os Estados da África setentrional e do Oriente Médio a cobrir sua crescente demanda com recursos renováveis e próprios”. O projeto da Desertec não está livre de críticas. O legislador social-democrata alemão Hermann Schee, também presidente do Conselho Mundial para as Energias Renováveis, o considera “outro supérfluo gerado gigante”. Scheer prefere apoiar a instalação de usinas solares e eólicas de pequeno porte.

“O fator decisivo na avaliação econômica das fontes renováveis de energia não é a razão entre eletricidade produzida e intensidade da fonte, mas entre a produção e o investimento”, disse o legislador. Segundo Scheer, uma simples operação aritmética mostra que “uma rede descentralizada de pequenos geradores solares e eólicos é mais eficiente do que projetos maiores, devido ao menor custo do transporte da eletricidade” através dos cabos. Os já numerosos geradores solares de eletricidade instalados na Alemanha “podem competir com a energia solar do deserto do Saara. Neste país estamos a ponto de reduzir ainda mais os custos através da instalação de painéis solares em tetos e fachadas de edifícios”, acrescentou.

Desde outro ponto de vista, o projeto Desertec é “excessivamente caro”, segundo Lars Josefsson, gerente-geral da Vantenfall, uma das principais companhias de energia da Europa, e assessor da Organização das Nações Unidas e da chanceler alemã, Angela Merkel. Os custos do transporte da energia do Maghreb até a Europa através do Mediterrâneo “seriam muito elevados. Para mim, o projeto não é viável”, afirmou Josefsson.



Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24403

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A sobrevivência humana ameaçada



“Estamos vivendo uma crise de padrão civilizatório. Nossos modos de viver não são compatíveis com as possibilidades do planeta. É preciso então mudá-los. Não temos alternativa.”

A afirmação é de Washington Novaes (foto), jornalista e ambientalista, em palestra proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 16 de abril de 2009.

Com o tema “Os limites da sustentabilidade no mundo atual", Washington Novaes discorreu sobre os desafios que se apresentam em tempos de mudanças velozes para a preservação do planeta Terra e das gerações futuras.

Reproduzimos na íntegra a palestra.

Estamos vivendo um novo tempo, porque já não se trata mais de cuidar apenas do meio ambiente. É bem mais do que isso: a questão é não ultrapassar limites que colocam em risco a própria vida. Para isso invoco as palavras de Kofi Annan, que durante mais de uma década foi secretário-geral da Organização das Nações Unidas [ONU], uma pessoa com muito conhecimento. Ele diz que hoje o problema central da humanidade está nas mudanças climáticas e na insustentabilidade dos padrões de produção e de consumo no mundo, porque já estão além da capacidade de reposição do planeta. Ele afirma que essas duas questões ameaçam a sobrevivência da espécie humana. É preciso prestar atenção nisso.

Vejamos a questão do clima. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPCC, na sigla do nome em inglês], órgão científico da ONU para a Convenção do Clima, diz que as ações humanas já aumentaram a temperatura do planeta em quase 0,8 grau Celsius, e para evitar que o acréscimo vá além de 2 graus será preciso reduzir as atuais emissões em 80% até 2050. Elas, porém, continuam crescendo. Às vezes as pessoas estranham que um aumento de temperatura de 0,8 grau tenha efeitos tão graves, mas, sendo bastante simplistas, podemos dizer que a Terra é um organismo vivo e sabemos o que acontece no organismo humano quando a temperatura sobe um grau. É o início de um processo de febre que, se não for contido, terá sérias consequências. No planeta não é diferente.

O IPCC afirma ainda: se as emissões continuarem no ritmo atual, a temperatura poderá elevar-se em quase 6 graus neste século e o nível dos oceanos poderá subir até 88 centímetros, o que produzirá aumento de secas, inundações e outros desastres.

Há uma parte dos cientistas, pequena, que nega a validade dessas conclusões do IPCC, mas lembro que eles são minoria e se dividem em várias categorias, sendo muitos ligados a indústrias relacionadas com combustíveis fósseis, com petróleo, outros que são absolutamente céticos e outros ainda que dizem que realmente o planeta está se esquentando, vai se aquecer muito mais ainda, mas que isso é um processo do sistema planetário e não consequência de ações humanas.
As previsões do IPCC, porém, têm o consenso entre mais de 2,5 mil cientistas de quase 200 países. No último relatório do órgão, que é o quarto, somente se publicou o que foi objeto de consenso e com probabilidade acima de 90% de se confirmar. E os diagnósticos mais recentes mostram que talvez já estejamos adiante das previsões do IPCC, com o derretimento do gelo que se verifica nos polos e nas montanhas da Groenlândia.

