terça-feira, 11 de maio de 2010

Pode-se viver sem petróleo, mas não sem plantas





O último estudo sobre a diversidade biológica exibe o padrão do sexto maior evento de extinção do planeta: a transformação da Amazônia em uma savana, afirmam cientistas.

A reportagem é de Stephen Leahy, publicada por Terramérica e reproduzida por Envolverde, 10-05-2010.

Negócios e políticas como as que levaram ao atual vazamento de petróleo no Golfo do México estão minando a arquitetura vital do planeta, segundo a Perspectiva Mundial sobre a Diversidade Biológica 3 (GBO3), divulgado hoje pela Organização das Nações Unidas. O vazamento de aproximadamente cinco mil barris diários por dia, causado pelo rompimento, no dia 20 de abril, de uma plataforma de exploração de petróleo da British Petroleum (BP), terá efeitos devastadores nos ecossistemas marinhos e costeiros que durarão décadas, afirmam especialistas.

Estes tipos de negócios e políticas, multiplicados milhares de vezes nos últimos cem anos, colocou em risco os pilares da vida terrestre, segundo o GBO3. Trata-se do registro mais recente do estado da diversidade de espécies de flora e fauna, os organismos vivos que nos fornecem saúde, riqueza, alimentos, combustíveis e outros serviços essenciais.

Nesse estudo “distingue-se claramente o perfil do que pode ser o sexto maior evento de extinção da vida na Terra”, afirmou o cientista Thomas Lovejoy, chefe de Biodiversidade do Heinz Center for Science, Economics and the Environment, com sede em Washington, e conselheiro-chefe da presidência do Banco Mundial. As tendências são quase todas negativas: quedas exponenciais e sombrios pontos de inflexão, disse ao Terramérica este destacado estudioso da biologia tropical, que dirigiu o comitê de revisão e está encarregado de apresentá-lo hoje em Nairóbi, na abertura da reunião científica do Convênio sobre a Diversidade Biológica. Um desses pontos de inflexão é o colapso irreversível da selva amazônica.

Uma pesquisa recente revelou que a possível combinação de três fatores poderia desatar uma incontrolável transformação da Amazônia em savana. Esses fatores são a elevação em dois graus centígrados da temperatura média global, perda de 3% a 4% mais da cobertura de selva original e os incêndios florestais. Dessa forma se desataria uma enorme perda de espécies e abundantes emissões de dióxido de carbono na atmosfera, esquentando o clima.

Os impactos em milhões de habitantes da região “seriam assombrosos”, afirmou Lovejoy. “Devemos tomar o GBO3 como um grande chamado para o despertar”, acrescentou. Esse é o ano Internacional da Biodiversidade, mas as campanhas de alerta soam já há bastante tempo. Em 2002, 123 países-membros do Convênio se comprometeram a ações urgentes para deter o ritmo de perda de espécies. Oito anos depois, com os dados proporcionados por essas mesmas nações, o GBO3 registra que as promessas não foram cumpridas.

Quase um quarto das espécies vegetais conhecidas está em risco de desaparecer, os corais e anfíbios diminuem de forma acentuada e a quantidade de animais de todos os vertebrados caiu em um terço nos últimos 30 anos. Perguntado sobre a importância da extinção de espécies quando contamos com todo tipo de tecnologia, Lovejoy respondeu: “Você não se alimenta de Internet”. Tampouco é possível respirar sem as plantas que fornecem oxigênio à atmosfera. Mas, pode-se viver sem petróleo.

Entretanto, a preocupação com os ecossistemas sempre está em segundo lugar quando se decide explorar em busca de petróleo, minerais ou madeira, disse Kierán Suckling, diretor-executivo do não governamental Centro para a Diversidade Biológica dos Estados Unidos. “Se os ecologistas consultados ao final forem suficientemente agressivos, talvez possam conseguir que o projeto se reduza em 5%”, disse Suckling ao Terramérica. “O poder reside sempre naqueles que impulsionam o desenvolvimento”, insistiu.

A britânica BP foi eximida de controles ambientais para operar no Golfo do México, acrescentou Suckling. E não havia planos para lidar com um vazamento importante de petróleo. “Era um desastre anunciado, mas a companhia e o governo fizeram de conta que não aconteceria”, acrescentou. Apesar do enorme valor dos ecossistemas, é difícil calculá-lo em termos monetários, prosseguiu. O Golfo do México é um enorme recurso alimentar, estimado em US$ 2 bilhões anuais somente para o norte-americano Estado da Louisiana.

Mas isso nem mesmo se aproxima do valor real dessa região. “Como colocar preço em seus vastos mangues que existem há centenas de milhares de anos? Durante milhões de anos as tartarugas marinhas desovaram nas praias arenosas do Golfo. Quem somos para chegar e em apenas algumas décadas condená-las à extinção?”, questionou Suckling. Para ele, proteger a diversidade é um imperativo ético. “Sua perda é um empobrecimento para os seres humanos, pois evoluímos para interagir com todas essas espécies”, afirmou. Segundo Lovejoy, se fosse dado valor econômico aos ecossistemas, seria possível conseguir uma administração de riscos mais inteligente.

Em lugar de explorar petróleo no mar, a sociedade poderia decidir elevar sua eficiência em consumo de combustível. Por exemplo, se os carros e caminhões percorrerem 18 quilômetros por litro de gasolina seriam economizados milhões de barris de petróleo por ano e milhares de milhões de dólares em gasto com combustível, segundo uma análise da não governamental União de Cientistas Comprometidos.

“Deve-se aumentar a importância da biologia na agenda de preocupações humanas”, afirmou Lovejoy. A questão é “como conseguir isso antes que ocorram terríveis desastres. A infraestrutura biológica do planeta periga e é do nosso maior interesse fazer algo para salvá-la”, concluiu.