terça-feira, 29 de abril de 2008

O "Círculo Max Weber de Heidelberg"...(3)

Parte III: O "Círculo" e o Expressionismo alemão
Max Weber



Também na Alemanha, o fascismo (ou a reação) não é necessariamente o desaguadouro do anticapitalismo romântico dos intelectuais, escritores e universitários. Se tomarmos como ponto de referência o círculo de Max Weber de Heidelberg, que foi um dos principais focos de irradiação desta corrente, encontramos uma “ala esquerda”, que se tornará marxista, revolucionária, e bolchevique no pós-guerra. Esta “esquerda de Heidelberg” dará ao movimento comunista um grande filósofo marxista, utópico-messiânico – Ernst Bloch – um poeta, dramaturgo e comandante do Exército Vermelho da República dos Conselhos da Baviera (1919) – Ernst Toller – e, finalmente, o maior filósofo marxista do século XX e comissário do povo na República húngara dos Conselhos (1919) – Gyorgy Lukacs...

Toller representa o desenvolvimento expressionista revolucionário do romantismo anticapitalista. Sua primeira educação política tem lugar em 1916-1917, junto a Max Weber em Heidelberg, mestre do qual ele presta homenagem em seu romance autobiográfico, Uma Juventude na Alemanha (1933):

“A juventude une-se a Max Weber; sua personalidade, sua probidade intelectual atraem-na para ele...Nas conversas noturnas revela-se a natureza combativa deste erudito. Com palavras, que colocam em perigo sua liberdade, sua própria vida até, ele revela as misérias do Reich. Ele vê no Imperador o mal principal...”.

Max Weber com Ernst Toller ao lado




Em seguida, sofre a influência utópica do grande pensador anarco-sindicalista Gustav Landauer (descrito por seu amigo Martin Buber como “conservador revolucionário”) que queria substituir a cidade capitalista por uma Gemeinschaft rural, uma aldeia socialista simultaneamente agrícola e industrial, da qual o ponto de partida deveriam ser as tradições camponesas comunitárias conservadas, renovadas e desenvolvidas. Em 1917, Toller corresponde-se com Landauer, cujo Apelo ao Socialismo (1915) “tocou-o e determinou-o de forma decisiva”. De início simplesmente pacifista, enojado com a guerra (que viveu pessoalmente como convocado) o jovem poeta vai evoluir rapidamente para uma posição anticapitalista:

“Os politiqueiros enganam-se a si mesmos e enganam os cidadãos, chamam de ‘ideais” a seus interesses e, por estes ‘ideais’, pelo ouro, pela terra, pelas minas, pelo petróleo, por todas estas coisas mortas, os homens estão famintos, desesperados e são mortos por toda a parte. A questão de saber de quem é a culpa da guerra empalidece ao lado da culpa do capitalismo.”

Ernst Toller



Vai então se revoltar, em nome de seu pacifismo ardente, contra a economia e o estado capitalistas, esses Golems, esses falsos ídolos que reclamam sacrifícios ilimitados da visdas humanas.

Preso durante uma manifestação operária contra a Guerra, em Munique, Toller escreve da prisão, em 1917-1918, um drama romântico-expressionista que o tornará célebre, A Mutação (Die Wandlung), no qual se encontram grandiosas visões idealistas e messiânicas:

“Agora abrem-se saídas do seio do universo
As altas portas arqueadas da catedral da humanidade
A juventude ardente de todos os povos se lança
À caixa luminosa de cristal, que percebe na noite.”

Tendo aderido ao USPD – Partido Social Democrata Independente – cisão de esquerda da SPD em 1917) e estabelecido ligações da amizade com seu dirigente Kurt Eisner (socialista neo-kantiano e presidente do Governo de esquerda da Baviera), Toller tornar-se-á – após o assassinato de Eisner por um aristocrata reacionário – um dos chefes da efêmera República dos Conselhos da Baviera.

Ernst Toller



As participações de Toller, do poeta expressionista Erich Müsahm e de Gustav Landauer na Comuna de Munique de abril de 1919, mostram bem quanto, malgrado sua confusão e limitação ideológicas, essas correntes expressionistas e neo-românticas podem ganhar uma dimensão revolucionária autêntica.
Lukács, em seu célebre ensaio sobre A Grandeza e a Decadência do Expressionismo (1934), sublinha o parentesco dessa corrente artística com o anticapitalismo romântico, e particularmente com a crítica cultural do capitalismo, tal como ela se encontra, por exemplo, em A Filosofia do Dinheiro de Simmel. Além disso, Lukács tente destacar as ligações entre expressionismo e a ideologia do USPD, citando como exemplo típico de sua unidade precisamente o caso de Toller em Munique. Entretanto, de maneira estranha e unilateral, não vê nesses dois movimentos (político e artístico) senão “a hesitação da pequena burguesia em face da revolução proletária eminente...o medo em face do “caos” da revolução”. E conclui com esta observação feroz, na qual se sente um ranço do sectarismo do “Terceiro Período”do Komitern: “As duras lutas dos primeiros anos da revolução e seus primeiros fracassos na Alemanha destroem de maneira cada vez mais clara as pseudo diferenças entre a retórica revolucionária e os gemidos dos que capitularam. E acontece então o fim – simultaneamente à dissolução do USPD numa coincidência temporal que não é devida ao acaso – do expressionismo como corrente literária na Alemanha.”



Ora, Lukacs silencia sobre o fato de que o desaparecimento do USPD teve lugar no Congresso de Halle, quando a maioria dos delegados decide a fusão com o PC alemão, partido ao qual adere também (como muitos escritores expressionistas) Ernst Toller, após haver passado muitos anos na prisão por suas funções como cabeça da República dos Conselhos e do Exército Vermelho da Baviera...







O esquematismo de Lukacs torna-se ainda mais surpreendente quando ele pretende que “o expressionismo é, sem dúvida, uma das múltiplas correntes ideológicas burguesas que desemboca mais tarde no fascismo; seu papel ideológico de preparação não é maior – nem menor – que o de diversas outras correntes contemporâneas.”






Três anos depois da publicação do ensaio de Lukács, os nazistas organizaram a tristemente célebre exposição Art Degenere (Arte Degenerada), na qual figuravam praticamente todos os pintores expressionistas conhecidos. Em uma nota acrescentada a seu artigo em 1953, Lukacs proclama imperturbavelmente: “O fato dos nacional-socialistas terem rejeitado mais tarde o expressionismo como ‘arte degenerada’ não muda em nada a exatidão histórica da análise naqui exposta”. O mínimo que se pode dizer (sem querer negar a ambigüidade ideológica da corrente) é que uma análise histórica que ignora a dimensão revolucionária do expressionismo e o reduz a um precursos da ideologia nazista está muito longe de ser “exata”...



Extraído de:
Michael Löwy, "Para Uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários", Ed.LECH - 1979 - pags. 42-46.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sobre sonhos...(6)


Em outra postagem sobre este assunto (vide Blog Metamorficus - "Sobre sonhos...(7)"), havia proposto que um firme propósito - mantido conscientemente durante o estado hipnagógico - poderia ser a chava para a entrada no estado onírico já lúcido.
Embora não tenha tido (ainda) progressos substanciais por essa técnica, noticio aqui um "insight" que pareceu digno de nota.
Ao adentrar no processo de relaxamento que acabará redundando no sonho, percebi que o processo pode ser dividido em fases distintas:
1) Primeira fase: ao deitarmos e começarmos a relaxar, comumente entramos em um processo de recordação de eventos ou de pensamentos acerca de problemas, pessoas ou desejos. O que importa aqui é que, ordinariamente, essa primeira fase é acentuadamente verbal. Podemos traduzir isso pela expressão "diálogo interno". Trata-se, repito, de um conjunto de frases, argumentos, afirmações, indagações etc. tal como se um diálogo verbal realmente estivesse se sucedendo. Note-se que, ainda que imagens e outras sensações se sucedam, nessa fase inicial parece que esse "diálogo" serve como condutor para as associações (que se tornarão cada vez mais livres).
2) Segunda fase: conforme as associações de idéias vão se tornando mais livres, aquilo que estava sendo verbalizado começa a se tornar mais "sólido", mais real e independente, começando a se converter em imagens (ainda abstratas) e sensações. Aqui, é importante frisar, começamos a perder nossos referenciais da realidade externa, especialmente do corpo.
3) Terceira fase: quando as associações se emancipam completamente da "razão" e dos referencias externos (do corpo etc), as associações se convertem em imagens completas e sólidas. Aqui, parece que há um "salto", pois se até então as associações pareciam "nos pertencer" - embora de modo difuso e cada vez mais livre e dissociado dos referenciais - agora há uma criação de cenários completos, dotados de grande realismo: somos transportados para um outro mundo "independente" (lembro que aqui o "Ego onírico" ainda não está formado).
O que importa dizer neste momento é que, entre a segunda fase e a terceira, parece haver um "gap" , um hiato ou, melhor ainda, um "salto" qualitativo de grande importância.
Pois, havendo uma perda efetiva de todos os referenciais que nos permitem ancorar nossa identidade, tudo se passa como se ficássemos, por apenas um brevíssimo instante, no NADA, um Não-Eu, tal como um "piscar de olhos" em que tudo desaparece, uma espécie de "morte" em vida.
Penso que esse momento é de grande importância, não apenas porque ele prepara o sonho em si, mas sobretudo porque, talvez, seja esse o momento em que podemos experimentar algumas daquelas experiências descritas por yogues e sábios budistas. Há uma expansão da lucidez, posto que a "conciência" não mais se identifica com nada, não há amarras, nem apegos.
Creio que esse momento possa talvez ser aquilo que se descreve como a consciência "entre pensamentos" ou mesmo o espaço "entre sonhos", descritos em alguns textos tibetanos.
A meditação realizada antes de dormir pode ser um excelente meio de atingirmos uma calma mental e uma lucidez que facilite a dilatação desse instante e, o que proponho, é que talvez possamos ficar parados nesse estágio de liminaridade, "suspendendo" o Eu antes que o sonho se forme.
Por fim, gostaria de observar que, cada vez mais, penso que os estágios de sono e sonho são semelhantes às descrições relacionadas ao Bardo da Morte. Neste, como se sabe, é dito que a audição é o último sentido que desaparece. Ora, sou tentado a reconhecer alguma semelhança com o que disse acima, acerca do "diálogo interno" que ocorre e parece se impor com grande influência sobre o sonho - ou seja, aquilo que subsiste antes de perdermos nossos referenciais e que exerce uma importante influência sobre a "nova realidade".
De fato, parece que esse diálogo interno diz respeito às imposições que os pensamentos exercem sobre a consciência, sendo essa a razão pela qual esses pensamentos verbalizados acabam dando origem às idéias e imagens que nos parecem mais reais do que nós mesmos durante os sonhos. Ou seja, enquanto os pensamentos nos parecerem dotados de "realidade externa", escravizando-nos, torna-se muito difícil exercermos a lucidez onírica. Há aqui uma correspondência entre pensamentos "externos" a nós e imagens "externas" a nós.
E, por outro lado, a situação de liminaridade descrita acima - o "Nada" em que nos encontramos antes da formação dos sonhos - pode ter alguma relação com o momento em que podemos atingir a iluminação após a morte: segundo os textos tibetanos, o ser que acaba de morrer, ao perder seus referenciais, tem, por um breve instante, contato com a liberação total. Porém, caso não reconheça esse momento, acabará por cair no processo que levará ao renascimento (e, no caso do sono, aos sonhos).
Vê-se assim que o Bardo dos Sonhos pode ser um importante instrumento para o reconhecimento das situações geradas no Bardo da Morte.

domingo, 27 de abril de 2008

O espírito de 1968

Depois de passar por um árduo debate sobre marxismo idealista, quero voltar a assuntos mais amenos, que levantam menos polêmicas entre os membros desse blog.