A ameaça maior nessa área é o aquecimento do permafrost [solo formado por terra, rochas e gelo], uma camada que esconde uma quantidade imensa de metano, gás 23 vezes mais poluente que o carbono. Um dos últimos números da revista New Scientist publicou um trabalho aprofundado sobre isso, revelando que é alguma coisa assustadora. O estudo prevê que em 20 ou 30 anos talvez já não haja mais gelo no Ártico e que a camada de poluentes que pode ser liberada é 1,6 mil vezes maior do que a concentração que já está na atmosfera.

A cada ano cresce o número de vítimas dos desastres naturais. O último balanço referente a 2008 mostra que 200 milhões de pessoas no mundo foram atingidas por eles. O prejuízo causado por esses acidentes, calculado por um conglomerado de empresas da área de seguros, principalmente a Munich Health, chegou a US$ 200 bilhões em 2008.

E o Brasil já é o décimo primeiro país em número de vítimas. Tivemos furacão em Santa Catarina, tornados, inundações e outros eventos extremos. As emissões totais no mundo hoje estão acima de 25 bilhões de toneladas anuais em equivalente de carbono. A China passou a ser o maior emissor, seguida dos Estados Unidos. O Brasil, se forem utilizados também critérios de emissões de carbono e metano em função de desmatamento, mudanças no uso da terra e queimadas, é o quarto maior emissor. Em 1994, no primeiro e único inventário que o Brasil fez, apresentado apenas em 2004, as emissões atingiam mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono e mais de 30 milhões de toneladas de metano.

Nicholas Stern


Recentemente esteve no Brasil Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, que não é um cientista voltado para o meio ambiente mas fez um estudo sobre as mudanças climáticas a pedido do governo britânico. No programa Roda Viva, da TV Cultura, gravado em novembro de 2008, ele afirmou que as emissões brasileiras já estavam entre 11 e 12 toneladas anuais por habitante, o que significaria que dobraram em relação a 1994. Há um novo inventário brasileiro, que vem sendo adiado desde 2005, mas cuja apresentação está prevista para este ano. A peculiaridade é que quase três quartos das emissões brasileiras se devem a mudanças no uso do solo pela agropecuária, desmatamentos e queimadas, e que 59% dessas emissões acontecem na Amazônia. O restante ocorre principalmente no cerrado, embora não se fale disso.

O cerrado é uma espécie de primo pobre dos biomas brasileiros e por isso muitos pensam que ali se pode fazer tudo, desde que se preserve a Amazônia. Segundo o último estudo do Instituto Sociedade, População e Natureza [ISPN], junto com a Universidade de Brasília, o cerrado está perdendo 22 mil quilômetros quadrados por ano, uma barbaridade. Cerca de 50% de sua vegetação, que é irrecuperável, já se foi. A área de preservação obrigatória por lei é muito pequena e o avanço continua muito acentuado. E não se fala que uma grande parte das emissões brasileiras acontece nas áreas de cerrado.

Das emissões totais de metano no país, a maior parte se deve à pecuária e à agricultura. Um estudo da Embrapa Meio Ambiente mostra que cada boi emite 58 quilos de metano por ano com os seus arrotos e flatulências. Esse valor multiplicado por 205 milhões de cabeças significa mais de 10 milhões de toneladas desse gás, que vão equivaler a perto de 250 milhões de toneladas de carbono.

O problema, no rumo em que está, tende a se agravar no mundo, que não encontrou ainda soluções. A Agência Internacional de Energia mostra que o consumo de energia no planeta vai aumentar 71% até 2030. E 80% das emissões se devem à queima de combustíveis fósseis, principalmente para geração de energia. Os países industrializados consomem 51% da energia total, mas como eles têm uma população que não chega a 20% da mundial, cada habitante dos países ricos emite 11 vezes mais do que um habitante das nações mais pobres.

Diante desse quadro, não temos nem regras nem instituições capazes de impor mudanças de forma global, obrigatórias para todos os países, como deve ser. Nem o Protocolo de Kyoto, que previa uma redução de 5,2% nas emissões dos países industrializados, foi ainda cumprido. Os Estados Unidos não ratificaram o acordo, que é de 1997, bem como outros países. O prazo vai até dezembro de 2009, quando haverá uma nova reunião em Copenhague, para que se defina um novo acordo e se regulamente a Convenção do Clima.

