sábado, 20 de outubro de 2007

Caminho da Meditação Estabilizadora




"Esta ilustração é a reprodução de um desenho tibetano que representa nove cenas, os nove estágios do caminho da meditação estabilizadora ou shamatha.
Há dois personagens: o homem, o meditador, o observador; e o elefante, que representa sua mente. Para desenvolver shamatha, a mente usa duas ferramentas: a atenção e a lembrança. A afiada machadinha representa a acuidade da atenção vigilante, e a corda com um gancho é a lembrança da prática. Já que muitas distrações interrompem seu estado alerta, vigilante, o meditador deve retornar a ela através de constantes lembranças. A vigilância é a acuidade na base da meditação, e a lembrança assegura sua continuidade. O estado de shamatha tem dois obstáculos principais: o primeiro é a agitação ou dispersão criada pela fixação sobre pensamentos e emoções passageiros; o segundo é o torpor ou preguiça, a estagnação mental. O torpor é representado pela cor preta do elefante e a agitação pelo macaco. O fogo que diminui ao longo do caminho representa a energia da meditação. Conforme avançamos, a prática requer menos e menos esforço.
As seis curvas ou voltas no caminho marcam seis platôs, masterizados sucessivamente pelas seis forças da prática, que são: ouvir as instruções, assimilá-las, lembrá-las, vigilância, perseverança e hábito perfeito. Ao lado da estrada há diferentes objetos: um katha, algumas frutas, uma concha cheia de água perfumada, pequenos címbalos e um espelho, representado os objetos dos sentidos; objetos tangíveis, sabores, odores, sons e formas visuais, que distraem o meditador que se desvia do caminho do shamatha ao segui-los.

[1] Na base da ilustração, no primeiro estágio, há uma distância consideravelmente grande entre o meditar e sua mente. O elefante da mente é guiado pelo macaco, ou agitação. O grande fogo mostra que a meditação requer bastante energia. Os obstáculos são os piores possíveis; tudo está preto.

[2] No segundo estágio, o meditador chega mais próximo do elefante por causa de sua atenção. O macaco — a agitação — ainda conduz a mente, mas o ritmo diminui. A estagnação e a agitação diminuem; algum branco infiltra-se no preto do elefante e do macaco.

[3] No terceiro estágio, o meditador não mais caça a sua mente; agora eles estão cara a cara. O macaco ainda está à frente, mas não conduz mais o elefante. O contato entre o meditador e a mente é estabelecido pela corda da lembrança. Ocorre uma forma sutil de estagnação, representada por um pequeno coelho. A escuridão da estagnação e da agitação diminui.

[4] No quarto estágio, o progresso torna-se mais claro e o meditador chega ainda mais perto do elefante. A alvura do macaco do elefante e do coelho aumenta. A cena torna-se mais clara.

[5] No quinto estágio, a situação torna-se invertida. O meditador conduz o elefante da mente com a atenção e lembrança contínuas. O macaco não conduz mais, porém o coelho ainda está lá. A cena fica ainda mais clara. Em uma árvore próxima, um macaco branco pega uma fruta. Isto representa a atividade da mente de se engajar em ações positivas. Apesar de essas ações normalmente precisarem ser cultivadas, ainda há distrações no contexto da prática do shamatha; é por isso que ela é preta e está fora do caminho.

[6] No sexto estágio, o progresso é mais definitivo. O meditador conduz e a lembrança é constante; ele não tem mais que colocar sua atenção sobre a mente. O coelho se foi e a situação torna-se cada vez mais clara.

[7] No sétimo estágio, a cena torna-se muito pacífica. A caminhada não mais requer direção. A cena torna-se quase completamente transparente. Alguns sinais de preto indicam pontos de dificuldade.

[8] No oitavo estágio, o elefante anda domado pelo meditador. Não há virtualmente mais nenhum preto e a chama do esforço desapareceu. A meditação torna-se natural e contínua.

[9] No nono estágio, a mente e o meditador estão ambos completamente em descanso. Eles são como velhos amigos acostumados a estar juntos calmamente. Os obstáculos desaparecem e a meditação estabilizadora é perfeita.

