terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O Grande Irmão zela por ti


Cadastro para novo registro de identidade civil deve começar em janeiro

Mariana Jungmann
Da Agência Brasil
Em Brasília


O ano de 2010 deve começar com mudanças nos documentos dos brasileiros. O Instituto Nacional de Identificação (INI), órgão ligado à Polícia Federal, espera que nos próximos dias, antes do fim do ano, seja publicado o decreto para implementação do novo Registro de Identidade Civil (RIC). 

O documento vai reunir os números de todos os documentos de registro dos cidadãos, como CPF, Carteira de Trabalho, Carteira Nacional de Habilitação e Título de Eleitor - além do Registro Geral. Com a publicação do decreto, a expectativa é de que o cadastro para a emissão das novas carteiras de identidade comece em janeiro.

Ao solicitar o RIC, o cidadão passará pelos procedimentos habituais para obter a carteira de identidade, com coleta de digitais, fornecimento de dados pessoais e assinatura. A diferença, segundo a Polícia Federal, é que o processo será totalmente informatizado, garantindo um cadastro nacional biométrico. 

O novo cartão terá um sistema complexo de tecnologia que inclui microchip e dados gravados a laser no documento. O objetivo é evitar falsificações e permitir maior agilidade na transmissão de dados sobre uma pessoa em todo o território nacional. Os órgãos regionais deverão receber estações de coleta e transferir os dados para o órgão central em Brasília, que por sua vez emitirá a nova identidade. 

Espera-se que a partir do terceiro ano de implementação do projeto, 80 mil pessoas possam ser cadastradas por dia, alcançando a meta de 20 milhões de cidadãos por ano. Em nove anos, cerca de 150 milhões de brasileiros devem ter o novo RIC.


domingo, 27 de dezembro de 2009

Copenhague: O jogo da China




'A China foi a única responsável pelo fracasso da COP'


O autor e jornalista britânico Mark Lynas escreveu nesta terça-feira um artigo para o jornal The Guardian, no qual acusa a China de ser a grande responsável pelo fracasso das COP-15. Ele conta detalhes da negociação final, da qual participou como membro de uma delegação. No texto, ele não especifica qual, mas ele atuou como conselheiro do governo das ilhas Maldivas.

Veja abaixo trechos do artigo, selecionados pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 22-12-2009, cujo original, em inglês, pode ser lido aqui. 

"Copenhague foi um desastre -- disso ninguém duvida. Isso é muito acordado. Mas a verdade sobre o que realmente aconteceu corre o risco de se perder entre as acusações mútuas que tomam conta da discussão. A verdade é: a China minou todas as negociações, humilhou intencionalmente Barack Obama e insistiu em um tratato péssimo, para os líderes ocientais levassem a culpa. Como eu sei de tudo isso? Eu estava na sala e vi o que aconteceu.

A estratégia da China era simples: bloquear as negociações por duas semanas e, em seguida garantir que a discussão final, a portas fechadas, desse a impressão de que o Ocidente, uma vez mais, falhou com os países pobres. E é claro que agências humanitárias, ONGs e ambientalistas morderam a isca. "Os países ricos intimidaram as nações em desenvolvimento", irritou a ONG Amigos da Terra Internacional.

Tudo muito previsível, mas o oposto do que realmente aconteceu.

O Sudão (cujo delegado, Lumumba DI-Aping, qualificou o acordo como "um pacto suicida para manter o domínio econômico de alguns países") se comproutou como um fantoche da China. Era apenas um de uma série de países que trabalhou, na surdina, para apoiar as negociações dos chineses. Foi um teatro perfeito. A China lacerou o pacto nos bastidores e deixou seus aliados para criticá-lo em público.

Mas foi isso o que realmente aconteceu na reunião de sexta-feira, da qual participaram chefes de Estado de 20 países. Obama ficou horas na mesa de negociação, sentado entre o premiê britânico, Gordon Brown, e do primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi. A reunião foi presidida pelo premiê dinamarquês, que estava ao lado do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Provavelmente, só cerca de 50 ou 60 pessoas, incluindo os chefes de Estado, estavam na sala. Eu estava acompanhando uma das delegações, cujo chefe de Estado também esteve presente na maior parte do tempo.

O que vi foi chocante. O premier chinês, Wen Jinbao, não se dignou a participar nas reuniões pessoalmente e enviou um diplomata do Ministério das Relações Exteriores do país para se sentar em frente de Obama. O desprezo diplomático era óbvio e brutal, assim como sua implicação prática: várias vezes durante a sessão, os chefes de Estado mais poderosos do mundo foram obrigadas a esperar enquanto o delegado chinês saía para telefonar para seus "superiores".

Para aqueles que culpam Obama e os países, fiquem cientes: foi o representante da China que insistiu que as metas dos países industrializados, previamente acordada de reduzir as emissões em 80% até 2050 fossem tiradas da pauta. "Por que não podemos sequer mencionar os nossos próprios objetivos?", demandou, furiosa, a chanceler alemã, Angela Merkel.O premiê australiano, Kevin Rudd, ficou tão irritado que bateu em seu microfone. O representante do Brasil também criticou a incoerência da posição da China.

Por que países ricos não deveriam nem anunciar unilateralmente seus cortes? O delegado chinês disse que não, e eu assisti, horrorizado, quando Merkel jogou suas mãos em desespero e acabou concordando. Agora sabemos por que: a China apostou, corretamente, que Obama seria culpado pela falta de ambição do acordo de Copenhague.

Apoiada eventualmente pela Índia, a China começou a retirar todos os números que importava, como a meta de restringir o aumento de temperatura em 2 graus e o corte de 50% nas emissões até 2050. Ninguém, talvez com exceção da Índia e da Arábia Saudita, queria que isso acontecesse. Estou certo de que se a China não estivesse na sala, teríamos deixado Copenhague com um acordo que fizesse ambientalistas do mundo todo abrir suas champanhes.

Posição sólida

Então como é que a China conseguiu dar esse golpe? Primeiro, ela estava em uma posição extremamente forte, pois não precisava negociar. "Os atenienses não tinham nada a oferecer para os espartanos", comparou um diplomata. Por outro lado, líderes ocidentais e também os presidentes Lula, do Brasil, Zuma, da África do Sul, Calderón, do México e muitos outros estavam desesperados por um resultado positivo. Obama era o que mais precisava de um acordo forte. Os EUA haviam confirmado a oferta de US$ 100 bilhões aos países em desenvolvimento para lidarem com o aquecimento e a propor, pela primeira vez, ambiciosos cortes (17% abaixo dos níveis de 2005 até 2020).

Acima de tudo, Obama precisava demonstrar ao Senado americano que ele podia convencer a China sobre uma regulamentação básica, para que senadores conservadores não pudessem argumentar que os cortes das emissões de carbono dos EUA dessem vantagens à indústria chinesa. Com as eleições de meio de mandato se se aproximando, Obama e sua equipe também sabiam que Copenhague seria provavelmente a única oportunidade para ir para negociar com propostas ousadas. Isso também reforçou o poder de negociação da China, assim como a completa falta de pressão da sociedade civil na política, quer a China ou a Índia.

Com o negócio dilacerado, a sessão foi concluída com uma batalha final, quando o delegado chinês insistiu em retirar a meta 1.5 graus, tão cara às ilhas, que já estão sofrendo com a elevação dos mares. O presidente Nasheed, das Maldivas, demandou: "Como você pode pedir ao meu país para permitir que sejamos extintos?" O delegado chinês fingiu grande ofensa.



Tudo isto levanta a questão: qual é o jogo da China? Por que a China, nas palavras de um analista britânico "não só rejeitaram metas para si, mas também se recusaram a permitir que qualquer outro país a assumisse metas obrigatórias?" Ele conclui que a China quer enfraquecer o regime de regulamentação do clima agora "para evitar o risco de ser impedida de ser mais ambiciosa em alguns anos".

Isso não significa que a China não está preocupada com o aquecimento global. Ela tem indústrias eólicas e solar fortes. Mas o crescimento da China baseia-se em grande medida no carvão barato. A China sabe que está se tornando uma superpotência e sua confiança recém-conquistada estava em foco em Copenhague. Sua economia baseada no carvão dobra a cada década, e aumenta seu poder de forma proporcional. Sua liderança não irá alterar essa fórmula mágica, a menos que seja absolutamente necessário.

Copenhague foi muito pior do que apenas um mau negócio, porque ilustra uma profunda mudança na geopolítica global. Esse século está se tornando rapidamento o século da China, mas ela mostrou que sua governança ambiental não só não é uma prioridade, mas é visto como um empecilho para as ações dessa superpotência. Deixei Copenhague desapontado, como não me sentia há tempos. Depois de toda a esperança e de todo o hype, da mobilização de milhares de pessoas, a onda de otimismo bateu contra a rocha do poder político mundial e recuou.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Quanto custa um mundo limpo?



A reportagem é de Maurizio Ricci, publicada no jornal La Repubblica, 22-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

É um corte a ser visto com temor, um remédio necessário mas muito amargo? Os passos a serem dados nós os conhecemos: diminuir o consumo de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carbono, o gás, expandir maciçamente as centrais de energia limpa (sol, vento, energia nuclear).

Trata-se de investimentos enormes. Além disso, todas as indústrias que emitem CO2 deverão pagar pelos direitos às emissões e descarregarão os custos maiores sobre os preços. Uma avalanche que arrasará o nosso estilo de vida, obrigando-nos a renúncias e penitências? A resposta é não. Reduzir as emissões pela metade não significa que seremos obrigados a andar por aí de sandálias e lã crua. Pelo contrário, os efeitos sobre a vida cotidiana são extraordinariamente limitados.

Os modelos econométricos têm um valor de predição necessariamente limitado, ainda mais quando se trata de prever o comportamento dos preços daqui a 40 anos. Se dermos fé aos exercícios mais recentes dos economistas, porém, menos emissões não significam desastres à vista.

Segundo um estudo realizado no último verão [europeu] pela Northwestern University, cortar as emissões em 50% comportaria, nos EUA, um aumento geral dos preços ao consumo não superior, em média, a 5%. É verdade, porém, que, para chegar a um corte global de 50% das emissões, os países industrializados teriam que reduzir as suas emissões (como Obama já anunciou querer fazer) em 80%. Mas esse corte também não teria efeitos dramáticos, segundo o Pew Center on Global Climate Change: "Cortar as emissões em 80% no arco de quatro décadas também teria, na grande parte dos casos, um efeito muito limitado sobre os consumidores".