Houve recentemente um encontro em Bonn mas não se conseguiu nenhum avanço importante. A Europa propunha reduzir 20% nas emissões dos industrializados até 2020 e se dispunha a chegar até 30% se houvesse acordo, que não aconteceu. O novo governo dos Estados Unidos propõe reduzir as emissões em 15% em relação ao que eram em 1990, que é a base do Protocolo de Kyoto, mas o Congresso americano não aprovou nada ainda.

Novas tecnologias

Há quem acredite que o caminho não será um acordo internacional e, sim, a adoção de novas tecnologias que permitam resolver a questão. A primeira delas, mais significante, seria o chamado sepultamento de carbono. Essa tecnologia permitiria capturar o carbono na fonte de emissão, principalmente nas usinas de produção de energia que queimam carvão mineral e gás, e colocá-lo no subsolo, em antigos campos de petróleo esgotados, ou no fundo do mar.

A ideia foi avaliada em princípio pelo Painel do Clima, que concluiu que tecnicamente é viável. Mas é preciso ver que consequências, geológicas e hidrológicas principalmente, sísmicas talvez, haverá no fundo da terra. E para a diversidade marinha. Os especialistas dizem que no mar será um desastre, porque na água não há como conter o carbono, que se espalhará e provocará não apenas aquecimento do oceano como praticamente a extinção da biodiversidade.

Outra possibilidade seriam as fontes de energia renováveis e limpas: energia solar, eólica, das marés e os biocombustíveis. A grande questão são os custos. Serão viáveis, competitivas em matéria de preço? Tudo dependerá dos fatores que entram ou não na questão. Por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe] de São José dos Campos, avalia que o potencial de energia eólica no Brasil é maior do que todo o consumo brasileiro de energia hoje. Alega-se, porém, que essa fonte não é permanente, pois há momentos de pausa nos ventos. Por essa razão, o sistema tem de ser ligado a outras fontes energéticas que possam supri-lo nos períodos de falta de vento.

Quanto à energia solar, há um estudo que mostra o seguinte: se um quarto da área do reservatório de Itaipu fosse ocupado com painéis solares, isso produziria tanta energia quanto a própria usina. Nesse caso, a questão é como armazenar essa energia. A tecnologia para a qual se caminha é de aquecimento de óleo, que depois seria aproveitado progressivamente. Mas aqui há também o problema dos custos. Nessa questão, os defensores da energia eólica e solar perguntam: quem coloca na conta da energia derivada dos combustíveis fósseis o custo da poluição do ar, ou dos gastos com a saúde? Ou ainda os de implantação e manutenção do sistema viário? Quem faz a conta dos desperdícios? Um automóvel, por exemplo, pode chegar a utilizar 90% da energia para transportar a si mesmo e não ao passageiro. E perde 70% sob a forma de calor, usando somente 30%.

O professor Adriano Murgel Branco mostrou recentemente que numa viagem por automóvel se consome 20 vezes mais energia que no mesmo trajeto por metrô. Então há muitas contas a fazer, e isso vai determinar o rumo das decisões. De qualquer forma parece inevitável que se caminhe realmente em direção a uma nova matriz de transportes e veículos menos poluentes, como aqueles híbridos, que queimam combustível somente para a partida e depois usam energia elétrica. Mas há o lado da indústria automobilística, cujo lucro por unidade de produto, se forem usados os veículos híbridos em lugar das supercaminhonetes, pode cair em até 15 vezes. Então há questões econômicas e comerciais a considerar.

Nos cenários possíveis, Nicholas Stern disse em 2006 que teríamos dez anos para enfrentar essa questão, ao custo de 1% do produto bruto mundial a cada ano. Isso significaria cerca de US$ 600 bilhões hoje. Ele afirmou: "Se não o fizermos, teremos a maior recessão de todos os tempos, poderemos perder 20% do produto bruto mundial". Em 2009, quando esteve em São Paulo, disse que foi muito otimista em 2006. Não tínhamos dez anos, o prazo era muito menor e o custo será muito maior, de 2% a 3% do produto bruto mundial a cada ano, o que significaria de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão por ano.