As cenas seguintes, nascida do raio de luz que emana do coração do meditador, representa a evolução da prática no coração deste estágio de shamatha. A realização do shamatha é caracterizada pela experiência de alegria e radiância, ilustrada pelo meditador voando ou cavalgando sobre as costas do elefante. A última cena refere-se às práticas combinadas de shamatha e vipashyana. A direção é revertida. A mente e a meditação estão unidas; o meditador senta-se escarranchado sobre o elefante. O fogo revela uma nova energia, a da sabedoria, representada pela espada flamejante da sabedoria transcendente, que corta os dois raios negros das aflições mentais e da dualidade."

(Kalu Rinpoche. Luminous mind: the way of the Buddha. Compilado por Denis Töndrup,traduzido por Maria Montenegro, prefácio de S.S. o Dalai Lama.Boston: Wisdom, 1997. Pág. 157-158. )

Sobre as práticas Shamatha e Vipashyana, mencionadas no texto acima, temos o seguinte ensinamento de Hsing Yün ("Only a Great Rain"), extraído de http://www.dharmanet.com/:

As práticas de meditação da escola T'ien-t'ai são baseadas no chih-kuan (jap. shikan) — literalmente, "parar e ver", "cessar e contemplar". Estas práticas correspondem respectivamente à meditação estabilizadora (sânsc. shamatha, chin. chih, jap. shi) e à meditação analítica (sânsc. vipashyana, chin. kuan, jap. kan). As principais escrituras de meditação desta escola são a Grande Cessação e Contemplação (chin. Mo-ho chih-kuan, jap. Makashikan), os Seis Portões Maravilhosos do Dharma (chin. Liu-miao Fa-men) e a Cessação e Contemplação para Iniciantes (chin. T'ung-men Chih-kuan). A técnica completa e súbita de cessação e contemplação, conforme ensinada pelo monge Chih-i, é uma das três técnicas de meditação T'ient-t'ai, sendo esta considerada a mais completa.

A técnica completa e súbita tem duas partes. A primeira parte é chamada quatro tipos de samadhi, e a segunda parte é chamada os dez veículos de contemplação. A primeira parte enfatiza o shamatha, enquanto a segunda parte enfatiza o vipashyana.[1] Os quatro tipos de samadhi [absorção meditativa]: O samadhi é um estado de shamatha perfeito. Em samadhi, as funções mentais e discursivas cessaram, e a mente é preenchida com sabedoria e repouso. Os quatro tipos de samadhi discutidos abaixo são métodos excelentes para atingir o shamatha perfeito. Uma vez que o shamatha perfeito, ou samadhi, tenha sido atingido, o verdadeiro vipashyana pode começar.

[1.1] Samadhi do longo sentar: O método do longo sentar é tomado do Manjushri Paripriccha Sutra e do Sutra do Discurso de Manjushri sobre a Sabedoria. Este método é bem difícil. Requer que o praticante passe noventa dias em reclusão. Durante este período, o praticante deve se sentar continuamente em meditação e contemplar o nome de um buddha. A concentração que se desenvolve desta prática é muito forte e á capaz de superar uma grande quantidade de karma ruim. A simplicidade intensa desta prática vez com às vezes seja chamada de samadhi da prática única.

[1.2] Samadhi do longo caminhar: Este método é às vezes chamado método pratyutpanna samadhi, já que é tomado do Pratyutpanna Buddha Sammukhavasthita Samadhi Sutra. O samadhi do longo caminhar requer que o praticante passe noventa dias em um templo, caminhando ao redor de uma imagem do Buddha. Não se permite sentar, exceto durante breves intervalos de refeição. Conforme o praticante anda ao redor da imagem do Buddha, ele deve cantar o nome do Buddha Amitabha enquanto contempla os trinta e dois sinais de seu estado búddhico. Se esta prática for realizada com concentração e dedicação, o praticante eventualmente terá uma visão de todos os buddhas no universo. Por esta razão, o samadhi do longo andar também é conhecido como samadhi da visão dos buddhas.

[1.3] Samadhi metade andando, metade sentado. Como seu nome sugere, este método emprega uma mistura do andar e do sentar. Há dois tipos básicos de samadhi metade andando, metade sentado:

[1.3.1] Grande samadhi universal: Esta prática é tomada do Sutra do Grande Dharani Universal. Durante um período de sete dias, o praticante deve se confinar em um templo, onde canta mantras.

[1.3.2] Samadhi do lótus. Esta prática é tomada dos capítulos Manjughosha e Shubhavyuha-raja do Sutra do Lótus. Durante um período de vinte e um dias, o praticante se engaja em cantar, meditar, circum-ambular o Buddha, arrependimento e outras práticas calmantes.