O mesmo vale para a Europa. A revista New Scientist pediu à Cambridge Econometrics – uma sociedade de consultoria que regularmente fornece modelos econométricos sobre as mudanças climáticas para o governo britânico – uma previsão do impacto sobre os preços para os consumidores ingleses de um corte das emissões até 2050 de 80% com relação a 1990. Os pesquisadores chegaram à resposta, tendo como referência a experiência histórica. Isto é, quanto as mudanças do custo da energia influenciaram os preços de 40 produtos diversos de consumo no passado. O resultado? O impacto sobre os preços de grande parte dos produtos de consumo é modesto: 1-2%.

O preço dos alimentos aumentaria, em média, 1%, assim como o das roupas e dos automóveis. Uma garrafa de cerveja custaria 2% a mais, um laptop de mil euros passaria a custar 1.020 euros. Uma lava-roupas ou uma geladeira também custariam só 2% a mais. Isso ocorre porque a energia necessária para produzir esses bens representa exatamente 1-2% do preço final. Os bens e produtos em que a energia mais pesa sofreriam um impulso mais forte, mas são relativamente poucos. A conta de luz, por exemplo, encareceria 15%. E ainda mais as viagens aéreas, nas quais a energia representa mais de 7% do preço final. Dado que as companhias aéreas, neste momento, não têm uma alternativa de baixo conteúdo de gás carbônico como combustível, pagar os direitos às emissões seria um custo pesado. A Cambridge Econometrics prevê um aumento de 140% do preço das passagens aéreas.

Com efeito, os cálculos do modelo pressupõem duas hipóteses. A primeira é que o governo forneça incentivos aos cidadãos, para que, em vez do gás, usem a eletricidade para a cozinha e, principalmente, para o aquecimento. A segunda é que o próprio governo invista maciçamente nas infraestruturas necessárias para os carros elétricos.

Para daqui a 40 anos, não são, porém, hipóteses remotas. E, portanto, diz outro estudo realizado por uma gigante mundial da consultoria como a McKinsey, têm um preço relativo: "Quatro quintos das reduções nas emissões – defendem os analistas da McKinsey – podem ser realizados explorando tecnologias que já existem hoje em escala comercial". Bastaria, dizem, um preço dos direitos às emissões de 50 dólares por tonelada de CO2. "E 40% das reduções – acrescentam – de fato permitem que se economize dinheiro".



Mas e as previsões catastróficas como as de uma autoridade de Yale, William Nordhaus, segundo o qual estabilizar o clima e as temperaturas custaria, só para os EUA, 20 trilhões de dólares? É preciso entender. Stephen Schneider, da Stanford, refez os cálculos de Nordhaus. Os 20 trilhões de dólares, de fato, não são o custo imediato, mas para 2100. Se assumirmos que, daqui até então, a economia norte-americana crescerá em média 2% ao ano, um ritmo muito ordinário para o gigante EUA, o preço a ser pago para salvar o planeta não parece muita coisa: "Só quer dizer – segundo Schneider – que os norte-americanos terão que esperar até 2101 para serem ricos tanto quanto teriam sido em 2100, sem tocar nas emissões".


Fonte:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=28625





quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Céticos do aquecimento questionam consenso


Muitas pessoas ainda duvidam do aparente consenso, tanto entre cientistas do clima como entre autoridades, de que o aquecimento global realmente existe.

A reportagem é de Michael Totty, do Wall Street Journal, e publicada pelo jornal Valor, 15-12-2009.

Esse consenso diz essencialmente que o planeta está se aquecendo e que a maior parte desse aumento de temperatura se deve a um acúmulo de gases que causam um efeito estufa na atmosfera, resultante das atividades humanas. Se não houver uma redução nas emissões de gases-estufa, o Século XXI verá ondas de calor mais frequentes, furacões intensos e, nos trópicos, menos chuvas.

E o que dizem os céticos? Em resumo, que o aquecimento no século passado foi pequeno e que a contribuição humana para esse aquecimento foi mínima; não existe crise. A seguir, alguns dos principais argumentos dos incrédulos - e a resposta dos que acreditam no aquecimento global.

O que dizem os céticos:

A Terra não está esquentando, pelo menos não em grau que possa ser qualificado de "crise". E alguns dados chegam a sugerir que a Terra está esfriando.

O planeta pode ter ficado mais quente ao longo do Século XX. Mas o aquecimento cessou mais de 10 anos atrás, e a partir de 1998 a tendência revelou menos aquecimento ou mesmo esfriamento. De fato, o período de dezembro de 2007 a novembro de 2008 foi o lapso de 12 meses mais frio na década. Ainda que o planeta não esteja esfriando, não há evidências de que o aquecimento esteja se acelerando ou de que as temperaturas estejam subindo a uma taxa alarmante.

A resposta:

É verdade: segundo a maioria das medidas, as temperaturas médias nesta década parecem ter se estabilizado num patamar. Mas isso não é evidência de que o planeta esteja esfriando. Em parte, é consequência de escolher 1998 - um ano excepcionalmente quente - como ponto de partida. Nesse ano, houve um El Niño (fenômeno de aquecimento natural e periódico do Oceano Pacífico capaz de causar vigorosos efeitos sobre o clima mundial) atipicamente forte.

A tendência de longo prazo desde meados da década de 70 evidencia um aquecimento de aproximadamente 0,18°C por década. O fato de que as temperaturas nesta década praticamente não subiram revela como variações naturais de um ano para o seguinte no clima podem afetar a tendência de aquecimento de longo prazo causada pelo aumento de gases-estufa na atmosfera.

Ainda assim, a primeira década deste século foi excepcionalmente quente: os 12 anos de 1997 a 2008 estão entre os 15 mais quentes já registrados. E a própria década foi mais quente do que qualquer outro período anterior de 150 anos. Embora 2008 tenha sido o ano mais frio desde 2000 - consequência dos efeitos do El Niño - ainda foi o 11º ano mais quente já registrado. E 2009 deverá ficar entre os cinco mais quentes.

O que dizem os céticos:

Registros de temperaturas de superfície não são confiáveis e exageram o grau de aquecimento.

A razão pela qual alguns cientistas julgam que o planeta está se aquecendo drasticamente é que estão se baseando em leituras de temperatura de estações de monitoramento terrestres que, em muitos casos, foram artificialmente intensificadas por um efeito de "ilhas de calor urbanas". A maioria das estações estão localizadas em cidades de médio e grande porte. Entretanto, as cidades geralmente aprisionam mais calor - no asfalto, no concreto e em outras estruturas - e o efeito pode ser consideravelmente maior do que quaisquer outros efeitos de aquecimento resultantes dos gases-estufa.

A resposta:

É verdade que existe um efeito de "ilhas de calor urbanas". Mas isso não enviesou as tendências gerais.

O Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da Nasa, compara leituras de temperatura de estações urbanas com as de estações rurais em suas proximidades, e ajusta os dados urbanos de maneira que as tendências de temperatura resultem comparáveis às de estações rurais. E quaisquer tendências nos dados baseiam-se apenas em leituras rurais. Outros cientistas descobriram que aparentes diferenças entre leituras de temperaturas urbanas e rurais provavelmente foram exageradas.

Existe também bastante evidência além das leituras de temperaturas urbanas que sugerem que o planeta está esquentando: os oceanos estão esquentando, geleiras e "permafrost" (mescla de terra, rochas e gelo congelada no Ártico) estão desaparecendo, a calota polar ártica está encolhendo e plantas e animais no Hemisfério Norte estão migrando de seus habitats históricos para o norte, mais frio.

O que dizem os céticos:

Medições de temperaturas obtidas por satélites são mais confiáveis que as medidas em estações meteorológicas de superfície, e satélites evidenciam pouco aquecimento nos últimos 30 anos.

Leituras obtidas por satélites de temperaturas na baixa atmosfera compiladas pela Universidade do Alabama, em Huntsville, revelam uma tendência menor de aquecimento nos últimos 30 anos do que os registros de superfície. Esse menor aumento de temperatura está bem contido em variações naturais. Esses dados podem até mesmo apontar para uma ruptura, em torno de 2002-03, na tendência de aquecimento do Século XX.

A resposta:

O mais antigos estudos de tendências de temperaturas usando dados de satélites revelaram, efetivamente, diferenças significativas com a tendência de temperaturas de superfície, mas grande parte dessa diferença resultou de problemas na maneira como os dados de satélites foram compilados. Depois que erros foram corrigidos, as medições obtidas por satélites e balões meteorológicos da baixa atmosfera evidenciam tendências de aquecimento similares às das mensurações de superfície.

O que dizem os céticos:

Não há nada de particularmente atípico nas atuais temperaturas. O clima da Terra está em mutação constante, e mudanças climáticas foram bem maiores no passado. As temperaturas subiram durante o Período Quente Medieval, entre os anos 800 a 1300, e esse período foi tão ou mais quente que o Século XX. Isso foi muito tempo antes de a industrialização ter causado um aumento nos níveis de CO2, o que coloca em questão o vínculo entre aumento de dióxido de carbono na atmosfera e a alta das temperaturas.

É provável que a tendência de aquecimento que vivemos hoje seja apenas a esperada volta de temperaturas mais altas após a Pequena Era Glacial, período de invernos extremamente frios entre o Século XVI e o início do Século XIX.

A resposta:

Registros confiáveis de temperaturas remontam a apenas cerca de 150 anos. Para termos um quadro do clima do mundo pré-moderno é necessário correlacionar dados de uma diversidade de fontes indiretas em todo o mundo, como amostras de gelo formado em períodos passados, crescimento de corais, anéis em secções de árvores etc. Essas reconstruções de distribuições de temperaturas exibem um padrão similar: um período mais quente durante a Idade Média, um período mais frio desde aproximadamente 1600 até 1800 e temperaturas muito mais elevadas no fim do Século XX.

Embora isso sugira que as temperaturas na Idade Média foram tão altas quanto no início do Século XX, elas foram provavelmente inferiores à aguda elevação de temperaturas nos últimos 30 anos. As temperaturas mais quentes antes do Século XX ocorreram provavelmente entre 950 e 1100 e ficaram provavelmente mais de 0,1°C abaixo da média do período 1961-1990 (usado como parâmetro de referência para a maioria das medições atuais de temperaturas).

Apesar disso, existe grande dose de incerteza na reconstrução histórica de temperaturas, e a incerteza cresce à medida que os cientistas buscam reconstruir dados de épocas mais antigas. Embora haja evidência de condições quentes na Idade Média, quanto exatamente foi mais quente e por quanto tempo pode ter variado de lugar para lugar em todo o mundo.

O que dizem os céticos:

Fatores naturais são suficientes para explicar o aquecimento moderado registrado desde 1900.