A Agência Internacional de Energia [AIE] diz que serão necessários investimentos de US$ 15 trilhões em 15 anos em novas fontes de energia para chegar à emissão zero, mas que isso custará menos do que enfrentar as consequências. Convém lembrar que a AIE não é uma instituição de ambientalistas nem de pessoas que encaram a questão por esse ângulo, mas de técnicos em energia.

Há cenários para o Brasil, construídos pelo Inpe, que mostram o seguinte: no ritmo atual, a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus e no centro-oeste até 4 graus até 2070. No semiárido poderá haver uma perda de até 20% dos recursos hídricos e os prejuízos para a agricultura serão progressivos. Eles já estão presentes, aliás, com as secas, inundações etc. Um dos exemplos mais mencionados no sul-sudeste é o deslocamento da cultura do café do estado de São Paulo e do norte do Paraná exatamente por causa do aumento médio da temperatura nessas áreas, que leva a uma queda precoce das flores e gera redução grave de produtividade. Por isso o café migrou quase todo para regiões mais altas de Minas Gerais e algumas outras, onde também se começam a enfrentar problemas de temperatura.

Há muita coisa ainda que poderia ser dita sobre o clima, principalmente o agravamento dos chamados eventos extremos, que temos visto recentemente em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo. A Amazônia e uma grande parte do nordeste estão sofrendo com o excesso de chuvas. Há poucos dias em Uauá, no sertão da Bahia, considerada uma espécie de capital da seca, choveu 250 milímetros em uma noite. São 250 litros de água por metro quadrado de solo.

Segundo os cientistas, há uma mudança evidente no formato das chuvas. Verificam-se cada vez menos aquelas chuvas miúdas e continuadas na estação das águas e temos os chamados eventos extremos, uma grande quantidade de água que cai num curto espaço de tempo, gerando problemas imensos. Recentemente em Blumenau (SC) em um dia choveu 819 milímetros, quase um metro cúbico de água por metro quadrado de solo em 24 horas, uma barbaridade. Esses acontecimentos são cada vez mais frequentes, o que vai exigir inclusive, embora pouco se fale disso, mudança de métodos construtivos em rodovias, pontes, aterros e inclusive áreas urbanas, porque esses sistemas foram calculados para outros tempos e não para os impactos que estamos sofrendo hoje.

Ecossistemas em colapso

A segunda questão mencionada por Kofi Annan são os padrões de produção e consumo. Segundo os relatórios do Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente], do WWF e de outros, já estamos consumindo mais de 25% além da capacidade de reposição da biosfera planetária. É um déficit que está aumentando de ano para ano. As previsões do Pnuma são de que em meio século a exigência humana sobre a natureza será duas vezes superior à capacidade de reposição da biosfera e é provável a exaustão dos ativos ecológicos, assim como o colapso dos ecossistemas em larga escala. Na verdade estamos nos comportando como uma família que consome mais do que seu orçamento permite – ela não tem essa disponibilidade e caminha para situações muito graves.

Essa pressão cada vez maior intensifica a desertificação no mundo, hoje já de cerca de 60 mil quilômetros quadrados a cada ano, agravando a crise da água e várias outras. A chamada pegada ecológica média é de 2,2 hectares por pessoa, quando a disponibilidade média é de 1,8 hectare. Não há essa disponibilidade. O Brasil tem uma situação relativamente privilegiada por causa de seu território e recursos, mas a pegada média brasileira é de 2,1 hectares por pessoa/ano, superior à disponibilidade média mundial.

Algumas das consequências desse uso excessivo são a perda de espécies tropicais e a degradação dos manguezais, em ritmo duas vezes superior ao das florestas. Continuamos a perder no mundo 12 mil quilômetros quadrados de florestas por ano. Na América do Sul a perda dos manguezais, que são o berço da vida no oceano, é mais grave que no restante do mundo e seu principal fator é a conversão de áreas para agricultura. Outro é a pesca excessiva, que já exauriu um quarto dos estoques pesqueiros mundiais.

Essa pressão leva também a problemas na área dos recursos hídricos, em que há uma alteração e retenção forte do fluxo fluvial para vários usos, industrial, para energia ou abastecimento humano. Mais de metade dos maiores sistemas fluviais no mundo já se fragmentaram e a quantidade de água armazenada em reservatórios é pelo menos três vezes maior do que a do fluxo fluvial superficial. Um estudo da Comissão Mundial de Barragens informa que só de barragens com mais de 15 metros de altura temos 45 mil no mundo e já há muitos grandes rios que não conseguem chegar ao final de seu curso primitivo, que seria o mar. Exemplo disso é o rio Amarelo, na China, e vários outros, como os que correm para o mar de Aral, na Ásia, e rios nos Estados Unidos também.