A reportagem que colocarei aqui fala de duas mostrar de cinema em Nova Iorque que têm como objeto as comemorações dos 40 anos das manifestações de 1968. Mas ao falar das mostras, fala também do clima da época e das aspirações dessa geração.

Fico pensando porque muito da ousadia dessa época se perdeu. Existia também uma ousadia nos escritos intelectuais (Deleuze, afinal, é filho de 1968). Mas é como se o mundo estivesse de ressaca e tivesse preferido voltar as convenções.

O mundo acadêmico está cheio de textos burocráticos e teses óbvias. Professores, alunos e "intelectuais" em geral citam fartamente modelos mais revolucionários de fazer teórico. Louvam pós-modernistas, pregam "textos confusos" e ensaios, mas sua produção continua sendo mais do mesmo.

O mesmo pode ser dito das artes. Talvez o uso da internet como forma de divulgação literária traga alguma novidade (essa semana haverá, aqui em São Paulo, uma palestra sobre literatura na internet, vamos ver...).

Mas, vamos a reportagem, e relembremos os anseios dessa geração, refletindo onde ela falhou...

A tradução é caseria (e deu um trabalho desgraçado), por isso pode parecer um pouco estranha. Peço desculpas...



O Espírito de 68
Por A. O. SCOTT
Publicado em: 27 de abril de 2008 no New York Times



Pelo menos segundo a lenda, os "acontecimentos de maio" - as greves e as perturbações que perturbaram a França, na Primavera de 1968 - começaram no cinema. Em 9 de fevereiro ,Henri Langlois, presidente do Conselho Nacional do Cinémathèque Française, em Paris, um desengonçado e venerado padrinho da Nouvelle Vague, foi removido de seu posto por André Malraux, o ministro da cultura no Charles de Gaulle. Jovens cinéfilos reagirma com indignação, e os seus protestos desembocaram em uma maré de descontentamento social e político que chegou rapidamente à inundação.
Três meses mais tarde o país foi atacado por motins, manifestações de massa e greves.E mesmo um das mais veneradas tradições e instituições da França, O Festival de Cinema de Cannes, não ficou imnune. O festival chegou a um impasse em 19 de maio, depois de um grupo de cineastas, incluindo Jean-Luc Godard e François Truffaut, professarem solidariedade para com os rebeldes estudantes e trabalhadores, e subirem ao palco do Palais des Festivals e impedirem que as cortinas se levantassem e as projeções do festival tivessem lugar.

Em maio desse ano, alguns dos filmes que não puderam ser mostrados nesse fatídico 21º. Festival de Cannes, serão exibidos no 61º. Festival. Isso faz parte de uma entre várias programações comemorativas dos 40 anos desse ano tumultuado.
Os nova-iorquinos poderão marcar a ocasião com dois ricos e abrangentes programas que visam à captura, na tela, do espírito dessa outra era. Um deles, no Film Forum é dedicado ao Sr. Godard da década de 1960, quando estava no auge da sua influência, produtividade e poder criativo. A outra, no Lincoln Center, estende-se em toda a geografia, tempo e gênero: a partir de Paris e de Chicago, passando a Hungria, Japão e Brasil; de documentários a propaganda de agitação jornalística e o teatro experimental; de declarações revolucionária zelo a contemplações sombrias do esgotamento ideológico e político.

Estas comemorações são uma oportunidade para desempoeirar a história e reviver perenes debates: sobre o imperialismo ocidental e a resistência terceiro-mundista; sobre contracultura e o capitalismo de consumo; sobre sexo, drogas e rock 'n' roll. Entretanto, mais que reviver cenas desse “frenesi Mundial”, é incrível reencontrar, 40 anos depois , algumas dessas experiências cinematográficas de 1968 e se surpreender como são crus, urgentes e vivos.

Mais do que qualquer outra forma artística, o cinema capturou a energia e a verdade desses tempos. Mais do que em qualquer outro momento de nossa história contemporânea, os cineastas não apenas registraram as convulsões e crises, mas foram, acima de tudo, participantes e catalisadores do movimento. Assim foi Godard. Na programação do Film Forum será exibido "La chinoise", filme de Godard começou, concluiu e lançou em 1968, e no qual ele libera seu gosto por epigramas e provérbios; um de seus slogans proclama que, com idéias vagas, precisamos de imagens claras.

Ao contemplar 1968 após 40 anos, parece que temos abundância de ambos: uma noção às vezes borrada e sentimental (também, por vezes cautelosa), acompanhada por imagens nítidas de acontecimentos dramáticos. O ano começa com a ofensiva do Tet,no final de janeiro; segue com os assassinatos de Martin Luther King Jr., em abril, e o do senador Robert F. Kennedy, em junho. Entre eles ocorrem os événements na França e a revolta dos estudantes na Columbia University.

No verão, um vislumbre do massacre de manifestantes estudantis por soldados mexicanos na Praça Tlatelolco, um prelúdio para sangrentas Olimpíadas da Cidade do México onde Tommie Smith e John Carlos fazem a saudação dos Panteras Negras ao receberem as medalhas. Agosto traz a Convenção Democrática em Chicago, esmagada pelas manifestações anti-guerra e de manifestações de policiais.

No outono, tanques soviéticos em Praga esmagam a face humana do socialismo checo. E, em novembro, a "maioria silenciosa", com o pé atrás desde os espetáculos de anarquia e desordem nas ruas, elege Richard M. Nixon presidente dos Estados Unidos. Rode tudo isso junto com uma trilha sonora de slogans e canções de rock clássico. O mundo inteiro está assistindo! Seja realista: Exija o impossível! Há algo acontecendo aqui, o que é isso não está exatamente claro.



E nem o é "La chinoise" de Godard. Ao mesmo tempo cerebral, encantador, irritante e impenetrável - um filme Godard, em outras palavras - representa o seu momento com uma autenticidade que é inegável, e um tanto difícil de precisar. As paixões políticas dos jovens personagens contribuem para este sentimento, é claro, mas o Sr. Godard não está apenas dramatizando um capítulo na vida de gente bonita pelos caminhos da militância.

Na medida em que uma narrativa pode ser diferenciada, fraturado e oblíqua. O elenco - incluindo o sexy biquinho de Juliet Berto, um elemento de fixação do universo de Godard nessa altura de sua carreira, e Jean-Pierre Léaud, o perpétuo “macho ingênuo” da Nouvelle Vague - declama textos literários e discursos didáticos, sendo interrompidos por imagens documentais de guerras e manifestações. Momentos de realidade crua são intercalados a seqüências de uma teratralidade irônica e auto-consciente. (Os mesmos métodos usados em "Le gai savoir", que também estrelam Sr. e Sra. Léaud Berto, e "Un Film Commes les Autres.")

A série no programa do Film Forum é chamada "Godard's 60's", e o possessivo parece perfeitamente adequado. O Sr. Godard, agora com 77 anos, foi seguramente o mais amplamente imitado e ferozmente debatido cineasta da década, e pode-se afirmar que ele era o artista mais influente da época. Desde de "Breathless", em 1960, até "Le gai savoir", em 1969, o Sr. Godard foi uma máquina cinematográfica em perpétuo movimento, completando 23 filmes e contribuindo para uma série de antologias e outras produções. Esta taxa de produção não era apenas um resultado de um metabolismo artístico acelerado, mas também, e mais decisivamente, a promulgação de um princípio estético. O cinema para Godard nos anos 60 era uma arte do tempo presente, o que significava que um filme não é uma série de enquadramentos acabados, mas sim algo mais como um ensaio: provisório, disjuntivo e quase por definição incompleto.

O Sr. Godard era praticamente o único cineasta da era que abraçou a experimentação. Um discurso no final de "Le gai savoir" sugere que ele viu-se como parte de uma fraternidade internacional cineastas iconoclastas, incluindo Bernardo Bertolucci na Itália e Glauber Rocha, o pai do Cinema Novo Latino-Americano, no Brasil. Uma forte impressão é deixada pelo programa "1968: uma perspectiva internacional", no Film Society of Lincoln Center, de que os paroxismos políticos e culturais dos anos 60 foram acompanhadas de uma revolução na forma cinematográfica e técnica, um impulso que pulou fronteiras de língua e nacionais e alimentou impulsos semelhantes nas outras artes.

Na vanguarda do teatro, por exemplo, as distinções entre espetáculo e platéia, entre ritual e performance, estavam sobre questionamentos constantes. No mundo das letras, livros como “Armies of the night” de Norman Mailer espezinhavam as distinções entre ficção e reportagem, assim como entre a investigação subjetiva e a análise objetiva dos acontecimentos.

O cinema americano, em parte devido ao conservadorismo dos estúdios de Hollywood, fica atrás do cinema de outros países. Talvez a mais famosa colisão entre a vida e a arte em um filme americano é "Medium Cool" de Haskell Wexler, no qual a violência de Chicago durante a convenção do partido democrata desembocará na história fictícia de um jornalista a caça de notícias . À medida que “Billy Cubs” e gás lacrimogêneo começam a voar, uma voz em off lança a advertência: “Cuidado, Haskell. Isso é real!”.
Mas, em Chicago e noutros lugares, acontecimentos reais freqüentemente continham elementos de espetáculo e de performance. Alguns organizadores do protesto anti-guerra, Abbie Hoffman e Jerry Rubin, em particular, concebiam explicitamente suas ações como uma espécie improvisações teatrais autoconscientes. Este tráfego entre a política e performance teatral é explorado em outra direção, "Dionysus in 69" de Brian De Palma, filmagens de um grupo de teatro durante a produção de "As Bacantes" de Eurípedes. Alguém da aldiência é puxado em uma orgia simulada com os membros do elenco, que periodicamente perdem os seus papéis juntamente com suas roupas. No final todos explodem para fora do teatro, para a rua em um simulação de um ardor político, proclamando Dioniso, deus do vinho e das trapaças (desempenhado por William Finley, que faria, também de De Palma, “The Phantom of paradise”), para ser seu patrono, em 1968, à eleição presidencial. (Em Chicago, os Yippies iriam tentar nomear um porco para o cargo.)