[1.4] O samadhi do não-sentar e do não-andar. Esta prática é tomada do Maha-prajna-paramita Sutra. Não é restrita a qualquer período de tempo ou qualquer lugar. Supõe-se que este tipo de samadhi seja praticado no curso de nossas vidas diárias. Às vezes esta samadhi é também chamado samadhi da consciência iluminada porque enfatiza a atenção e a contemplação durante o dia. Se realizarmos esta prática sinceramente e com dedicação, definitivamente experienciaremos um aumento em nossa consciência iluminada.

As três primeiras das práticas mencionadas acima enfatizam claramente o shamatha e vipashyana estritos. Apesar de estas práticas serem difíceis, são muito poderosas e muito efetivas. Os longos períodos de tempo envolvidos com a dificuldade de seus empreendimentos físicos fazem estas práticas serem difíceis para a maioria dos buddhistas modernos. Porém, a última prática mencionad
a acima é perfeitamente adequada para a vida no mundo moderno. [...]
[2] Os dez veículos do vipashyana: As contemplações seguintes são chamadas veículos porque podem nos levar do mundo samsárico do sofrimento para a liberação última. Os dez veículos do vipashyana são realmente dez aspetos de um vipashyana magnífico. As limitações das palavras e a tendência de nossa mente focalizarem apenas uma cosia por vez, entretanto, nos forçam a tratá-los como se fossem separados.

[2.1] Contemplação do reino indescritível: Nesta, o meditar contempla que cada aspecto de cada momento da vida é contingente sobre o universo inteiro e que cada momento sempre reflete a generosidade e completude tenebrosas do universo inteiro. Uma vez que apreciemos que a maioria das coisas "insignificantes" são uma parte avassaladora do universo inteiro, não podemos fazer nada mais que apreciar a completude e perfeição indescritíveis da bodhichitta.

[2.2] Contemplação sobre a importância do surgimento da bodhichitta: Seguindo a contemplação acima, o meditador deve reconhecer que, em geral, a maioria de nós não aprecia completamente a maravilha e o temor da consciência da iluminação. Já que não a contemplamos completamente, devemos contemplar a importância do surgimento da bodhichitta.

[2.3] Shamatha e vipashyana com tranqüilidade hábil: Este método nos pede par usar nossas próprias mentes para figurar o melhor modo de ganhar paz e segurança dentro do Dharma.

[2.4] Quebrar o agarramento de todos os fenômenos: Está um ato, um voto e uma forma de contemplação, todos em um. Quando quebramos o agarramento de todos os fenômenos, consideramos que toda atração e aversão são fundamentalmente ilusórias. Já que todo apego é baseado na ilusão, decidimos quebrar o agarramento de tudo isto.

[2.5] Entendendo a perda e o ganho: Esta contemplação é às vezes chamada "entendendo a obstrução e a não-obstrução". Esta contemplação é usada quando e se um praticante reconhecer que ele não quebrou o agarramento de todos os fenômenos com sucesso. Nesta prática, o meditador contempla a vacuidade de todos os fenômenos e a vacuidade tanto do ganho quanto da perda. Uma vez que vejamos que nada é ganho quando algo é ganho, e que nada é perdido quando algo é perdido, chegaremos mais perto de sermos capazes de superar nossos apegos.

[2.6] Contemplação das trinta e sete condições que levam ao estado búddhico: Esta contemplação é usada quando realizamos que, apesar de podermos ter quebrado o agarramento de todos os fenômenos, ainda não estamos fazendo um bom progresso em outras áreas. O método usado para esta prática é contemplar todas as trinta e sete condições que levam ao estado búddhico, um a um. Conforme contemplamos cada um deles, devemos nos avaliar e decidir onde ainda estamos deficientes. Uma vez que tenhamos determinado nossas deficiências, devemos contemplar que passamos tomara para superá-las. Conforme crescemos em nossa prática e entendimento do Dharma, devemos realizar que a autoconfiança e o auto-entendimento são extremamente importantes. Não espere que alguém sempre lhe aponte como você deve se melhorar.