Isso se torna mais dramático ainda se observarmos que os países industrializados, com menos de 20% da população mundial, respondem por quase 80% do consumo dos recursos. Dizem os relatórios do PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] que se todas as pessoas consumissem como americanos, japoneses e europeus, teríamos necessidade de mais dois ou três planetas Terra para suprir os recursos. Então não é exagero dizer que estamos vivendo uma crise do padrão civilizatório.

Nossos modos de viver são incompatíveis com os recursos do planeta, mesmo com quase 1 bilhão de pessoas passando fome e 2,5 bilhões vivendo abaixo da linha da pobreza. Com o agravante de que até meados deste século, segundo os demógrafos da ONU, a população passará dos atuais 6,7 bilhões para 8,5 ou 9 bilhões de pessoas, embora a taxa de natalidade no mundo tenha baixado muito. O Brasil já tem uma taxa de nascimentos inferior ao que seria a chamada taxa de reposição, a substituição das pessoas que morrem.

Crescimento insustentável

O que se vai fazer diante desse quadro? Muitos dizem que a solução é crescimento econômico, é desenvolvimento. O biólogo americano Edward Wilson, que é considerado o maior especialista em biodiversidade no mundo, admite que o caminho seja esse. Vamos supor então que o crescimento do produto mundial seja de 3,5% ao ano. Seria modesto, mas não há recursos e serviços capazes de sustentá-lo. Será indispensável então praticar padrões de consumo que poupem recursos e não os desperdicem. Teremos de reformular as matrizes energéticas, de transportes, os métodos na agropecuária, os padrões de construção. E os fatores de custos ambientais terão de estar no centro e no início de todas as políticas públicas e planejamentos privados.

O Brasil terá de adotar uma estratégia que leve em conta mudanças climáticas e sustentabilidade na produção e no consumo. Temos uma posição privilegiada em matéria de recursos naturais, fator escasso de que o mundo mais precisa. Temos território continental, sol o ano todo para plantar, temos de 15% a 20% da biodiversidade global. Isso é um privilégio, porque daí é que virão os novos alimentos, medicamentos, materiais para substituir os que se esgotarem ou se inviabilizarem.

O biólogo Thomas Lovejoy calcula que só de medicamentos com base na biodiversidade das plantas se comercializam hoje no mundo mais de US$ 200 bilhões por ano. Temos de 12% a 13% do fluxo hídrico superficial num mundo carente desses recursos. Temos grandes aquíferos subterrâneos e a possibilidade de utilizar uma matriz energética limpa e renovável, com hidreletricidade, energia eólica, solar, energia das marés e os biocombustíveis.

Em 2006, a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], junto com o WWF, publicou um estudo sobre a matriz energética brasileira, com estes dados: o país, se quiser, pode ganhar 30% da energia que consome hoje com programas de eficiência e conservação, como ocorreu em 2001 no apagão. Pode ganhar 10% com repotenciação de antigas usinas que estão com equipamentos ultrapassados, a um custo muito menor do que construir uma nova usina. E pode ganhar 10% reduzindo as perdas nas linhas de transmissão. Perdemos hoje de 15% a 17% de energia nessas linhas, enquanto no Japão esse índice é de apenas 1%.

As hidrelétricas produzem hoje 20% da energia mundial, mas há muita pressão da agropecuária em relação aos recursos hídricos. Um quilo de trigo requer entre 400 e 2 mil litros para ser produzido, um quilo de carne entre mil e 20 mil litros, carne bovina são 15 mil litros e de aves 4 mil litros. Se uma pessoa come um bife de 200 gramas de carne de boi no almoço e outro no jantar, consome perto de 3 mil litros de água por dia. Somando-se isso aos outros usos em casa de chuveiro, cozinha, descarga sanitária e àqueles fora de casa, não será exagero dizer que uma pessoa consome 4 mil litros de água por dia.



