A sociedade burguesa destruiu as antigas formas de vida, baseadas na agricultura e que fundavam uma concepção cíclica de tempo. Assim, haveria condições materiais para uma vida humana plenamente histórica (tempo experimentado e sabido como passageiro, irreversível e linear – tempo gozado de maneira qualitativa e não meramente quantitativa). Entretanto, essas possibilidades permanecem inconscientes, recalcadas. Por isso, Debord não pode ser considerado um nostálgico, pois somente com as possibilidades abertas pela modernidade é que surgem condições objetivas para uma vida em que haja uma “participação imediata em uma abundância passional da vida”.
A auto-valorização da sociedade burguesa dita que “tudo o que era absoluto torna-se histórico”. (SdS, § 73)
Entretanto, essa liberação na sociedade mercantil se traduz como “tempo das coisas”, tempo reificado. Assim, a atual experiência social assume a forma do movimento do capital, ele mesmo abstrato e cíclico.
Portanto, a sociedade moderna funda um tempo “profundamente histórico” – não é mais a sociedade da tradição, da permanência – mas nega-o enquanto experiência imediata de vida dos indivíduos, mantendo-o recalcada em suas profundezas.
“A história, que está presente em toda a profundidade da sociedade, tende a se perder na superfície” (SdS, § 142).
É esta experiência vivenciada cotidianamente que Debord chama de tempo vivido.
O tempo abstrato de valorização e realização da mercadoria – tempo da produção, do consumo, do trabalho, do lazer – se materializa na vida cotidiana na forma de unidades homogêneas intercambiáveis que organizam a cotidianidade sob a lógica abstrata e mutuamente reversível, repondo uma experiência “pseudo-cíclica”, que se apóiam, contudo, em formas distintas de produção social. O retorno temporal do modo cíclico (pelas exigências da produção e do consumo) não se apresenta como eterno retorno do mesmo, mas como retorno ampliado do mesmo, exatamente em razão do desenvolvimento linear capitalista, manifesto de modo reificado na ampliação e no aumento quantitativo das mercadorias e que na superfície do consumo reitera o retorno do mesmo (da mesma forma mercadoria, ainda que sobre outros valores de uso.
A “crise da vida cotidiana” ocorre graças à transformação da vida (cotidiana) em lugar da produção e da realização abstratas da mercadoria:
“As pessoas estão privadas de comunicação e de realização de si mesmas. Precisaria dizer: de fazer sua pro´ria história pessoalmente.” (Debord)
Entretanto, Devord rejeita a idéia de reificação total, pois constata experiências individuais que permanecem clandestinas, sem linguagem, sem comunicação e, portanto, sem memória e sem história.
“O realmente vivido é incompreendido e esquecido em proveito da falsa memória espetacular do não-memorável” (SdS. § 157)
A história universal é reafirmada consciente e oficialmente – como expressão reificada de um tempo linear e irreversível da economia – mas negada aos indivíduos.
Há assim uma interdição imposta aos indivíduos da atividade de linguagem e da comunicação do “realmente vivido” (v; SdS, § 158).
Na experiência pseudo-cíclica, tudo é reposto e retornado e, por isso, não há o que tnhe um fim: constitui a falsa consciência do tempo que dissolve a representação da morte.
A racionalidade abstrata própria da economia material com seu tempo abstrato e quantitativo, organiza a vida cotidiana fazendo do indivíduo mero espectador da sua própria vida.
A experiência temporal se desenvolve apenas como “tempo de consumo das imagens”: aos indivíduos não cabe a assunção de sua época porque não lhes cabe a de seu tempo; não lhes cabe a sua memória coletiva ou individual porque não lhes cabe a realização e a comunicação.
“Com a separação generalizada do trabalhador e do seu produto perde-se todo o ponto de vista unitário sobre a atividade realizada, toda a comunicação pessoal direta entre os produtores. Na senda do progresso da acumulação dos produtos separados, e da concentração do processo produtivo, a unidade e a comunicação tornam-se o atributo exclusivo da direção do sistema. O êxito do sistema econômico da separação é a proletarização do mundo.” (SdS, § 26)
“Os fenômenos aparentes são aparência desta aparência organizada socialmente.” (SdS, §10)
O segundo termo “aparência” da afirmação acima não nos remete à aparência visível, sensível, mas à categoria hegeliana de aparência utilizada por Marx no primeiro Capitulo do Capital.
Trata-se do fetichismo da mercadoria que, na sociedade espetacular, passa a se manifestar sensivelmente, torna-se fisicamente aparente. Graças à extensão das relações mercantis à totalidade da vida cotidiana, o fetichismo dá nascimento a fenômenos aparentes que se tornam autônomos frente aos indivíduos.
O valor de troca atingiu tal totalidade e onipresença que sua lógica abstrata se torna a única coisa que se faz ver. A autonomização dos fenômenos aparentes da abstração do valor econômico é nomeada por Debord como “mundo da imagem autonomizado.”
“As imagens que se desligaram de cada aspecto da vida fundem-se num curso comum, onde a unidade desta vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente desdobra-se na sua própria unidade geral enquanto pseudomundo à parte, objeto de exclusiva contemplação. A especialização das imagens do mundo encontra-se realizada no mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.” (SdS, §2)
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