Mudanças na atividade solar no passado contribuíram para amplas oscilações de temperaturas em todo o mundo. Outros fenômenos naturais, como o El Niño e sua contraparte desaquecedora, a La Niña, podem causar grandes, mas temporárias, mudanças climáticas. Essas flutuações normais são suficientes para causar o aquecimento do planeta, ao passo que os efeitos das emissões de gases-estufa é relativamente pequeno.

A resposta:

Não há dúvidas de que a energia solar e mudanças naturais periódicas afetam o clima mundial. Mas esses fatores naturais não são suficientes para explicar a sensível elevação de temperaturas desde fins da década de 70. Estudos sobre a atividade solar ao longo de mais de mil anos evidenciam forte relação com as temperaturas no Hemisfério Norte; temperaturas sobem quando cresce a atividade solar, e caem quando a radiância solar, medida pelas manchas solares e outras atividades, diminui.

Mas os estudos também descobriram que a energia solar não responde pelo intenso aumento na temperatura desde meados da década de 70, período no qual a atividade solar permaneceu relativamente inalterada. A contribuição do Sol para o aquecimento a partir de então tem sido desprezível.

Mudanças climáticas naturais, como o El Niño, também têm um impacto nítido sobre padrões climáticos durante até uma década. O El Niño, por exemplo, foi responsável pelas temperaturas elevadas em 1998. Mas essas mudanças climáticas acontecem em ciclos recorrente, e não são notadas em tendências de mais longo prazo.

O que dizem os céticos:

Não há evidências de que elevações nos níveis do mar estejam associadas a níveis mais elevados de dióxido de carbono.

Os níveis do mar estão certamente subindo, e isso está acontecendo desde a última Era Glacial, 21 mil anos atrás. Mas as elevações observadas no Século XX são relativamente pequenas, e estudos recentes indicam que os níveis do mar podem ter subido mais rapidamente na primeira metade do século do que na segunda. Não há sinais de recente aceleração na taxa de elevação dos níveis do mar.

As elevações que temos visto podem refletir flutuações apenas periódicas, em nível de década, e não um aumento contínuo de longo prazo. Isso sugere que as altas do nível do mar neste século serão aproximadamente as mesmas do que no século passado e poderão ser facilmente suportadas.

A resposta:

Depois de terem subido após a última Era Glacial, os níveis do mar estabilizaram há cerca de 2.000 anos e mantiveram-se razoavelmente estáveis até em torno de 1800. Mas eles vêm subindo a partir de então, cerca de 1,7 milímetro por ano no Século XX. Contrariamente ao que dizem os céticos, porém, as mensurações via satélite indicam que os níveis do mar subiram ainda mais, cerca de 3,4 milímetros por ano entre 1993 e 2008.

Embora uma elevação tão abrupta em curto prazo seja muito provavelmente um sinal de aceleração de longo prazo na alta dos níveis do mar, é ainda muito recente para que possa indicar variabilidade em nível de década; estimar a tendência de longo prazo exigirá mais anos de estatísticas.

Para o resto do Século XXI, projeções indicam que os níveis dos oceanos subirão a taxas maiores, à medida que o derretimento das placas de gelo na Groenlândia e na Antártida ocidental se acelerar. Mas é difícil fazer projeções acuradas sobre o aumento porque a mecânica do derretimento das placas de gelo é mal compreendida.

A Comissão Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) da ONU estimou em 2007 que os níveis do mar subirão entre 18 centímetros e 59 centímetros até 2095, sendo possível aumento de mais 10 a 20 centímetros se o derretimento das placas de gelo acelerar. Mas um recente relatório prevê que a alta dos níveis do mar neste século será provavelmente duas vezes maior do que prevê o relatório da IPCC.

O que dizem os céticos:

O gelo polar não está desaparecendo.

Temperaturas mais altas são, em parte, responsáveis pelo recente encolhimento das áreas geladas no Ártico, mas uma mudança nos ventos é o fator principal. Além disso, a diminuição da calota polar setentrional tem sido compensada pelo incremento no gelo antártico, de modo que existe pequena perda líquida de gelo polar. Essas tendências opostas argumentam contra a existência de aquecimento causado pelo homem.

A resposta:

Os dois polos da Terra parecem, efetivamente, comportar-se de modo diferente, mas isso reflete a complexidade do sistema climático do mundo, e não é evidência contra o aquecimento global.

O oceano Ártico é circundado por terra, que retém mais calor. Além disso, à medida que a calota polar derrete, o oceano mais escuro absorve mais calor e acelera a taxa de aquecimento. A Antártida, em contraste, é circundada por oceano, e modelos climáticos preveem que reagirá diferentemente ao aquecimento.

No Ártico, medições por satélites revelam que o gelo diminuiu continuamente desde fins da década de 70; em setembro, quando o tamanho da calota polar está em seu mínimo, o gelo no mar assinalou declínio em torno de 10% por década. Embora o gelo tenha recuperado um pouco de seu volume, o mínimo registrado em setembro de 2009 foi ainda 24% inferior à média de 1979 a 2000. Além disso, o gelo marinho está mais delgado, e provavelmente atingiu um volume mínimo recorde em 2008.

Na Antártida, por outro lado, o gelo invernal ampliou sua extensão em cerca de 1% por década. A maior parte do gelo marinho antártico normalmente desaparece totalmente no verão. O mecanismo desse fenômeno não é compreendido plenamente. Cientistas dizem que a diminuição do ozônio na região pode contribuir para a formação de ventos mais fortes e mais frios, que estimulam a produção de gelo marinho.

É também possível que nevascas mais intensas - resultado de um oceano meridional e temperaturas do ar mais quentes - também incrementem a quantidade de gelo marinho.

O que dizem os céticos:

Não há consenso de que o aquecimento causado pela atividade humana esteja provocando um aumento desastroso nas temperaturas mundiais. Há grande discordância, entre cientistas, tanto sobre as causas do aquecimento no Século XX como sobre o aquecimento esperado para o futuro.

A resposta:

Afirmações científicas raramente são definitivas, e sempre há cientistas céticos. Hipóteses são testadas e retestadas à medida que mais dados são coligidos e analisados, e discordâncias entre pesquisadores desempenham um papel vital no avanço da compreensão científica.

Mas a vasta maioria dos cientistas que estudam o clima concorda quanto a pontos essenciais: a Terra está ficando mais quente e a maior parte do aquecimento em décadas recentes foi causado por emissões de dióxido de carbono de atividades humanas. Com o aumento da concentração de CO2, a taxa de aquecimento acelerará.

Essa visão, resumida pela IPCC, é endossada pelas mais respeitadas entidades científicas mundiais, como academias nacionais de ciência de diversos países e, nos EUA, pela Associação Americana pelo Progresso da Ciência, pela União Geofísica Americana e pela Sociedade Meteorológica Americana.

Em recente pesquisa que consultou mais de 3 mil cientistas que estudam a Terra, 82% concordam que a atividade humana é um "fator contribuinte significativo" para mudanças nas temperaturas mundiais. Verificou-se maior acordo entre especialistas: 75 dos 77 cientistas especializados em clima que frequentemente publicam artigos sobre o assunto - aproximadamente 97% - concordaram.


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A identidade em tempos de Google



"Como a nossa existência está se tornando um fluxo contínuo de informações, uma infinidade de cursos que vão nas mais diversas direções, não só a identidade se confirma ser sempre mutável, mas corre o risco de se tornar completamente instável."

Essa é a opinião de Stefano Rodotà, jurista e político italiano, professor de direito na Universidade de Roma "La Sapienza", em artigo para o jornal La Repubblica, 14-12-2009. Rodotà é um dos autores da Carta Europeia de Direitos Fundamentais, além de ser ex-presidente da Comissão Ital iana de Proteção de Dados e do Grupo Europeu de Proteção de Dados. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Como se pode hoje responder à antiga pergunta: "Quem sou?". Até ontem, mesmo que entre muitas cautelas, podia-se dizer "eu sou aquele que digo ser". Mas já entramos em um tempo em que sempre mais se deverá admitir: "eu sou aquilo que o Google diz que eu sou". E aí, naquele interminável catálogo do mundo e nos infinitos outros bancos de dados que implacavelmente conservam informações pessoais, é construída a nossa identidade, em formas que sempre mais fogem do controle do próprio interessado.

Sabíamos desde sempre, talvez, que o olhar do outro contribui para definir a nossa identidade. Escrevia Sartre que "o judeu depende da opinião sobre a sua profissão, sobre os seus direitos, sobre a sua vida". Essa dependência cresceu de modo determinante nos últimos 30 anos, desde quando a eletrônica não só tornou possível reunir e conservar uma quantidade tendencialmente infinita de dados, mas principalmente permitir encontrá-los rapidamente, colocá-los em relação entre si e, assim, traçar perfis que se tornam os instrumentos por meio dos quais qualquer um de nós é conhecido, avaliado, continuamente reconstruído. A identidade "digital" triunfa, corre o risco de ser a única mediação com o mundo, colocando problemas antes impensáveis. Como a nossa existência está se tornando um fluxo contínuo de informações, uma infinidade de cursos que vão nas mais diversas direções, não só a identidade se confirma ser sempre mutável, mas corre o risco de se tornar completamente instável, confiada como é a uma multiplicidade de sujeitos, qualquer um dos quais constrói, modifica, faz circular imagens da identidade de outros.

Qualquer um que tenha uma bio grafia na Wikipedia, a grande enciclopédia na rede construída por meio da contribuição de todos os que querem intervir, sabe que é bom mantê-la sob controle, para corrigir erros, eliminar invenções, integrá-la com elementos que os autores consideraram irrelevantes, justamente para evitar que uma falsa identidade seja projetada no mundo.

Um assunto de poucos? Consideremos, então, a comunicação eletrônica no seu conjunto, aquela que envolve todos, incluindo crianças, e que se realiza por meio do telefone fixo e móvel, os SMS, o correio eletrônico, os acessos e a presença na Internet. De tudo isso, permanecem rastros, conservados por lei até durante longos períodos. O resultado? A possibilidade de reconstruir toda a rede de relações de uma pessoa (a quem telefonou ou mandou SMS ou mensagens de correio eletrônico e com qual frequência), sobre os seus deslocamentos (de onde telefonou), dos seus gostos (quais sites acessou), das s uas opiniões ou crenças (com qual partido ou Igreja esteve em contato).