O que é mais notável em retrospectiva - o que parece estranho e tocante sobre essas invocações revolucionárias - é o espírito do ascetismo, da seriedade e gravidade apaixonada, que conduziam as experimentações. Para retornar ao Sr. Godard por um momento: seus filmes de 68 são lúdicos, com certeza, ( "Weekend", em particular, está cheio de piadas afiadas e de sátira apocalíptica), mas são também dão enorme trabalho para assistir. E o mesmo se pode dizer de muitos outros filmes no programa no Lincoln Center, desde "WR: Mysteries of the Organism" o filme anárquico-sexual-político de Dusan Makavejev' (inspirado em Wilhelm Reich), até o feroz épico-folclórico "Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, além de " It Is Not the Homosexual Who Is Perverse, but the Society in Which He Lives", de Rosa von Praunheim. Crítica delirantemente extrovertida e dolorosamente séria da vida gay na sociedade burguesa .

Ver esses filmes requer um tipo de auto-negação e atenção centrada e ativa que talvez possam ser descritos como disciplina revolucionária. A experiência é um dura e dolorosa e parecendo querer colocar o espectador na posição de partilha, não apenas na posição de testemunha, do que se passa na tela. Assitir na seqüência "La chinoise,'' " Un Film Commes les Autres "e" Le gai savoir " é como uma interminável série de reuniões numa agenda opressora e inescrutável.



Uma boa parte da ação nestes filmes são conversas. O filme de von Praunheim, um documentário educacional sob a forma de retrato a exploração sexual (ou vice-versa), termina com uma cena que parece ao mesmo tempo comemoração e paródia radical da política da época. Um punhado de homens nus sentados em círculo, fumando, e pacientemente criticando tanto a moralidade tradicional como o comportamento homossexual, propondo alianças entre os ativistas gays e os trabalhadores como um substituto para o exercício de prazer, e de declarando um ideal de seres "eroticamente livre e socialmente empenhados”

Muitos dos impulsos idealistas dessa geração deram frutos, embora seus objetivos mais utópicos tenham falhado. Alguns dos emocionantes filmes exibidos no Lincoln Center (bem como alguns dos recentes trabalhos do Sr. Godard, que sai fora do âmbito da retrospectiva em cartaz no Film Forum) contam esse fracasso e a derrocada que se seguiu à nasci morta revoluções de 1968.



Um deles é "Jonas Who Will Be 25 no Ano 2000" (1976), de Alain Tanner, que capta um momento pastoral na vida dos ex-radicais. Em Genebra, e nos campos em redor, que lecionam, trabalham a terra, fazem amor, bebem vinho e brigam, tudo isso agarrados à convicção de que outro modo de vida é possível. E os personagens de "Milestones" (1975), feita por Robert Kramer e John Douglas, encontram-se em situações semelhantes, a tentativa de navegar entre os compromissos políticos e desejos pessoais tentando descobrir o que é que.

Sendo europeus, os personagens de "Jonas" expressam os seus desejos subjectivos num linguajar marxista (ou pelo menos hegeliano) de forças impessoais históricas e dialéticos. Os norte-americanos nos em "Milestone", pelo contrário, utilizam a o idioma emersoniano do ego para dar voz à sua compreensão da história. Ambos os filmes exigem, da platéia nos dias de hoje, um grau de indulgência. Eles são longos, lentos, pesados e cheios de conversa. "Milestones", em especial, com atores não-profissionais alternando entre roteiro e cenas da vida real (incluindo uma longa cena de parto natural) que podem parecer infinitas e, por vezes, inúteis.

Mas a História também pode ser assim (lenta e pesada), e tenho a sensação que qualquer tentativa de captar a essência dos anos 60 terá de passar por "Milestones", um dos filmes mais tristes e compassivos que já vi. E também difícil, porque não me parece que queira ser um filme, mas sim uma tentativa de manter viva uma das nobres e impossíveis promessas de seu tempo, que era de abolir a distinção entre arte e vida.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Marxismo idealista? II

Vamos por partes.


O Fazer.
Por que começar com o fazer? Porque ele é que importa, porque a vida é Cotidiano, porque a vida somos nós em relação com o mundo. E isso é Fazer.
Eduardo Coutinho faz, Dalai Lama faz, Ghandi fez, Martin Luther King fez, Lennon fez, cada um do seu jeito, cada um com seu talento. Minha mãe fez, e não a nada dela impresso, gravado, filmado, fotografado. Alguém, agora mesmo, em alguma cozinha faz. Fazem o que? Fizeram o que? Com seus talentos? Coutinho com seu talento pra fazer filmes, Lennon de fazer música/poesia, Martin Luther King de falar, minha mãe de amar? Transformaram a vida, que é Cotidiano, que é fazer, deles e de outros. Essa não é uma responsabilidade só deles é de todos.
Mas meu talento não é amar como minha mãe, não é cozinhar como meu pai ou minha sogra, não é fazer filmes, não é escrever, não e cantar nem dançar (embora sonhasse desde pequena em ser bailarina, não sonham isso todas as meninas?). O que eu sei fazer? Sei indignar-me, sentir raiva, polemizar. O que é um incomodo, um tormento, uma caco de vidro no pé, que me impede de seguir em frente. Mas, posso transformar isso em algo produtivo, será que não? Será que não posso transformar isso em algum fazer que resulte numa transformação?
Não sou budista, não sou Iogue, não nasci na Índia. Todas as tentativas de me aproximar desse “outro” (se é que existe um outro?) foram inúteis. Nasci no Ocidente, na periferia do mundo, é certo, mas no Ocidente. Na juventude li V de Vingança, Watchman, Asilo Arkham. Ouvi Rage Against the Machine, O Rappa. Filmes que gosto: Matrix, Clube da luta, V de Vingança. Essas são minhas referências culturais.
Admiro a sensibilidade poética de Walter Benjamim, mas a ironia azeda de Marx é o que me seduz. Admiro a paciência e a paz de Dalai Lama, mas é a força de Fidel que me seduz. Admiro a retórica séria e comprometida de Said e Barenboim, mas é a raiva do Hamas que me seduz. Essa sou eu. E não posso apenas sentar em casa cheia desse veneno e não colocá-lo em ação. Não é a violência uma forma de amor represada? Não pode ela também fazer? Lenin não fez o mundo, Fidel não fez o mundo?

A Teoria
Por que só agora a teoria? Porque aquilo que sou define os instrumentos que uso, assim como aquilo que sou dá o tom do meu Fazer. Se é o veneno de Marx que me seduz, com ele fico. Mas para me fazer entender melhor, e para mostrar que com “tudo que é sólido desmancha no ar” Marx descreveu a lógica desse grande Leviathã, vou usar Jameson. Vale lembrar que o texto de onde tirei o excerto está cheio de pontos polêmicos e não diz respeito à teoria marxista, mas a possibilidade de uma teoria do vídeo e o vídeo experimental como forma ideal de expressão num mundo onde “tudo que é sólido desmancha no ar”.

“Era uma vez uma coisa chamada signo que, quando apareceu, na madrugada do capitalismo e da sociedade afluente, parecia relacionar-se, sem nenhum problema, com o seu referente. Esse apogeu inicial do signo – momento da linguagem referencial, ou literal, ou das asserções não-problemáticas do assim chamado discurso científico – deu-se por causa da dissolução corrosiva das formas mais antigas da linguagem mágica por uma força que chamaria de reificação, uma força cuja lógica é a da separação violenta e da disjunção, da especialização e da racionalização, de uma divisão do trabalho taylorista em todos os domínios. Infelizmente, essa força – que fez surgir a referencialidade tradicional- segue adiante, sem se deter por nada, já que é a própria lógica do capital. Então, esse primeiro momento de decodificação ou de realismo não pôde durar muito tempo; por uma inversão dialética, ele mesmo se tornou, por sua vez, objeto da força corrosiva da reificação, que entra no domínio da linguagem para separar o signo do referente. Essa disjunção não abole completamente o referente, ou o mundo objetivo ou realidade, que ainda tem uma existência esmaecida no horizonte, como uma estrela diminuída ou um aviãozinho vermelho. Mas sua grande distância do signo permite que este viva o momento de autonomia, de uma existência relativamente livre e utópica, se comparado com seus antigos objetos. Essa autonomia da cultura, essa semi-autonomia da linguagem, é o momento do modernismo e do domínio do espírito que reduplica o mundo sem ser totalmente parte dele, desse modo adquirindo certo poder negativo ou crítico, mas também uma certa futilidade de outro mundo. Mas a força da reificação que fora responsável por esse novo momento tampouco para aí: em outro estágio, potencializada, em uma espécie de reversão da quantidade pela qualidade, a reificação penetra o próprio signo e separa o significante do significado. Agora a referência e a realidade desaparecem de vez, e o próprio conteúdo – o significado – é problematizado. Resta-nos o puro jogo aleatório dos significantes que nós chamamos de pós-modernismo...”[1]

Gosto de pensar esse excerto não exatamente como o próprio autor coloca, como momentos distintos, sendo o último a característica do “capitalismo tardio”. Gosto de pensá-lo como imagem da “Máquina do mundo”. Vamos citar jholland:

“Enquanto isso, como você bem disse, a história segue, pessoas nascem, são felizes, infelizes, amam, odeiam, assumem o poder, perdem o poder, fazem guerras, morrem etc etc., enfim, infinitas coisas ‘DE N FORMAS DIFERENTES’ acontecem, transmutam-se, modificam-se. A história segue, mas a teoria não acompanha isso. Perde a singularidade. As pessoas estão vivendo, nascendo, amando, se relacionando e morrendo de "n" formas diferentes, porém tudo é uma manifestação do mesmo fetichismo da mercadoria, nada de essencial mudou etc etc”.
[2]

