terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Produto Imaterial Bruto e "cultura" digital


'Uma internet sem espírito gera apenas um monte de 'macacos' jogando videogame'. Entrevista especial com Gilson Schwartz

(Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11519)


O Brasil está dividido entre entre o anseio de se transformar um país desenvolvido e as dificuldades que o fazem permanecer no grupo dos sonhadores subdesenvolvidos. Apostar em tecnologias e, mais especificamente, na produção digital direcionada para o mercado online seria uma possibilidade para o país engatinhar rumo ao desenvolvimento. Com o avanço da produção social na internet, parece que Brasil “vai entrar no mundo desenvolvido em alguns instantes, mas falta muito, muito para chegar lá”, lamenta o professor Gilson Schwartz, da Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista por telefone à IHU On-Line, o pesquisador disse que a produção social realizada pelos brasileiros, ainda é baixa e que neste quesito o país “está atrasado”.

Para crescer no mercado imaterial, “sem dúvida a economia precisa crescer, necessita emprego, ou seja, precisamos das condições básicas, mas sem criatividade e inovação, continuaremos a consumir bovinamente o óbvio”, alerta o pesquisador.

Gilson Schwartz é graduado em Economia e em Ciências Sociais, pela Universidade de São Paulo (USP), e mestre e doutor em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas. Desde 2005, é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. Atua desde 1994 como consultor de instituições financeiras como BankBoston (como economista-chefe). É também assessor da Presidência no BNDES e consultor do BNB, CEF e Banco do Brasil. Ele concedeu outra entrevista à IHU On-Line, na edição 226, de 02-07-2007, intitulada Second Life: uma fábrica de sonhos e desejos.

IHU On-Line - Qual é a sua análise econômica sobre a produção social atual no Brasil?
Gilson Schwartz - Em termos mais gerais, levando em consideração os indicadores internacionais, nossa posição na internet é equivalente às que exibimos em outras áreas. O Brasil é um país de tamanho médio, encontrando-se na fronteira superior do mundo em desenvolvimento. Parece que irá entrar no mundo desenvolvido em alguns instantes, mas falta muito, muito mesmo para chegar lá, como atestam os indicadores educacionais. A nossa produção social na rede teria um destaque maior se a distribuição de renda fosse melhor.

IHU On-Line - Quais são as principais conseqüências dessa produção social para a justiça social, visto que já há casos de bloqueios de alguns portais por determinações da justiça, como aconteceu recentemente com o youtube?
Gilson Schwartz - A principal conseqüência é que a produção social (a chamada "wikinomia") pode gerar novos tipos de problemas, além de aumentar o espaço para antigos problemas. Um exemplo desses novos problemas está relacionado a essa questão do You Tube, em que um vídeo sem a autorização da pessoa vai para a rede. Hoje em dia, ficou muito fácil capturar material e distribuir sem maior responsabilidade. Então, essa é uma conseqüência que pode criar situações, que, do ponto de vista da justiça, são claramente ofensivas aos direitos das pessoas.

IHU On-Line - No Ciclo produzido pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, sobre o livro A riqueza das redes, discutiu-se a inserção da produção social na cultura brasileira. Como essa inserção vem acontecendo?
Gilson Schwartz - O Brasil tem uma população urbana muito grande, mas, por enquanto, a chamada produção social (que muitos traduzem como "web 2.0") não tem grande destaque no país. Se formos observar o que tem acontecido de mais criativo em termos de uso social da rede, a chamada produção social, o Brasil está atrasado, como são atrasadíssimos todos os indicadores sociais do país. Mas, aos poucos, estão surgindo projetos inovadores. Falam muito do gosto do brasileiro por mídia, mas esquecem de dizer que a massa de usuários da web é "formada" por décadas de Xuxas, Trapalhões, sensacionalismo barato e até de cunho religioso, entre outras práticas de baixo impacto criativo.

