Operação da PF
expôs o elo entre energia insustentável e corrupção no Brasil; um efeito
colateral poderá ser um impulso às renováveis. O comentário é de Ricardo Baitelo e Carlos Rittl em artigo publicado por Blog do Planeta, 30-07-2015.
Eis o artigo.
Quando o governo
federal anunciou a decisão de construir duas mega-hidrelétricas no rio Madeira, mesmo após
um parecer contrário do Ibama,
ambientalistas e técnicos do setor chiaram. As usinas eram obviamente problemáticas do
ponto de vista ambiental: previa-se que causariam alagamentos, problemas à
pesca e pressão sobre a floresta e os serviços públicos em Porto Velho (tudo
isso está acontecendo hoje). O governo foi adiante: atropelou o Ibama, grudou nos ambientalistas o rótulo de
inimigos do Brasil e licenciou Santo Antônioe Jirau.
Começava ali um
roteiro que seria seguido depois em Belo Monte e
agora no complexo deusinas
do Tapajós: atropelos a salvaguardas socioambientais e fartos
subsídios a empreendimentos caros, de alto risco e baixa viabilidade econômica.
São investimentos que aumentam a fragilidade do sistema elétrico brasileiro ao
colocar a geração a milhares de quilômetros dos centros de consumo e, como
mostraram estudos recentes da Secretaria de Assuntos Estratégicos da própria
Presidência, ainda nos deixam em risco de desabastecimento por causa das
mudanças do clima. A ministra de Minas e Energia responsável por implementar
esse modelo, na administração Lula, atendia
pelo nome deDilma
Vana Rousseff.
A opção por hidrelétricas faraônicas fazia
ainda menos sentido quando se olhava o que estava acontecendo no panorama
energético lá fora. A energia solar entrava numa espiral descendente de preços,
com o avanço de uma revolução chamada geração distribuída: cada família poderia
produzir parte da eletricidade que consome ao instalar painéis solares em casa
– energia segura e sustentável. Durante anos o governo federal torceu o nariz
para a energia solar, alegando que essa fonte era cara demais. Só não explicava
por que subsidiar solar não podia, mas tudo bem empatar R$ 30 bilhões para
barrar o rio Xingu.
Uma das maiores
razões para essa fixação em grandes obras começou a ser escancarada pela
Polícia Federal e o Ministério Público: corrupção. A Operação Lava Jato,
que já havia levantado indícios fortes de pagamento de propinas em Belo Monte,
começou nesta semana a vasculhar mais a fundo o setor elétrico. Na última
terça-feira, foi preso o diretor licenciado da Eletronuclear.
A “holding” Eletrobras está agora na mira dos investigadores.
Há muito tempo se especula sobre o elo entre energia
insustentável e corrupção: partidos políticos fatiam entre si os cargos-chave
no setor. Os operadores de cada partido elegem as obras prioritárias e
distribuem sua execução entre as empreiteiras do “clube”. Estas superfaturam os
preços e, em troca, irrigam o caixa dos partidos e o bolso pessoal dos
operadores partidários nos órgãos públicos. Como requinte de crueldade, ainda
recebem crédito subsidiado do BNDES para isso, numa operação cujas dimensões o governo
relutou em revelar. Quanto maior a obra, quanto mais pedra, cimento e terra
escavada, mais gorda é a propina. A conta sobra para a população, que paga três
vezes: pelo sobrepreço, pelo subsídio e pelo passivo ambiental.
O conluio entre
agentes públicos e empreiteiras era algo de que apenas se suspeitava, até aLava Jato puxar o fio da meada de outra
produtora de energia suja e intensiva em capital – a Petrobras –
e botar na cadeia os
presidentes das maiores construtoras do país. O mergulho
ora iniciado no setor elétrico tem tudo para não deixar tijolo sobre tijolo.
Um efeito colateral
das investigações poderá ser um impulso às energias renováveis que operem de
forma mais descentralizada. Com a ligação entre construtoras e agentes públicos
exposta, o governo pode se sentir inibido em seguir tocando a mesma música. É
uma oportunidade para uma ação mais séria em geração solar distribuída
(contam-se em poucas centenas as residências no Brasil que têm painéis solares
e trocam energia com a rede).
O governo dá sinais
de que pressentiu o golpe. O próprio discurso de Dilma sobre
renováveis mudou: em 2012, ela chamava a energia solar de “fantasia”; no mês
passado, adotou
uma meta de expansão de eletricidade renovável para
20% da matriz em 2030. Mesmo que a meta não seja nada ambiciosa - poderíamos
chegar a pelo menos 40% - o fato de a presidente falar hoje em investir em
energia solar é, sim, novidade.
No mês que vem, o
Ministério de Minas e Energia realiza um leilão de energia solar fotovoltaica. Um
segundo está marcado para novembro, e só o ritmo atual de contratação já
superaria a meta pífia de 3,5 gigawatts instalados projetada pelo governo para
2023. Alguns Estados já começam a rever sua política de tributação para energia
solar.
Nunca se deve
duvidar da capacidade do sistema político brasileiro de mudar para manter o
status quo. Bem pode ser que após a Lava Jato a corrupção encontre outros caminhos
para continuar poluindo, desmatando e excluindo. Mas nunca o caldo de cultura
no país esteve tão favorável a outras fontes de energia, renováveis e limpas,
em todos os sentidos – e em novas formas de vendê-las e distribuí-las.
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