Diz-se porém que nesses casos a garantia é oferecida pelo fato de que não são conservados os conteúdos das conversas ou das mensagens (mesmo que nem sempre isso é assim). Mas essa aparente garantia esconde um risco muito grande. Comparemos com a questão controversa das interceptações. Nesses casos, se falei com uma pessoa envolvida em fatos pouco claros ou ilegais, ainda posso demonstrar que a conversa era totalmente estranha à matéria da investigação. Se, ao invés, da lista de chamadas telefônicas resulta apenas o fato da ligação, permanece a suspeita de um contato equívoco. Não por acaso grandes associações europeias pela defesa dos direitos civis estão pedindo à União Europeia justamente a modificação das normas sobre a conservação desses dados.

Está mudando a natureza mesma da sociedade, que se transforma em "sociedade do registro" , na qual, por razões de segurança ou interesses de mercado, determina-se um ininterrupto fichamento de tudo e de todos. Assim, todos vivem em um universo onde retalhos da identidade de cada um estão espalhados em bancos de dados diversos. Assim, a identidade se torna múltipla; articula-se por meio da apresentação na cena do mundo com uma multiplicidade não apenas de pseudônimos, mas também de representações de si; conhece diversos graus de persistência pública, que variam segundo a intensidade com a qual é reconhecido um "direito ao esquecimento", ligado principalmente à possibilidade de fazer desaparecer da rede informações que se referem a nós.

E a livre construção da personalidade se relaciona sempre mais amplamente ao "direito de não saber", de bloquear a chegada de informações indesejadas. Uma liberdade que poderá ser melhor garantida pelo novo "direito a tornar os chips silenciosos", isto é, do poder da pessoa de dispor de instrumen tos tecnológicos que possam, em qualquer momento, interromper as diversas formas de coleta das suas informações pessoais por meio de aparatos eletrônicos, livrando-se assim de controles externos. Parece evidente que a identidade se define sempre mais claramente com base na relação entre pessoa e tecnologia, na progressiva imersão em um ambiente povoado por "objetos inteligentes", que fornecem infinitas informações sobre os nossos comportamentos.

Mas muda também o significado "relacional" da identidade. As redes sociais, emblema da Internet 2.0, encarnam essa mudança. Recorre-se ao Facebook para ser visto, para conquistar uma identidade pública permanente que supera os 15 minutos de fama que Andy Wahrol considerava que deveriam se tornar um direito de cada pessoa. Alimenta-se o "público" para dar sentido ao "privado". Exibe-se um conjunto de informações pessoais, o "corpo eletrônico", assim como se exibe o corpo fí sico por meio de tatuagens, piercings e outros sinais de identidade. A identidade se faz comunicação.

Mas o que ocorre a essa identidade totalmente virada para o exterior? Ela se torna mais disponível para qualquer um que queira se apossar de um número sempre crescente de informações que se referem a nós, recolhidas em lugares às vezes inalcançáveis e utilizadas por sujeitos às vezes desconhecidos. A identidade corre o risco de se tornar "inconhecível", a sua construção obriga a uma ininterrupta peregrinação em rede, para descobrir quem fala de nós, para impedir abusos. Mas ao longo desse caminho descobrimos como pode se tornar vã a pretensão do "conhece a ti mesmo".

A construção da identidade, portanto, se efetua em condições de dependência crescente do exterior, do modo em que é estruturado o ambiente no qual vivemos, do "digital tsunami" que está se abatendo sobre nós, que alimenta a bulimia informativa de órgãos de segurança e de atores do mercado, todos desejosos de se adonar da crescente quantidade de informações que pode ser produzida por cada contato que estabelecemos, por cada objeto que operamos. Aqui nasce uma ininterrupta produção de "perfis" pessoais, que estabelecem confrontos com modelos de normalidade e levam a assumir uma identidade "obrigada", necessária para a aceitação social, para fugir de estigmatizações ou de custos na atividade cotidiana.

Justamente para evitar esses condicionamentos, projetam-se formas de identidades funcionais, que comunicam ao exterior só aquela porção de identidade estritamente necessária para a realização de um determinado resultado. Partindo da premissa que já estamos no mundo das identidades múltiplas, a pessoa deveria poder autonomamente gerir um perfil que se refere à saúde, um outro para a aquisição de bens e serviços e assim por diante, portanto, uma "rede de identidades" que evite os riscos relaciona dos ao fato de ter que se revelar integralmente ao exterior.

Mas justamente o requisito da autonomia corre o risco de ser cancelado pelas experimentações sobre o "autonomic computing". Pode-se, de fato, criar um esquema que "captura" a identidade em um determinado momento e depois a desenvolve com base em uma série de informações fornecidas por um multiplicidade de fontes, sem participação e conhecimento por parte do interessado. A separação entre identidade e autonomia pode, assim, tornar-se total. Parte-se de uma identidade "congelada", que é depois confiada a algoritmos que irão construir o futuro. Podemos fechar os olhos diante dessa perspectiva, esquecendo que a lógica do algoritmo onisciente está entre as causas da devastadora crise financeira?


domingo, 20 de dezembro de 2009

Greve dos imigrantes: uma iniciativa lançada via Facebook


Os canteiros de obras irão parar de uma hora para a outra. As fábricas irão fechar. Os mercados hortifrutigranjeiros ficarão vazios. Abandonados, os campos de tomates. Fechados, restaurantes, hotéis e pizzarias. É um dia sem imigrantes: 24 horas sem empregadas, babás, agricultores, operários, enfermeiros estrangeiros. Quem lançou a primeira greve de imigrantes na Itália foi o Facebook, com dois grupos ativos, milhares de inscritos e uma dezena de associações de imigrantes comprometidos.

A reportagem é do jornal La Repubblica, 15-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Além da fronteira, uma iniciativa semelhante já está em curso na França, também graças ao Facebook. Uma jornalista, Nadia Lamarkbi, se perguntou: "O que aconteceria se o nosso país acordasse amanhã sem nós, imigrantes?". O dia escolhido pelos franceses é o dia 1º de março de 2010, e em poucos dias aquela que parecia só uma provocação se transformou em um encontro concreto, com mais de 45 mil inscritos. Não falta um precedente: no dia 1º de maio de 2006, nos Estados Unidos, quem cruzou os braços foram milhares de trabalhadores hispânicos.

Agora a ideia contagia a Itália. São dois os grupos ativos. O primeiro, intitulado "1º de março de 2010, 24 horas sem nós", conta com mais de três mil inscritos (entre italianos e estrangeiros) e se inspira na Jornada Sem Imigrantes, organizada na França, e se propõe a organizar uma "grande manifestação de protesto para fazer com que a opinião pública entenda quanto é determinante a contribuição dos imigrantes na manutenção e no funcionamento da nossa sociedade".

O segundo grupo, ainda no Facebook, chama-se "Blacks Out – Um dia sem imigrantes", fixa a data da greve para o dia 20 de março de 2010 e vê a adesão dos representantes de muitas associações de imigrantes: Eugen Terteleac, presidente da Romenos na Itália; Vladimir Kosturi, presidente da associação Illiria (Albaneses na Itália); Iualian Manta, presidente da Voz dos Romenos; Yacouba Dabre, secretário do Movimento pelos Africanos; Khalid Chaouki, responsável pela Segunda Geração dos Jovens Democráticos; a associação bengalesa Dhuumcatu; Wu Zhiqiang, presidente do Sindicato Chinês Nacional; Hu Lanbo, diretora da revista mensal China na Itália; Gaoussou Ouattara, membro da Junta dos Radicais Italianos.

E não só. Ao grupo, aderem também a Acli (Associação Cristã dos Trabalhadores Italianos, mais de 980 mil inscritos, 4.500 círculos), com o seu presidente Andrea Olivero.

"Um vento xenófobo varre o nosso país – escreve Aly Baba Faye, sociólogo, entre os promotores do grupo 'Blacks Out' – e a resposta da política é uma só: abrir a temporada de caça ao imigrante com a desculpa da irregularidade, declarar guerra à sociedade multiétnica e repropor a equação 'imigrante igual a criminoso'. Por isso – continua Faye em seu apelo – um dia antes da Jornada Mundial contra o Racismo, uma semana antes das eleições administrativas italianas, no dia 20 de março de 2010, a partir das 00h01min, os novos italianos irão parar".

Portanto, dois grupos, para duas datas diferentes. "Mas estamos trabalhando - conta Faye – para unificar as forças e as datas, para que esse compromisso não seja uma ocasião desperdiçada".

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Confrontos em Copenhague


Artigo de Leonardo Boff


"A visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos", escreve Leonardo Boff, teólogo, constando que duas visões se confrontam em Copenhague.

Eis o artigo.

Em Copenhague nas discussões sobre as taxas de redução dos gases produtores de mudanças climáticas, duas visões de mundo se confrontam: a da maioria dos que estão fora da Assembléia, vindo de todas as partes do mundo e a dos poucos que estão dentro dela, representando os 192 estados. Estas visões diferentes são prenhes de conseqüências, significando, no seu termo, a garantia ou a destruição de um futuro comum.

Os que estão dentro, fundamentalmente, reafirmam o sistema atual de produção e de consumo mesmo sabendo que implica sacrificação da natureza e criação de desigualdades sociais. Crêem que com algumas regulações e controles a máquina pode continuar produzindo crescimento material e ganhos como ocorria antes da crise.

Mas importa denunciar que exatamente este sistema se constitui no principal causador do aquecimento global emitindo 40 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes. Tanto o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos estados e das empresas. Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB positivo.

Ocorre que estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie humana.

Não passa pela cabeça dos representantes dos povos que a alternativa é a troca de modo de produção que implica uma relação de sinergia com a natureza. Reduzir apenas as emissões de carbono mas mantendo a mesma vontade de pilhagem dos recursos é como se colocássemos um pé no pescoço de alguém e lhe dissésemos: quero sua liberdade mas à condição de continuar com o meu pé em seu pescoço.

Precisamos impugnar a filosofia subjacente a esta cosmovisão. Ela desconhece os limites da Terra, afirma que o ser humano é essencialmente egoista e que por isso não pode ser mudado e que pode dispor da natureza como quiser, que a competição é natural e que pela seleção natural os fracos são engolidos pelos mais fortes e que o mercado é o regulador de toda a vida econômica e social.

Em contraposição reafirmamos que o ser humano é essencialmente cooperativo porque é um ser social. Mas faz-se egoísta quando rompe com sua própria essência. Dando centralidade ao egoísmo, como o faz o sistema do capital, torna impossível uma sociedade de rosto humano. Um fato recente o mostra: em 50 anos os pobres receberam de ajuda dois trilhões de dólares enquanto os bancos em um ano receberam 18 trilhões. Não é a competição que constitui a dinâmica central do universo e da vida mas a cooperação de todos com todos. Depois que se descobriram os genes, as bactérias e os vírus, como principais fatores da evolução, não se pode mais sustentar a seleção natural como se fazia antes. Esta serviu de base para o darwinismo social. O mercado entregue à sua lógica interna, opõe todos contra todos e assim dilacera o tecido social. Postulamos uma sociedade com mercado mas não de mercado.

