segunda-feira, 11 de junho de 2007

Sobre sonhos...(2)

Volto à questão dos sonhos, a partir da perspectiva sobre a falta de liberdade, tanto nos sonhos, quanto na vigília.
Vamos, "à la Descartes", partir de uma indagação básica: qual a diferença entre a percepção no sonho e a percepção na vigília; o que me faz acreditar que o sonho é "menos real" que a vigília ?
Num primeiro momento, poderia responder a essas indagações da seguinte forma: (1) em primeiro lugar, sei, percebo, sinto que o sonho é menos real porque no sonho não consigo lembrar da vigília, ou melhor não consigo distinguir minha vida na vigília da do sonho, enquanto que, na vigília, isso é possível. Daí, posso afirmar que a consciencia na vigília é mais ampla que a "consciencia" onírica. (2) Ligada a essa diferença, que poderíamos denominar de "grau de consciencia" (sendo, geralmente, esta maior na vigília que no sonho), podemos afirmar que a liberdade no sonho é menor que na vigília, pois, como já dito antes, no sonho reagimos aos fatos de maneira automática, mecânica, sem termos possibilidade de escolha. Ora, como é possível afirmarmos isso se, em outra postagem, havia dito que nos sonhos nossos desejos e temores são automaticamente transferidos para a "ação" onírica ? Não haveria aqui uma contradição ? Para respondermos a essa objeção, devemos refletir sobre o prórpio conceito de "liberdade". Pois bem: será que poderíamos ser considerados "livres" se, sempre e em qualquer circunstância, fôssemos compelidos a, automaticamente, agirmos de acordo com nossos "desejos" e impulsos, tal como ocorre nos sonhos ? Refletindo sobre isso, chego a uma conclusão aparentemente trivial, quase um truísmo que, porém, é fundamental e terá desdobramentos teóricos relevantes: considero que a liberdade não está na realização dos impulsos, mas na possibilidade de recusar tais impulsos. Ou seja, a possibilidade de recusa, de negação à uma vontade ordinária - diria, a possibilidade de me autodisciplinar frente aos desejos - é que me confere a possibilidade de escolha e isto é o núcleo do conceito de liberdade. Claro, isso vai na contra-mão do senso comum pós-moderno acerca da liberdade, pois dentro da "sociedade do espetáculo" a ideologia entroniza a sedução e a realização do desejo sendo esta a razão porque Debord irá concordar com Freud acerca da dimensão onírica, transpondo-a para a própria sociedade (lembrando: se para Freud, o sonho tem um caráter arcaizante, regressivo, representando uma espécie de delírio infantil pelo qual realizamos, por meios alucinatórios, nossos impulsos, para Debord, o "espetáculo é o mal sonho da sociedade", sendo esta a razão de sua censura ao surrealismo). Ou seja, o Capitalismo se encontra assentado no "reino das necessidades", o que se liga diretamente àquela observação de Sahlins acerca de Polanyi e que depois seria aproveitada por Baudrillard na "Sociedade de Consumo": o Capitalismo é o sistema criador de necessidades por excelência, fundadndo a cultura da escassez ou carência crônica. Inversamente a esse "reino das necessidades", temos o "reino da liberdade", o que significa construir uma oposição entre desejo e vontade, a partir da oposição entre "princípio do prazer" e "princípio de realidade".
A esse respeito, apresento a seguinte conclusão preliminar: se quisermos desenvolver um autêntico estado de consciencia onírica - ou seja, recuperarmos a liberdade enquanto sonhamos - há que recuperarmos um estado de "consciência do presente" na vigília, necessário para retomarmos a liberdade na vigília.
Ordinariamente, não temos controle de nossos pensamentos enquanto estamos acordados. Pois, rotineiramente, somos invadidos por um dilúvio de pensamentos (e emoções provocadas por esses mesmos pensamentos), a maioria dos quais não guarda nenhuma relação aparente e direta com a circunstância na qual estamos inseridos. Por exemplo: enquanto dirijo meu carro, além das óbvias preocupações ordinárias, sou também invadido por inúmeros pensamentos, idéias, imagens e lembranças, sem que eu tenha qualquer controle sobre os mesmos. Essas mesmas idéias, imagens, pensamentos e lembranças despertam emoções, angustias, satisfações, sensações das mais diversas ordens, sem que eu tenha qualquer controle sobre isso e sem que eu possa detectar sua origem. Trata-se portanto, de um estado ordinário semelhante ao do sonho, mas que ocorre durante a vigília (ocupamos a maior parte de nossas mentes reagindo a esses "eventos" mentais não controlados).
Ou seja, o que proponho é o seguinte: a estrutura do sonho guarda uma "homologia" com o estado de consciencia na vigília: enquanto formos, na vigília, meramente reativos aos desejos e pensamentos, valendo dizer, "escravos acordados desses desejos e pensamentos", que surgem "espontaneamente" em nossas mentes- cuja instância geradora é o ID/ISSO - seremos também meros escravos dos desejos nos sonhos; talvez (e essa é a hipótese), se ampliarmos, na vigília, o senso do presente, o senso de responsabilidade sobre nossas vidas, sobre os atos e, dessa forma, ampliarmos nossa liberdade - ou, como em Freud, se ampliarmos a estrutura do Ego, que avança sobre o Super-Ego e incorpora parcelas maiores do ID/ISSO - se tudo isso ocorrer, a estrutura dos sonhos também se altera, rumando para uma maior liberdade onírica, uma maior consciencia no interior do próprio sonho.
Daí porque, arriscaria dizer: cada um vive no sonho de acordo com seu estado de consciência; cada indivíduo sonha segundo uma estrutura conformada de acordo com esse estado de consciência na vigília (e grau de liberdade frente aos seus pensamentos); ou de acordo com seu estado de integração do Ego com o ID/ISSO, assim como do Ego frente ao Super-Ego. Trata-se, portanto, de verificar a estrutura onírica, que dirá muito acerca do estágio de "harmonia" entre as instâncias psíquicas.
Há que se recuperar a liberdade interior por meio de uma "pacificação mental", de tal sorte que os pensamentos sejam instrumentos e não sujeitos do Ego.