De fato, a “história segue”, inclusive de forma mais rápida. Nesse sentido podemos dizer que o capitalismo livrou o homem dos “grilhões da tradição” e, assim, possibilitou a criação constante do novo. Vejamos: a reificação, ou a perda de referências – no pré-capitalismo eram os mitos criadores, no capitalismo nascente o cientificismo e o positivismo -, o”tudo que é sólido desmancha no ar” é o que possibilita a criação do novo! Essa é o grande paradoxo do capitalismo, ai reside sua fraqueza (aposta de Marx), mas também sua força. Por que também sua força? Porque se ele abre o sistema para a criação do novo, aliás, melhor seria dizer que ele depende da criação do novo, ele também, justamente por conta dessa dependência, o engloba, volta a reificá-lo. Assim a teoria não ignora isso, como afirma jholland, pelo contrário admite que a “história segue”. O problema e o que sistema, com sua força reificadora , também “ segue adiante, sem se deter por nada, já que é a própria lógica do capital”. Ignorar isso é perigoso: Che virou camiseta, Ghandi virou filme de Hollywood, o Situacionismo virou espetáculo. Essa é a grande força do capitalismo e precisamos estar vigilantes. Estar vigilantes não é ser fascista.
No entanto podemos voltar a pensar com Marx e inverter a equação:, se a reificação é a grande força do capitalismo, é também seu carrasco, pois tudo pode sempre ser novo! Por isso afirmei que a mudança pode vir sim, como um vírus, como uma doença, do seio do capitalismo, por que ele é aberto por natureza, ele exige essa abertura.
Daí decorrerá inúmeras questões interessantes, que podem vir da fusão de teorias que são completamente dispares e que já foram discutidas aqui nesse blog – como a liminaridade de Victor Turner, a deriva de Debord e Lefebvre, a sociologia das emoções etc. -, mas que prefiro deixar para uma discussão em outro post.

“Pensar contra si mesmo”
Por que pensar contra si mesmo? Porque se sou aquela descrita na primeira parte do texto, é claro que dentro de mim borbulham contradições. E se, como a raiva, isso é um incomodo, um caco de vidro que não me deixa seguir adiante, pode também ser bom se aprender a “pensar contra mim”.
Não só para deleitar opositores, mas também pra deixar claro que quem escreve nunca está cheio de certezas, deixo aqui uma provocação.Penso – inspirada por Rancière[3] – que se as teorias (o autor fala na verdade em vanguardas estéticas) não só criam uma ficção do real (ficção necessária, não no sentido de simulacro), criam também o que ele chama de “hetero-topias”, que voltam ao “real” (que seria interessante encarar aqui como a vida cotidiana) transformando-o.Enfim, se as teorias voltam ao real, então, de fato, devemos assumir a responsabilidade quando colocamos no papel a força reificadora do capital, porque podemos com isso ajudar a construí-la... será?