A outra visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos.

Essa cooperação não é uma virtude qualquer. É aquela que outrora nos permitiu deixar para trás o mundo animal e inaugurar o mundo humano. Somos essencialmente seres cooperativos e solidários sem o que nos entredevoramos. Por isso a economia deve dar lugar à ecologia. Ou fazemos esta virada ou Gaia poderá continuar sem nós.

A forma mais imediata de nos salvar é voltar à ética do cuidado, buscando o trabalho sem exploração, a produção sem contaminação, a competência sem arrogância e a solidariedade a partir dos mais fracos. Este é o grande salto que se impõe neste momento. A partir dele Terra e Humanidade podem entrar num acordo que salvará a ambos.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quando o mundo da Internet se torna movimento político





Com a difusão da web no mundo, um bilhão e 700 milhões de usuários (¼ da população mundial), certamente existem hoje mais instrumentos para resistir ao poder. Valores e interesses alternativos podem ser melhor defendidos diante daqueles que prevalecem. Entre poder e contrapoder, para usar a expressão de Manuel Castells, o jogo está em aberto (e não fechado em vantagem do primeiro), graças às redes sociais, às comunidades virtuais, ao Facebook, MySpace, Twitter, ao e-mail, a toda forma de Internet móvel e à autocomunicação individual de massa, que caracteriza a paisagem tecnológica contemporânea. A barreira da porta de ingresso para a cena pública se levantou.

A reportagem é de Giancarlo Bosetti, publicada no jornal La Repubblica, 10-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A mobilização "lilás" ["cor da vitalidade e da autoafirmação"] do No-B Day [No Berlusconi Day], construída em menos de 20 dias, mostra que a praça web começou a funcionar também na Itália. As "smart mobs", as multidões inteligentes das quais Howard Rheingold fala há anos, já fizeram várias aparições: nas Filipinas, em 2001, foi um movimento organizado com os SMS para impulsionar a renúncia do presidente. Na Espanha, depois do atentato de Atocha, as teses do governo foram descartadas e punidas com o voto, por meio dos celulares. No Irã, a contestação das últimas eleições viajava pelo Twitter. Cita-se entre nós o precedente de Beppe Grillo, com o seu V-Day, mas se tratava de um personagem já muito conhecido.

Pelo contrário, a Praça San Giovanni, no último dia 05 de dezembro, ficou cheia por meio de organizadores pouco conhecidos. Era evidente o caráter "horizontal" da mobilização, acentuado pela colocação dos políticos entre os espectadores.

Nos EUA, a política já foi amplamente redesenhada pela web. Obama havia recrutado Chris Hughes, um dos fundadores do Facebook, para a sua campanha, e ele deve ao YouTube tanto quanto J. F. Kennedy deve à TV e F. D. Roosevelt ao rádio. Trata-se do país com o mais alto índice de penetração da Internet (75%). Entre nós [italianos], menos da metade da população tem acesso à Internet e, por isso, a performance da marcha No-B Day é uma etapa a ser lembrada: a política que tente se adequar.

Um traço claro da direção da mudança já é evidente: não se trata da utopia da "e-democracy", mas de uma radical atualização das técnicas da competição. A web anunciava desde o início a queda de barreiras entre os cidadãos e a política. Ross Perot entrava em cena na campanha presidencial norte-americana de 1992 com a ideia da democracia direta via digital. Al Gore promovia as "autoestradas da informação" em 1994, e, em 1995, falava-se da "ascensão da república eletrônica" (Lawrence Grossman).

E nos anos seguintes a Internet verdadeiramente modelou a cena pública, mas não no sentido em que muitos haviam idealizado: democracia direta, assembleias eletrônicas, disseminação do poder. Não, ao contrário, a Internet se mostrou um imbatível instrumento de parte: a Internet é partidária das eleições, porque está na sua natureza a vocação de reunir as pessoas por vias de afinidade, para organizá-las em torno de objetivos comuns. A Rede, para a política, reúne pessoas com pensamentos, interesses, atitudes muito mais semelhantes do que colocar alguns indivíduos diante de outros com ideias e interesses conflitantes. A Rede é a "praça eletrônica", não porque seja uma ideal "ágora" deliberativa, em que as partes confrontam seus próprios argumentos, mas sim porque é justamente "a praça" onde se manifestam por uma ideia comum. Um dia, terá que ser possível obter das tecnologias de rede meios para melhorar todo o sistema democrático, mas no momento é claro quantos benefícios, rapidamente, as organizações partidários e os movimentos sociais podem conseguir em termos de transparência, economia, rapidez, eficácia. Apenas se o quisessem.

A capacidade que temos com a Internet de fazer com que a informação de um de nós possa se estender rapidamente aos outros, a custos baixíssimos ou nulos, tem um grandioso potencial de liberdade. Apenas temos que estar atentos e acautelar-nos com relação ao que Cass Sunstein ("Republic.com 2.0", Ed. Princeton, 2007, e "Going to Extremes", Ed. Oxford, 2009) chama de o risco do "perfect filtering", da filtragem perfeita de indivíduos afins, que a Rede exerce inexoravelmente atraindo o semelhante ao semelhante, com uma autosseleção que tende a excluir vozes discordantes.

A discussão entre pessoas que estão sempre de acordo entre si pode nutrir cumplicidades, desencorajar verificações, aumentar o desprezo pelos outros, fazer com que se cometam erros em cascata, ou melhor, em "cibercascata", até chegar a acreditar como verdadeiras notícias falsas e a polarizar extremismos. É saudável que, de norma, nas praças, também virtuais, circulem ideias em liberdade e pareceres opostos.

A "tirania da maioria" está sempre à espreita, ainda mais em países, como o nosso, que sofrem não apenas da brecha digital (metade da população fora da Rede. Nos EUA, a penetração é de 75%), mas também a breche de imprensa (subiu para 40% o percentual alheio aos meios de imprensa) e onde a dependência da TV generalista para a informação política continua assustadoramente alta (70% para todos, 81% entre os idosos).

O pluralismo da informação continua em sofrimento, o jogo entre poderes e contrapoderes continua em aberto, a competição entre informações do alto do velho mass-medium e informações por baixo das redes sociais está em curso, mas sempre é preciso estar um pouco ansioso pelo resultado final da partida.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

De quantos planetas você precisa?



A água que gasta no banho, a comida que põe no prato e até o tempo em que deixa a luz acesa. O consumo de recursos naturais de uma pessoa pode ser convertido em área. Cálculos internacionais indicam que, para sustentar seu estilo de vida, o brasileiro precisa em média do equivalente a três Maracanãs por ano – área usada, por exemplo, para cultivar alimentos, gerar energia e construir infraestrutura urbana.

A reportagem é de Fernanda Fava e publicada pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 11-12-2009.

Esse cálculo é conhecido como pegada ecológica, termo criado em 1990 pelos pesquisadores americanos Mathis Wackernagel e William Rees. A pegada usa como unidade o hectare global, que, como o hectare normal, tem 10 mil metros quadrados, mas mede a capacidade de produção de recursos naturais de toda a superfície terrestre – o que inclui áreas de cultivo, florestas, rios e mares, mas não desertos e geleiras. O cálculo pode ser tachado de arbitrário, mas é uma forma de dimensionar o impacto que cada pessoa causa sobre o planeta.

No mês passado, a ONG americana Global Footprint Network divulgou um índice atualizado com a pegada ecológica do Brasil e de outros 150 países, baseado em dados das Nações Unidas de 2006. De acordo com ele, cada brasileiro tem um pegada de 2,25 hectares globais, ou seja, a produção de tudo o que consome precisa de 22,5 mil metros quadrados.

A média brasileira é um pouco menor que a mundial, segundo a qual cada pessoa na Terra consome 2,6 hectares globais por ano. Mas, e aí está o problema, a Global Footprint calcula que o total disponível de área produtiva no mundo, a chamada biocapacidade, é de apenas 1,8 hectare global por pessoa. Além disso, a biocapacidade vem diminuindo – seja pelo aumento da população ou pela degradação de solos e mares.

Isso significa que os 6,6 bilhões de habitantes do mundo consomem juntos quase 1,5 planeta Terra por ano, com base nos dados de 2006. Ou seja: a população hoje usa em 1 ano recursos que o planeta só consegue repor em 18 meses. No relatório de 2008, baseado em dados da ONU de 2003, a humanidade consumia 1,3 planeta.

“É como se o mundo fosse uma caixa d’água que é abastecida por uma torneira e fornece água por outra, mas a quantidade de água que sai é muito maior do que a que entra”, compara o coordenador do Programa de Educação para Sociedades Sustentáveis da entidade ambientalista WWF-Brasil, Irineu Tamaio. “Por enquanto, a caixa ainda tem água, mas muito em breve ficará vazia. Nós já estamos roubando recursos das próximas gerações.”

Segundo a pesquisa da Global Footprint, se nenhuma mudança for feita na velocidade do consumo e na taxa de crescimento da população, a escassez de recursos naturais pode se tornar realidade antes de 2050. Se fossem levados em conta só os padrões dos países mais ricos, essa data-limite poderia estar ainda mais próxima. Os números só não são piores porque nessa média entram nações muito pobres, onde a oferta de alimentos, energia e infraestrutura é escassa e a emissão de poluentes tem níveis mínimos.

Apenas dez países são responsáveis por 50% da pegada ecológica mundial, e o Brasil está entre eles. No topo da tabela estão Emirados Árabes e Qatar. “Os dois são grandes exportadores de petróleo por um lado e, por outro, importam praticamente tudo o que consomem, porque tem uma área pequena e pouco produtiva para dar conta do seu consumo interno”, explica a diretora de Estratégias da Global Footprint, Jennifer Mitchell. Isso faz com que cada morador desses países tenha pegadas ecológicas próximas de 10 hectares globais. “É diferente dos Estados Unidos, que têm uma das maiores biocapacidades do mundo, mas pegada muito alta por causa da mentalidade consumista da sociedade.”

A pegada dos EUA supera em mais de três vezes a média mundial: é de 9,4 hectares globais (ou mais de 11 Maracanãs) per capita. Assim, se toda a população do mundo tivesse os hábitos de consumo dos americanos, seriam necessários 5 planetas para manter seu estilo de vida e os recursos naturais provavelmente se esgotariam em menos de 20 anos.

