segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O colapso do agronegócio e a agricultura do futuro




21/1/2008


Por: Gerson Teixeira

“A pequena produção agroecológica se credencia para dominar a paisagem agrária do futuro”, afirma Gerson Teixeira, coordenador geral da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA, no DF, em artigo publicado no jornal Valor, 21-01-2008. Segundo ele, “a pequena produção agroecológica se habilita para hegemonizar, no futuro, a paisagem agrária, principalmente em países como o Brasil”. Assim, ele defende que “mais do que nunca, reforma agrária, agricultura familiar e meio ambiente devem passar a ser pontos de convergência das agendas das lutas populares no campo. E cumpre que se perceba a necessidade de luta pela revisão do Pronaf à medida que, na concepção atual o programa nivela as formas de gestão e produção dos camponeses às bases de organização da agricultura produtivista. Isto não ajuda a construir o futuro!”

Eis o artigo.

A interação de dois fenômenos estruturais são preditivos de uma atividade agrícola no futuro, organizada sob bases incompatíveis com a manutenção do agronegócio nos termos atuais. O primeiro fenômeno, de ordem econômica, subproduto da modernização conservadora da agricultura, diz respeito à trajetória erosiva, no longo prazo, dos níveis de rentabilidade econômica da base primária da atividade, decorrente do gap continuado entre preços agrícolas e custos de produção. Esse descompasso teve início com a auto-suficiência alimentar da Europa no final da década de 1970. À título de exemplo, de acordo com a FAO, entre 1980 e 2005, os níveis reais dos preços do milho, arroz, trigo e algodão declinaram, respectivamente, 55%, 50%, 46%, 60% e 54%.

Interagem com esse fenômeno os ganhos de produtividade agrícola em escalas incapazes de convergir as curvas dos preços e custos. A este respeito, vale consultar na Central de Informações Agropecuárias da Conab (www.conab.gov.br) os dados sobre a evolução dessas variáveis, para várias culturas, no período de 1998 a 2007.

Nos países ricos, o colapso da agricultura, por força desses fenômenos, tem sido evitado por políticas protecionistas vigorosas que incluem bilhões de dólares em ajuda aos agricultores.

No Brasil, a grande exploração agrícola tem resistido, com competitividade internacional, graças ao concurso de fatores como: a "cultura" da inadimplência no crédito rural, a precarização do trabalho, os baixos preços relativos da terra, o uso predatório dos recursos naturais e os incentivos da Lei Kandir.

Decorre das tendências acima, portanto, a rota desestruturante da base primária da agricultura empresarial, ao que tudo indica, inevitável, à medida que resultante de fatores dificilmente reversíveis, a exemplo do protecionismo agrícola, da imanência excedentária do modelo agrícola e dos processos de concentração e a centralização econômica dos capitais industrial, financeiro e comercial no entorno da atividade agrícola.

Poder-se-ia contra-argumentar que a economia dos agrocombustíveis imporá inflexão nessas tendências. Mas, o governo brasileiro, os agrosenhores e os seus agro-intelectuais garantem que não haverá competição com a produção de alimentos! Aliás, recomenda-se àqueles que ainda apostam na mega-economia dos agrocombustíveis, a interpretação política da lista de bens ambientais, sem o etanol, apresentada em Bali na COP 13, pelos EUA e Europa, em atropelo e desrespeito, como de praxe, às negociações entabuladas pelos mais de 150 membros do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC.

Esta ameaça à agricultura empresarial perde intensidade no caso da agricultura familiar e camponesa por conta dos valores e relações com a terra não restritos à lógica marginalista.

Com esta maior blindagem e levando em conta os efeitos do segundo fenômeno tratado na seqüência, a pequena produção agroecológica se habilita para hegemonizar, no futuro, a paisagem agrária, principalmente em países como o Brasil.

O segundo fenômeno deriva dos impactos na atividade agrícola das mudanças climáticas globais e, ao mesmo tempo, das contribuições da agricultura para o aquecimento global.

O mundo se depara com o grandioso (e ao que tudo indica, irrealizável) desafio de reduzir, entre 50% e 80% as emissões de gases de efeito-estufa, nos próximos 50 anos, para evitar que a temperatura global ultrapasse os 2 graus centígrados. E as medidas nesta direção devem ser implementadas, nas hipóteses mais otimistas, no prazo de até 15 anos.

A agricultura contribui de forma importante e será fortemente afetada por esse processo. Calcula-se que esta atividade seja responsável por 30% das emissões globais de gases geradores do efeito estufa. Afora as queimadas em países como o Brasil, o principal fator da contribuição da agricultura para o aquecimento global é o emprego intensivo de fertilizantes químicos. Daí decorre o seguinte dilema: sem a redução massiva da utilização dos agroquímicos não há possibilidade de redução do aquecimento global e, ao mesmo tempo, sem o uso crescente desses insumos a agricultura produtivista estará inviabilizada.

Neste quadro, no qual a grande exploração agrícola conspira contra a sua própria sobrevivência e a do planeta, os impactos do aquecimento global desestabilizadores da agricultura, previstos no último Relatório do IPCC, exigirão mudanças de profundidade na base técnica da agricultura sob pena de severas ameaças à segurança alimentar da população mundial.

