sexta-feira, 5 de junho de 2009

Luto brasileiro no dia do Meio Ambiente


A "MP da grilagem" foi aprovada anteontem por 23 votos a 21, após mais de cinco horas de debates. Prestes a perder a validade, a MP passou pelo Senado a toque de caixa, sem nenhuma alteração no texto aprovado pela Câmara.

Durante a sessão de votação no Senado, Marina Silva chegou a chorar.

Em carta enviada a Lula, a ex-ministra pede seu veto para diversos pontos da medida aprovada.


Destacamos apenas alguns:

1. A ocupação de terras autiorizada pela MP desconsidera os critérios de relevante interesse público e da função social da terra.

2. O artigo 7 da MP amplia extraordinariamente as possibilidades de legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possuiu outras propriedades rurais e para a ocupação indireta.

Segundo dados apresentados pela ex-ministra, a privatização de "67 milhões de hectares da Amazônia equivale à distribuição de patrimônio público equivalente a quase quatro Bancos do Brasil".

Os números mostrados por Marina revelam ainda que os mini e pequenos produtores (até 400 hectares) embora somem 81% do total de posseiros, ficarão com 7,8 milhões de hectares e receberão patrimônio público no valor de R$ 8 bilhões.

Já médio e pequenos produtores (de 400 a 1.500 hectares), que são 12% do total, ficarão com 8 milhões de hectares e patrimônio público de R$ 8 bilhões.

Grandes produtores, disse Marina, são 7% do total. "Ficarão com 49 milhões de hectares e receberão patrimônio público de R$ 54 bilhões. Onde está a justiça social?" questionou.

No Dia do Meio Ambiente, ONGs atacam ‘desmonte’ ambiental no governo Lula





A atual tentativa de "desmonte" da legislação ambiental brasileira não permite a comemoração deste Dia Mundial do Meio Ambiente. A opinião é de 23 entidades ambientais de peso. Em nota divulgada ontem, elas afirmam que este é um momento de preocupação e pesar.

A reportagem é de Afra Balazina e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, 06-06-2009.

O motivo da inquietação são as medidas do Executivo e do Legislativo, já aprovadas ou em processo de aprovação, que "demonstram claramente que a lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando o compromisso de construir um modelo de desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente sustentável".

Os problemas mais graves começaram em novembro do ano passado, afirmam. O governou criou um decreto que elas dizem pôr em risco a maior parte das cavernas brasileiras e baixou impostos para a produção de carros sem exigir a melhora nos padrões de consumo de combustível (diferentemente do que fez o presidente dos EUA, Barack Obama).

Para as entidades, porém, a situação mais grave refere-se à medida provisória 458, que trata da regularização fundiária na Amazônia e foi aprovada anteontem pelo Senado. A medida irá permitir que 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia -equivalente aos territórios de Alemanha e Itália somados- sejam doados ou vendidos sem licitação, até o limite de 1.500 hectares.

"A título de regularizar as posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, [a medida] abriu a possibilidade de legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento ilegal", afirma a nota.

Para Paulo Barreto, do Imazon, a regularização é necessária. Entretanto, diz, a medida aprovada, em vez de beneficiar somente a população carente, gerará inúmeras distorções. Segundo ele, a tentativa de desmontar a legislação ocorre em parte porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "no fundo não liga para a área ambiental" e também, porque tem interesse eleitoral em acelerar obras -e os controles ambientais atrapalharam o processo.

As entidades também reclamam que há um ano não são criadas novas unidades de conservação. Há várias propostas paradas na Casa Civil.

'Retrocesso na política ambiental'. Nota pública


5/6/2009




Veja os principais trechos da “Nota pública contra o desmonte da política ambiental brasileira:

1. Já em novembro de 2008 o Governo Federal cedeu pela primeira vez à pressão do lobby da insustentabilidade ao modificar o decreto que exigia o cumprimento da legislação florestal (Decreto 6514/08) menos de cinco meses após sua edição.

2. Pouco mais de um mês depois, revogou uma legislação da década de 1990 que protegia as cavernas brasileiras para colocar em seu lugar um decreto que põe em risco a maior parte de nosso patrimônio espeleológico. A justificativa foi que a proteção das cavernas, que são bens públicos, vinha impedindo o desenvolvimento de atividades econômicas como mineração e hidrelétricas.

3. Com a chegada da crise econômica mundial, ao mesmo tempo em que contingenciava grande parte do já decadente orçamento do Ministério do Meio Ambiente (hoje menor do que 1% do orçamento federal), o governo baixava impostos para a produção de veículos automotores. Fazia isso sem qualquer exigência de melhora nos padrões de consumo de combustível ou apoio equivalente ao desenvolvimento do transporte público, indo na contramão da história e contradizendo o anúncio feito meses antes de que nosso País adotaria um plano nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa.

4. Em fevereiro deste ano uma das medidas mais graves veio à tona: a MP 458 que, a título de regularizar as posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, abriu a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando, assim, o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento ilegal. Ontem (03/06) a MP 458 foi aprovada pelo Senado Federal.