MENOS IMPACTO

Jennifer ressalta que, com os mesmos padrões de conforto e bem-estar, os europeus conseguiram atingir uma pegada ecológica de 5 hectares globais per capita, a metade da americana. “O número ainda é alto, se comparado com o que há disponível em termos de recursos naturais, mas mostra que é possível ter a mesma qualidade de vida com impacto muito menor.”

Enquanto os americanos já passaram a fazer parte da lista de devedores ambientais mundiais, o Brasil ainda é considerado um dos maiores credores. O consumo representa só 25% da biocapacidade do País, de 8,87 hectares per capita, a maior do mundo. Ou seja: o brasileiro gasta 3 Maracanãs de recursos naturais por ano, mas têm pouco menos de 11 à disposição.

Além da grande área produtiva, o País tem boa parte de seu território coberto por matas e florestas. “Mas isso não quer dizer que os brasileiros possam começar a consumir mais. O Brasil precisa ter uma boa gestão da sua biocapacidade para o bem de todos os países do mundo, que dependem de suas florestas para absorver carbono e de suas terras para produzir recursos”, alerta Jennifer.

Os dados da Global Footprint mostram uma tendência ao equilíbrio no País. A biocapacidade, que vinha diminuindo de 1961 para hoje, parece estar se estabilizando e a pegada ecológica per capita, que variou pouco ao longo dos últimos 50 anos, caiu lentamente. Essas mudanças podem ter sido causadas por fatores como o desenvolvimento tecnológico, que permite plantar mais num espaço menor de terra. Mas Tamaio, da WWF, alerta que essa situação está mudando. “A tendência é que mais gente tenha acesso ao universo do consumo e a demanda por recursos aumente.”

No entender de Jennifer, apenas melhorias tecnológicas não serão suficientes para expandir a biocapacidade e diminuir a pegada ecológica. Para ela, a melhor forma de reduzir os impactos é promover uma mudança de mentalidade e de hábitos de consumo. Tamaio concorda: “Temos que rever nossas necessidades. Será que preciso trocar meu tênis? É uma questão de consumir só o essencial.”

Atualmente, o cálculo da pegada tem mais de 5 mil variáveis. Pode-se medir o impacto ambiental de municípios, empresas e pessoas. Por incrível que pareça, todos esses cálculos são mais complexos do que apurar o uso de recursos naturais de um país. “Os dados dos países estão centralizados na ONU, enquanto números locais muitas vezes estão espalhados ou nem foram calculados.”


Ainda mais complicado é tentar calcular a pegada ecológica individual. Há três anos, o WWF-Brasil criou uma ferramenta de cálculo pelo site. São 15 questões sobre hábitos de consumo de energia, água, alimentação e transporte. O resultado mostra quantas Terras (de 1 a 4) seriam necessárias se todo mundo tivesse consumo semelhante ao da pessoa que respondeu ao questionário.

PEGADA HÍDRICA

Apesar da complexidade, a tentativa de quantificar o uso de recursos naturais parece ser uma tendência irreversível. Institutos de pesquisa, empresas, ONGs e ONU estão se debruçando sobre números para calcular o quanto países e produtos usam de água – a pegada hídrica.

A Water Footprint Network (WFN) – ou Rede da Pegada Hídrica – nasceu para criar uma ferramenta capaz de medir o quanto de água está embutido em cada bem de consumo. Com sede na Holanda, a entidade já tem cálculos sobre vários tipos de alimento. Para se fabricar 1 quilo de queijo, por exemplo, são necessários 5.000 litros de água. Para 1 kg de arroz, gasta-se 3.400 litros. Para 1 kg de carne bovina, gasta-se, em média, 15.500 litros, levando em conta a criação do gado e o processamento industrial da carne.

Parte da indústria de bebidas e alimentos está interessada em saber qual é a dimensão do seu gasto com água. A primeira empresa a imprimir sua pegada hídrica nas embalagens foi a Raisio, fabricante finlandesa de cereais. A expectativa de Derk Kuiper, diretor da WFN, é que mais empresas abracem a causa da transparência e divulguem esse dado ao consumidor.

“Os grandes grupos do setor alimentício já começam a perceber que não basta gerenciar a água nas fábricas, reduzindo o desperdício”, diz Kuiper. Segundo ele, para se evitar uma crise hídrica no futuro será preciso trabalhar a cadeia de fornecedores, ou seja, o quanto se consome de água no campo, para produzir os alimentos.

“Veja o exemplo da cerveja: para se produzir um copo de 250 mililitros de cerveja são necessários 75 litros de água. E isso ocorre porque o cultivo da cevada, principal insumo da cerveja, consome 1.300 litros por quilo produzido.”

Foi justamente uma indústria de bebidas a primeira empresa brasileira a participar da WFN. A gigante AmBev em breve deve começar a calcular a pegada hídrica de uma de suas marcas. “A maior parte da pegada vem da agricultura”, diz Sandro Bassili, diretor de Responsabilidade Social da AmBev. “Nosso objetivo é ter um número acurado para trabalhar lado a lado com os produtores de cevada.

SUA PEGADA

A pedido do Sustentabilidade, quatro pessoas de diferentes idades e estilos de vida fizeram o teste da WWF-Brasil:

Talita Xavier
26 anos
Valor da Pegada: 3 planetas

A engenheira ambiental Talita Xavier, de 26 anos, cresceu em contato com a natureza, na zona rural de Itajaí, em Santa Catarina, e aprendeu com os pais a cuidar do meio ambiente. Em casa, ela recicla o lixo e separa resíduos orgânicos para servir de adubo. No supermercado, procura escolher itens produzidos na sua região. Mas sua pegada ecológica é alta, porque ela depende do carro para quase tudo e gasta com roupas e cosméticos. “Como tudo fica distante, não há como não usar o carro.”

Thiago Martins
30 anos
Valor da pegada: 2 planeta

Thiago Martins, de 30 anos, morador de São Paulo há 8, decidiu eliminar de seu cotidiano tudo que possa causar impacto ambiental. Cansado de rodízio, poluição e multas, vendeu o carro e hoje tem um Segway, veículo elétrico. Martins parou de comer carne, instalou um triturador de detritos na pia e instalou painéis solares para gerar energia. “Acredito que, com o meu estilo de vida, tenho créditos de carbono. Limpo o ar em vez de poluí-lo.”

Celso Régis
49 anos
Valor da pegada: 4 planetas


Celso Régis, de 49 anos, mora há 12 em Campo Grande, onde é produtor rural de café. Apesar de consumir alimentos produzidos localmente e de economizar água e energia em sua residência, Régis tem uma pegada ecológica alta.

Além de fazer de 70 a 90 horas de viagens aéreas por ano a trabalho, ele também usa bastante o carro. Roda em torno de mil quilômetros por mês. “Faço pelo menos duas viagens por mês para a fazenda de café, a 200 km de casa.”

Teresa Antunes
56 anos
Valor da pegada: 3 planetas

A mineira Teresa Antunes, de 56, se preocupa com a separação do lixo em casa, em Florianópolis, e lê rótulos dos produtos procurando fabricantes com maior responsabilidade socioambiental. Mas gostaria de fazer mais. Para ela, ainda é um problema lembrar de apagar luzes. O consumo de energia da família é alto: cada um tem seu computador. “Também queria usar menos o carro, mas é inviável, moro num local alto.”

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Terra Madre




Terra Madre: uma aliança planetária que conjuga ética e prazer


A rede Terra Madre, do movimento Slow Food, "é uma aliança planetária por um melhor sistema do alimento, mais humano e sustentável: um sujeito novo, que conjuga ética e prazer, política e beleza", afirma Carlo Petrini, cozinheiro italiano fundador do movimento Slow Food, em artigo para o jornal La Repubblica, 10-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O primeiro Terra Madre Day ocorre enquanto o Slow Food completa 20 anos: não é por acaso. O Slow Food, com o Terra Madre Day, cresceu, de fato, em uma rede muito mais ampla do que a própria associação, envolvendo, além dos seus sócios, algo como 2.000 comunidades do alimento de todo o mundo, dando vida a um movimento global que, no entanto, está muito enraizado e difundido em nível local.

Fazem parte dele todos os que sentem o alimento como central para as suas existências e que o veem como um meio para propôr uma mudança, a reivindicação da própria soberania alimentar e uma vontade sadia de democracia participativa.

A rede é composta tanto pelos produtores quanto pelos "coprodutores", isto é, quem rejeitou a ideia de ser consumidor passivo a tal ponto que não quer mais ser identifcado com esse nome. É uma aliança planetária por um melhor sistema do alimento, mais humano e sustentável: um sujeito novo, que conjuga ética e prazer, política e beleza. Um sujeito que, enquanto se realiza o encontro de Copenhage, diz fortemente aos poderosos que é preciso partir de um sistema do alimento diferente para reduzir as emissões e estreitar uma relação harmoniosa com o ambiente.

As comunidades da rede Terra Madre – agricultores e cidadãos do Norte e do Sul do mundo – produzem e consomem alimento sem superexplorar os recursos, mantêm viva a sua própria cultura alimentar, usam energias renováveis, combatem o desperdício e se empenham em comportamentos virtuosos nos seus próprios territórios.

O Terra Madre Day nos dá o sentido de uma rede que toma sempre mais corpo, que se torna ponto de referência concreto para todos aqueles que têm no coração o alimento, o ambiente e as alegrias que podem nos dar. È a partir do que comemos que mudaremos o mundo, fazendo coisas pequenas mas tangíveis na nossa realidade cotidiana, como fazem desde sempre as comunidade do Terra Madre. São a semente de um novo humanismo. Celebremos com elas e sigamos o exemplo.

'Rebelem-se contra a ditadura da velocidade', exorta o pai da Slow Food


Ele cita Sêneca: "A vida não é breve, mas longa. Somos nós que a desperdiçamos". O fundador da Slow Food, Carlo Petrini, combate há 20 anos a ditadura da velocidade, "culpada não apenas pelos males difusos, pelo estresse, pela insatisfação, pela alienação, mas também pela atual crise mundial".

A reportagem é de Alessandra Retico, publicada no jornal La Repubblica, 24-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Em que sentido?

As finanças criativas são a "extremização" de um sistema inteiro de valores baseado na velocidade. Criaram uma economia virtual em que o que vale é consumir, e depressa, para recomeçar rapidamente. A essência da nossa sociedade se fundamenta na rapidez, nas necessidades induzidas, nos desperdícios. Um frenesi que nos reduziu a este ponto de recessão, esvaziados de significados e de bens.

A lentidão é um conceito bonito, mas às vezes é vago, anacrônico.

Eu gosto de chamá-la de medicina homeopática. Estaria sendo louco se eu pensasse que ela funciona para todos e sempre, que é um fim em si mesma. Ela é útil se nos confrontar. A lentidão é um governo da própria liberdade. Às vezes, decisões rápidas são úteis, às vezes é preciso refletir. Este é o momento histórico perfeito para recuperar a calma: para não cometer outros erros, para escolher o que mais nos agrada.