É óbvio que os centros de pesquisa em todo o mundo já vêm se empenhando por soluções técnicas agronômicas para as situações de superstress que advirão do aquecimento global. Todavia, se, por exemplo, é possível a obtenção de variedades compatíveis com adversidades ambientais previstas, não parece razoável supor uma atividade agrícola no futuro ultra-intensiva em fertilizantes. A não ser que a opção seja pela destruição do planeta! Não sendo assim, é possível imaginar o atual modelo agrícola, sem os agroquímicos? Aí já seria um outro modelo agrícola!

Do mesmo modo, muitos cientistas asseguram que a agricultura com biodiversidade será essencial para a convivência com os desdobramentos dos mudanças climáticas. Como isto seria possível com um tipo de agricultura no qual a biodiversidade tem sido uma das suas principais vítimas? Além disso, sem monocultivos em escala não há possibilidade de viabilidade econômica para a base primária do agronegócio, nos termos atuais. De novo, agora por razões ambientais, a pequena produção agroecológica se credencia para dominar a paisagem agrária do futuro.

Em suma, se fatores desestabilizadores da natureza e da economia tendem a criar essa oportunidade de hegemonia para a agricultura familiar e camponesa, no futuro, resta que, na política, as suas organizações atuem para tal sob perspectiva estratégica.

Para tanto, mais do que nunca, reforma agrária, agricultura familiar e meio ambiente devem passar a ser pontos de convergência das agendas das lutas populares no campo. E cumpre que se perceba a necessidade de luta pela revisão do Pronaf à medida que, na concepção atual o programa nivela as formas de gestão e produção dos camponeses às bases de organização da agricultura produtivista. Isto não ajuda a construir o futuro!



Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11776

Jameson. Um pensamento crítico que acertou em cheio

Fredric Jameson


Por: Benedetto Vecchi



"Para Jameson, o desenvolvimento do capital mina, de fato, pela raiz o projeto do Moderno, radicalizando, todavia, algumas tendências já presentes na modernidade", comenta Benedetto Vecchi, em artigo publicado pelo jornal Il Manifesto, 29-12-2007. Segundo ele, "Pós-modernismo foi, de fato, uma obra seminal sem a qual teria sido impossível pensar um pensamento crítico na altura da grande mutação do capitalismo mundial".

Eis o artigo.

Estranho destino aquele do ‘Pós-modernismo’, o volume de Fredric Jameson que acaba de sair em italiano. Uma obra que assumira as orientações de alguns ensaios publicados na “New Left Review” quando o Muro de Berlim parecia uma presença destinada a durar ainda por séculos, mas que fora publicado nos anos em que as ruínas daquele muro eram vendidas como suvenir de uma era distante no tempo. Um punhado de anos, o tempo exato para inscrever Jameson entre as fileiras dos glorificadores da nova ordem mundial. Um verdadeiro e próprio escárnio para um estudioso que considerava o pós-moderno unicamente como a lógica cultural do capitalismo maduro. O ardil para desmontá-lo. Jameson não mostra realmente nenhuma indulgência com a retórica sobre o fim das grandes narrações que um filósofo francês seu contemporâneo, Jean-François Lyotard, distribuía a mãos cheias através dos seus ensaios.

Lyotard


O capitalismo maduro, argumentava Jameson, é uma totalidade que, no interior da oscilação entre homologação e diferença, prefere esta última para alimentar um pluralismo dos estilos de vida e a presença de identidades prêt-à-porter.

E, para melhor exemplificar sua reflexão, preferia seccionar manufaturas culturais entre si heterogêneas, obras arquitetônicas que devem ostentar o poder das multinacionais ou o aburguesamento das metrópoles americanas, aos romances de Thomas Pynchon, que desestruturam a progressão linear do tempo histórico. Para Jameson, o desenvolvimento do capital mina, de fato, pela raiz o projeto do Moderno, radicalizando, todavia, algumas tendências já presentes na modernidade. Uma mina de sugestões, a sua, que abriu filões de pesquisa até então desconhecidos, chegando a apresentar as obras do último Derrida ou de Michel Foucault não como testemunhos filosóficos, e sim como expressões, embora sofisticadas, de uma sociologia do capitalismo maduro.

A história seguiu depois o seu curso e as teses de Jameson foram liquidadas como um sofisticado exercício acadêmico. Em lugar da pílula pós-moderna se substituíram as fortes identidades baseadas na religião ou no sangue, um pensamento liberal-democrático que escolhe como sua raiz um iluminismo depurado de sua dialética e que aponta o indicador contra os postulados igualitários da democracia, enquanto a ressaca plúmbea do tsunami da globalização abriu caminho à guerra infinita ao terrorismo. Em suma, o pós-moderno de Jameson podia ser deixado à “crítica rotativa dos tópicos”. Mas, diversamente de quanto sustentam os críticos passados e atuais, era, sim, justo arquivar sua reflexão, mas somente porque havia acertado em cheio. Pós-modernismo foi, de fato, uma obra seminal sem a qual teria sido impossível pensar um pensamento crítico na altura da grande mutação do capitalismo mundial. O problema, se for o caso, é continuar sua exploração do presente, considerando a revitalização social-democrática ou as retóricas em torno das fortes identidades como variantes daquela condição pós-moderna que Jameson ensinou a encarar sem se ficar petrificado.