A questão dominante hoje se refere à sustentabilidade do crescimento. E, para enfrentá-la, devemos encontrar indicadores alternativos ao PIB. É desejável uma mudança radical na relação entre economia e política, no plano das relações internacionais, do destino dos recursos e das finanças.
Essa é a opinião do político italiano e ex-ministro da República, Giorgio Ruffolo, em artigo para o jornal La Repubblica, 04-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
A atenção voltada à crise se concentra geralmente na questão da sua duração. Poucos se perguntam se e como, depois da crise, a economia capitalista mudará.
Durante a grande crise dos anos 30 – a que mais se assemelha à atual – não eram poucos os que pensavam que o fim da crise coincidiria com o fim do capitalismo. Com efeito, não faltou muito. Hoje, ninguém apostaria um euro. E nem um dólar. O capitalismo não será eterno. Mas é certo que ele não tem os dias contados. Talvez, os séculos.
Há três formas bem consolidadas que o capitalismo introduziu na sociedade moderna e que parecem historicamente duradouros: o primado da economia como motor da história; o primado do capital na estrutura da economia; o primado do mercado na sua regulação. Essas três características estão na base da quarta: o movimento de crescimento contínuo que o capitalismo imprimiu na economia mundial.
Essas características, as três primeiras principalmente, fazem do capitalismo um sistema praticamente insustentável. A sua alternativa mais grandiosa, a comunista, naufragou. E não merece nostalgias.
Isso não significa que tudo deve voltar a ser como antes. Essa, mais do que uma previsão, é uma aspiração ideológica. Voltar, depois de uma custosa parada, ao usual: "il carro stride del passegger che il suo cammin ripiglia" [a carroça range por causa dos passageiros que retomam seu caminho]. Será assim? Não acredito. O capitalismo conta os séculos, mas muda, a cada tanto, a conta. Houve um capitalismo liberal, um protecionista, um keynesiano, um liberal, cada um profundamente diferente do outro. Esta última está saindo da crise com os ossos quebrados. Parece razoável perguntar se o capitalismo que sairá dessa crise será muito diferente daquele que nela entrou: e em quê.
Percorramos rapidamente as três características duradouras do capitalismo. É (quase) certo que o motor da história continuará sendo a economia (aquele "quase" precisaria de um discurso diferente que obviamente desconsideraremos aqui). Mas o motor age em uma máquina que pode mudar. As máquinas políticas, dentre as quais o capitalismo agiu, foram caracterizadas por diversas hegemonias nacionais: a italiana, a holandesa, a britânica, a norte-americana.
No último século, a hegemonia norte-americana foi incontestável. Será também no futuro? A crise colocou-a sob dura prova. E, enquanto isso, surgiram novas potências políticas: Índia e China. Para não falar das potências econômicas multinacionais que são capazes de se eximir também da influência da Superpotência política. Tudo isso determina uma condição de desordem econômica mundial que esta última não é capaz de dominar.
Segundo ponto. Por meio da globalização e da financiarização, a prevalência do capital se tornou preponderância, com consequências ingovernáveis de instabilidade e perigosamente conflitantes de iniquidade. Uma economia constantemente exposta à inflação e ao afrouxamento das bolhas especulativas não é o quadro ideal para a difusão do bem-estar.
Terceiro ponto. A mercantilização da economia introduziu, no sistema, dois fatores socialmente desagregadores. O primeiro é o desequilíbrio entre a superabundância dos consumos privados e a pobreza dos bens sociais (escola, saúde, cultura, solidariedade, meio ambiente). O segundo, ainda mais grave, é a mercantilização das regras. Se as regras do jogo entram no jogo, o jogo se destrói. Se os árbitros podem ser comprados, não ocasional e criminalmente, mas "regularmente", não existe mais partida. Isso ocorreu vistosamente nos fenômenos colusivos da crise atual e na mercantilização de títulos que deveriam ser instrumentos de garantia e não objetos de especulação.
Esses três aspectos, em si sós, justificariam uma mudança radical da relação entre economia e política: no plano das relações internacionais das trocas e dos câmbios; no da distribuição dos recursos entre economia e finanças, entre capital e trabalho; no do destino dos recursos, entre bens privados e bens públicos e da distinção entre contratos e produtos, entre mercadorias e regras de câmbio.
Resta o quarto aspecto decisivo, que é hoje obscurecido pela preocupação dominante de sair de qualquer forma e o mais rápido possível da crise: o da sustentabilidade do crescimento. Deveria ser a questão dominante. Hoje, somos guiados por um indicador enganoso, o PIB, que viola o princípio fundamental da economia, a distinção entre renda e custo: um verdadeiro absurdo, para não dizer uma vergonha.
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