Nem sempre é possível, lhe objetariam.

Deixar um e-mail pela metade, estar com quem amamos, comer localmente, inventar o próprio ritmo, decidir que o tempo, e até o tempo livre, existe. Uma alternativa à tirania do mundo globalizado é mais do que possível: basta seguir a terra, a fisiologia da natureza. Faz bem à saúde, constrói uma economia finalmente participativa.


Antigos saberes agrícolas podem nos levar para o futuro


As antigas culturas alimentares não estão um degrau abaixo da ciência acadêmica ou da pesquisa financiada por grupos privados. Nem são imóveis no tempo.

Publicamos aqui um trecho de "Terra madre. Come non farci mangiare dal cibo" [Terra Mãe. Como não sermos comidos pela comida, em tradução livre] (Ed. Giunti, 173 páginas), o novo livro de Carlo Petrini, cozinheiro italiano fundador do movimento Slow Food.

O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 20-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Se quisermos começar a pensar sobre a comida com bom senso, sem preconceitos, e tentar de algum modo corrigir o sistema global industrial agroalimentar, devemos desfazer absolutamente um lugar comum: a rejeição a priori do passado e de tudo aquilo que tem sabor de passado. Assim como as economias das comunidades são consideradas marginais, e a busca do prazer alimentar, um coisa elitista, também a tradição, os saberes antigos, os estilos de vida mais sóbrios são investidos de um preconceito enraizado e são pontualmente marcados como nostálgicos e fora da realidade. Isso faz com que se liquidifiquem como superados séculos de cultura popular, e que, portanto, grande parte do saber próprio das comunidades do alimento – ou ainda mais as suas origens – não sejam nem levados em consideração.

É paradoxal que a maioria das pessoas reconheça a superioridade – embora, talvez, considerando-a uma prerrogativa elitista – de muitos produtos tradicionais, artesanais, tirados de ingredientes frescos e da estação, produzidos e consumidos localmente, mas depois não reconheça o importante valor das culturas e das competências que os criaram. Quase dizendo: "Sim, são melhores, mas estão fora do mundo, só existem em pequenos nichos, é a mesma coisa que comer mal".

Não acredito que seja o caso de renunciar assim, sem se perguntar se existem alternativas possíveis. Estamos convictos de que, justamente sobre esses saberes, as comunidades fundarão o seu papel de protagonistas da terceira revolução industrial. Não é provocação, mas consciência de que, se o mundo pede energias limpas, produções sustentáveis, reuso e reciclagem, abatimento do desperdício, prolongamento da durabilidade dos bens, alimentos salutares, frescos e de qualidade, as comunidades do alimento não estão apenas em linha, mas já estão até na vanguarda. Seja por causa das técnicas utilizadas, mas ainda mais por causa da mentalidade que as apoia.

De fato, é lógico que não é possível replicar os seus métodos em todo o lugar, fundamentados talvez sobre tecnologias muito limitadas. É normal que esses aspectos da sua existência não sejam exportáveis para todos os lugares – embora em alguns casos não seja impossível – porque são filhos de uma adaptação local, e, no local, funcionam muito bem. Ao invés, é fundamental estudar sua sistematicidade, entendida como harmonização em um sistema complexo, e compreender os seus motivos.

Não se pode continuar considerando os saberes tradicionais e populares como um degrau abaixo dos da ciência que sai das universidades ou da pesquisa financiada por grupos privados. Pelo contrário, eles têm a mesma dignidade. O "savoir faire" agrícola é filho de uma experiência secular, e pouco importa que a sua praticidade seja demonstrada ou demonstrável cientificamente. Assim como também seria errado desejar uma supremacia desses conhecimentos, que eu defini como saberes lentos. É preciso que se instaure um diálogo em que os preconceitos sejam colocados à parte, em que a pesquisa esteja também ao seu serviço, e em que pesquisa e ciência colaborem sobre o mesmo plano paritário.

À tradição, muitas vezes, associa-se também o erro de vê-la como uma dimensão imóvel, que pertence ao passado. Até quem se refere a ela, a relata e a honra corre muitas vezes o risco de cometer o erro de vivê-la como um "unicum" que não evolui, que se interrompeu em um certo ponto. Essa é uma visão que acaba nos separando das nossas raízes, que nos tira a memória daquilo que fomos, da história dos nossos povos.

As comunidades sabem bem disso. Para elas, a tradição não é uma repetição monótona de gestos, ritos e produções. São abertas às novidades e a tudo o que, no sulco da tradição, pode lhes fazer progredir, sabem que é verdadeira aquela frase (da qual se abusa um pouco) que entende a tradição como "uma inovação bem sucedida" e a colocam em prática. Não abandonam o velho pelo novo, ao invés, inserem o novo no sistema complexo que forjou a sua identidade. Sabem de onde provêm e tem muito claro quais são os seus objetivos.

Não devemos decidir se é melhor a tradição ou o progresso, o passado ou o futuro, mas sim rejeitar generalizações, reducionismos e a separação desses conceitos, a sua contraposição. As comunidades existem para a continuidade da tradição, levam-na no coração e protegem a sua memória justamente porque lhes dá identidade em um mundo que tende à homologação, mas sabem bem que cometeriam um grave erro se não quisessem aproveitar os meios que a globalização e a tecnologia lhes oferecem. Querem apenas poder fazer isso de maneira responsável, com bom senso. Querem comer, e não ser comidos.


Fontes:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=27789


Não existe aquecimento global", diz representante da OMM na América do Sul



Por Carlos Madeiro

Especial para o UOL Ciência e Saúde

Com 40 anos de experiência em estudos do clima no planeta, o meteorologista da Universidade Federal de Alagoas Luiz Carlos Molion apresenta ao mundo o discurso inverso ao apresentado pela maioria dos climatologistas. Representante dos países da América do Sul na Comissão de Climatologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Molion assegura que o homem e suas emissões na atmosfera são incapazes de causar um aquecimento global. Ele também diz que há manipulação dos dados da temperatura terrestre e garante: a Terra vai esfriar nos próximos 22 anos.




Segundo Luiz Carlos Molion, somente o Brasil, dentre os países emergentes, dá importância à conferência da ONU


Em entrevista ao UOL, Molion foi irônico ao ser questionado sobre uma possível ida a Copenhague: “perder meu tempo?” Segundo ele, somente o Brasil, dentre os países emergentes, dá importância à conferência da ONU. O metereologista defende que a discussão deixou de ser científica para se tornar política e econômica, e que as potências mundiais estariam preocupadas em frear a evolução dos países em desenvolvimento.



UOL: Enquanto todos os países discutem formas de reduzir a emissão de gases na atmosfera para conter o aquecimento global, o senhor afirma que a Terra está esfriando. Por quê?

Luiz Carlos Molion:
Essas variações não são cíclicas, mas são repetitivas. O certo é que quem comanda o clima global não é o CO2. Pelo contrário! Ele é uma resposta. Isso já foi mostrado por vários experimentos. Se não é o CO2, o que controla o clima? O sol, que é a fonte principal de energia para todo sistema climático. E há um período de 90 anos, aproximadamente, em que ele passa de atividade máxima para mínima. Registros de atividade solar, da época de Galileu, mostram que, por exemplo, o sol esteve em baixa atividade em 1820, no final do século 19 e no inicio do século 20. Agora o sol deve repetir esse pico, passando os próximos 22, 24 anos, com baixa atividade.

UOL: Isso vai diminuir a temperatura da Terra?

Molion:
Vai diminuir a radiação que chega e isso vai contribuir para diminuir a temperatura global. Mas tem outro fator interno que vai reduzir o clima global: os oceanos e a grande quantidade de calor armazenada neles. Hoje em dia, existem boias que têm a capacidade de mergulhar até 2.000 metros de profundidade e se deslocar com as correntes. Elas vão registrando temperatura, salinidade, e fazem uma amostragem. Essas boias indicam que os oceanos estão perdendo calor. Como eles constituem 71% da superfície terrestre, claro que têm um papel importante no clima da Terra. O [oceano] Pacífico representa 35% da superfície, e ele tem dado mostras de que está se resfriando desde 1999, 2000. Da última vez que ele ficou frio na região tropical foi entre 1947 e 1976. Portanto, permaneceu 30 anos resfriado.

UOL: Esse resfriamento vai se repetir, então, nos próximos anos?

Molion:
Naquela época houve redução de temperatura, e houve a coincidência da segunda Guerra Mundial, quando a globalização começou pra valer. Para produzir, os países tinham que consumir mais petróleo e carvão, e as emissões de carbono se intensificaram. Mas durante 30 anos houve resfriamento e se falava até em uma nova era glacial. Depois, por coincidência, na metade de 1976 o oceano ficou quente e houve um aquecimento da temperatura global. Surgiram então umas pessoas - algumas das que falavam da nova era glacial - que disseram que estava ocorrendo um aquecimento e que o homem era responsável por isso.

UOL: O senhor diz que o Pacífico esfriou, mas as temperaturas médias Terra estão maiores, segundo a maioria dos estudos apresentados.

Molion:
Depende de como se mede.

UOL: Mede-se errado hoje?

Molion:
Não é um problema de medir, em si, mas as estações estão sendo utilizadas, infelizmente, com um viés de que há aquecimento.

UOL: O senhor está afirmando que há direcionamento?

Molion:
Há. Há umas seis semanas, hackers entraram nos computadores da East Anglia, na Inglaterra, que é um braço direto do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática], e eles baixaram mais de mil e-mails. Alguns deles são comprometedores. Manipularam uma série para que, ao invés de mostrar um resfriamento, mostrassem um aquecimento.

UOL: Então o senhor garante existir uma manipulação?

Molion:
Se você não quiser usar um termo tão forte, digamos que eles são ajustados para mostrar um aquecimento, que não é verdadeiro.

UOL: Se há tantos dados técnicos, por que essa discussão de aquecimento global? Os governos têm conhecimento disso ou eles também são enganados?

Molion:
Essa é a grande dúvida. Na verdade, o aquecimento não é mais um assunto científico, embora alguns cientistas se engajem nisso. Ele passou a ser uma plataforma política e econômica. Da maneira como vejo, reduzir as emissões é reduzir a geração da energia elétrica, que é a base do desenvolvimento em qualquer lugar do mundo. Como existem países que têm a sua matriz calcada nos combustíveis fósseis, não há como diminuir a geração de energia elétrica sem reduzir a produção.

UOL: Isso traria um reflexo maior aos países ricos ou pobres?