[2.7] O método da cura direta: Este método é usado para superar deficiências que identificamos em nós mesmos. Por exemplo, se determinamos que estamos deficientes em compaixão, então devemos passar mais templo contemplando a compaixão. Se determinarmos que estamos deficientes em alegria, então devemos passar mais tempo contemplando a alegria, tanto para si quanto para os outros, e devemos reconhecer que a alegria é uma parte da sabedoria verdadeira. Falando de modo geral, o método para superar qualquer falta específica é enfatizar seu oposto positivo. Não permaneça em sua deficiência. Ao invés disso, identifique-a e enfatize o seu oposto. Este método é muito poderoso e ninguém deve ignorá-lo, não importa o quão avançado seja.

[2.8] A contemplação do saber onde você realmente está: Quando pensamos que nós sabemos mais do que realmente sabemos, fechamos a porta para o crescimento. Por esta razão, é muito importante que cada um de nós determine, tão apuradamente quanto possível, onde nós realmente estamos. Se você pensar que está mais avançado em sua prática do que realmente está, você causará muitos problemas para si mesmo. Uma avaliação pobre de sua própria mente criará um o obstáculo maior para um crescimento adicional. Falando de modo geral, é difícil ser muito humilde e, assim, geralmente é melhor entender a nós mesmos do que nos superestimarmos.

[2.9] Ser capaz de agüentar: Nossa capacidade de resistir a dificuldades é nossa maior ferramenta, assim como o melhor marcador que temos para a profundidade de nosso progresso. Em um dia ensolarado após uma boa refeição, praticamente qualquer um pode ser compassivo. Nosso teste real vem quando somos chamados para suportar dificuldades com graça e dignidade. Se você puder manter a paz mental até mesmo em situações adversas, então você pode estar certo do que está fazendo um bom progresso. Uma palavra de precaução: ninguém deveria procurar as dificuldades por elas mesmas. Devemos intencionalmente encarar as dificuldades quando quer que elas venham, mas ninguém deve procurar por elas. Nossas energias são muito valiosas para serem desperdiçadas em exercícios inúteis como esse.

[2.10] Equanimidade perfeita: Esta contemplação é usada para nos levar além de todo apego — toda atração e toda aversão. Esta contemplação nos revela o verdadeiro caminho do meio, pois ela nos mostra o caminho que viaja entre todos os extremos e todas as dualidades. Eventualmente, esta contemplação nos levará a um estado de equanimidade perfeita onde nasce a paciência perfeita do Dharma. Uma vez que tenhamos atingido a paciência do Dharma, a regressão sobre o caminho não será mais possível.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

Sobre sonhos...(5)

Podemos perceber o seguinte processo na formação dos sonhos:

1) no processo de perda do controle dos penamento - mas antes que os sonhos se formem - ocorre uma perda do referencial físico da mente, ou seja, a referência corpórea/corporal da mente começa a se esvaecer, dando origem a uma característica singular: a mente parece adquirir uma enorme "plasticidade" ou flexibilidade. Parece-me que esse passo é condição para que a realidade onírica se imponha como "a única realidade" para a mente. Ou seja, parece que a perda do referencia corporal e a plasticidade mental estão relacionados;

2) quando esse processo adquire culminância, inicia-se uma fase de formação de imagens dotadas de grande realismo: é o início do sonho. Aqui, creio que uma matriz energética incessante - que fornece impulsos nervosos ou energéticos para a mente em caráter contínuo - tem seus impulsos "interpretados" pela mente (já fora do controle racional, "inconsciente") configurando-os sob a forma de imagens e sensações completas. É como se a mente, "viciada" em excitações sensoriais/mentais e em face daquele fluxo incessante, adotasse o caminho "mais fácil", reinterpretando aqueles impulsos da "forma habitual", ou seja, por meio das imagens/sensações semelhantes àquelas da vigília: iniciou-se o sonho.

3) porém, não há ainda um "ego onírico" formado. Por um momento, é como se estivéssemos assistindo a um filme, onde não nos identicamos com nada. São apenas imagens (pessoas etc.) se movimentando, num enredo em que estamos ausentes. O ego onírco aparece quando tais imagens se estabilizam e começamos a interagir com elas.

Diante disso, surge a dúvida: Como compatibilizar a concentração da meditação (Shamata) com o processo de surgimento dos sonhos ? Ou seja, de que modo a concentração e a manutenção do observador diante das turbulências mentais são possíveis de serem mantidas diante da "necessidade aparente" de perda de conciência, condição (?) para que a mente perca seus referenciais corpóreos e o sonho se inicie ?