[1] JAMESON, FREDERIC. “Surrealismo sem inconsciente”. In: Pós-modernismo: a lógica do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996, p. 117-118.
[2] http://diacrianos.blogspot.com/2008/04/marxismo-idealista.html - comentário postado em 22 de abril de 2008, às 16:05.
[3] RANCIÉRE, JACQUES. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34.
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Comentários de jholland:
Um belo texto, sem dúvida !
Antes de fazer minha observação, recomendo, para quem se interessar pelo tema, a leitura dos diversos comentários à postagem "Marxismo Idealista ?", postados aqui mesmo neste Blog. Creio que uma compreensão maior do assunto aqui abordado requer a leitura desses comentários, quanto ao mais, porque não pretendemos nos repetir em demasia !
Em relação a esse belo texto, tenho poucas observações a fazer. Se é verdade que divergimos, também é igualmente verdade que há muitos pontos de convergência.
Creio mesmo que a questão toda se prende aos "diversos níveis" da análise, pois, como a linguagem é sempre traiçoeira, também somos desatentos, e, por vezes, oscilamos, ora em um nível mais profundo, ora menos profundo de análise.
Explico.
Não há dúvida que o Capitalismo se transformou, sendo exatamente esse o ponto inicial da discussão toda. Para quem ler o texto acima, poderia ficar a impressão que defendo a tese oposta. Justamente o contrário. Havia inicialmente proposto - em tom provocativo, é certo - que abandonássemos o termo "Capitalismo", tal seria a diferença entre o "padrão" sócio-cultural hoje dominante e aquele existente até a II Guerra Mundial, mais ou menos. Esse foi o início da discussão, se me lembro bem.
Entretanto, a discussão evoluiu - e evoluiu bem ! - e nos aprofundamos mutuamente nas análise e opiniões. Se para mim, o materialismo histórico poderia ser (provocativamente) chamado de idealista, não é porque eu tenho algo contra as concepções idealistas, mas sim porque me parece bastante irônico que uma concepção que se diz "histórica" proponha a imutabilidade de sua "visão".
Ora, se há algum mérito em Marx, este é sem dúvida, de propor um retorno à fusão prática-teoria, ou seja, ter visto que a separação pensamento-ação é, na verdade, fruto de uma cisão superável. Não é por outra razão que Lacan disse ser "Marx o inventor do sintoma". Portanto, creio que se vivo fosse, Marx não seria marxista, pois certamente teria recepcionado as diversas contribuições teóricas que se sucederam desde sua morte além, é claro, de verificar a mudança na "dinâmica do sistema". Fico com Cornelius Castoriadis nesse ponto: para sermos fiéis à "essência" de Marx (a fusão prática-teoria), não podemos ser complacentes com uma teoria que fracassou na prática. Abandonêmo-la e fiquemos com sua essência, aprofundando, o máximo que pudermos, o nosso processo de lucidez.
Chegamos, então ao texto de Lyotard, assunto já bastante debatido e ilustrado por inúmeras postagens neste mesmo Blog. Não é assunto tão novo esse da autonomização dos signos etc. É a Sociedade do Espetáculo, também brilhantemente analisada por Deleuze, Baudrillard (A Sociedade de Consumo, entre outros) entre outros autores (inclusive Simmel e Weber).
Quero ressaltar que se marx não foi pioneiro em encontrar a alienação, encontrou se movimento específico, num mundo específico, o seu. Assim como Debord, seguido de Baudrillard, Deleuze e Lyotard não "descobriram" a autonominazação dos signos, em Marx já estava dito "tudo que é sólido desmancha no ar". Então não sei porque esses autores estariam de fato "mudando o paradigma". Seu diagnóstico está amplamente amparado naquele de Marx. E não entendo porque pós-alguma coisa (pós-estruturalistas, pós-modernistas, pós-muro-de-Berlim, pós-trololó) têm tanto medo assim de Marx. Não entendo porque é preciso o tempo inteiro negá-lo quando estão a falar o que o velho barbudo já disse.
Mas eis que, nesse nível (a alienação e suas origens; o dominio do conceito, do simulacro; a cisão pensamento-ação etc etc), o que havia dito é que, em absoluto, essa constatação não é nova, tendo sido já examinada pelos antigos gregos, (e até por índios que tomaram contato com brancos) e, bem antes deles, pela filosofia indiana, há mais de 2.500 anos atrás ! Uma questão antiga e objeto de inúmeras, profundas e essenciais reflexões e, sobretudo, vivências.
Então, ficamos assim: como fenômeno, a alienação não é nova, nem particular ao Capitalismo.
Se alienação não é coisa nova, não há como negar que ganhou outras cores. Se algum tipo de cisão sempre intrigou outras sociedades e filosofias - cisão entre corpor e alma, entre agir e pensar, entre sentir e falar, o que seja - a cisão aqui ganha função institucionalizante. Mudanças sempre houveram, talvez movidas por essas inquietantes cisões, o fato que essas mudanças trouxeram também mudanças nas formas de viver, nas formas cotidianas e nas mentalidades. Sempre houve história, nesse sentido. Mas quando essa alienação passa a ser engrenagem do sistema, bem como suas contestações, quero dizer, quando o sistema faz das mudanças suas engrenagens, ora essa é uma forma peculiar de alienação, posta para funcionar de diferntes formas e de diferentes intensidades. Repito, não assumir essa peculiaridade é perigoso.
E, portanto, é facilmente verificável que sua superação nada tem a ver (ou muito pouco a ver) com o combate a manifestações específicas do Capitalismo.
A sim, ela tem a ver com as formas específicas que alienação ganhou no capitalismo pois é ela que nos escraviza e ela que vem cada vez mais paralizando nossas vidas, nos tornando engrenagens numa "máquina do mundo". O consumo, a paranóia, a anorexia, a depressão, são sintomas típicos dessa nossa alienação, desse nosso tempo. Negar isso é negar que somos históricos.
Se é verdade que hoje a forma-mercadoria exerce uma importante influência sobre o modo ou forma de manifestação da alienação atual, isso não significa que a alienação em si seja essa forma. Uma coisa é o modo como a madeira pode ser trabalhada; outra é a madeira em si (para ficarmos em um exemplo do gosto dos marxistas). Há singularidades no Capitalismo, sem dúvida e, como disse acima, já havia proposto isso com muita ênfase. Porém, se a discussão for: Como acabar com a alienação ?
A resposta não está diretamente implicada nas manifestações típicas do Capitalismo. A alienação se manifestou de diversas formas ao longo da história, mas nem por isso deixou de ser "alienante". E continua a se manifestar e a operar até os dias de hoje.
Em suma, poderia dizer, embora um tanto grosseiramente, que o Capitalismo é uma "espécie", um subproduto, uma manifestação de um fenômeno mais amplo, que é a alienação. Se conseguíssemos desalienarmos a todos, o Capitalismo ruiria no mesmo instante. Porém, o inverso não é verdadeiro: o combate a instituições típicas do Capitalismo daria ensejo apenas a uma nova forma histórica, também alienada. Espero que isso fique mais claro até o fim deste comentário.
Quando disse que a vida segue e que a teoria não alcançava isso, quis simplesmente colocar as coisas nesse nível de profundidade: a teoria (ou melhor, o pensamento) pode, quando muito propor, constatar, imaginar, supor que algo se move, as singularidades existem e as generalizações são falaciosas. E que a alienação existe.
Engraçado, você fala que o marxismo é a-histórico, mas propõe uam teoria da ailenação que mais universalizante. Isso eu não entendo, por favor, explique se estiver errada.
Porém, esse pensamento não tem o poder de alcançar essa vida que, como bem observou Shaka, deve ser sentida, apreendida de uma outra forma, não analítica. E, assim, esse pensamento - e qualquer ação, inclusive política ou mesmo artística, que derive apenas do PENSAR - não tem o poder de superar a alienação.
Somente quando conseguimos nos desvencilhar desses condicionamentos - inerentes ao PENSAR - é que superamos a alienação, em seu sentido mais profundo.
O pensamento gera pensamentos. Esse é o produto normal dessa atividade mental. Pensamentos, conceitos, emoções (reativas a pensamentos gerados por outros pensamentos), novos pensamentos etc etc. Isso não é a vida. Isso não é o existir. Isso não é nem mesmo a mente.
Quando nos identificamos com o pensar e seus produtos, alienamo-nos.
Essa identificação é que produz o fenômeno, não a forma-mercadoria, que é uma manifestação daquela.
Para finalizar pergunto, o que é o pensar, o agir, o existir, o sentir, e o viver. Se não são TUDO a vida, são esferas autonômas que não se conversam?
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Novo comentário de jholland acerca das observações de Shaka (em vermelho):
1) Acerca do seguinte comentário de Shaka:
"Quero ressaltar que se marx não foi pioneiro em encontrar a alienação, encontrou se movimento específico, num mundo específico, o seu. Assim como Debord, seguido de Baudrillard, Deleuze e Lyotard não "descobriram" a autonominazação dos signos, em Marx já estava dito "tudo que é sólido desmancha no ar". Então não sei porque esses autores estariam de fato "mudando o paradigma". Seu diagnóstico está amplamente amparado naquele de Marx. E não entendo porque pós-alguma coisa (pós-estruturalistas, pós-modernistas, pós-muro-de-Berlim, pós-trololó) têm tanto medo assim de Marx. Não entendo porque é preciso o tempo inteiro negá-lo quando estão a falar o que o velho barbudo já disse."
Para mim não se trata de desqualificar Marx, mas de "desfetichizá-lo" para aqueles que, tendo-o como uma personagem mítica, deu origem a muitos imaginários sangrentos. Porém não quero me alongar nessa questão. Em relação ao "tudo que é sólido..." - igualmente, trata-se de abordagem antiquíssima, inclusive no Ocidente. Lembremo-nos, para ficar apenas em um exemplo, de Heráclito. E na India, o Budismo tem como um dos temas centrais a IMPERMANÊNCIA. Para ficarmos apenas em um aspecto, a impermanência adquire caráter de ilusão justamente quando "reificamos" (estou tendo traduzir os termos, embora de maneira um pouco grosseira): apegamo-nos a tudo aquilo que é impermanente, que são ilusões etc. Tal viés re-entrou no Ocidente por meio do Greco-Budismo etc.
Ora, quando uma cultura se torna mais conceitual, mais escrava do pensamento (e das teorias), tende a ficar mais impermanente, mais fluida, menos alicerçada, mais dependente, mais separada, mais alienada. Para o Budismo - e algumas concepções antigas - não há nada de surpreendente nisso.
Mas não creio que seja este o tema da discussão...
2)"Se alienação não é coisa nova, não há como negar que ganhou outras cores. Se algum tipo de cisão sempre intrigou outras sociedades e filosofias - cisão entre corpor e alma, entre agir e pensar, entre sentir e falar, o que seja - a cisão aqui ganha função institucionalizante. Mudanças sempre houveram, talvez movidas por essas inquietantes cisões, o fato que essas mudanças trouxeram também mudanças nas formas de viver, nas formas cotidianas e nas mentalidades. Sempre houve história, nesse sentido. Mas quando essa alienação passa a ser engrenagem do sistema, bem como suas contestações, quero dizer, quando o sistema faz das mudanças suas engrenagens, ora essa é uma forma peculiar de alienação, posta para funcionar de diferntes formas e de diferentes intensidades. Repito, não assumir essa peculiaridade é perigoso."
Nenhum problema em relação a isso. Encontro-me de acordo quanto ao fato de nossa cultura ser singular em tudo ("tudo" aqui no sentido das "manifestações"), conforme já disse acima.
3)"A sim, ela tem a ver com as formas específicas que alienação ganhou no capitalismo pois é ela que nos escraviza e ela que vem cada vez mais paralizando nossas vidas, nos tornando engrenagens numa "máquina do mundo". O consumo, a paranóia, a anorexia, a depressão, são sintomas típicos dessa nossa alienação, desse nosso tempo. Negar isso é negar que somos históricos."
Igualmente, encontro-me de acordo, conforme disse acima. São aspectos da alienação que adquire, em nosso mundo, manifestações singulares e "históricas" - se voce preferir esse termo. Vou até além, pois acho o termo "histórico" algo generalizante. Podemos descer até a um nível mais singular, "biográfico", "individual" etc. Mas o que é importante salientar é que o combate às manifestações do Capitalismo (as instituições etc) não têm o poder de eliminar a alienação, mas, quando muito (se a ação for muitíssimo poderosa, por ex, uma grande Guerra, uma grande alteração técnica, uma grande crise sistêmica etc), alterar suas formas, configurações, podendo até mesmo reforçar a alienação, como parece estar ocorrendo no presente momento histórico. Nãoi creio que devamos, portanto, reduzir a História tão somente a uma escolha: elienação x não-alienação. As diferentes formações históricas, as diferentes biografias dos indivíduos, são um fluxo inesgotável e riquíssimo, embora "alienadas", em sua maioria. Daí voltamos àquilo que estávamos discutindo (a partir da minha provocação): podemos até imaginar que já estamos em outra cultura, muito embora até mais alienada...Não podemos perder as singularidades de vista, muito pelo contrário: o aumento da lucidez e da percepção nos abre para o fluxo inesgotável, realçando sua infinita diversidade.
4)"Engraçado, você fala que o marxismo é a-histórico, mas propõe uam teoria da ailenação que mais universalizante. Isso eu não entendo, por favor, explique se estiver errada."
Como já disse, não tenho problema algum com concepções a-históricas, nos termos que coloquei acima. Entendo que somos um eterno devir e, nesse sentido, somos impermanentes. Porém, a mente - como um todo, luminosidade essencial, fonte de todas as manifestações - não é impermanente. No Ocidente - pelo menos modernamente e até onde eu sei - creio que quem chegou um pouco (um pouco hein !) próximo disso foi Deleuze (mas posso estar enganado, pois não õu especialista).
5)"Para finalizar pergunto, o que é o pensar, o agir, o existir, o sentir, e o viver. Se não são TUDO a vida, são esferas autonômas que não se conversam?"
O "existir, o sentir e o viver" são por sua conta. Falei em "pensar" e seus subprodutos. O existir, o viver não são produtos do pensamento. Esse é o ponto principal. O problema surge, como disse, na identificação do PENSAR com o Ser, com a vida, o existir. Talvez possa resumir assim: "a vida (a percepção, o existir e, portanto, o agir) está colonizada pelo pensamento." Essa é a origem da fetichização, do simulacro, da conceitualização, do eterno jogo etc.
O que quero ressaltar é o seguinte: enquanto estivermos colonizados pelo pensamento, enquanto nossas ações, nosso existir surgirem, forem elaborados dentro dessa esfera, estaremos presos no jogo de condicionamentos. E nesse sentido, a "alienação" persiste. Voce pode mudá-la de forma, da mesma forma que os pensamentos se alteram, são fluidos. No conceito cabe tudo. Por isso, o Sistema Capitalista - conceitual por excelência - é um "código aberto". Enquanto sua oposição for meramente "pensada" - no sentido de nascer do pensamento-, estará simplesmente reforçando o sistema alienante.
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shaka diz:
Excelente debate! Excelente resposta!
Mas... hehehe ;)
1) Vou concordar com você, "tudo que é sólido" etcetc é velha conhecida da humanidade. Isso implicará dizer que é uma condição humana "universal", certo? Entretanto, sua fusão profunda com uma lógica específica de produção da vida também material é característica dos tempos modernos, ou não? E, acredito que isso dá um tom ainda mais sombrio para nossos tempos, nisso você concordou, certo? Assim, pode me chamar de "marxista fascista" (embora eu fique muito chateada de ser aproximada de figuras como Hitler, Mussolini, Franco etc. Se for pra me aproxima de algum "fascista" que seja um "marxista", Fidel.). Voltando: pode me chamar de "marxista fascista", mas pra mim a teoria não está morta, e a urgência de engajamento - com tamanha injustiça MATERIAL mesmo, com um círculo de poder inclemente, incapaz de compaixão e cujo o único interesse é ECONÔMICO - em busca de justiça, igualdade material de oportunidades etc., prefiro estar ao lado de uma teoria ainda alienada mas que busque mudanças , mesmo que seja para outro modo de alienação (acho que um dia você mesmo me falou isso). A crueldade com que caracteriza nosso mundo merece ser trocada por outra ordem de coisas. Não podemos desistir porque outras tentativas falharam. Concordo com você que temos que ver onde essas tentativas falharam. Mas gostaria de arriscar uma primeira observação: nenhuma delas conseguiu de fato mudar essa as característica que alienação assumiu no mundo moderno, nem que fosse por outro tipo de alienação.
2) De novo sobre viver e pensar: pensar não faz parte da vida? é alienante? As implicações disso são estranhas... Se aceitar tal toda a tarefa que njos propomos aqui é inútil e minha biblioteca é inútil (talvez não, talvez sirva pelomenos como gozo). O gozo, pelo menos, faz parte da vida. Ou o gozo como o conhecemos também é alienante?