Perspectivas

A produção social é fruto de duas determinações. Uma é o PIB (Produto Interno Bruto), com o crescimento econômico, desenvolvimento econômico, o que ajuda a aperfeiçoar a nossa capacidade criativa. O outro PIB, que se escreve do mesmo jeito, mas que tem um significado oposto, podemos chamar de "Produto Intangível", ou "Imaterial". Ele diz respeito não à economia, tal como conhecemos, mas a uma nova visão que é a da "iconomia", a economia dos intangíveis, dos imateriais, dos ícones. Claro que a expansão criativa da iconomia depende basicamente de educação e renda. Para crescer nesse mercado intangível, sem dúvida a economia precisa crescer, necessita emprego, ou seja, precisamos das condições básicas, mas, sem criatividade e inovação, continuaremos a consumir bovinamente o óbvio. Uma internet sem espírito gera apenas um monte de "macacos" jogando videogame.

IHU On-Line - Com a produção social surge uma nova economia, a economia imaterial (iconomia)?
Gilson Schwartz - A visão de uma produção social engloba tanto o mercado como aquilo que vai além do mercado. Em última análise, ela também é fundamental para regular e controlar o mercado. A rede digital, em contraposição ao mercado, onde aparece apenas o preço, coloca em evidência na rede digital uma inteligência coletiva que pode levar até mesmo a uma nova consciência de que é necessário salvar o planeta.

IHU On-Line - O senhor pode falar um pouco mais da influência que a obra de Benkler tem tido sobre as pesquisas relacionadas à produção social?

Gilson Schwartz - Sobre as pesquisas, o Benkler (1) é menos um influenciador, e mais um sistematizador. O livro dele tem o mérito de sistematizar uma visão hacker-liberal da sociedade em rede, que é muito forte nos Estados Unidos.

Yochai Benkler




IHU On-Line - Que tipo de grupamentos sociais influenciaram na formação da cultura da internet?
Gilson Schwartz - Não existe a cultura "da" internet. A rede é mais um meio de comunicação que possibilita a criação cultural. Considero exagerado transformar a cultura da internet num ícone, como se ela tivesse que ser exportada para todos os lugares do mundo. Se fosse assim, todos nós deveríamos nos tornar hackers para integrar essa nova sociedade. Esse talvez seja um dos limites da obra do próprio Benkler, que afirma a existência de uma cultura "da" internet. Obviamente, é possível associar formas e culturas às tecnologias que as pessoas utilizam para viver, como o automóvel, ou os garfos e as roupas.

Não vamos negar que existe um aspecto importante na cultura material e na maneira como se usa a tecnologia. Mas é reducionista pensar que a cultura da internet é, sobretudo, a cultura que a própria internet produz. Quer dizer, o que define a cultura é um conjunto de elementos que não se limita a uma tecnologia. Não é a tecnologia que determina a evolução da cultura, embora, sem dúvida alguma, ela é um dos fatores fundamentais que moldam a nossa vida.

A tecnologia não funciona como uma matriz geradora de cultura, pois é parte da nossa cultura material. Essa seria a minha crítica ao próprio Benkler e a maneira como ele encaminha a discussão sobre produção social, promovendo uma espécie de hipertrofia da cultura da internet, que não corresponde à realidade das sociedades nem dos mercados.

Notas:

(1) Yochai Benkler: docente da Faculdade de Direito da Yale Universit, Estados Unidos. Ele é autor de algumas obras que vislumbram o potencial das novas práticas de compartilhamento através da internet, como o Software Livre e a Wikipedia. Entre seus livros, destacamos The wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom (Neu Haven: Yale University Press, 2007) (A Riqueza das Redes - Como a Produção Social Transforma Mercados e a Liberdade).

Gelo da Groenlândia agita debate sobre nível dos oceanos

Fendas de água começam a aparecer na Groenlândia


08/01/2008


Por: Andrew C. Revkin



A antiga cúpula congelada que cobre a Groenlândia é tão vasta que pilotos já se chocaram com aquilo que pensavam ser uma formação de nuvens se estendendo ao longo do horizonte. Ao voar sobre ela, mal dá para imaginar que este gelo pudesse se derreter com rapidez suficiente para tão cedo elevar perigosamente o nível dos oceanos.