5. Enquanto essa medida era discutida - e piorada - na Câmara dos Deputados, uma outra MP (452) trouxe, de contrabando, uma regra que acaba com o licenciamento ambiental para ampliação ou revitalização de rodovias, destruindo um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira e feita sob medida para se possibilitar abrir a BR 319 no coração da floresta amazônica, com motivos por motivos político-eleitorais. Essa MP caiu por decurso de prazo, mas a intenção por trás dela é a mesma que guia a crescente politização dos licenciamentos ambientais de grandes obras a cargo do Ibama, cuja diretoria reiteradamente vem desconhecendo os pareceres técnicos que recomendam a não concessão de licenças para determinados empreendimentos.

6. Diante desse clima de desmonte da legislação ambiental, a bancada ruralista do Congresso Nacional, com o apoio explícito do Ministro da Agricultura, se animou a propor a revogação tácita do Código Florestal, pressionando pela diminuição da reserva legal na Amazônia e pela anistia a todas as ocupações ilegais em áreas de preservação permanente. Essa movimentação já gerou o seu primeiro produto: a aprovação do chamado Código Ambiental de Santa Catarina, que diminui a proteção às florestas que preservam os rios e encostas, justamente as que, se estivessem conservadas, poderiam ter evitado parte significativa da catástrofe ocorrida no Vale do Itajaí no final do ano passado.

7. A última medida aprovada nesse sentido foi o Decreto 6848, que, ao estipular um teto para a compensação ambiental de grandes empreendimentos, contraria decisão do Supremo Tribunal Federal, que vincula o pagamento ao grau dos impactos ambientais, e rasga um dos pontos principais da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada pelo País em 1992, e que determina que aquele que causa a degradação deve ser responsável, integralmente, pelos custos sociais dela derivados (princípio do poluidor-pagador). Agora, independentemente do prejuízo imposto à sociedade, o empreendedor não terá que desembolsar mais do que 0,5% do valor da obra, o que desincentiva a adoção de tecnologias mais limpas, porém mais caras.

8. Não fosse pouco, há um ano não são criadas unidades de conservação, e várias propostas de criação, apesar de prontas e justificadas na sua importância ecológica e social, se encontram paralisadas na Casa Civil por supostamente interferirem em futuras obras de infra-estrutura, como é o caso das RESEX Renascer (PA), Montanha-Mangabal (PA), do Baixo Rio Branco-Jauaperi (RR/AM), do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi (PR) e do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas (SC/RS).

Diante de tudo isso, e de outras propostas em gestação, não podemos ficar calados, e muito menos comemorar. Esse conjunto de medidas, se não for revertido, jogará por terra os tênues esforços dos últimos anos para tirar o País do caminho da insustentabilidade e da dilapidação dos recursos naturais em prol de um crescimento econômico ilusório e imediatista, que não considera a necessidade de se manter as bases para que ele possa efetivamente gerar bem-estar e se perpetuar no tempo.

Queremos andar para frente, e não para trás. Há um conjunto de iniciativas importantes, que poderiam efetivamente introduzir a variável ambiental em nosso modelo de desenvolvimento, mas que não recebem a devida prioridade política, seja por parte do Executivo ou do Legislativo federal. Há anos aguarda votação pela Câmara dos Deputados o projeto do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) Verde, que premia financeiramente os estados que possuam unidades de conservação ou terras indígenas. Nessa mesma fila estão dezenas de outros projetos, como o que institui a possibilidade de incentivo fiscal a projetos ambientais, o que cria o marco legal para as fontes de energia alternativa, o que cria um sistema de pagamento por serviços ambientais, dentre tantos que poderiam fazer a diferença, mas que ficam obscurecidos entre uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e outra. E enquanto o BNDES ainda tem em sua carteira preferencial os tradicionais projetos de grande impacto ambiental, os pequenos projetos sustentáveis não têm a mesma facilidade e os bancos públicos não conseguem implementar sequer uma linha de crédito facilitada para recuperação ambiental em imóveis rurais.

Nesse dia 5 de junho, dia do meio ambiente, convocamos todos os cidadãos brasileiros a refletirem sobre as opções que estão sendo tomadas por nossas autoridades nesse momento, e para se manifestarem veementemente contra o retrocesso na política ambiental e a favor de um desenvolvimento justo e responsável.

Brasil, 04 de junho de 2009.