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Novos comentários de jholland:
Primeiro, abro um parênteses:
(Novamente, vejo uma confusão de "níveis": há um nível mais profundo, que diz respeito à eliminação da alienação como um todo; outro nível, diz respeito às transformações econômicas, políticas - as manifestações no mundo "históricas" etc. Essa confusão foi provocada, no mundo moderno (não como origem dessa idéia, mas como propagação ideológica dominante),pelo iluminismo, incluindo aqui alguns de seus filhos, tais como o hegelianismo e o marxismo. Hegel tentou refundar uma cosmologia, um sistema holístico (recuperação do sentido da existência, uma totalização), por meio da razão (tomada aqui no sentido mais estrito, racionalidade, formulada no âmbito do pensamento). Marx degradou ainda mais esse equívoco, tentando formular uma cosmologia por meio da transformação material (portanto a partir de uma interpretação PENSADA - e uma vivência a partir dela - do mundo). Diria que o paradigma Ocidental repousa grandemente nessa identificação que, internamente, (no nível psíquico, se voce preferir) diz respeito à identificação do pensamento com o existir (note bem: IDENTIFICAÇÃO); e do Ego como instância privilegiada onde esse existir é "formulado" (vontades egóicas, deSejos egóicos, identificações egóicas, identidades egóicos etc). Portanto, nesse nível de indagação ("Como acabarmos como a alienação?" - tomada como um todo), há um equívoco fundamental na abordagem. Podemos, como disse, modificar os modos e formas de hierarquia, de relações de poder, de desigualdade etc. Porém, enquanto essa cisão mais fundamental persistir, não há "liberação" profunda, apenas modificações de forma - de poder, de hierarquia etc - como disse acima.)
Fecho parênteses.
Respondendo à sua pergunta:
1) a sua pergunta (se a impermanência, se o "tudo que é sólido..." teria assumido uma forma preponderante somente no Capitalismo) é complicada, pois, novamente, poderá redundar numa confusão de linguagem. Sim, porque se eu afirmar - como vc - que de fato, o sistema está mais egóico, mais conceitual e mais fluido - como de fato penso, embora possa estar equivocado - isso não significa, em absoluto que as outras formações sócio-históricas também não repousavam nessa mesma impermanência, alienação e cisão. Há especificidades e singularidades que não dizem respeito apenas a essa dinâmica e que moldam a cultura - e até mesmo cada indivíduo. Voltamos ao meu parênteses acima. Se vc está interessada nas especifidades do Capitalismo, dentre outras coisas, tudo bem. Mas se vc está interessada somente na eliminação da alienação,sendo essa sua preocupação central, não será no combate às especificidades do Capitalismo que vc encontrará a resposta (mas quando muito informações úteis sobre como essa alienação opera, se materializa, como ela se manifesta - como aliás fizeram, em outros tempos, inúmeros filósofos e principalmente sábios não-filósofos).
Ainda em relação a esse tópico, tenho mais algumas observações: a) em primeiro lugar, naquele nível, digamos, mais histórico, creio que o sistema já está mudando sua forma de alienação. Aqui voltamos para o início da discussão e remeto aos comentários da postagem "Marxismo Idealista ?". Embrora a alienação persista, ela mudou de forma. Quando vc diz que nenhuma teoria ou prática tocou na forma da alienação capitalista, vejo um equívoco, pois novas formas de criação de identidades, de relações de poder, de relações com o corpo, com a natureza etc estão se formando bem a nossa frente - sem que isso signifique, claro, o fim da alienação, como já disse. Penso que há um equívoco mítico na sua formulações, pois ela parece pressupor que se alienação persiste, nada de significativo mudou etc etc. Voltamos ao inicio do debate, acerca das singularidades e vitalidades da vida (alenada), das sociedades (alienadas), das biografias (alienadas), dos amores (alienados) etc.
b)em segundo lugar, buscar uma teoria (alienada)que mexa com nossa cultura (aienada) pode ser ainda mais perigoso, como a ideologia marxista e fascista provou. Um pensamento que busque a totalização a partir de um ponto limitado da existência (o próprio pensamento) redundará em aumento do recalque e vasto derramamento de sangue. Já escrevi sobre isso, lembro-me, quando estudamos Hegel. Tentarei explicar melhor: um pensamento (alienado, cindido, formulado por alguém recalcado, como a maioria de nós) é legítimo desde que não se pretenda totalizador da VIDA. Como disse acima, Hegel tentou refundar uma totalidade a partir de um ponto limitado. O resultado disso é totalitarismo, necessariamente (repito: NECESSARIAMENTE). O ponto de partida, a "perspectiva" o "ponto de vista", já se encontra "alienado" e não é capaz de formular uma liberação. Tudo bem, todas as teoria fazem isso. O proble, enfatizo,´surge quando essa teoria SE PRETENDE TOTALIZADORA DA VIDA, refundadora de uma cosmologia. O pensamento aqui, TENTA COLONIZAR TODAS AS DEMAIS ESFERAS.
2) em relação à segunda indagação, como disse várias vezes, o problema não é PENSAR, mas na IDENTIFICAÇÃO desse pensar (e seus subprodutos) com o existir. É a velha questão do Ego etc. A bilbioteca é inútil, se voce deseja que ela resolva todos os seus problemas (por exemplo, o da alienação, como um todo). Não será nela que voce encontrará a felicidade. A biblioteca não tem o poder de refundar a cosmologia, um sentido à vida.

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dummy diz:

Acho que aqui podemos parar, porque como afirmei antes, os argumentos ficarão circulares. Você deixou claro seu ponto, e se eu não deixei o meu claro, também não tenho mais como tentar.

Resumindo, eu fico com minha teoria alienante e fascista e você com sua busca. Eu não posso acompanhá-lo, mesmo porque seu caminho pressupõe transformações de ordem pessoal, e você não pode acompanhar o meu, visto que é o contrário do que pretende.

Acho que nossa conversa servirá bastante àqueles que a acompanharem. Me colocou questões, é claro, mas eu continuo no meu caminho, alienado e fascista.... fazer o que. Como disse no começo da postagem, essa sou eu e não posso negar o que sou, alienada e fascista...

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Respota de jholland:

O debate foi muito bom e espero que seja proveitoso para todos aqueles que se interessam por temas tão importantes. Voce é uma debatedora "dura" e consistente e me exigiu bastante. Não há nenhum problema em mantermos nossas diferenças, ao contrário, para mim é um prazer ser colocado "a prova". Nenhuma verdade é absoluta e somos todos "impermanentes". De um jeito ou de outro, querendo ou não, estamos todos em um caminho, ainda que (muitos) não tenham consciência disso (não é o seu caso). Ultimamente, ando às voltas com um desdobramento dessas concepções e que me parece se impor de um modo ainda mais contundente e luminoso: trata-se do poder do "NADA".

Vamos nos falando !!!

Bjs

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dummy diz:

Eu uma debatadora dura!? hehehe

Acho você implacável!

Mas e esse assunto novo, o poder do NADA? Coloque uns post pra nós!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Entrevista com Eduardo Coutinho


Transcrevo abaixo uma interessante entrevista realizada com o diretor Eduardo Coutinho.

Curiosamente, a entrevista aborda alguns dos aspectos que discuti com Shaka, em outra postagem deste mesmo Blog.



23/4/2008

‘A linguagem é mais que o autor’.


O longa-metragem Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, mistura de documentário e ficção, que já recebeu prêmios em festivais internacionais, abriu o X Bafici (Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires), na Argentina, que aconteceu de 8 a 20 de abril. “Como produtor, já não me interessam os ‘temas’”, disse. Eduardo Coutinho vem filmando ininterruptamente desde 1968.

Segue a entrevista que Eduardo Coutinho concedeu a Mariano Blejman e que está publicada no jornal argentino Página/12, 09-04-2008.


A tradução é do Cepat.

O jogo de espelhos e de caixas chinesas proposto por Jogo de cena, de Eduardo Coutinho, é um exercício próprio de quem parece ter feito tudo no cinema, mais ainda no mundo documental. É que Coutinho, além de fazer um filme, filma uma espécie de epistemologia do cinema. A extensa obra de Coutinho (16 filmes) serviu como ponto de inflexão cada vez que tomou a câmera. Desde O homem que comprou o mundo (1968), passando por Babilônia 2000 (1999) até Peões (2004), sobre aqueles primeiros companheiros de militância de Lula, chegando até o flamante Jogo de cena, deixa sempre uma marca na maneira de construir relatos.

Nos últimos anos, a figura de Coutinho foi se fazendo cada vez mais cifrado. De qualquer modo, poderia parecer que Jogo de cena (que ganhou vários prêmios em festivais internacionais) seja uma maneira de contrapor-se ao olhar político que assumiu em Peões. “Não me interessam mais os temas”, sentencia o homem-documentário do cinema brasileiro.

Jogo de Cena é, então, uma resposta a Peões?

Não consigo comparar Jogo... com Peões. É uma espécie de processo, que acaba de completar dez anos. Ambos trabalham a palavra de pessoas que, quando falam para o público, têm um personagem. A palavra é essencial, por isso não se vê nunca o exterior, depende muito do conhecimento da língua. É uma combinação: são células ficcionais, as pessoas que falam de sua memória ou de sua vida são moléculas de ficção. Me perguntei por que não tentar fazer um jogo entre as pessoas que falam de sua vida, quer falem do instrumento da ficção ou do esquecimento, e combiná-las com pessoas profissionais que são próprias para sentir as paixões dos outros. De todos os documentários que fiz, Peões foi o que me provocou mais dificuldades. Em Peões não podia fugir de um fato político, porque havia a campanha presidencial de Lula. Mas procurei o que era o mais distante possível da cúpula política. Mas não voltarei a ouvir ninguém: não farei a história da China nem a luta de classes. Tenho um profundo ódio pelas idéias gerais.

Em que momento fechou a idéia de Jogo...?

Creio que estava no inconsciente há muitos anos. Foi expressa em 2005, quando meu produtor, João Moreira Salles, me perguntou como prosseguiria, e lhe disse: “Quero fazer algo com pessoas reais e atores”. O tempo passou, ele aceitou e começamos pelo documentário. Colocamos um aviso no jornal, vieram algumas pessoas, fizemos uma pré-edição, vimos as histórias reais, concordamos em que era interessante que isso fosse interpretado por atrizes e se fizesse um filme com os dois: seria muito mais suportável o drama das mulheres. Havia uma discussão sobre que atriz chamar e convocamos atrizes muito conhecidas, e outras menos.

Por que chamaram atrizes conhecidas?

A hipótese inicial era chamar apenas atrizes desconhecidas. Mas alguém me disse: “Se o fizerem apenas com atrizes desconhecidas isso quer dizer que o documentário é melhor que a ficção”. Então pensei que teria que ter atrizes que pudessem fazer uma reflexão sobre isso. Não era fazer Hamlet, mas uma pessoa real.

Por que são todas mulheres?

Porque eu não sou mulher. E me interessa o que é do outro. Me interessam porque não sei o que é parir. Além disso, na minha experiência de fazer filmes com pessoas comuns que falam de sua vida, as mulheres são melhores que os homens. A mulher pode contar coisas que os homens não contam. Ainda que as coisas tenham mudado, o homem não confessa que foi enganado por sua mulher. A mulher é melhor como personagem e melhor como público.

Como consegue escutar?

Poderia fazer um tratado de filosofia sobre isso, vem da experiência. O ideal é que alguém consiga ser homem, mulher e criança ao mesmo tempo do ponto de vista psicológico. A capacidade de ter uma certa agressividade do homem... mas o grande ouvinte é o menino de 8 anos que diz por quê? Por quê? É o grande perguntador porque não tem nada garantido, e o por quê? não termina, porque nada está garantido no mundo. Esse tipo de cena onde o menino faz todas as perguntas, não sei... é biológico. Não conheço ninguém que tenha conservado isso até os 20 anos. E em caso positivo, fica internado num asilo de loucos.

De algumas histórias, não se sabe qual é a original...