Entretanto, ao longo dos seus flancos, na primavera e no verão, o quadro é muito diferente. Durante uma série cada vez mais extensa de anos quentes, uma série de lagos azuis e riachos de gelo derretido tem se espalhado cada vez mais sobre a camada de gelo. A superfície que se derrete escurece-se, absorvendo até quatro vezes mais energia solar que a neve não derretida, que reflete a luz do sol. Cavidades naturais de drenagem, as chamadas moulins, conduzem a água da superfície para as profundezas, fazendo com que em alguns locais ela atinja o fundo de pedra. De forma discreta, mas mensurável, o processo lubrifica as superfícies e acelera a movimentação do gelo rumo ao mar.

E, segundo os glaciologistas, o mais importante é a ruptura de grandes pedaços semi-submersos de gelo onde enormes geleiras da Groenlândia, especialmente na costa oeste, se espremem pelos fiordes ao se encontrarem com o oceano em processo de aquecimento. Conforme essas passagens foram se abrindo, acelerou-se o fluxo de diversos desses rios congelados e rugosos.


"Todas essas mudanças fazem com que atualmente diversos glaciologistas estejam nervosos - para não dizer chocados", afirma Ted Scambos, que é o cientista chefe do Centro Nacional de Dados Sobre Neve e Gelo, em Boulder, no Colorado, e um veterano dos estudos sobre a Groenlândia e a Antártica.

Alguns temem que a elevação do nível dos mares em um mundo em processo de aquecimento possa ser maior do que a estimativa mais pessimista de cerca de 60 centímetros neste século, feita no ano passado pelo Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (os mares subiram menos do que 30 centímetros no século 20). A avaliação do painel não incluiu fatores conhecidos por contribuir para os fluxos de gelo, mas que não são compreendidos de forma suficiente para que se possa fazer com confiança estimativas baseadas neles. Tudo o que o painel pôde dizer foi: "Valores maiores não podem ser excluídos".

Está em andamento um esforço científico para determinar se a erosão das mais vulneráveis camadas de gelo do mundo, na Groenlândia e na Antártica Ocidental, pode continuar acelerando-se. Esse esforço envolve pesquisas de campo e análises de dados obtidos por satélites, bem como a busca de pistas baseadas em períodos quentes ocorridos no passado, incluindo o último intervalo entre eras glaciais, que chegou ao seu apogeu cerca de 125 mil anos atrás, e fez com que os oceanos atingissem um nível de 3,7 a 4,9 metros superior ao atual.

O Conselho Ártico, representando os países do território ártico, encomendou um relatório sobre as tendências ambientais na Groenlândia, para ser concluído antes das negociações sobre um tratado climático que deverão ocorrer em 2009, em Copenhague. As nações do mundo se comprometeram a criar durante essas negociações um plano de longo prazo para limitar o aquecimento global causado pelos seres humanos.

Konrad Steffem, um glaciologista da Universidade do Colorado que acampa sobre a camada de gelo da Groenlândia todos os anos desde 1990, é o autor do capítulo no relatório sobre o clima da região. Em agosto do ano passado, ele e uma equipe de cientistas que estudam as maneiras como o gelo derretido poderia afetar o movimento do gelo baixaram uma câmera a uma profundidade de 100 metros em uma moulin cheia de água para determinar se esse sistema de drenagem poderia ser mapeado.

A câmera sendo baixada no moulin



Pesquisas feitas nas geleiras alpinas demonstram que à medida que mais água flui por tais fendas, mais rapidamente o gelo se desloca. Mas em determinado momento formam-se canais maiores, que limitam o efeito lubrificante. A experiência com a câmera foi apenas um teste inicial.

Alberto Behar, um engenheiro da Nasa que projetou a câmera, diz que alguns métodos não convencionais foram cogitados para mapear o fluxo dessas águas. "Tivemos idéias como o lançamento de patinhos de borracha pelas fendas para verificar se eles apareceriam no mar", diz Behar. "Dentro dos patinhos haveria um bilhete dizendo algo como: 'Por favor, se você me encontrar, ligue para o número tal'".