Isso alimenta o debate com os vegetarianos, que rejeitam o consumo de carne pelo ser humano. Mas há outros complicadores: produzir 1 litro de combustível verde exige 2,5 litros de água. Isso também começa a ser discutido, bem como outros problemas, como a contribuição do etanol para a chuva ácida, para a disseminação de nitrogênio. Um relatório recente da ONU diz o seguinte: chegam por ano aos oceanos cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio, levadas pelos rios e recebidas das lavouras. Esse nitrogênio é a principal causa de eutrofização [aumento da quantidade de nutrientes, levando ao acúmulo de matéria orgânica em decomposição] da água, que forma algas e vegetação, prejudicando a biodiversidade. Os oceanos já têm hoje várias áreas mortas, algumas com até 70 mil quilômetros quadrados, como no Pacífico e no golfo do México.

Também começa a ser discutida a questão do metano na pecuária, já mencionada, e na produção de arroz irrigado por inundação, outra fonte de emissão desse gás. Há poucos dias surgiu uma notícia interessante: cientistas alemães conseguiram reduzir em 25% a produção de metano pelo gado bovino adicionando óleo de peixe na ração. Se isso se confirmar e for viável em larga escala, pode ser extremamente importante.



Água e saneamento


Esse é o quadro final. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, um ser humano precisa de 3 litros diários para beber e 3 mil litros para seus alimentos. Doenças veiculadas pela água são a segunda causa de morte de crianças com menos de 5 anos no mundo. São 4,2 mil por dia e 125 milhões de crianças vivem em casas sem água potável de boa qualidade. O problema do saneamento é dramático, 23% da população mundial não tem sequer instalações sanitárias e defeca ao ar livre. Se o saneamento fosse universalizado, as doenças diarreicas poderiam se reduzir em 32%. No Brasil, 80% das internações e das consultas pediátricas na rede pública se devem a doenças veiculadas pela água, principalmente infecções intestinais. Nos países em desenvolvimento esses males matam 1,7 milhão de pessoas por ano.

As propostas no Fórum Mundial da Água precisariam de votação unânime, como ocorre em todos os fóruns da ONU. Uma seria impedir a comercialização e a privatização da água, porque em muitos países onde isso acontece as populações mais pobres ficam sem água, e há nações na África onde esse problema é dramático, Mali, por exemplo. Outras: regras mais exigentes para a construção de barragens e água como direito constitucional. Houve uma discussão também sobre instituir a água como direito humano, o que não foi aprovado (o Brasil foi contra).

A delegação brasileira levou algumas propostas para Istambul: cobrar mais pelo uso dos que poluem mais, promover maior participação da sociedade na gestão e remunerar produtores agrícolas por serviços ambientais. Este último ponto tem como exemplo a cidade de Nova York, que estava com a capacidade de abastecimento de água esgotada e já em déficit. Fez um acordo com os produtores das margens dos mananciais para que deixassem de usar tanta água na irrigação e passou a pagá-los pela conservação das áreas para que ali se pudesse aumentar a captação. O acordo foi feito e deu muito resultado. No Brasil, o município mineiro de Extrema começou a fazer isso, remunerando os produtores por serviços ambientais.

Há um problema muito grave, do qual se fala pouco, que é o derretimento do gelo das montanhas, inclusive na América do Sul. Na Ásia certamente o efeito será dramático, isso já está acontecendo e são centenas de milhões de pessoas que dependem dessa fonte de água. Na América do Sul também já está ocorrendo nos Andes, e determinará menor acúmulo nas montanhas e um fluxo menor de água, inclusive para a bacia amazônica, que depende bastante dele.

Privilégio brasileiro

Vejamos o panorama brasileiro, com seus 12% a 13% da água superficial total do planeta, 182 mil metros cúbicos por segundo, fora os aquíferos subterrâneos. Mas a distribuição desse precioso líquido é muito desigual: 72% estão na Amazônia, o sudeste tem 6%, a bacia do São Francisco 1,7% e a do Paraíba do Sul 1,8%. O único estado brasileiro em situação crítica é Pernambuco, que utiliza para o abastecimento humano mais de 20% da disponibilidade, índice que é considerado como limite. O nordeste apresenta problemas muito peculiares, tem 70 mil açudes com 36 bilhões de metros cúbicos, mas essa água não é distribuída e tem altíssimo índice de evaporação, que pode chegar até a 70%.