Talvez haja mais, talvez são três e a verdadeira talvez na está no filme. Não poderia dizer qual é a verdadeira. Eu não pensava tanto: os críticos dizem que alguém não é o dono de sua história, uma história se torna de única em coletiva, e por isso uma atriz pode contar melhor a história de uma mãe que perdeu seu filho do que a mãe que realmente o perdeu. A linguagem é mais que o autor, mas o autor existe. Pode contar melhor o falso ou o verdadeiro, isso é uma coisa que apareceu enquanto fazíamos o filme.

Continua refletindo sobre a relação entre verdade e ficção.

Não parece ter muita importância. Fiz um filme de crise absoluta. Filmei um texto de uma obra de teatro, com um grupo de teatro, durante o processo de criação de uma obra que não será estreada, que não sei que fragmentos serão representados. Não sei o que fazer agora... Quero filmar uma história num elevador, num lugar muito pequeno. O problema é que são filmes muito baratos para se fazer, mas a edição é muito cara, posso ficar seis meses editando.

Além de filmar, parece propor uma epistemologia do cinema, um modo de fazer.

Faz tempo que penso na teoria do cinema para mim e não para os outros. Há uma teoria – quando a penso é igual a sentir –, uma teoria do cinema, do meu cinema, nos filmes que faço.

Há um pensamento por trás.

O problema é que se faz filmes sem pensamento.

A teoria vem depois dos fatos.

A teoria vem durante os fatos. Não quero que os críticos digam que é bom ou ruim. Faz-se coisas que estão aquém e além de seu pensamento. Há um antes e um depois, e uma crítica é capaz de dizer uma coisa que eu não pensei quando a fazia.

De que tipo de cinema não gosta?

O que não me interessa mais como produtor são os “temas”. O que me interessa é como algo é realizado. Não me interessa Michael Moore: há outros que me interessam, os que fazem um filme durante trinta anos, ou todos de costas para as câmeras. Gosto de outra coisa, um filme de John Ford ou de Bergmann não tem nada a ver com isso. Me pode interessar um cinema difícil ou o cinema clássico. Como espectador, estou aberto.

A projeção de Jogo... na abertura do Bafici será uma portinha para estrear seu filme em cinemas comerciais?

Fiz 16 filmes e nunca foram vendidos a nenhum país. Cabra marcado para morrer (1985) foi vendido à TV e ao cinema, e depois em vídeo e faz 15 anos que ninguém o vê, não é vendido. Mas estou contente por fazer a abertura do Festival, não esperava.

Não tem saído muito nos últimos anos, a que se deve isso?

É uma mistura de “o avião que cai”, “o cigarro que não se pode fumar nele” e um pouco por meu estado de saúde. Além disso, normalmente penso “vou a um festival para fazer o quê?”. Mas faço um trabalho e tenho que falar sobre o que faço, o que não é teoria, e para isso estou disposto.





Dos "transgênicos" aos "transatômicos"



As nanotecnologias não vão solucionar os problemas da sociedade do século XXI. “Elas põem em risco a vida de 2.600 milhões de pessoas dedicadas à agricultura”, considera Enildo Iglesias

As companhias transnacionais prometeram eliminar a fome e a pobreza com um modelo de produção agrícola que denominaram “Revolução Verde”. Nesse jogo de melhorar as mazelas da humanidade, encadearam a população num emaranhado, proclamando as opções convenientes: “agrotóxicos ou fome”, “transgênicos ou fome” e agora reforçam: “nanotecnologias ou fome”, avalia Enildo Iglesias, pesquisador.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele alerta: “Ao falar em novas tecnologias, a população deve ter presente três princípios básicos: elas, por si, não resolvem as velhas injustiças; nas relações capitalistas, o objetivo do desenvolvimento tecnológico é o lucro e não a satisfação das necessidades das pessoas; e qualquer tecnologia nova que se introduza numa sociedade que não seja essencialmente justa tenderá a agravar a diferença entre ricos e pobres”.

Iglesias é pesquisador da Secretaria Latino Americana da União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação e Agricultura (UITA).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a influência dos transgênicos para a nanotecnologia? Como entender o processo do “geneticamente modificado” para o “atomicamente modificado”?

Enildo Iglesias
– Faz apenas 28 anos (1980) que se descobriu como transferir fragmentos de informação genética de um organismo a outro, e dois anos mais tarde se criava a primeira planta transgênica. Dessa maneira, entramos na era da biotecnologia e seus autores nos prometeram uma série de aplicações em campos tão diversos como a saúde e a energia. No entanto, o desenvolvimento mais forte ocorreu na agricultura, especialmente no que se refere às sementes. As grandes companhias agroquímicas e farmacêuticas, que até 1981 não estavam interessadas na biotecnologia, passaram a deter o controle quase monopólico da investigação nesta matéria. Essas instituições utilizam dinheiro público, conseguido através de acordos com algumas universidades, para comercializar organismos geneticamente modificados (OGM) especialmente sementes, e respectivas patentes.

Sem que a sociedade tenha sido advertida e muito menos consultada, começamos a passar dos “transgênicos” aos “trans-atômicos”, ao integrar-se a biotecnologia com a nanotecnologia. A fusão da biotecnologia com a nanotecnologia tem conseqüências desconhecidas para a saúde, a biodiversidade, o ambiente e a organização social, particularmente no que tem relação com o trabalho.

IHU On-Line - Em que sentido a nanotecnologia pode contribuir para solucionar os grandes problemas da sociedade do século XXI, como a fome, a miséria e a desigualdade social?

Enildo Iglesias
- Em nenhum sentido, agravará cada um desses flagelos. Pelo contrário. Os antecedentes, desde a Revolução Industrial do século XVIII até o dia de hoje, não são nem um pouco alentadores. Ao finalizar a Segunda Guerra, as companhias transnacionais nos prometeram eliminar a fome e a pobreza com armas químicas e um modelo de produção agrícola que denominaram “Revolução Verde”, proclamando que era preciso optar entre “agrotóxicos ou fome”. Décadas mais tarde, as mesmas companhias formularam idênticas promessas com os OGM (as que ficaram reduzidas à possibilidade de utilizar seletivamente alguns agrotóxicos, por exemplo, certos herbicidas) e pediam que escolhêssemos entre “transgênicos ou fome”. As mesmas companhias são as que hoje pretendem persuadir-nos, desta vez sutilmente, de que a única opção é “nanotecnologia ou fome”. As transnacionais que dominam o negócio dos transgênicos fazem grandes investimentos na área da nanotecnologia. São elas a Monsanto, Pharmacia e Syngenta. Conseqüentemente, devemos ter presentes três princípios básicos: as novas tecnologias, por si, não resolvem as velhas injustiças; nas relações capitalistas, o objetivo do desenvolvimento tecnológico é o lucro e não a satisfação das necessidades das pessoas; e qualquer tecnologia nova que se introduza em uma sociedade que não seja essencialmente justa tenderá a agravar a diferença entre ricos e pobres.

IHU On-Line - Como a nanotecnologia pode contribuir para a agricultura? Ela ajuda ou prejudica no fato de termos cada vez mais uma agricultura sem agricultores?

Enildo Iglesias
- Os mesmos argumentos que utilizei na pergunta anterior me levam a afirmar que a nanotecnologia põe em risco a forma de vida, e a própria vida, dos 2.600 milhões de pessoas dedicadas à agricultura no mundo; concentrará mais o poder econômico nas mãos das companhias transnacionais e os grandes proprietários de terras e impulsionará um modelo de agricultura industrial. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA por suas siglas em inglês) prognosticou, em 2002, que, com a nanotecnologia, a agricultura será mais atomizada, mais industrializada, reduzida a funções simples e que serão eliminadas ainda mais pessoas no trabalho agrícola. É bom recordar que nesse país, atualmente, existe mais gente nas cadeias do que no campo. Impondo a nanotecnologia, a agricultura do futuro ficará reduzida a biofábricas de grande extensão, monitoradas e manobradas mediante computadores.

IHU On-Line - Qual é o risco de monopólio das grandes empresas em relação ao domínio da técnica da manipulação nanotecnológica?

Enildo Iglesias
- Esse monopólio já existe, e a nanotecnologia não fará outra coisa senão agravá-lo. Diferente das revoluções globais anteriores, a nanotecnologia tem um caráter nacional, especialmente agravado por sua utilização em armas e equipamentos de guerra, portanto secreto, ao qual se soma o fato de que as patentes se encontram em poder das transnacionais.

IHU On-Line - A partir da implantação da nanotecnologia em nossa sociedade, como fica o mercado de trabalho?

Enildo Iglesias
- Para o Grupo de Trabalho em Ciência, Tecnologia e Inovação do Projeto Milenium das Nações Unidas, a nanotecnologia será benéfica porque implica pouco trabalho na elaboração de objetos (não se atreveram a dizer mercadorias) e por ser altamente produtiva. Sem dúvida, ela provocará turbulências econômicas e desestabilizará ainda mais o trabalho e a sociedade. Como mudará radicalmente a forma de fabricar bens, produzir alimentos, energia e remédios, provocará graves desajustes sociais. O mercado de trabalho se reduzirá ainda mais e se transformará completamente, prejudicando os trabalhadores que não podem responder à demanda de novos conhecimentos e habilidades. À medida que a nanotecnologia aumentará o já altíssimo número de desempregados no mundo, simultaneamente ficará muito fácil traficar ilegalmente com produtos tão pequenos (drogas, armas), atividade a qual serão impulsionados muitos dos desocupados. O preocupante é que, pela primeira vez na história da humanidade, a nanotecnologia também gera a possibilidade de controlar e reprimir as conseqüências sociais não desejadas (agitação, protestos nas ruas, atos delitivos etc.). Além das armas “nanotecnológicas”, criadas especialmente para disciplinar os perdedores, os mais perigosos poderiam ser controlados permanentemente. Já se encontra no mercado o veri-chip, do tamanho de um grão de arroz. Introduzida sob a pele, ele é capaz de transmitir informação sobre seu portador e sua localização.

IHU On-Line - Na sua opinião, a sociedade está preparada para discutir e receber as nanotecnologias em seu cotidiano?

Enildo Iglesias
– É baixíssima a porcentagem de pessoas no mundo que tem algum conhecimento sobre a nanotecnologia e os mais informados a relacionam com protótipos de robôs. Poucas semanas atrás, uma publicação especializada dos Estados Unidos informava que naquele país, considerando que em 2007 o número de produtos fabricados com nanotecnologia mais do que duplicou, chegando a cerca de 500, somente 6% dos entrevistados declarou haver “ouvido falar muito” sobre nanotecnologia e 21% haver “ouvido algo”. Semelhante a pesquisas anteriores, também consta que o público requer maior informação e que a maioria dos estadunidenses é resistente a usar nanoalimentos e produtos relacionados até que saibam o suficiente para decidir. Frente a essa falta de informação, a propaganda das companhias nos promete maravilhas para um futuro distante com a nanotecnologia em saúde, energia, melhorias do ambiente etc. Enquanto isso, sem informar os consumidores, pois nenhuma lei assim exige, introduzem a nanotecnologia nos produtos de consumo massivo. O último exemplo é o “cigarro sem fumaça”, que se promove como uma alternativa para quem queira fumar onde é proibido, por exemplo, os aviões.