Assinam:

Amigos da Terra / Amazônia Brasileira
Associação Movimento Ecológico Carijós - AMECA
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - APREMAVI
Conservação Internacional Brasil
Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional - FASE
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento -
FBOMS
Fórum das ONGs Ambientalistas do Distrito Federal e Entorno
Greenpeace
Grupo Ambiental da Bahia - GAMBA
Grupo Pau Campeche
Grupo de Trabalho Amazônico - GTA
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - IMAZON
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Terra Azul
Mater Natura
Movimento de Olho na Justiça - MOJUS
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Sociedade Brasileira de Espeleologia
Via Campesina Brasil
WWF Brasil

Amazônia repete sina da mata atlântica





"Entre os brasileiros que estudaram a história da mata atlântica e apreciam seus remanescentes, a floresta amazônica inspira alarme. O último serviço que a mata atlântica pode prestar, trágica e involuntariamente, é demonstrar todas as terríveis consequências de destruir sua imensa vizinha do oeste." Este alerta foi dado há 15 anos num livro que deveria ser leitura obrigatória para os brasileiros: o belo e deprimente A Ferro e Fogo, do americano Warren Dean (1932-1994).

A reportagem é de Claudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, 05-06-2009.

Na obra, a primeira grande historiografia ambiental brasileira, Dean narra a destruição da floresta atlântica da chegada dos portugueses até o governo Collor. Sua esperança era a de que a coletânea de crimes, irresponsabilidades e absurdos cometidos pelos brasileiros contra o próprio futuro pudesse fazer o país mudar de tática em relação à floresta amazônica. O plano não funcionou.

"A Ferro e Fogo" pode ser lido como um script quase completo dos processos atuais de destruição acelerada da Amazônia. Trocando nomes e datas, alguns trechos poderiam ter sido escritos ontem, mas com uma diferença importante: a velocidade. Jamais as taxas anuais de destruição da mata atlântica foram tão altas.
Já no ano da morte do brasilianista, quando o livro foi concluído, a euforia econômica induzida pelo Plano Real provocou o desmatamento recorde de 29.000 km2 da Amazônia.

Se fosse vivo, ele talvez tivesse comparado essa devastação, perpetrada em apenas um ano, com tudo o que a produção de açúcar derrubou da mata atlântica em 150 anos, entre 1700 e 1850: "meros" 7.500 km2.
Quando os números da mata atlântica ontem e da Amazônia hoje se igualam, é só para demonstrar a regra da destruição acelerada. "O regime de pecuária era notavelmente improdutivo. As pastagens nativas degradadas e as pastagens convertidas permitiam uma população de gado muito escassa, não mais do que uma cabeça a cada 2 ou 5 hectares." O trecho poderia estar falando do sul do Pará, onde a produtividade média do pasto no começo do século 21 é de meia cabeça por hectare. Mas ele se refere a Minas no começo do século 19.

Como na Amazônia, na mata atlântica o principal fator por trás da devastação era o caos fundiário. Sem títulos de propriedade claros, os fazendeiros tinham pouco estímulo para investir no aumento da produtividade. Sentiam-se à vontade para atender ao "chamado da floresta virgem" -a abertura de novas áreas de floresta para aproveitar a matéria orgânica do solo quando as áreas de ocupação mais antigas começavam a dar sinais de esgotamento.
Nas palavras de Dean, citando comentarista do séc. 19: "Os donatários derrubavam e queimavam a floresta, falhavam em melhorar a terra e, quando ficavam sem espaço para plantar, abandonavam as sesmarias a eles vendidas por quase nada e iam explorar outra doação ou reivindicar posse em algum outro pedaço de terra". O mesmo fenômeno acontece na Amazônia hoje, com um nome diferente: garimpagem de nutrientes. Ele é o motor da grilagem.

Crônica também tem sido a incapacidade do governo de fiscalizar as florestas. Mesmo após o estabelecimento do primeiro Código Florestal, em 1934, a guarda florestal prevista jamais foi estabelecida. Após a Segunda Guerra, o governo deixa de ser um desmatador por omissão e passa a ser um dos agentes principais do desmatamento. Dean aponta aqui um conflito que viria a ecoar décadas mais tarde, na guerra do PAC contra a floresta: "Preocupado como o Estado havia se tornado com o desenvolvimento econômico, seu papel como protetor das florestas primárias remanescentes no país se tornara problemático".

Primeiro, com o nacionalismo varguista, que viu nascer uma aliança entre políticos e industriais e empreiteiras que garantia recursos naturais de graça para os últimos e dinheiro de campanha para os primeiros. Depois, com o milagre econômico dos anos 70, que levou o então senador José Sarney à sua declaração ilustre: "Deixe vir a poluição, contanto que as fábricas venham junto".

Nesta fase do saque dos recursos naturais, aponta Dean, o golpe de misericórdia foi a expansão maciça das hidrelétricas pelo Sudeste. Um dos pontos altos do processo, que inundou milhares de quilômetros quadrados de mata, foi a obliteração das Sete Quedas para a construção de Itaipu -o que levou Octávio Marcondes Ferraz, ex-presidente da Eletrobrás, a escrever que o Brasil era "um país de fatos consumados e contribuintes submissos".

Qualquer semelhança com Lula, Dilma Rousseff, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte é mera repetição da história. Mas, num país cujo ato de fundação foi cortar uma árvore, como lembra Dean, repetir a história talvez seja apenas cumprir um destino manifesto.