Molion:
O efeito maior seria aos países em desenvolvimento, certamente. Os desenvolvidos já têm uma estabilidade e podem reduzir marginalmente, por exemplo, melhorando o consumo dos aparelhos elétricos. Mas o aumento populacional vai exigir maior consumo. Se minha visão estiver correta, os paises fora dos trópicos vão sofrer um resfriamento global. E vão ter que consumir mais energia para não morrer de frio. E isso atinge todos os países desenvolvidos.

UOL: O senhor, então, contesta qualquer influência do homem na mudança de temperatura da Terra?

Molion:
Os fluxos naturais dos oceanos, polos, vulcões e vegetação somam 200 bilhões de emissões por ano. A incerteza que temos desse número é de 40 bilhões para cima ou para baixo. O homem coloca apenas 6 bilhões, portanto a emissões humanas representam 3%. Se nessa conferência conseguirem reduzir a emissão pela metade, o que são 3 bilhões de toneladas em meio a 200 bilhões?Não vai mudar absolutamente nada no clima.

UOL: O senhor defende, então, que o Brasil não deveria assinar esse novo protocolo?

Molion:
Dos quatro do bloco do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o único que aceita as coisas, que “abana o rabo” para essas questões. A Rússia não está nem aí, a China vai assinar por aparência. No Brasil, a maior parte das nossas emissões vem da queimadas, que significa a destruição das florestas. Tomara que nessa conferência saia alguma coisa boa para reduzir a destruição das florestas.

UOL: Mas a redução de emissões não traria nenhum benefício à humanidade?

Molion:
A mídia coloca o CO2 como vilão, como um poluente, e não é. Ele é o gás da vida. Está provado que quando você dobra o CO2, a produção das plantas aumenta. Eu concordo que combustíveis fósseis sejam poluentes. Mas não por conta do CO2, e sim por causa dos outros constituintes, como o enxofre, por exemplo. Quando liberado, ele se combina com a umidade do ar e se transforma em gotícula de ácido sulfúrico e as pessoas inalam isso. Aí vêm os problemas pulmonares.

UOL: Se não há mecanismos capazes de medir a temperatura média da Terra, como o senhor prova que a temperatura está baixando?

Molion:
A gente vê o resfriamento com invernos mais frios, geadas mais fortes, tardias e antecipadas. Veja o que aconteceu este ano no Canadá. Eles plantaram em abril, como sempre, e em 10 de junho houve uma geada severa que matou tudo e eles tiveram que replantar. Mas era fim da primavera, inicio de verão, e deveria ser quente. O Brasil sofre a mesma coisa. Em 1947, última vez que passamos por uma situação dessas, a frequência de geadas foi tão grande que acabou com a plantação de café no Paraná.

UOL: E quanto ao derretimento das geleiras?

Molion:
Essa afirmação é fantasiosa. Na realidade, o que derrete é o gelo flutuante. E ele não aumenta o nível do mar.

UOL: Mas o mar não está avançando?

Molion
: Não está. Há uma foto feita por desbravadores da Austrália em 1841 de uma marca onde estava o nível do mar, e hoje ela está no mesmo nível. Existem os lugares onde o mar avança e outros onde ele retrocede, mas não tem relação com a temperatura global.

UOL: O senhor viu algum avanço com o Protoclo de Kyoto?

Molion:
Nenhum. Entre 2002 e 2008, se propunham a reduzir em 5,2% as emissões e até agora as emissões continuam aumentando. Na Europa não houve redução nenhuma. Virou discursos de políticos que querem ser amigos do ambiente e ao mesmo tempo fazer crer que países subdesenvolvidos ou emergentes vão contribuir com um aquecimento. Considero como uma atitude neocolonialista.

UOL: O que a convenção de Copenhague poderia discutir de útil para o meio ambiente?

Molion:
Certamente não seriam as emissões. Carbono não controla o clima. O que poderia ser discutido seria: melhorar as condições de prever os eventos, como grandes tempestades, furacões, secas; e buscar produzir adaptações do ser humano a isso, como produções de plantas que se adaptassem ao sertão nordestino, como menor necessidade de água. E com isso, reduzir as desigualdades sociais do mundo.

UOL: O senhor se sente uma voz solitária nesse discurso contra o aquecimento global?

Molion:
Aqui no Brasil há algumas, e é crescente o número de pessoas contra o aquecimento global. O que posso dizer é que sou pioneiro. Um problema é que quem não é a favor do aquecimento global sofre retaliações, têm seus projetos reprovados e seus artigos não são aceitos para publicação. E eles [governos] estão prejudicando a Nação, a sociedade, e não a minha pessoa.


Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2009/12/11/nao-existe-aquecimento-global-diz-representante-da-omm-na-america-do-sul.jhtm

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Xangai ergue muralhas para se proteger das mudanças climáticas




José Reinoso
Em Xangai (China)


O aumento do nível do mar ameaça inundar a cidade, motor econômico do país. Centenas de quilômetros de diques tentam proteger a grande urbe.


A água cor de chocolate se agita sem direção aparente sob a luz do entardecer. As barcaças navegam corrente acima no Huangpu, o afluente do Yangtsé que corta Xangai. As bandeiras nacionais vermelhas ondulam sobre os edifícios neoclássicos do quebra-mar do Bund. As obras matraqueiam, o tráfego zumbe. A capital econômica e financeira da China se prepara em ritmo acelerado para realizar a Exposição Universal no ano que vem e ocupar seu turno nos televisores de todo o planeta, como fez Pequim no ano passado com os Jogos Olímpicos. O lema do grande evento: "Melhor cidade, melhor vida".


Mas sobre essa megalópole de 20 milhões de almas pesa uma grave ameaça: ser engolida pelas águas. Não vai acontecer amanhã, mas poderia ocorrer no futuro se não tomarem medidas e não se frear a mudança climática.

Inundações, secas, ondas de calor e graves tempestades de neve aumentaram de frequência no último meio século e serão cada vez mais comuns no Yangtsé, segundo o maior estudo realizado até hoje sobre as consequências do aumento das temperaturas na bacia desse rio, onde vivem 400 milhões de pessoas e onde se originam 40% do PIB chinês.

"A mudança climática tornará cidades costeiras como Xangai mais vulneráveis às elevações do nível do mar, a fenômenos climáticos extremos e desastres naturais ou induzidos pelo homem. Terá um grande impacto sobre sua segurança", afirma Ma Chaode, especialista da organização não-governamental WWF (Fundo Mundial para a Proteção da Natureza) e um dos dois principais coa utores do relatório, que foi redigido por cerca de 20 pesquisadores, entre outros da Academia de Ciências chinesa e da Administração Meteorológica.

O estudo, divulgado em meados de novembro, afirma que as temperaturas médias na bacia, que ocupa uma superfície mais de três vezes maior que a Espanha, foram 0,33 grau mais altas na década de 1990, e a tendência está se acelerando. Entre 2001 e 2005 subiram 0,71 grau e nos próximos 50 anos poderão subir entre 1,5 e 2 graus, o que duplica o aquecimento previsto para todo o país.

"O nível do rio Suzhou [um dos que corta Xangai] subiu muito desde que eu era menino", diz Yuan Yulong, um morador de 77 anos, fazendo um gesto com a palma da mão a meio metro do solo. Yuan olha para o tributário do Huangpu e continua: "Cada vez faz mais calor. As geleiras estão derretendo".

Segundo um recente relatório da Universidade do Colorado (EUA), 24 grandes deltas, dos 33 estudados em todo o mund o, estão afundando devido ao aumento do nível do mar pelo aquecimento global e a ação humana, como a construção de represas, que retêm os sedimentos pluviais, e a excessiva extração dos aquíferos. Os cientistas afirmam que 85% sofreram graves inundações nos últimos anos e calculam que nas próximas quatro décadas a superfície de terra suscetível de alagamentos aumentará 50%.

A maioria desses deltas se situa na Ásia, entre eles o do Yangtsé. Segundo a Administração Oceânica Estatal chinesa, o nível do mar subiu 11,5 cm na região de Xangai nos últimos 30 anos, e calcula que aumentará 20 cm entre 1999 e 2050.

O problema se agrava pelo fato de que a superfície de Xangai está cedendo, devido à extração de água do subsolo e à alta densidade dos edifícios. Segundo o Unescap (organismo das Nações Unidas de cooperação econômica e social para a Ásia-Pacífico), o nível relativo da água na cidade chinesa subirá 43 cm até meados deste século.

As margens do rio Suzhou, situado a poucos quarteirões da central rua Nanjing, a mais famosa de Xangai, são uma das áreas de maior risco de inundações da cidade. Há anos foi instalada em sua confluência com o Huangpu uma barreira móvel de aço com uma centena de metros de comprimento e 5,86 metros de altura para regular as marés que sobem pelo estuário do Yangtsé. Durante um tufão em 1997 a maré subiu em Xangai 5,72 metros, quando a altitude média da cidade é de 3 metros.



"O aumento do nível do mar, somado ao afundamento do solo, pode obrigar a tomar medidas técnicas extremamente caras para cercar cidades inteiras de muralhas", explica Michael Kuhn, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Geofísica da Universidade de Innsbruck, Áustria.

Já está acontecendo. Antes das graves inundações sofridas em 1949, Xangai quase não tinha proteção. Desde então foram instaladas comportas nos afluentes do Huangpu e ergueram-se centenas de quilômetros de diques e muros de contenção, tanto na cidade quanto na costa.

Nas últimas décadas, o quebra-mar que protege o Bund foi elevado em várias ocasiões até alcançar 6,9 metros, e atualmente estão sendo reforçadas as paredes do leito do Suzhou, antes uma importante via comercial, ladeado por velhas fábricas e armazéns hoje transformados em bares e galerias de arte. "No ano passado eu tinha diante da loja árvores e flores, agora há essa parede de concreto p elo que pode acontecer", diz Dong, 31 anos, vendedor em uma loja de tubos metálicos. A poucos metros dali, uma dúzia de operários com macacões laranja trabalham em um muro de concreto de 30 cm de espessura e até 2 metros de altura sobre a linha da rua. Na margem em frente, por trás da parede do rio, sobressaem os telhados de algumas casas, cujo andar térreo está em um nível inferior ao do rio.

O Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático, na Alemanha, calcula que o mar poderá crescer 1 metro neste século e 5 metros até 2300. Os habitantes da antiga Pérola do Oriente rejeitam essas previsões apocalípticas. "Isto é Xangai. Aqui não pode acontecer nada", diz orgulhoso o ancião Yuan. "Se a água subir, aumentaremos os muros."


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/12/08/ult581u3686.jhtm