Quanto ao saneamento, o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] divulgou em fevereiro de 2009 estes números: 34,5 milhões não contam com rede de esgotos nas áreas urbanas. Se acrescentarmos a isso as pessoas que têm apenas fossas sépticas, vamos chegar perto de 50% da população brasileira, e quase 10% não dispõem de abastecimento doméstico de água. Há lugares onde a situação é dramática, como Belém, em que só 8% dos esgotos são coletados e 3% tratados. No país todo, quase 80% dos esgotos coletados não são tratados, e eles constituem o fator mais grave de poluição. Temos de lembrar também que mesmo nos pouco mais de 20% dos esgotos que são tratados no Brasil, a quase totalidade passa apenas por tratamento primário, que remove somente 50% da carga orgânica, sendo o restante despejado de volta nos rios e no mar.

Assim, os esgotos são a principal causa de poluição da água no Brasil, e nossos programas de saneamento estão muito atrasados. Prevê-se a universalização em 20 anos, a um custo de quase R$ 200 bilhões, se forem liberados de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano, o que não está acontecendo. E o governo federal acaba de devolver ao BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] US$ 202 milhões destinados a financiamento nessa área, porque não foi capaz de apresentar projetos a tempo.

Outro problema grave é a perda média de água nas grandes cidades brasileiras. Furos e vazamentos nas redes são responsáveis pela perda de 45% do total. Em São Paulo, onde já se cuidou bastante disso, esse número foi reduzido para 28%, mas ainda é muita água, são quase 2 bilhões de litros que se esvaem a cada dia nos vazamentos. Recentemente "O Estado de S. Paulo" publicou que a Sabesp começa a testar equipamentos japoneses que permitem detectar furos e vazamentos na rede sem fazer escavações, que são caras e demoradas. Se isso se viabilizar, será um progresso enorme.

Outro avanço que houve em São Paulo foi a instalação de hidrômetros por unidade em edifícios. Quando a conta é coletiva, a pessoa não se sente estimulada a economizar água, porque o gasto se distribui por todos os apartamentos e não se reflete na conta individual. A separação estimula a economia. Outro avanço seria uma maior diferenciação das faixas de cobrança. Atualmente, salvo engano, há uma taxa para quem consome até 10 mil litros por mês, e a faixa seguinte já é de 30 mil litros. O consumidor que economiza 8 mil litros não ganha nenhum incentivo, continua com a mesma tarifa.

É preciso também avançar na questão da gestão por bacias hidrográficas, que é a solução mais recomendável. Até agora, porém, somente as bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, assim como a do Paraíba do Sul, cobram pelo uso. Um problema adicional é que o Tesouro Nacional contingencia uma grande parte dos recursos arrecadados com o pagamento pelo uso. Um diretor da Agência Nacional de Águas [ANA] me informou que o Tesouro retém, por esse caminho, mais do que todos os recursos que o governo federal coloca na ANA.

Outro problema é que, segundo a lei da política nacional de recursos hídricos, não se cobra das hidrelétricas pelo uso da água. Foi permitido que considerassem pagamento pelo uso da água o ressarcimento que fazem aos municípios pela inundação, que é outra coisa. Isso é dano ambiental, não é pagamento pelo uso.

Há necessidade urgente de disciplinar o uso de água pelos pivôs centrais de irrigação, que em média desperdiçam mais de 50% do líquido que retiram dos aquíferos, além de outros problemas. Como a água cai de grande altura, há um nível de evaporação muito alto e a queda produz impacto no solo que leva à compactação e também à erosão, carreando para os rios sedimentos e agrotóxicos. Também seria importante uma expansão das redes de coleta de esgotos, com sistema de ramais condominiais, que são muito mais baratos. Ao contrário do que ocorre no sistema tradicional, em que a empresa coloca aquelas manilhas gigantescas em volta de toda a quadra para implantar o esgoto, no sistema condominial faz-se apenas um ramal no meio da quadra e ligam-se as casas por ali. A economia é de 50% a 30% e é muito alta. Brasília é a cidade que mais fez isso e é provavelmente a de melhores condições sanitárias do país. Coleta e trata todos os esgotos que recebe, e a maior parte por ramais condominiais.

Mudanças velozes

Outras possibilidades seriam reciclagem e reúso de água, principalmente nas indústrias, e a retenção de água de chuva para certos usos, que deveria ser obrigatória em todos os imóveis. Essa água serve para descarga sanitária, lavagem de quintais e jardins, rega de plantas, todas essas coisas. Mesmo que não seja usada, a retenção nas zonas urbanas diminuiria o volume de água na hora das chuvas fortes, reduzindo as inundações. Há muitas cidades onde já existe legislação a respeito, mas não se cumpre.