IHU On-Line – Quais são as principais mudanças na forma de produzir alimentos a partir da introdução de nanotecnologias?

Enildo Iglesias
- As previsões indicam que entre 40 e 60% do setor alimentício será resultado, até 2015, dos processos nanotecnológicos. Sem dúvida, a nanotecnologia oferece interessantes possibilidades para a produção de alimentos. O problema é que um slogan como “Fome Zero” é traduzido pelas companhias como “Mais Lucro”. Por esse caminho, até agora as principais mudanças vinculadas à nanotecnologia na produção de alimentos têm a ver com a preservação dos mesmos (melhores embalagens e mais baratos), com capacidade de permanecer por mais tempo nas prateleiras dos supermercados etc. O que produzir e a forma de produzir na indústria alimentícia são aspectos que se modificarão radicalmente, com o único objetivo de aumentar as margens de lucro das grandes companhias.

terça-feira, 22 de abril de 2008

sábado, 19 de abril de 2008

Marxismo idealista ?


Uma passagem - inserta n'O Capital, de Karl Marx - voltou-me à mente. Considero-a interessante como contribuição para um antigo debate :

" É oportuna, aqui, uma breve resposta à objeção levantada por um peíódico teuto-americano, quando apareceu meu livro "Contribuição à Crítica da Economia Política", 1859. Segundo ele, - minha idéia de ser cada determinado modo de produção e as correspondentes relações de produção, em suma, "a estrutura econômica da sociedade a base real sobre que se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social"; de "o modo de produção da vida material condicionar o processo da vida social, politica e intelectual em geral", - tudo isto seria verdadeiro no mundo hodierno, onde dominam os interesses, mas não na Idade média, sob o reinado do catolicismo, nem em Roma ou Atenas, sob reinado da política. De início, é estranho que alguém se compraza em pressupor o desconhecimento por outrem desses lugares-comuns sobre a Idade Média e a Antiguidade. O que está claro é que nem a Idade Média podia viver do catolicismo, nem o mundo antigo, da política. Ao contrário, é a maneira como ganhavam a vida que explica porque, numa época, desempenhava o papel principal, a política, e, na outra, o catolicismo. De resto, basta um pouco de conhecimento da história da república romana para saber que sua história secreta é a história da propriedade territorial. Já Dom Quixote pagou pelo erro de presumir que a cavalaria andante era compatível com qualquer estrutura econômica da sociedade."

In, O Capital, Vol. I, Livro Primeiro, Capítulo I, Nota 33 (pag. 91 da 9 Edição - Ed. Difel)




Pessoalmente, porém, prefiro essa entrevista, dada em Portugal pelo fantasma do eminente pensador, em que analisa alguns aspectos da pós-modernidade:


1ª Parte da entrevista a Karl Marx
(extraída de: http://blogoexisto.blogspot.com)


Entrevistador -- Cento e cinquenta anos após a primeira edição do Manifesto do Partido Comunista, gostaria de conhecer, dr. Marx, a sua impressão geral sobre o mundo que veio encontrar.

Marx --
A minha impressão não podia ser melhor. Em primeiro lugar, estou feliz por verificar que a ditadura do proletariado se encontra tão solidamente implantada.

Entrevistador -- A ditadura do proletariado?

Marx --
Claro. Ao contrário do que se passava no século XIX, o sufrágio universal é hoje uma instituição indiscutível em qualquer país civilizado. Ora, com o sufrágio universal, os trabalhadores estão sempre em maioria no eleitorado. Daí o facto de conseguirem sempre impor a sua vontade. É a ditadura democrática dos trabalhadores.

Entrevistador -- Mas o senhor chama ditadura à vontade da maioria?

Marx --
Acha estranho? Pois olhe que, ainda há poucos anos, o dr. Mário Soares expôs uma ideia semelhante, quando afirmou que o governo do Professor Cavaco estava a impor uma ditadura da maioria.

Entrevistador -- De todo o modo, a opinião dominante hoje em dia é que o senhor se enganou redondamente nas suas previsões sobre a inevitável derrocada do capitalismo e subsequente triunfo do socialismo.

Marx --
São tolos, não entendem o mundo em que vivem. A verdade é que, olhe-se para onde se olhar, o que vemos é o progresso do socialismo triunfante. Recentemente, estive nos EUA, e pude constatar que, lá, os trabalhadores já controlam a economia.

Entrevistador -- Está outra vez a fugir ao assunto. Seja directo, por favor: prove-me que o que hoje se passa no mundo tem alguma coisa a ver com as suas propostas políticas.

Marx --
Eu nunca fiz muitas propostas concretas, tal como nunca fiz muitas previsões. Achava e continuo a achar que isso é uma perda de tempo. O que lhe digo é que, agora, pode-se viajar por toda a Europa sem ter a polícia sempre à perna. Vim a Portugal sem passaporte. No meu tempo, precisava de um passaporte para me deslocar dentro da própria Alemanha. Não acha que isto comprova o triunfo do ideal internacionalista?

Entrevistador -- Se, como pretende, o poder está agora nas mãos dos trabalhadores, porque é, então, cada vez menor o interesse das pessoas pela política?

Marx --
Não há razão para preocupações. Repare: o indiferentismo é o estádio supremo de desenvolvimento do socialismo. Saint-Simon sustentou que, no socialismo, o governo das coisas sobrepõe-se progressivamente ao governo dos homens. É a isso que, hoje, se chama tecnocracia. Eu apoiei essa tese com tanta insistência que muitas pessoas estão convencidas que ela é minha. Se as pessoas já não estão divididas por conflitos de valores políticos essenciais, que se há-de fazer? É um progresso, e também mais uma prova do termo da luta de classes e do fim da história. Pessoalmente, aprovo este estado de coisas.

Entrevistador -- E o desemprego e a desigualdade salarial?

Marx --
O economista Paul Krugman explicou-me que, à medida que os computadores forem substituindo as profissões técnicas, cada vez será mais valorizado o trabalho dos cozinheiros, dos jardineiros ou dos canalizadores. Se o seu filho não quer estudar, não se rale: provavelmente, é ele que está certo.

Entrevistador -- E o trabalho infantil, e a poluição, e a SIDA, e a clonagem?

Marx --
Calma, calma, uma pergunta de cada vez.

Entrevistador (já a suar) -- Temo bem que os nossos leitores tenham dificuldade em acompanhar um raciocínio tão abstracto. Vamos passar a um tema mais acessível. O que pensa da globalização? Não admite que se trata de uma derrota do socialismo?

Marx --
Ó meu caro amigo, com franqueza! Pois se fui eu, tanto quanto sei, a primeira pessoa a prever e a defender a globalização!

Entrevistador -- O senhor foi a primeira pessoa...

Marx --
Sem dúvida. Sou o mais possível a favor, como tive ocasião de explicar no meu Discurso sobre o Livre Câmbio, pronunciado em 1848 perante a Liga dos Comunistas.

Entrevistador -- Mas por certo não ignora que, hoje, os comunistas são contra...

Marx --
Também no meu tempo eram! Nem queira saber como reagiram quando defendi o livre câmbio e a liberdade de circulação do capital como forma de acelerar o desenvolvimento capitalista e de precipitar o advento do socialismo. Um autêntico escândalo! Há pessoas muito míopes...

Entrevistador (desesperado)-- Vejo que está outra vez a tentar fugir às minhas perguntas. Afinal, estamos ou não no socialismo? Responda-me só: sim ou não?

Marx --
Sim.

Entrevistador -- Mas como é possível dizer uma coisa dessas e pretender ser tomado a sério? O senhor desconhece o que dizem o Dr. Espada, o Dr. Portas, o Dr. Marques Mendes?

Marx --
Uma coisa que me agrada em Portugal é a importância que se dá aos doutores. Faz-me lembrar a Alemanha do meu tempo.

Entrevistador -- Os trabalhadores americanos controlam as empresas? Como assim?

Marx --
O capital das grandes empresas cotadas na bolsa é controlado pelos fundos de pensões nos quais os trabalhadores aplicam as suas poupanças. Por conseguinte, uma parte substancial da economia está nas mãos dos trabalhadores. Já há quase três décadas que é assim.

Entrevistador -- Não me está a querer dizer que já não há capitalistas nos EUA! Bill Gates, por exemplo, um dos homens mais poderosos do mundo!

Marx --
Depende do que se entenda por um capitalista. Segundo a minha teoria, o capital não é uma coisa, é uma relação social assente num elo de dependência. Ora, precisamente, no caso da Microsoft que citou, estou informado de que entre os seus empregados contam-se dezenas de milionários. E como se transformaram esses ditos assalariados em milionários?

Entrevistador -- Não vejo onde quer chegar.

Marx --
Quando os capitalistas têm que pedir por favor aos trabalhadores para trabalharem, as relações de produção são profundamente subvertidas. E isso sucede porque, hoje em dia, os meios de produção essenciais não são mais as máquinas ou as ferramentas. São a capacidade intelectual, o engenho, o know-how. Ora esses instrumentos pertencem ao trabalhador, são inseparáveis da sua pessoa.

Entrevistador -- Curioso, de facto...

Marx --
Desta forma, operou-se a apropriação colectiva dos meios de produção. O patrão já não manda. Quando muito, lidera -- ou pensa que lidera. Os assalariados não são mais assalariados, são impostores, são capitalistas encapotados.

Expliquei tudo isso com a razoável clareza que a minha linguagem razoavelmente obscura permite nos Grundrisse, uns rascunhos de ficção política publicados depois da minha morte.

Entrevistador -- Mas como se processa concretamente essa apropriação colectiva dos meios de produção?

Marx --
Através da escola, é claro! Nos países mais avançados, os filhos dos engenheiros e os filhos dos operários vão às mesmas escolas, onde todos adquirem as mesmas ferramentas intelectuais que lhes permitem, mais tarde, controlar o processo de produção. Em muitos desses países, nem sequer se paga nada pela educação - ou melhor, é a sociedade que a paga. A uniformização social é visível até no modo como os jovens se vestem e se divertem. Ao vê-los saír das escolas, todos de tee-shirt, jeans, sapatilhas e boné, julgo estar a assistir a um desfile de guardas vermelhos.