As mudanças presenciadas na Groenlândia podem acabar revelando-se auto-limitantes no curto prazo; por exemplo, geleiras onduladas podem sofrer achatamento e ter sua velocidade reduzida. Ou elas podem ser um sinal de que o gelo da ilha - que contém aproximadamente a mesma quantidade de água que o Golfo do México - está prestes a sofrer um rápido despregamento. Os cientistas estão divididos quanto a essa questão, e também quanto ao risco de curto prazo referente a uma porção da cobertura de gelo da Antártica do tamanho do Texas, que também está dando sinais de instabilidade. Essa divisão coloca de um lado aqueles que antevêem um aumento do nível do mar de cerca 60 centímetros neste século, causado pelo derretimento do gelo da Groenlândia, do oeste da Antártica e de geleiras nas montanhas e, do outro lado os que acreditam que nesse período a elevação dos mares será de uns dois metros.

Entre os que têm uma visão mais conservadora em relação ao destino da Groenlândia no curto prazo está Richard Alley, da Universidade do Estado da Pensilvânia, que observou que amostras de gelo e testes com materiais orgânicos colhidos abaixo do gelo indicam que a principal massa de gelo da Groenlândia suportou milhares de anos de aquecimento no passado sem desaparecer.

"Aquilo é basicamente um grande pedaço de gelo sobre uma camada de rocha", diz Alley, ao descrever o comportamento da Groenlândia em condições mais quentes. "O que ele tenta fazer é formar mais neve no meio e derreter mais nas bordas. Se ele retrair as sua bordas, haverá menos área para derreter, e isso o ajuda a sobreviver. É por isso que é possível existir uma cobertura estável de gelo em um clima mais quente".

Mas não existe mais nenhuma polêmica significativa quanto ao cenário de longo prazo. Caso o aumento das emissões de gases causadores do efeito estufa continue seguindo uma tendência próxima à atual, o aquecimento e a perda de gelo resultantes nas duas extremidades do planeta fariam com que as regiões costeiras retrocedessem durante séculos. Embora tenha se mostrado circunspecto em relação às mudanças de curto prazo, o painel intergovernamental manifestou-se com confiança a respeito das mudanças de longo prazo.

A perspectiva de não se contar com uma linha costeira "normal" no futuro não muito distante faz com que muitos cientistas fiquem profundamente preocupados.

"O que está em jogo é a estabilidade que nós sempre consideramos como um fato imutável, tanto no que diz respeito às costas como ao próprio clima", afirma Jason E. Box, professor de geografia da Universidade do Estado de Ohio. Box apresentou descobertas recentes na reunião da União Geofísica Norte-Americana no mês passado, revelando que várias geleiras da Groenlândia tiveram a sua movimentação drasticamente acelerada em uma resposta direta ao aquecimento, tanto durante uma onda de calor que teve início na década de 1920 quanto agora.

Eric Rignot, que há muito tempo estuda as coberturas de gelo em ambos os pólos para o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, diz que espera que a população e os elaboradores de políticas não vejam na incerteza das previsões do século 21 motivo para complacência quanto à necessidade de limitar os riscos por meio da redução das emissões.

Recentemente Rignot propôs que o aquecimento ininterrupto poderia resultar em uma aumento do nível dos mares globais composto por três fatores básicos: 90 centímetros devido ao derretimento na Groenlândia, 90 centímetros provenientes do gelo derretido da Antártica e 46 centímetros causados encolhimento das principais geleiras nas regiões montanhosas.

Isso é similar às projeções feitas pelo mais proeminente cientista climático da Nasa, James E. Hansen, sendo entretanto duas vezes maior do que os valores quanto ao qual muitos glaciologistas parecem considerar o limite máximo para a elevação dos oceanos até o final deste século.

"É muito cedo para se afirmar que tudo irá se estabilizar, e também não há como prever um colapso catastrófico", diz Rignot. "Mas as coisas estão sem dúvida alguma bem mais sérias do que qualquer um teria imaginado cinco anos atrás".


(Fonte: The New York Times - extraído de UOL Mídia Glogal - http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2008/01/08/ult574u8101.jhtm)