São necessários também equipamentos sanitários mais eficientes. Ainda temos dispositivos que gastam 20 litros por descarga, o que pode ser feito com 3 litros ou 4, ou até a vácuo, sem usar água nenhuma, como o Japão faz.

Precisamos cuidar dessas coisas porque temos obrigações com as futuras gerações. Cabe-nos legar a elas um mundo sustentável e a água é um dos primeiros fatores. Na Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, em 2002, em Johannesburgo, Jacques Chirac, presidente da França na época, fez um levantamento de grande parte dos problemas mencionados aqui e terminou em tom dramático, afirmando o seguinte: "As futuras gerações vão nos cobrar. Elas vão dizer: “Vocês sabiam de tudo e não fizeram nada". Acrescento que é preciso lembrar que vivemos em tempos de mudanças muito velozes. O que antes levava um século para acontecer hoje ocorre em uma década, o que demorava uma década leva um ano. Quem não correr será atropelado pelos tempos, porque a velocidade da informação é cada vez maior.

É esse o quadro que está diante de nós. Ao me perguntarem, quando falo sobre isso, se sou otimista ou pessimista, digo que não faz a menor diferença. Temos obrigação de ser realistas e de trabalhar para que tudo mude para melhor.

Essa é nossa função como seres humanos.




segunda-feira, 27 de julho de 2009

Não, não vou falar de gripe suína


Por: Marcio de Almeida Bueno


Vou ter o prazer de não falar sobre gripe suína. Vou me abster de debater o assunto da moda, o tema das rodinhas que se formam à saída dos restaurantes, onde os grupinhos assopram seus cafezinhos e aguardam os colegas de trabalho que ainda não pagaram seus almoços. Vou fugir da pauta de todos os veículos que embaralham ‘OMS’, ‘gripe suína’, ‘porcos’, ‘influenza’, ’suspeita’ e ‘novos casos’ em suas manchetes, ao lado das notícias sobre futebol e a foto de alguma beldade com novo namorado a tiracolo, ou vice-versa.

Vou manter silêncio hermético sobre uma questão que gerou reações tão díspares como a mudança do nome da doença - alguém aí se lembrou daquela piada do corno que tirou o sofá da sala? - e o corre-corre de parlamentares da bancada pecuarista, suando frio durante as entrevistas para não fazer feio nem desagradar quem lhe marca o lombo com ferro em brasa de quatro em quatro anos.



Não vou dizer nada sobre uma prática econômica que gera toneladas de cocô líquido e incrivelmente fedido para cada salaminho delicioso servido nos coquetéis de lançamentos de livros, exposições de artes e noites de confrarias, com médicos e empresários bem-sucedidos, e esposas com permanente no cabelo.

Não vou tecer comentários sobre o ato de roubar a liberdade, forçar a procriação e enjaular durante toda a vida animais sencientes como os porcos, confiná-los no concreto e metal, sem ar fresco, terra, lama, chuva ou Sol, fazê-los inchar - o termo é ‘produtividade’, nas publicações paga-pau do setor - e então enviá-los para o abatedouro, local que apropriadamente não possui janelas.

Não vou palpitar a respeito da criação intensiva de um animal para satisfazer o capricho culinário de uma ínfima parcela da população, contaminando riachos próximos dos chamados chiqueirões, desperdiçando água na limpeza das instalações, consumindo energia, derrubando florestas para dar lugar às plantações para produzir ração.

Vou ignorar o fato de que um porco passa sua vida inteira sem poder se mexer muito, já que seu casco não foi feito para andar sobre o estrado, e no concreto não é possível fuçar, ato natural de sua espécie - alguns ainda ganham um ‘piercing’ no focinho, para que desistam de vez dessa atividade, pois incomoda.

Vou esquecer que as fêmeas vivem imobilizadas, pois durante o período de gestação as instalações servem para deixá-las paradas - o medo do suinocultor é que elas rolem por cima de algum filhote, o que significa menos lucro, e mais grades de ferro por precaução.

Não direi que, independente do especismo e da ausência de ética, basta uma visita a uma criação tradicional de suínos, seguida de uma inspirada funda, daquelas que enche bem os pulmões, para perceber que fazer daquilo o seu alimento, mais tarde, é roleta russa.

Não se preocupe. Palavra alguma.


Fonte: http://www.anda.jor.br/?p=1006